terça-feira, 30 de novembro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO


30 de novembro

HUMILDADE DE UM LEPROSO

Elmar Carvalho

Durante alguns meses do ano de 1976, trabalhei no setor de encomendas internacionais (ou colis postaux) dos Correios, que funcionava num dos andares do prédio da Delegacia do Ministério da Fazenda, em Teresina. O encarregado de fiscalizar as mercadorias era o auditor-fiscal da Receita Federal José Parentes de Sampaio, com quem terminei fazendo amizade, apesar de ser bem mais velho que eu, então um garoto de 20 anos de vida. Nessa época, eu fazia o último ano do antigo científico, hoje segundo grau. Tentava me firmar como poeta, e a poesia estuava em mim com muita força e intensidade. Mostrava os poemas manuscritos, recém saídos do bico da esferográfica, ao Zé Parentes ou os recitava em voz alta e com gestos largos de muito entusiasmo. Era ele um cidadão refinado. Gostava de música erudita, de jazz e das grandes bandas americanas. Era uma cultura enciclopédica. Sabia um pouco de tudo e sabia muito de muitas coisas. Gostava de conversar com ele, quando o serviço me permitia. Ele gostava de resolver palavras cruzadas, e disso e de suas leituras adquiria muito de sua erudição. Sem ser um pernóstico, tinha um vocabulário riquíssimo, e um dia deixou-me perplexo com um advérbio que me atribuiu e que eu desconhecia na época; disse que eu era supinamente inteligente. Fiquei na dúvida se era um elogio ou se uma gozação, e por isso olhei para ele com um ar que pretendia fosse irônico. Ele sentiu a minha ignorância e traduzia o vocábulo para um português vulgar.

Vez ou outra, ele era visitado pelos seus colegas do Ministério da Fazenda, que eram seus amigos. Por lá passavam o ex-deputado Milton Aguiar, Chico Eduardo, pai do magistrado Carvalho Neto, Alberone Lemos e o professor Barreto, o velho Barretão de guerra, sempre alegre, de alegria esfuziante, com a sua voz de potente trombone, invariavelmente a enriquecer suas frases com a sua interjeição predileta: caramba! Alberone andava sempre elegante, a ostentar boas roupas, um belo cinto e uma fina gravata, que jamais relaxava. Gozava de prestígio no conceito das pessoas por ter o título de correspondente de importante jornal do sul do país. Era pai do Alberone Filho, grande jornalista, de redação ágil e cultor das belas letras. Falecido precocemente, deixou um romance inédito. Se não estou enganado, o Kenard Kruel, que lhe tinha admiração, andou tentando editar essa obra. Certa feita, no auge de minha empolgação juvenil, recitei para o Barretão um poema que acabara de fazer, e que terminei extraviando em minhas andanças e descuidos da mocidade. Em certo trecho, em flagrante exagero, eu dizia nesses versos que “quisera ter a humildade de um leproso”. Quando eu pronunciei essa frase, o Barreto caiu por terra, como se fosse um muçulmano, a bradar com sua voz estentórica, enquanto beijava, repetidas vezes, o tapete que cobria o piso da sala: “Grande, grande humildade! Caramba!” No começo do ano seguinte, retornei a Parnaíba, para cursar Administração de Empresas. Poucos anos depois, para minha tristeza, soube da morte de Zé Parentes, ainda relativamente novo, para os dias atuais. Ao que me parece, foi uma cultura que poderia ter se multiplicado através da escrita e da cátedra, mas que ficou contida em si mesma e nas raras ocasiões em que se manifestava através de saborosas conversas.



Simão Pedro disse...

