sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O S F U N D A D O R E S - HIGINO CUNHA


REGINALDO MIRANDA

Nasceu o escritor Higino Cícero da Cunha em 11 de janeiro de 1858, no sítio Bacuri, município de São José das Cajazeiras, hoje Timon, no Maranhão, bem próximo a Teresina(PI). Foram seus genitores Luís José da Cunha e Ludgera Maria da Conceição.
Iniciou os estudos de primeiras letras na casa paterna, orientado pelos irmãos mais velhos, Sátiro, Loreno e Luís. Aos doze anos de idade, mudou-se para Teresina, a fim de trabalhar como caixeiro de um dos irmãos e, mais tarde, guarda-livros em diversas firmas de Teresina, entre as quais a do coronel José de Araújo Costa e a de João da Cruz e Santos, futuro Barão de Uruçuí, ambos lideres do Partido Liberal. Estuda Português, Gramática, Aritmética e Escrituração Mercantil, visto o seu interesse em dedicar-se à vida comercial.
Porém, aos vinte anos de idade, reconhecendo a inaptidão para o comércio, foi continuar os estudos em São Luís, onde, entre 1878 e 1880, realizou os preparatórios para o curso jurídico. Nessa época travou contato com as obras de Büchner, que muito o influenciaram intelectualmente. Para complementar a renda iniciou a longa carreira de professor, ministrando aulas particulares.
Em princípio de 1871, vai estudar Direito no Recife, passando a morar na república dos maranhenses Benedito Leite, Urbano Santos e Viveiros de Castro, grandes entusiastas das idéias de Tobias Barreto. Logo, faz amizade com os líderes estudantis Clóvis Bevilacqua, Martins Júnior, Artur Orlando e Faelante da Câmara, passando a colaborar em diversos jornais abolicionistas e republicanos, sobretudo em Folha do Norte. Nesse período, publicou um ensaio de críticas denominado Pro-Veritate(1883), fez ensaios oratórios, estudou piano e freqüentou a vida cultural recifense. Custeava suas despesas com a pequena mesada familiar, complementada com recursos auferidos nas aulas particulares que então ministrava. Foi um estudante ativo numa época de ebulição política e social que culminou na abolição da escravatura(1888) e na proclamação da República(1889), colando grau em cinco de outubro de 1885.
Retornando a Teresina em dezembro de 1885, exerceu a advocacia e continuou suas atividades no magistério particular, lecionando Português, Inglês, Francês, Matemática e Filosofia. A convite do chefe liberal João da Cruz e Santos, futuro Barão de Uruçuí colaborou na redação d’A Imprensa, de outubro de 1885 a junho de 1887, em substituição a Clodoaldo Freitas. Afasta-se dessas atividades para assumir o cargo de Juiz Municipal do termo de Picos, hoje Colinas, no Maranhão, onde permanece até a proclamação da República, em 1889, quando regressou a Teresina.
Em março de 1890, foi nomeado Juiz Municipal de Amarante. Pouco tempo depois, assumiu o cargo de Procurador Secional da República, de onde passa a Juiz Municipal de Teresina. Nesse período, colabora nos jornais A Democracia e Gazeta do Comércio. Na primeira organização judiciária do Estado, foi nomeado Juiz de Direito da comarca de União, de onde passa, em 1892, para a comarca de Itamaraty, hoje Pedro II, e, posteriormente, foi removido para Amarante. Toda essa movimentação ocupou cinco anos de sua vida. Em 1895, assume a Chefatura de Polícia, no governo de Coriolano de Carvalho e Silva.
Todavia, incompatibilizado com esse governador, viaja para Manaus, onde permanece por dez meses, retornando a Teresina em agosto de 1896. No Amazonas, colabora nos jornais A Federação e Estado do Amazonas.