Lendo o texto, fiquei refletindo na expressão "Humildade de um leproso", esse mal terrivel que até hoje resiste, já foi mais temido em épocas passadas. Na judéia, ao tempo de Jesus, eles viviam numa região conhecida como vale dos imundos,morriam ali abandonados pela sociedade e pela própria familia,e eram dados como mortos. Jesus, quando os curava, lhes recomendava se apresentarem às autoridades para que tivessem seus nomes reinscritos no livro dos vivos,e sempre os aconselhava para que não tornassem a pecar. Depois da partida do Mestre, uma mulher se tornou a grande líder deste vale, abandonada pelos discípulos, vai cuidar destas criaturas nesse vale de dores. Convivendo com eles,levando o pão espiritual que lhes faltava, tratando suas feridas, consolando e confortando os irmãos de infortunio,termina por adquirir o terrível mal. Ao ver sua pele antes limpa e macia ser tomada por manchas violáceas, seu corpo sendo invadido por chagas purulentas, se regozija e agradece a Deus por estar contaminada.Finalmente recebe a lição que lhe faltava. Ela que teve a seus pés ricos e poderosos, a corte de César, de Herodes e o própio Sinédrio,ela que foi a mais poderosa e rica mulher de toda a Judéia, nunca conheceu o verdadeiro amor. Estava ali agora, doente, pobre e abandonada, mas com o coração feliz pois finalmente encontrara o verdadeiro amor na dedicação e no amor ao próximo.Essa mulher que nos dá essa grande lição de humildade, foi também a maior coversão do evangelho, se chamava simplesmente Maria de Magdala.
Que tenhamos também um dia, a humildade dos leprosos.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

DECÁLOGO

WILTON DE MAGALHÃES PORTO

Governador Wellington Dias e Wilton Porto e sua esposa, quando o poeta recebeu a medalha do Mérito Renascença

PERGUNTAS FORMULADAS POR ELMAR CARVALHO
    1. Como e quando foi o seu início como leitor de literatura?
R. Tão logo eu comecei a ler com desenvoltura, ainda no primário. Eu tinha entre nove a dez anos, pois comecei a estudar muito tarde – oito anos de idade – por questão de saúde. Eu fora uma criança muito doentia. Com oito anos de idade adquiri uma doença chamada encefalite que quase me levou à morte. Eu era um frequentador assíduo das bibliotecas de colégios. Também gostava da literatura contida nos livros didáticos. A poesia me era um grande atrativo. Além do mais eu era muito estudioso. Somos uma sequência de encarnações. Já está na mente o desejo de continuarmos aprendendo. Nem todos acreditam, contudo temos todos os atributos de Deus. E Deus é movimento e constante desenvolvimento.

    2. Como e quando começou a sua atividade literária?
R. Na escola, desde quando iniciei, mostrava-me superior aos colegas de sala de aula. Na terceira série do Grupo Escolar “Areolino de Abreu”, em São João do Piauí, minha cidade natal, mostrei uma poesia intitulada “O FILHO DAS MATAS”, para minha tia, com quem eu morava na época, já que minha mãe e meus irmãos estavam todos em São Paulo e meu pai era separado de minha mãe. Ela levou a poesia para a escola e mostrou aos colegas professores. Ela chegou em casa muito brava: disse que os colegas informaram que eu havia copiado aquilo de algum poeta reconhecido. Mais tarde, já no ginásio, li Juca Pirama, de Gonçalves Dias. Aquela leitura me fez pensar que os professores do Areolino de Abreu imaginaram que eu havia usado a poesia desse grande poeta romântico-indigenista para fazer a minha. Eu nem conhecia a literatura de Gonçalves Dias.
No Ginásio “Frei Henrique” a biblioteca era muito boa e lá me tornei frequentador Record. As minhas poesias e redações eram admiradas por todos. Eu fazia poesia para colegas e namoradas. E um dia peguei um castigo em que Monsenhor Solon pediu a mim e ao Cláudio que decorássemos Voz d’África. O tempo passava e nós dois de castigo. Minha mãe foi falar com Monsenhor Solon, dono da escola, e quem aplicara o castigo. Dissera a ele que eu havia tido encefalite e não podia forçar a mente. Eu realmente, até hoje, tenho dificuldades de decorar. Ele diminuiu o tamanho da poesia e ainda assim eu não decorava. Então, certo dia, eu escrevi no quadro negro, uma poesia intituladas “A VOZ DO CATIGADOS”, e deixei lá no quadro. Cláudio anotou a poesia e mostrou para o Mons. Solon. Este me chamou e disse: “Devido a esta poesia vocês estão sem castigo. E me deu a poesia. Eu não ligava para o que escrevia. As minhas primeiras criações sumiram nas tantas mudanças, pois morei em estados diferentes e muitas casas também diferentes. Tornei-me o intelectual da cidade. No Dia das Mães, de 1970, eu me tornei o centro das atenções da cidade, quando cantei uma canção minha para uma plateia lota de mães. Todas chorando e meu pai lá da porta me ouvindo. Minha mãe morava em São Paulo. A canção tinha o título de: “Mãe! Ouça-me... ao menos cantar!” No dia seguinte, eu fui para o centro encontrar com amigos e ouvi minha voz cantando essa canção em amplificadoras da cidade. Naquela época não havia emissora de rádio por lá. Foi assim que tudo começou. Inclusive os jovens criavam grupos políticos e se faziam discursos inflamados em praça pública. Iniciei a vida jornalística escrevendo em mural ou tablado, que era colocado na praça mais central, em que fazíamos críticas, principalmente couros de animais que eram estendidos nas portas para pegar sol.