Porém, retornando ao Piauí mostra-se insatisfeito com a pacata vida de magistrado no interior, preferindo a movimentação cultural da Capital. De 1897 a 1900, permanece em disponibilidade, atuando na advocacia, na imprensa e na vida literária. Nesse último ano, consolida sua estabilidade financeira ao assumir os cargos efetivos de Procurador dos Feitos da Fazenda Pública Estadual e professor do Liceu Piauiense, em cujos exercícios permanece até à aposentadoria em 1925. Embora demitido sumariamente em 1915, em acintosa perseguição política, pouco depois consegue a reintegração.
Depois de aposentado desses cargos públicos, continuou exercendo atividades na advocacia, no jornalismo político e literário e no magistério particular. Em 1929, dava aulas particulares de Português, Francês e Inglês. Com a fundação da Faculdade de Direito do Piauí, em 1931, passou a nesta lecionar as cadeiras de Direito Administrativo e Ciência da Administração. Da atividade política, afastou-se definitivamente em 1930.
Higino Cunha participou ativamente da vida social, política e cultural do Piauí. Era um dos principais organizadores das famosas festas do trabalho, em primeiro de maio, além de muitas vezes orador oficial. Dirigia-se à classe operária por meio do jornal O Operário, que apareceu em 1906. Era considerado boêmio. Em torno de si, reunia muitos intelectuais, a exemplo de Zito e Jônathas Batista, Mário e Benjamim Batista, Celso e João Pinheiro, Antônio Chaves e outros.
Orador brilhante, conferencista primoroso, Higino Cunha empolgava multidões com sua oratória nos comícios populares, assim como os seletos auditórios nas conferências literárias. A sua pena jornalística sustentou situações e derribou governos, no dizer de Cristino Castelo Branco.
Polemista intrépido, audaz, desassombrado, valia por metralhadoras.(...). Na tribuna das conferências, como literato; na tribuna do júri, como advogado; na praça pública, nos comícios, nas passeatas populares, como cidadão e como patriota, - a sua voz trovejou em acentos alcandorados de eloqüência. Fez época, como se costuma dizer. Escreveu livros; publicou trabalhos de fôlego; encheu as revistas e jornais com estudos de filosofia com ensaios de crítica, de história, de religião. Polígrafo: gigante da pena e da palavra” (CASTELO BRANCO, Cristino. Frases e Notas. Rio, 1957).
Publicou importantes obras, destacando-se: Pro-Veritate(1883), Asineide(1897), O Idealismo Filosófico e O Ideal Artístico(1913), Discursos Acadêmicos(1920 e 1921), O Teatro em Teresina(1923), História das Religiões no Piauí(1924), O Ensino Normal no Piauí(1926), O Assassínio do Juiz Federal(1929), A Defesa do Professor Leopoldo Cunha(1934), A Igreja Católica e a Nova Constituição da República(1934), Os Revolucionários do Sul(1936), A Revolução de 30 no Piauí(1939) e Memórias Autobiográficas(1940).
Em 31 de dezembro de 1917, participou da fundação da Academia Piauiense de Letras, tomando assento na Cadeira 07, e presidiu o sodalício no período de 1919 a 1924, em sucessão a Clodoaldo Freitas(1917 – 1919), e no período de 1929 a 1943, somando cerca de vinte anos. Também, fundou e presidiu o Instituto Histórico e Geográfico Piauiense.
Foi casado com D. Corina da Paz Cunha, com quem teve diversos filhos, entre esses o Professor e escritor Edson da Paz Cunha, também fundador da APL. Era seu genro um outro fundador da APL, Jônathas Batista, esposo de sua filha Durcila Cunha.
Faleceu na cidade de Teresina, em 16 de novembro de 1943, aos 85 anos de idade, deixando um nome honrado e um grande legado cultural.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