  1. Teve influência literária? Se teve, quais foram essas influências?

R. De início. Acredito que Castro Alves tenha sido o poeta que eu muito admirava. Depois veio Fernando Pessoa. Mas eu lia de tudo: poesia, romance, conto, crônica, conto. Achava lindas, as poesias bem rimadas de Olavo Bilac. Mas um Manuel Bandeira, bem mais simplistas, com aqueles versos abertos era bem melhor do que ler Camões. Achava Gregório de Matos corajoso com aquelas críticas e me deliciava com seus poemas religiosos. Eu comecei a ser muito religioso muito cedo. Tenho mais livro de religião do que de literatura. Li autores de todas as Escolas literárias. Mas me sinto um modernista. Quando eu despertei realmente para a necessidade de ler grandes clássicos, porque a literatura já fazia parte de minha vida, as condições financeiras dificultavam a compra de bons livros. A vida não facilitou para que a casa da moeda jogasse flores no meu jardim chamado cofre.

  1. Qual o fato mais marcante de sua carreira literária?
R. Logo após eu publicar o meu primeiro livro: “EU, A POESIA E O SÉCULO”, editado em São Paulo, fui a Teresina a passeio. O poeta Menezes y Morais publicou uma longa matéria no Jornal O DIA e A. Tito Filho vinha publicando poesias minhas em colunas dele em jornais da capital. Durante uma festa, muitos jovens ficaram atrás de mim para saber sobre literatura. Eram jovens estudantes que conheciam meu irmão que mora até hoje em Teresina. Muitos rabiscavam versos e estavam com sede de conhecimento. Aquilo fora muito marcante. Eu estava sendo centro das atenções na capital e ainda morava em São Paulo. Comecei a sentir-me poeta. Também, apesar de não ser membro, freqüentei a UBE-SP enquanto morei lá. Residi em São Paulo por nove anos. Fui levado pelo escritor e poeta piauiense Clóvis Moura, que fazia parte da diretoria daquela casa. Fui membro do Movimento Poético Nacional (SP) e quando vim morar em Parnaíba eu fora encarregado de representar esse movimento aqui.
    5. Como conseguiu editar os seus livros?
    O primeiro, contei com a ajuda do meu patrão, no tocante a verba. Como eu conheci Clóvis Moura e ele até me levou para participar dos encontros na UBE-SP, ele não só fez o prefácio do meu livro como me levou a uma editora. Depois passei a morar em Parnaíba. A “Geração Mimeógrafo” estava na ativa. Agrupei-me ao Movimento Inovação, que eu já conhecia desde São Paulo, e assim ia publicando de forma mimeografada, com recursos próprios. O penúltiplo, eu contei com a ajuda do Herculano Morais, intitulado O CURTIDOR DE PELES. O último, um livro de bolso de 22 páginas, com poesias pequenas, eu também paguei a gráfica. O título é: TOM DO DÓ DA DOR, que depois enviarei para você, via e-mail, já que tem poucas páginas. Tenho outro com o Kenard Kruel há um ano e ele ainda não publicou. Ficou na promessa. Gosto desse livro inédito: “CANÇÃO PARA ANA LI”. Existem outros inéditos, inclusive na área de Terapias Naturais, como também minha monografia sobre Monsenhor Antônio Sampaio, que é o meu Patrono no IHGGP.