DIPLOMA E MEDALHA LUCÍDIO FREITAS


Amanhã, dia 30, sexta-feira, às 19:30 horas, serão entregues o Diploma e a Medalha Do Mérito Cultural Lucídio Freitas, honraria máxima da Academia Piauiense de Letras, a Fabiano de Cristo Rios Nogueira e João Alves Filho. Fabiano é professor da Universidade Federal do Piauí, crítico literário e ensaísta, tendo escrito um dos principais ensaios sobre a romancística de O. G. Rego de Carvalho; presidiu por vários anos o Conselho Editorial da UFPI, período em que várias dezenas de obras foram publicadas. Como professor, procurou divulgar a Literatura Piauiense, inclusive incentivando os alunos a escreverem monografias sobre a obra literária de vários autores de nosso estado. João Alves Filho foi um dos fundadores de várias associações em Campo Maior; presidiu a Academia de Letras do Vale do Longá e preside a Academia Campomaiorense de Artes e Letras; publicou vários livros. Foi vereador e vice-prefeito de sua cidade. A solenidade acontecerá no auditório da APL – Casa de Lucídio Freitas.

DIÁRIO INCONTÍNUO

Mesa de honra da solenidade de 33 anos da ALVAL

Casarões da Praça Bona Primo, em Campo Maior
29 de setembro

ACADEMIA DE LETRAS DO VALE DO LONGÁ

Elmar Carvalho


Na sexta-feira, à noite, fui à solenidade comemorativa dos 33 anos de fundação da Academia de Letras do Vale do Longá – ALVAL. Presidida pelo médico e intelectual Itamar Abreu Costa, a festa cultural aconteceu no páteo de estacionamento da clínica Itacor, que foi transformado em belo e amplo teatro a céu aberto. O coral da instituição de saúde nos brindou, entre outras peças musicais, com os hinos do Piauí, de Teresina e da ALVAL, sendo este último uma composição de Francy Monte, que, deixando de lado os tradicionais ritmos de dobrado e marcha militar, deu-lhe um timbre rítmico mais alegre, mais animado, que lembra, em certas passagens, uma marcha quase carnavalesca, conferindo-lhe uma feição mais moderna e popular. O escritor e poeta Herculano Moraes falou em nome da Academia, discorrendo sobre o significado e importância da efeméride. Segundo Herculano, oito membros da Academia Piauiense de Letras são oriundos da Academia de Letras do Vale do Longá.

Foram homenageados com o Diploma do Mérito Cultural Arimathéa Tito Filho vários intelectuais e escritores, dentre os quais lembro os nomes de Reginaldo Miranda da Silva, historiador, advogado e atual presidente da Academia Piauiense de Letras; Dílson Lages, professor, poeta e ficcionista, titular do curso e do portal Entre-Textos, que relevantes serviços vem prestando à cultura e à literatura piauienses, ao publicar contos, crônicas, ensaios, artigos, além de outros textos e notícias culturais; Valmira Campos Saraiva Costa; poeta e romancista Gregório de Moraes; José Lourenço Mourão, in memoriam, secretário de imprensa do Piauí, deputado estadual em duas legislaturas e procurador de Justiça do Distrito Federal, cujo perfil biográfico foi enaltecido por seu filho, que falou em nome da família, também representada pela professora e acadêmica Sara Mourão; e Carlos Said, decano do jornalismo e radialismo em nosso estado, um dos maiores divulgadores do esporte e de nossa literatura, graças à sua memória e cultura invulgares. Reginaldo Miranda falou em nome dos homenageados; aproveitou para discorrer sobre os luminares da APL e sobre as atuais realizações e publicações da entidade, já tendo sido editados vários livros e revistas em sua gestão. Carlos Said, em eloquente e emocionado discurso de improviso, prestou uma notável homenagem a Arimathéa Tito Filho, seu ex-professor, arrancando aplausos da assistência e lágrimas de dona Delci Maria Tito, viúva do ilustre homenageado, que presidiu a APL por mais de duas décadas.

Coroando a festa cultural e literária, foram homenageados os cinco novos patronos de cadeiras da instituição: Raimundinho Andrade, professor, diretor de departamento da Secretaria de Educação do Estado, sendo justamente considerado um dos mais completos, dinâmicos e probos prefeitos de Campo Maior, tanto na prestação de serviços como na construção e conservação de obras físicas, em sua administração paradigmática; monsenhor Mateus Cortez Rufino, figura emblemática e querida de Campo Maior, construtor de templos católicos, um dos fundadores do Ginásio Santo Antônio, operoso, realizador, grande incentivador da cultura e da educação, orador sacro de largos recursos, tendo sido vigário geral da Arquidiocese de Teresina; Chiquinho Cazuza, professor, editor de jornal cultural e historiador, sobretudo de Altos, sua terra natal; Espedito de Freitas Rezende, in memoriam, piripiriense, embaixador do Brasil em Roma; Gervásio de Brito Melo, piracuruquense, médico, professor universitário e considerado uma das maiores autoridades brasileiras em doenças tropicais. Em nome dos familiares de todos os novéis patronos, falou o engenheiro Marcílio Andrade, filho do professor Raimundinho Andrade.

Tenho a honra de pertencer à Academia de Letras do Vale do Longá, na qual tomei posse em 23 de maio de 1997, em solenidade realizada no IATE Clube de Campo Maior, à margem do Açude Grande, que já cantei em meus versos. Na oportunidade, lancei a segunda edição de meu livro Cromos de Campo Maior, com bela programação gráfica e visual do grande artista plástico João de Deus Netto, apresentado pelo escritor Antenor Rego Filho. Fui recebido pelo saudoso acadêmico Geraldo Majella de Carvalho, parente e amigo, que proferiu bela peça retórica, que emocionou meus pais. Ocupo cadeira patroneada pelo grande poeta simbolista Celso Pinheiro, que teve como primeiro ocupante o escritor José de Ribamar Oliveira, autor dos romances João Burundanga, Porto da Imaculada Conceição dos Marruás e Um Rio de Águas Barrentas.

Antenor e Geraldo presidiram a ALVAL, e são dois de seus idealizadores e fundadores; devo principalmente a eles, bem como à professora Clea Melo, o incentivo e o apoio para ingressar no silogeu. Na oportunidade, alertei os meus conterrâneos de que vários prédios históricos e de valor arquitetônico de Campo Maior estavam desaparecendo, seja por falta de conservação, seja por deliberada ação humana para destruí-los. Disse que se providências não fossem tomadas a lírica e lúbrica Zona Planetária, de tão belo, histórico e sugestivo nome, seria destruída. Para minha consternação, fui um bom profeta, não obstante Cristo tenha advertido que ninguém é profeta em sua própria terra, e hoje o velho lupanar jaz em completa ruína, com os escombros a denunciar a desídia e o descaso do poder público e de particulares. O competente arquiteto Olavo Pereira da Silva Filho, campomaiorense, considerado uma das maiores sumidades do patrimônio arquitetônico do Piauí, afirma que o de Campo Maior é um dos mais ricos de nosso estado. Entretanto, acho, muito descaracterizado e mal conservado, sendo que muitos dos mais importantes casarões já foram irrecuperavelmente destruídos. Cuidemos dos que ainda restam.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO


28 de setembro

TUDO É RELATIVO, ATÉ A RELATIVIDADE

Elmar Carvalho


Embora avesso à matemática, gosto de ler matérias sobre a astrofísica e a física quântica, desde que apenas teóricas, sem cálculos. A matemática nunca foi meu forte; é meu fraco, no sentido mais literal da expressão, uma vez que “meu fraco” pode significar “uma queda”, uma simpatia, um interesse amoroso. Em vários poemas de minha autoria tenho feito alusões a essas questões especulativas e científicas, como quando disse que a matemática me enlouquecia, e que por isso meu pensamento saltava de mais infinito a menos infinito; quando disse que o infinitamente grande [da astrofísica] tendia ao tudo e que o infinitamente pequeno [da mecânica quântica] tendia ao nada, e que esses dois extremos se tocavam – em Deus. E assim poderia citar n exemplos de versos meus em que usei expressões extraídas da ciência, sem a mínima pretensão cientificista ou pedagógica.