  1. Qual o principal livro e qual principal texto (conto, crônica, poemas, ensaio etc.) de sua autoria?
R. Já ganhei muitos prêmios com literatura. Inclusive, eu já recebi a Medalha Renascença, pelo somatório dos trabalhos desenvolvidos. Uma peça teatral: “UM AMOR ASSIM!...” foi a melhor do ano de 1990. Durante aquele ano, eu era diretor, autor e ator do Grupo de Artes Dramáticas (GAD). As peças teatrais, monólogos, dramatizações ou eu escrevia ou fazia adaptação de minhas poesias. Todo final de semana, nós levávamos gente de toda a cidade, muitas pessoas do bairro Piauí, e a Concha Acústica da cidade ficava lotada. Sucesso total. Publiquei uma série de crônicas sobre a minha época de estudante no Ginásio “Frei Henrique”, em São João do Piauí. A nossa quarta série era famosa pela inteligência dos integrantes e pelo muito que aprontava. Essas crônicas foram publicadas, se não me engano, no jornal Norte do Piauí, Parnaíba, e eu fui o grande destaque do ano (que não me lembro). Muito material publicado por mim fora jogado fora, devido ácaros, mofos... E tanto eu como minha esposa temos rinite alérgica. Livro novo ou velho que tem cheiro forte, eu já não posso ler, o que tem me deixado muito triste. Comprei um livro do Salgado Maranhão (A COR DA PALAVRA) e ainda não pude lê-lo por isso. Em termos de livros, o primeiro tem sempre um sabor especial. É o começo. E quando a aceitação é enorme, o coração dispara, nos sentimos nas nuvens e começamos a acreditar que somos poeta, escritor...

  1. Os órgãos oficiais de cultura do Piauí têm cumprido sua finalidade, no tocante à literatura? Comente.
R. Toda vez que um Secretário de Cultura do Piauí ou representante vem a Parnaíba faz muitas promessas. Prepara reuniões, promete e nada acontece. Nem parece que tem representação da Fundac nesta cidade (Parnaíba). Toda vez que leio um fôlder em que se manifesta o desejo de ajudar os autores, pedem tantas coisas, tem-se que fazer projeto e ainda esperar que seja aprovado. As academias de letras não têm dinheiro nem para as publicações da própria revista. Isso acontece em Teresina e Parnaíba. É lógico que em todo lugar existem os privilegiados – aqueles que conseguem o que desejam. Não é só questão de talento. Eu costumo vender meus livros. Contudo, eu saio vendendo pelo comércio, oferecendo a amigos. Se queremos publicar livros, temos que arcar com o dinheiro. Conheço muita gente com livros engavetados. A Fundação Monsenhor Chaves, a qual você já foi presidente, fazia um ótimo trabalho. Acredito que ainda o faça. A UBE-PI, eu soube que está numa solidão que só. Época das quadrilhas, reisadas, carnaval até que esses órgãos se dão ao trabalho de fazer algo. Eu criei um grupo, aqui, para lutar pelo Jardim dos Poetas. Você não sabe o que ouvi do vice-prefeito, que achava que era um grupo político petista querendo baderna. Depois de voltar a si, e provarmos a seriedade do movimento, ele prometeu ajudar. Colocaram luz, fizeram uma limpeza lá e pensamos e que a coisa ia andar. Caiu no esquecimento e lá voltou a servir de banheiro e outras coisas mais não recomendáveis.
Mas tem muita gente e grupos que fazem cultura no Piauí, que de forma direta ou indireta terminam recebendo alguma ajuda. Salão de livro, folclore, festivais, publicações, shows musicais, teatro, humor, lançamentos de livro, concursos literários, tentativa de colocar os escritores do estado nas provas de vestibular, como aos poucos sermos estudados nas escolas.