Numa entrevista concedida à professora Teresinha Queiroz, e que foi publicada em meu livro Lira dos Cinqüentanos, cheguei a afirmar que o chamado princípio da incerteza era para mim o princípio da certeza da existência de Deus. Com isso eu estava e estou querendo dizer que onde a ciência apenas especula, onde ela não encontra certezas ou fundamentos para seus cálculos, comprovações e experiências, Deus guarda seus ases e coringas. Talvez seja o ponto onde Ele quebra suas próprias regras para atender às orações e súplicas, através de milagres; ou mesmo talvez sequer haja quebra de regras, mas simplesmente o que a ciência considera uma violação de suas leis faça parte das leis e dos planos de Deus. Ou – quem sabe? – o que os cientistas consideram leis pétreas sejam normas flexíveis e relativas perante o Todo Poderoso; quiçá essas supostas leis científicas possam ser flexibilizadas e relativizadas através da Fé e da oração, como no caso de milagres e fenômenos inexplicáveis pela ciência e pela lógica humana. Provavelmente por isso, Sócrates, em sua sabedoria, iluminação e humildade, tenha cunhado a frase de que uma coisa sabia, e que isso era que nada sabia.

Pelo princípio da incerteza, quanto mais um ponto é determinado, menos fica determinada a velocidade, e quanto mais esta é determinada, menos fica determinado aquele. Há também as especulações quânticas de que certas partículas ora se comportam como onda, ora como matéria. Tudo isso parece relativizar as certezas humanas, as verdades da ciência. Quanto mais são descobertos novos mistérios da astrofísica, mais novos mistérios surgem; quanto mais se entra na intimidade das subpartículas atômicas, mais surpresas aparecem, com comportamentos bizarros, surpreendentes, destas partículas, e com a possibilidade de descobertas de subpartículas cada vez menores e mais sutis, de matérias cada vez mais imateriais, se assim podemos dizer.

No sábado, fui abordado pelo poeta Francisco Miguel de Moura, exultante pela notícia que tivera de que uma das “leis pétreas” da Teoria da Relatividade teria sido quebrada, com a alegação de que o neutrino seria mais veloz do que a luz, cuja velocidade, no entendimento de Einstein, jamais poderia ser superada; que se isso acontecesse o próprio tempo “entraria em parafuso”, ao sofrer brutal distorção. Eu, que já não me espanto mais com nada, e que gosto da sabedoria dos ditados populares, de há muito sei que o pensamento é mais veloz que a luz e a eletricidade. Dessa forma, essa teoria também seria relativa, e jamais poderia ser uma verdade absoluta em todos os seus pressupostos e enunciados. Ou sua relatividade seria ainda mais relativa?

Se a nossa vontade e o nosso suporte físico, corporal, pudessem acompanhar o nosso pensamento e o nosso desejo de transcendência e infinito, seríamos muito mais velozes do que a luz. O cantor Roberto Carlos, na música O Portão, diz que abriu a porta devagar, mas deixou a luz entrar primeiro, para só depois adentrar sua casa, depois de um longo e tenebroso inverno de ausência, como o marido pródigo, retornando ao lar que abandonara. Desse modo, ele seria mais veloz do que o super-heroi Flash Gordon, que, na melhor das hipóteses, alcançaria a velocidade da luz. Para concluir, digo que não existem, a rigor, milagres nem mistérios; que milagres e mistérios talvez sejam apenas fatos, fenômenos e manifestações, cuja origem e explicação desconhecemos.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

O PRECONCEITO COM O VELHO


VIRGÍLIO QUEIROZ

Se te chamares de velho
Solte um grito bem rotundo
E essa ofensa não aceite
Pois velho é o próprio mundo
E ainda tem dente de leite

Se te chamares de velho
Erga a mão estufe o peito
Peça mais educação
Exija até mais respeito
Pois isso é uma demonstração
De quem ama o preconceito

Se te chamares de velho
Faça-o compreender
Que senão quiser ficar velho
Procure bem cedo morrer

Se te chamares de velho
Veja a coisa com ironia
Mostre que as rugas e os cabelos
Tem uma grande serventia
Para mostrar que com o tempo
Se consegue sabedoria

Se te chamares de velho
É inveja com certeza
De alguém que se julga jovem
Mas não entende a natureza
Com os anos vai-se a vaidade
E com ela toda beleza

Ser velho é atitude
Aquilo que devemos ter
A eterna juventude
Está no compreender
Só é velho quem se ilude
Quem não tem força pra viver

Eu sou velho e sou jovem
Essa certeza me irradia
No dia que eu for embora
Alguém dirá com ironia:
Vai-se embora o velho-jovem
E entristece a poesia 

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Quem está falando?


CHAGAS BOTELHO

Na confusão do trabalho sem tempo nem de ir ao banheiro, com tantas coisas a resolver. O telefone resolve tocar incessantemente, engraçado a telefonista tinha ido ao toalete, então cansado daquele som repicando no meu escutador de samba, resolvi atender.