  1. Em relação ao Brasil, que diria da Literatura Piauiense?
R. Assis Brasil, um dos principais nomes de nossa literatura e um dos mais conhecidos fora do nosso estado diz que, “não ficamos a dever a nenhum escritor do país”. Na frase dele está incluso os poetas, que na verdade são os que mais produzem no Piauí. Os Salões de livro têm trazido escritores de várias partes do Brasil e o sucesso a cada ano é maior. E está se espalhando por todo o Piauí. Nomes como Da Costa e Silva, Renato Castelo Branco, Esdra do Nascimento, H. Dobal e tantos outros mais novos já começam a traçar seus nomes lá fora. É lógico, como diz Francisco Miguel de Moura, que os estados, como Rio e São Paulo tentam nos esconder, têm ciúmes do nosso potencial e tentam nos barrar. Mas aos poucos os escritores piauienses vão enviando seus livros e recebendo belos elogios como resposta. Na grande lista dos nomes consagrados, quase não se vê piauienses. Mas, lá fora, quem conhece nomes que já citei e Fontes Ibiapina, Mário Faustino, Abdias Neves, Berilo Neves. O. G. Rego de Carvalho, Torquato Neto Chico Miguel, Clóvis Moura, Alcenor Candeira Filho, Elmar Carvalho, Manuel Paulo Nunes e tantos outros, ficam de queixo caído. O Piauí tem escritores e poetas que sabem o que fazem com a caneta ou teclado de computador.
Meu caro escritor Elmar Carvalho, temos de lembrar que os autores piauienses não têm condição de publicar livros em grande quantidade. Negam-nos a divulgação nos grandes centros do país. E o autor não tem condição de fazer isso em grande escala. E para complicar, ainda tem os grupismos. Acaso tivéssemos as mesmas oportunidades dos paulistas ou cariocas, tenho certeza de que arrasávamos. Mas a internet está aí. E até nome humilde como Wilton Porto tem tido sua vez lá fora.

  1. Que importância atribui à internet na divulgação literária?
R. A literatura em todos os níveis e em todas as localidades nunca foi tão divulgada! Eu mesmo venho escrevendo em vários sites ou blogs. Posso lembrar alguns: Recanto das Letras, Portal sanjoanense, O Piagui. ritissima, Cícero Evandro... Se botarmos os nomes de Wilton Porto ou Elmar Carvalho no Google, lá encontraremos vários trabalhos nossos publicados e os sites ou blogs que foram publicados. Se quisermos saber sobre certo livro ou autor, ou qualquer assunto de interesse, encontraremos na internet. Numa rapidez estrondosa. Mas é uma faca de dois gumes? É. Certa vez enviei uma poesia que tinha como autor Carlos Drummond de Andrade para a poetisa Ednólia Fontenele. Não me lembro o conteúdo. Sei que era interessante e eu recebi de um colega via e-mail. A poetisa respondeu-me apenas assim: “Será que é dele mesmo?” Ela tinha dúvida se era de Drummond, apesar de bem escrita.
De qualquer forma, hoje existem várias formas de nos comunicar e divulgar via internet: E-mail. Facebook, Twitter, comunidade, blogs... Você mantém blogs sob sua responsabilidade. Sabe bem que no mundo inteiro você está sendo lido. E ainda divulga os seus colegas. Temos os riscos dos vírus, roubo de senha, etc. É agir com responsabilidade. E ler o que se achar bom ou conveniente ou mudar de site. Quando se tem o mínimo valor, haverá sempre quem esteja disposto a oferecer uma oportunidade para divulgar o trabalho daquela pessoa. Quem não pode publicar um livro, se inscreve no site tipo Recanto das Letras e lá você terá uma coluna à sua disposição. Nem carioca, nem paulista, nem mineiro, nem ninguém dificultará sua publicação e o Google ainda mostra que você está publicando lá. Os que são bons aparecem, são pesquisados, elogiados até no exterior.