Do outro lado do Graham Bell uma voz masculina, tipo Lombardi, bastante apressada lança a pergunta: Quem está falando? Rapaz, na hora deu uma louca vontade de falar que era a vovozinha da Chapeuzinho Vermelho.

Mas ai, respirei, contei até três e disparei.

Cidadão, aqui quem fala é o Francisco das Chagas, assim mesmo, com nome de santo. Fui batizado em homenagem ao franciscano que deixou tudo pelos os pobres. Atitude nobre dele, mas eu, particularmente, não faria tal missão.

Mas espera lá! Não sou soberbo e nem sofro de empáfia. Sou do às vezes, da inconstância, uma metamorfose ambulante, exatamente como aquela que o Raul, o maluco beleza, vociferava. Porém, vez por outra, tenho os pés fincados no chão, não pense que eu sou um bonachão ou nefelibata inflável.

E no meio do caminho não há uma pedra, mas sim alguém, como você agora, me perguntando quem esta falando. Pois é, sou eu o barrense, de pai pedreiro aposentado e de mãe dona de casa mais envaidecida da Rua Fenelon Castelo Branco. Bebi e banhei nas águas do Marataoan mais que qualquer Francês hidrofóbico.

Olha! Eu tenho alguns traumas pueris, como a desejada Calói que nunca ganhei e a menina lourinha do jardim I que eu nunca beijei. Mas tudo bem, agora sou animal vacinado, já realizeis boas pedalas, até mocinhas com papo de Nelson Rodrigues já ganhei.

Escute ai doutor, não sou nenhum niilista e sim corintiano. Acredito em algumas verdades e mentiras também. Sou extremamente ufanista da cozinha brasileira, embora não conheça outra.

Pois é mestre! Agora a minha identidade não é secreta é decifrável, transparente a qualquer voyeurista.

Costumo dizer que não sou do tamanho da minha altura, mas do tamanho do que vejo, assim como disse Fernando Pessoa, você sabe quem é ele?

E a propósito tenho quase quarenta anos, falta pouco, estou ai na luta e feliz. Sustento o otimismo e conservo a persistência, mesmo que ocorra um tombo no próximo quarteirão. Afinal, sou brahmeiro, ou melhor, brasileiro e não desisto nunca.

Mas diga ai autoridade! Vossa senhoria quer falar mesmo com quem?

Ouvi apenas uma voz dizendo bem baixinho: foi engano. E desligou subitamente.

domingo, 25 de setembro de 2011

QUEM TE ENSINOU A VOAR?


Goleiro Coló, do Caiçara, o ícone maior de Elmar
Goleiro Beroso, uma das admirações de Elmar
"O velho atleta recorda as jogadas felizes"

JOSÉ FRANCISCO MARQUES
Professor, compositor e instrumentista


Remonto ao início dos anos 70, mais precisamente após o nosso escrete canarinho haver conquistado a tão cobiçada taça Jules Rimet. A nossa seleção (considerada ainda hoje por experts como a melhor de todas as seleções), despertou de maneira ainda mais efusiva e visível a simpatia por esse esporte. Assim, o futebol de várzea efervescia certamente por conta de tal feito.

Eu, não contrariando a toda uma geração, me deixei levar por essa “onda” futebolística. O meu primo/irmão João Bartolomeu Filho fundou na época um time de futebol amador, o qual denominou de Palmeiras. Era de fato um time bem organizado, com reuniões semanais, englobando todos os que faziam parte daquela equipe.
Organizou-se então um Campeonato que tinha como coordenador mor um jovem ao qual chamavam de Pedro Rocha, apelido que acredito ser uma alusão ao então famoso craque do São Paulo naquela época, cujo nome verdadeiro era Antônio Francisco Souza. A citada competição acontecia aos domingos, no Estádio Deusdedit Melo .
Eu era uma espécie de faz tudo. O office boy da equipe por assim dizer. Lembro que, dentre as tarefas a mim delegadas, a que mais me deixava prazeroso era a de literalmente acordar o nosso atleta maior. Refiro-me ao mestre amigo, poeta, cronista, blogueiro dos mais famosos e imortal de várias academias, dentre elas a Piauiense de Letras, Elmar Carvalho, que representava, sem dúvida alguma, a peça que transmitia a toda equipe a segurança necessária. Assim o digo porque, enquanto eu não conseguisse completar a minha tarefa, lá no Estádio, o meu primo usava de todas as artimanhas possíveis para protelar o início do jogo, para iniciá-lo apenas quando o nosso guarda-metas chegasse.
Elmar era de fato um goleiro diferenciado. Elegante em suas defesas e de uma agilidade impressionante, pois muitas vezes arrancava aplausos (fato raríssimo entre expectadores desse nível futebolístico), da platéia que o assistia. Eu, entre orgulhoso e com um nítido sentimento de dever cumprido, sentia-me dentro do contexto feliz por ser parte, ainda que ínfima, desse espetáculo que dominicalmente o nosso atleta oferecia.
Lembro-me, dentre outros feitos, de uma defesa antológica que Elmar praticou. Repassei, durante muito tempo, aos amigos que militavam na área esportiva, tal feito. Era uma espécie de semifinal ou algo parecido. O jogo estava duríssimo e o Palmeiras vencia por 1X0. O jogo já estava quase finalizando, quando o centroavante adversário acertou uma cabeçada no canto esquerdo, tendo o nosso goleiro, em um reflexo incrível, efetuado a defesa. A bola resvalou na trave. A pelota sobrou para outro atacante, que de primeira soltou um “torpedo”; o nosso arqueiro, usando de uma agilidade felina, conseguiu, no canto contrário, fazer uma defesa fenomenal. Mais tarde, ao ver uma defesa de Rojas, atuando no Santos (os mais afeitos ao futebol certamente lembrarão), é que pude estabelecer um comparativo com essa verdadeira façanha malabarística.
Elmar tornou-se um grande goleiro precocemente. Certa feita, ainda criança, jogava com alguns amigos em um campinho de futebol. A sua atuação despertou a atenção de um agricultor que por ali passava. Depois de seguidas defesas e voos, a espalmar a bola, o agricultor, não contendo a sua admiração e espanto, expressou em voz alta: “Meu Deus, parece um passarinzim”.
O lado intelectual falou mais alto, e assim o futebol perdeu um grande goleiro. A magistratura, por sua vez, ganhou um reforço substancial.
Mas, voltando às minhas memórias, jogo terminado, Elmar seguia, agora com alguns amigos, de volta ao seu lar (ou algum boteco), não sei ao certo, entre elogios e expressões de puro contentamento.
Hoje, depois de muitos anos, o mesmo jogador brilhante, que antes imitava com perfeição o voo dos pássaros em suas defesas acrobáticas, transporta-me em suas asas poéticas a voos ainda mais densos e infindos.
Mestre, humildemente vos pergunto: Quem te ensinou a voar?