  1. Como e por que se fez literato?
R. Nascemos com a tendência. As leituras nos empolgam. A musa fica mexendo com a nossa intuição. Assim, nos vemos de caneta na mão escrevendo algo. Alguém gosta daquilo que você escreveu. Faz elogios, incentiva. Nossos pais, que nos oferece bons livros, também contribuem. Acredito que a grande maioria começa assim. Comigo não fora diferente. Comecei muito cedo. Porque o que eu escrevia encontrava leitor para elogiar e não destruir. No meu caso específico, eu não ligava muito para isso. A vontade vinha e a caneta corria no papel. Só quando eu percebi – já muito adulto e com livros escritos – que eu tinha algum valor é que me preocupei em ser um escritor, jornalista, poeta de verdade. Aos pouquinhos estou chegando lá. Pena que as condições financeiras não me permitem comprar bons livros. E no passado, eu me preocupava em comprar livros de religião. Eu fazia muitas palestras, era ministro da Igreja Católica e fazia parte de todas as paróquias de Parnaíba, inclusive da Ilha. Eu era muito cotado para palestrar e os meus conhecimentos bíblicos sempre arrancaram elogios por onde passei. Fiz muitos trabalhos no interior do Maranhão e muitas vezes, fiz o papel destinado aos padres. Ainda não tenho bons pistolões – aqueles que fazem de tudo para nos divulgar, publicar nossos livros, nos apresentar a escritores que já atingiram uma ótima projeção no Brasil. Talvez eu ainda não tenha atingido o grau para tal merecimento. Prefiro não me preocupar com isso e nem ficar usando da internet para promover-me de forma que todos saibam que isso está acontecendo. Mas sou grato a muita gente que me tem dado uma força: publicando trabalhos meus. Você, atualmente, tem feito isso. Rita de Cássia Amorim Andrade tem me sido um Anjo nesse sentido. Porém, como eu já disse: quem é bom sempre aparece.

domingo, 28 de novembro de 2010

ANTOLOGIA DO NETTO

TEXTO E CHARGE: JOÃO DE DEUS NETTO


RUBERVAM DU NASCIMENTO

Rubervam Du Nascimento nasceu na Ilha de Upaon-Açu, Maranhão, vive e trabalha em Teresina. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Piauí. Compõe a Editoria de Literatura da Revista de Cultura Pulsar. Publicou colunas e artigos literários em revistas e jornais. É verbete da Enciclopédia de Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa. Presidiu a União Brasileira de Escritores do Piauí – UBE/PI. Participou de coletâneas de poesias e contos nas décadas de 70 e 80. Livros individuais editados: A Profissão dos Peixes, 2ª edição, revista e diminuída – Editora Códice/DF (1993); Marco-Lusbel desce ao inferno, 1º lugar no 1º Concurso Nacional de Poesia da Editora Blocos/RJ (1997); Os Cavalos de Dom Ruffato, Prêmio Literário "Cidade do Recife", categoria: poesia 2004 - Fundação de Cultura Cidade do Recife/PE (2005).

sábado, 27 de novembro de 2010

ENIGMA

ELMAR CARVALHO



entre o som
        o sono
        o sonho
        a sombra e a sobra


eu me decomponho
em escombros
em farpas e agulhas
escarpas e fagulhas


desfeito enfim
em fogos de artifício
feito estrelas de mim


esfinge autoantropofágica que
não se decifrou e que a si
mesma se devorou

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A TRISTE PARTIDA DE “MALAQUIAS SORRISO”


ALCIONE PESSOA LIMA


A paz e a tranquilidade dominavam um certo lugar. E quem ousava quebrar o silêncio? Nem os pássaros...!Tampouco um olhar, um sorriso, um gesto amigo, na tentativa de confortar uma alma angustiada. Nem mesmo a ameaça, o terror, nada o faria acordar.
De repente, uma palavra rude, uma insinuação irônica, daquelas que magoam pessoas sensíveis, fizeram-no lançar o olhar e em um gesto de reprovação balançar a cabeça, como a pedir respeito. 

Naquele momento em que fotografava o silêncio colhia pétala por pétala das flores que coloriram o seu caminho. E sem que desejasse, sentia a dor da morte, que o acenava, convidando-o para um passeio. Era a liberdade desejada.

De arreios e esporas uma besta lhe mostrava os dentes, convidando-o a uma cavalgada última, por um desfiladeiro, naquela despedida solitária de tudo quanto lhe foi valioso.

Por um momento, oscilante, vagueou por campos e prados. Visitou a todos os amigos de jornada, tomou um gole de cachaça, revitalizou a alma, que insatisfeita não queria a separação. O corpo caindo aos pedaços não alcançava o espírito, que batia asas e planejava o vôo, dispensando qualquer tipo de palpite ou modo de se conduzir.  

E prostrado frente àquilo que achava ser sua grande realização, praguejou-se despido de qualquer escrúpulo, repetindo Goethe(Mefistófeles-Fauto): “De que serve o eterno criar, se a criação em nada acabar?” E foi-se assim, em um último suspiro, sem que deixasse para os que presenciaram a sua partida um sorriso, gesto que o marcou por toda sua vida.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

DALILÍADA - épico moderno baseado na vida e na obra de Dalí

ELMAR CARVALHO



IX

A tela estava intacta
porque o pintor pintava
o nada de sua vida vazia
onde o oceano jazia no abismo
de uma órbita que sequer existia.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO


24 de novembro

OUTRO ENTARDECER EM AMARANTE

Elmar Carvalho

Na véspera das eleições gerais, estando tudo absolutamente tranquilo, fui contemplar o por-de-sol amarantino. Ao passar pela avenida Desembargador Amaral, em demanda do cais do rio Parnaíba, vi umas pessoas sentadas na calçada do Museu do Divino, criado e mantido por Marcelino Leal Barroso de Carvalho, que foi meu professor no curso de Direito da UFPI. Graças ao seu empenho e recurso financeiro, foi reativada a antiga Festa do Divino, com sua alegria, cores, músicas, insígnias e estandarte, cujo cortejo percorre os vetustos casarões e ruas de Amarante. Tempos atrás, dentro da programação desse folguedo religioso, tive a satisfação de ter o meu livro Lira dos Cinqüentanos lançado na grande sala de um dos solares da cidade. Hoje, é ele o diretor geral do Instituto Camillo Filho, que ajudou a fundar, ao lado do professor Charles Silveira, de quem também fui aluno. Fui cumprimentado pelo professor Melquíades. Pedi-lhe transmitisse ao seu irmão Marcelino as minhas considerações. Conduzido pelo defensor público Ivanovick Pinheiro, que viera disputar uma partida de futebol, fui postar-me em meu observatório, no Pelicano.