Depois desta crônica, só me resta dizer, parafraseando o poeta Mário Quintana: Muitos goleiros passarão, eu passarinho.
Elmar Carvalho

Meu amigo Elmar, 
Poeta maior piauiense da atualidade. Sua poesia se ombreia com os grandes poetas do Piauí: Torquato Neto, Da Costa e Silva, H. Dobal, este último seu conterrâneo da querida Campo Maior. Ao lado disso tudo, ainda teve a peripécia de ser goleiro, posição que tive a honra de enfrentar na minha juventude futebolística. Grande abraço,
Roberto Veloso

(Juiz Federal e goleiro)

sábado, 24 de setembro de 2011

WTC: dez anos depois

CUNHA E SILVA FILHO

Eu estava vindo das minhas aulas. Entrei em casa. A tevê estava ligada. De repente, surge na tela uma imagem que me deixou sem palavras. Fiquei calado, sem ação. O que via era algo que, à primeira vista, parecia ser um filme de aventuras, com ações violentas e chocantes tão comuns em filmes americanos.
Mas, qual nada. Logo ouço a voz do apresentador narrando o acontecimento pavoroso, inimaginável. Era um avião dirigindo-se a um arranha-céu e, o que é pior, indo chocar-se contra uma parte elevada do edifício. De imediato, bolas de fogo tomam conta daquela parte atingida e se espraiam abalando toda uma estrutura de ferro e de cimento. Logo depois, vem outro avião atingindo em cheio o outro arranha-céu. Tudo, ali, no alto, parecia se esboroar em meio ao fogo, à fumaça preta. Quase ao mesmo tempo, em Washington, um outro avião atinge o Pentágono. Com isso, se completam três ataques aéreos terroristas contra os EUA.
O quadro final da imagem tétrica, além de todas as suas sequelas hediondas – vidas estraçalhadas, corpos queimados, corpos vivos e desesperados, saltando dos andares altos das chamadas Torres Gêmeas para o vazio do espaço em direção à morte, bombeiros, em seguida, enfrentando a morte para salvar vidas entre tantos outros detalhes, pessoas, ainda vivas, sãs, telefonando, por celulares, pela últimas vez, para seus entes querido. Era essa a imagem que se tinha praticamente ao vivo de Nova Iorque. Enfim, o clímax do crime: os dois edifícios desabam deixando no entorno que uma fumaça grossa de poeira invadisse lentamente as ruas próximas da capital do mundo.
No mesmo dia do ataque fatal contra as Torres Gêmeas, não sei se pelo rádio ou mesmo em notícias posteriores da tevê, comentava-se que um grupo de alunos de uma conhecida universidade particular, logo ao saberem das notícias do ataque terrorista, davam vivas aos responsáveis por esse crime inominável. Nenhuma vida de inocentes merece o aplauso de opositores de regimes em qualquer parte do mundo.
Hoje, os americanos homenageiam os mortos do WTC (World Trade Center). Tributo justo de uma nação. Por isso, mesmo, com toda a pompa que a data merece, os americanos recordam a memória dos que estavam nos dois prédios e perderam a vida e dos que, lutando para salvar vidas, perderam também as suas próprias vidas: os bombeiros, principalmente.
As feridas, com os tempo, cicatrizam em parte, porém fica o substrato de toda aquela tragédia, combinando ressentimentos e saudades.
A década passada me convida também à meditações sobre causas e consequências. Distanciados no tempo, posso agora falar com mais objetividade dos fatos acontecidos, tentar procurar as raízes dos atentados, separar o joio do trigo e adiantar algumas conclusões.
Os americanos deram enorme contribuição em defesa das causas da paz universal. Haja a vista, a sua participação decisiva na Segunda Guerra Mundial, se excetuarmos os crimes de Hirochima e Nagazaki. Entretanto, os governos americanos da últimas décadas têm uma parte considerável de culpa pelo que o povo americano está passando no que concerne ao terrorismo internacional contemporâneo.
As repetidas intervenções armadas dos EUA em países que não se alinharam aos ditames da sua hegemonia ( Cuba, Vietnam do Norte, países do Oriente Médio), culminando com as invasões do Iraque, do Afeganistão, para citar dois casos paradigmáticos, invasões o mais das vezes sem sentido e decididas manu militari sem consultas e aprovação do Conselho de Segurança da ONU e todos os acordos e tratados internacionais de organismos e instituições que lutam pela paz no mundo, pouco a pouco foram transformando a imagem dos EUA, i.e., de uma nação que se proclama democrática e, na práxis, se comporta com a força do seu poderio bélico e econômico, portanto, incompatível com a convivência harmoniosa entre as nações menos desenvolvidas e vulneráveis a invasões.
Por tudo isso, a nação americana perdeu prestígio e, o que é mais grave, passou a ser motivo de ódio xenófobo por parte dos humilhados e ofendidos. Não foram poucas as vezes que o mundo viu a bandeira americana sendo pisada, rasgada ou queimada em praça pública por países que colocaram o EUA entre os seus piores inimigos. Talvez uma das razões mais fundas do terrorismo seja proveniente dessa realidade permeada de ódios, de ressentimentos e de indignação contra os americanos. E seguramente essa aversão ao militarismo americano não se limita a países do Oriente, mas se estende a outras regiões do mundo, como a América do Sul, a América Central e outras partes da Planeta. A aversão aos governos americanos se nutre de antagonismos geopolíticos e econômicos. Os EUA, ao longo da História, são, em última análise, os principais responsáveis pela imagem ruim e demonizada que o grande pátria de Lincoln construiu contra si mesma.
Em meio aos agudos problemas econômicos e sociais enfrentados hoje pelos Estados Unidos, essa homenagem aos mortos da tragédia de 11 de Setembro de 2001 deve ser um momento oportuno para que os governos norte-americanos despertem para os seus desatinos belicosos e deem solução urgente através da retirada de forças de combate no Afeganistão.
Que as promessas de campanha do presidente Barack Obama sejam de fato cumpridas, retirando de imediato suas tropas daquela região, não repetindo os erros do seu antecessor, que tanto mal fez aos EUA com guerras desnecessárias causando perdas humanas tanto do contingente militar americano quanto de inocentes civis mortos no Iraque, no Afeganistão, na Guerra do Golfo.
Vejo, hoje na tevê, na abertura da cerimônia em honra aos mortos do WTC o paradoxal encontro de Obama e Bush filho.A figura de Bush filho, diante das câmeras, não combina bem com o perfil de Obama.
Não se constrói a paz, nem se combate o terrorismo trazendo à tona um dos piores exemplos de comportamento político diante dos princípios democráticos. A presença de Bush filho não faz sentido face à realidade da História. Os Estados Unidos ainda têm tempo de reavaliar seus erros e se redimir diante dos massacres de suas invasões em terras alheias. A guerra ao terrorismo se faz com os instrumentos da paz e de mudanças de política externa. A paz e reabilitação norte-americana só serão alcançadas se diálogo franco e aberto houver entre os Estados Unidos e os seus declarados inimigos.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O S F U N D A D O R E S - C L O D O A L D O F R E I T A S