Meia hora depois, passou pelo cais, onde eu me encontrava, o professor Melquíades, que fora dar uma volta pela cidade, acompanhado pela família. Ele, na condição de exímio violonista, participa da parte musical da Festa do Divino. Mas não é só virtuose do violão, o que já seria muito; toca também instrumento de sopro, órgão e piano. Portanto, é literalmente um homem de sete instrumentos. Formado em Filosofia, tem especialização em História da Arte e Arquitetura. Ante a sua pós-graduação, Melquíades tem escrito alguns textos historiográficos, e passou, evidentemente, a interessar-se mais pela História do Piauí, e de Amarante, em particular. Em sua passagem pela beira-rio, entretivemos uma rápida conversa. Disse-me ele que as velhas carrancas, que guarneciam a proa das embarcações do Parnaíba, antecederam, ao que tudo indica, as do São Francisco. Existem informações sobre esse amuleto em livros do estrangeiro Ludwig Schweenhagen, que o homem simples chamava jocosa e onomatopeicamente de “chove nágua”, e da professora Mafalda Balduíno. É vero que alguns intelectuais torcem o nariz com relação a certas teses do primeiro, como a de que os fenícios estiveram no Piauí, especialmente em Pedra do Sal, que seria uma espécie de porto desses antigos navegantes, e Sete Cidades, cujas caprichosas formações rochosas, esculpidas pelo tempo, o vento e a chuva, devem ter incendiado a fértil imaginação do austríaco. Segundo me contou Melquíades Leal, as carrancas do Parnaíba tinham um artefato de couro de boi, algo semelhante a duas asas laterais, que dispunham de um mecanismo que lhes dava movimento. Os indígenas, que perlongavam a sinuosidade do Velho Monge, direcionavam suas flechas contra a carranca, e não contra os seus passageiros e tripulantes, por ser um alvo mais à vista e porque aparentava conduzir o barco. Eram as carrancas diabólicas. Acrescentou o mestre, que um desses barcos, com o seu artefato artesanal, foi atingido por um raio fulminante, na barra do Saco, que fica poucos quilômetros a montante da barra do Canindé, fazendo a embarcação incendiar e mergulhar para sempre nas águas do Parnaíba, onde ainda se encontra. Certamente, o episódio fantástico e cinematográfico deve ter atiçado o imaginário dos ribeirinhos, com mais um fato histórico a se confundir com a mitologia cabocla. Após essa rápida conversa, o professor Melquíades se retirou e eu voltei a observar o rio e a serrania distante, que já começava a sofrer os influxos do sol poente.


De onde eu estava, pude ver, no lado maranhense, uns jovens a jogar futebol na coroa do rio. Lembrei-me de meus tempos de peladeiro e de minha adolescência, em que eu pensava ingenuamente que essa quadra demoraria a passar. Na juventude não pensamos na morte e nem na velhice, a não ser de relance, quase como se fôssemos imortais. As luzes mortiças da cidade de São Francisco começaram a acender, e logo os jogadores foram embora. Os poucos banhistas deram seus últimos mergulhos e também se retiraram. Já o céu estava raiado do vermelho crepuscular. As serras se apagavam pouco a pouco, até imergirem na noite que tudo envolveu. Essa bela hora solene, propícia à meditação e a pensamentos mais elevados, em que o silêncio ou uma música suave em surdina seria o complemento ideal, foi brutalmente esmagada pela zoada ensurdecedora de um inoportuno aparelho de som, com suas tuítas e amplificadores embutidos num automóvel. Depois de importunar a todos, com a sua música ruim e estridente, o som foi desligado. Pensei que iria ter um justo e merecido sossego. Ledo engano. O carro deu marcha à ré, e veio para mais perto de onde eu estava. Então começou o martírio de um interminável estribilho, em que a cantora, com sua voz de taquara rachada, repetia à exaustão: “não aguento mais”, “não aguento mais”... Não sei o que ela não aguentava mais, pois não tinha o menor interesse em sua letra horrorosa. Agora, quem não aguentava mais aquela bagunça sonora era eu. Apesar disso, foi gratificante contemplar, mais uma vez, o belo e bucólico entardecer de Amarante. É um magnífico espetáculo, em que a natureza se esmera e se excede em nos prodigalizar graciosamente.