REGINALDO MIRANDA

Clodoaldo Severo Conrado de Freitas, nasceu em 07 de setembro de 1855, na cidade de Oeiras, filho do coronel e combatente na Guerra do Paraguai, Belisário José da Silva Conrado, e da professora Antônia Rosa Dias de Freitas.
Cursou as primeiras letras entre a vila de Jaicós e a cidade de Oeiras. Em 1871, seguiu para o Seminário das Mercês, onde estudou por três anos. Sem vocação para a vida sacerdotal, abandona o Seminário em 1874, ingressando no Liceu Maranhense. Retornando ao Piauí depois de um ano, matricula-se no Liceu Piauiense, onde, em novembro de 1875, conclui os estudos preparatórios para o curso jurídico. Em princípio de 1876, está no Recife, matriculando-se na tradicional Faculdade de Direito, onde se bacharelou no ano de 1880. Nessa fase, tornou-se adepto fervoroso do Positivismo, estudando, de preferência literatura e filosofia positiva nas obras de Emílio Littré.
Concluído o curso jurídico retornou ao Piauí em princípio de 1881, filiando-se ao Partido Liberal, onde sua família militava com destaque e onde também passou a destacar-se na trincheira de luta partidária e nas hostes da imprensa, sendo uma atividade complemento da outra. De imediato, assumiu a Promotoria Pública de Teresina e no ano seguinte foi nomeado Juiz Municipal e de Órfãos do Termo de Valença, de onde foi posteriormente transferido para Teresina para completar o quadriênio. Todavia, tem a sua carreira cerceada com a queda do Partido Liberal, passando à advocacia e à redação de A Imprensa, em oposição à nova situação política. Posteriormente, passa sucessivamente à redação d’A Imprensa e de O Estado.
Em 1888, foi nomeado Juiz Municipal do Termo de Santa Filomena, relutando em assumir o cargo, que considerou a princípio uma “sentença de exílio” vinda de seus opositores. Todavia, com a proclamação da República, retorna a Teresina em janeiro de 1890, ocasião em que é homenageado por sua atuação como republicano histórico. Logo, passa a fazer parte da equipe de governo de Taumaturgo de Azevedo, na condição de Procurador Fiscal do Tesouro do Estado. Todavia, com a queda desse governador, o acompanha ao Rio de Janeiro, onde permanece por algum tempo. Nesse interregno, exerceu os cargos de Juiz de Direito de Campos(RJ) e de várias comarcas do interior de Minas Gerais, nas quais teve passagem efêmera. De regresso ao Piauí, e ainda na década de 1890, além das frustrações políticas, inclusive relacionadas a mandatos eletivos, foi duas vezes Procurador Geral do Estado do Piauí e Chefe de Polícia, funções que ocupou também de forma eventual.
Clodoaldo Freitas foi político em tempo integral, embora malogrado em suas disputas partidárias.
Candidato bem avaliado nas eleições de 1897 e de 1903 teve seu nome depurado no Congresso Nacional. Desgostoso, mudou-se para Belém do Pará, onde já se encontrava em julho de 1903, lecionando na Faculdade Livre de Direito daquele Estado. Permaneceu no Pará até meados de 1905, retornando a Teresina para exercer a advocacia militante e colaborar no jornal Pátria.
Com a situação financeira quase sempre instável, no início de 1906, muda-se para o Maranhão, colaborando nos governos de Benedito Leite e Colares Moreira(1909 – 1910) e nos jornais A Notícia e Diário do Maranhão. No Maranhão, também ocupou cargos públicos de forma efêmera, como o de Procurador Geral do Estado(1907) e Diretor da Imprensa Oficial, em outro regresso(1914). Foi um período de intenso engajamento literário, tendo, inclusive, participado da fundação da Academia Maranhense de Letras, sendo titular da Cadeira n.º 9. Porém, retorna a Teresina no final de 1910, passando a colaborar no governo de Antonino Freire.
Novamente, de 1914 a 1916, Clodoaldo Freitas esteve em Belém do Pará, trabalhando no magistério superior e militando nas trincheiras do Partido Republicano Conservador, por cuja legenda foi eleito deputado estadual.
Finalmente, em 1916, Clodoaldo Freitas retorna ao Piauí, sendo nomeado desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, por ato do governador Miguel Rosa. Encerrava-se, assim, a sua vida errante, não mais deixando o Estado. Em dezembro de 1917, participa da fundação da Academia Piauiense de Letras, de que foi ele o primeiro presidente, permanecendo no período de 1917 a 1919. Foi ainda membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense, que presidiu por alguns anos, e da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.
Clodoaldo Freitas foi um escritor bastante produtivo, publicando extensa bibliografia, destacando-se as seguintes obras: Os fatores do coelhado; História do Piauí(sinopse); Vultos piauienses; O Piauí, canto sertanejo; Em roda dos fatos; Contos a Teresa; História de Teresina(póstuma); Memórias de um velho; Celuta; Memórias de padre; O Bequimão; e, Coisas da vida.
Concluindo, pode-se dizer que Clodoaldo Freitas, embora malogrado na política, liderou toda uma geração literária, a que fundou a Academia Piauiense de Letras. Faleceu na cidade de Teresina, em trinta de junho de 1924, deixando viúva a dona Corina Freitas e alguns filhos. A ele, em nome da Academia Piauiense de Letras, rendemos as nossas justas homenagens.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO

Foto meramente ilustrativa


22 de setembro

VIAGEM FÚNEBRE

Elmar Carvalho

No invólucro plástico da grossa vela de parafina, prevista para durar sete dias, com a chama acesa, havia a informação de que fora fabricada em Codó. Essa simples menção à cidade maranhense me transportou ao tempo em que morei na pensão da dona Teresinha Cardoso, já falecida, natural de Miguel Alves, por causa de um fato que adiante contarei. Residi nessa pousada no ano de 1976. Trabalhava na ECT, em Teresina, desde 15 de setembro do ano anterior. Cursava o terceiro ano científico no Cursão, que também era preparatório para o temido vestibular, uma vez que nessa época e até vários anos depois só existia curso superior na Universidade Federal do Piauí; as faculdades particulares ainda não haviam proliferado. Em 1977, após aprovação em vestibular, consegui minha transferência para Parnaíba, através de permuta com colega ecetista, e fui cursar Administração de Empresas no Campus Ministro Reis Velloso da UFPI, naquela cidade.

Na pensão de dona Teresinha, moravam alguns mensalistas, entre os quais meu xará Elmar Veras e um jovem comerciário, que todos os dias, por volta das seis horas da manhã, com o dormitório ainda na penumbra, me despertava, a me perguntar as horas. Eu não me irritava, e lhe dava as horas assinaladas em meu relógio de pulso, porém a dona do pensionato se agastava com a atitude desse meu impertinente companheiro de quarto, e comentava com desagrado essa britânica pontualidade com que ele nos tirava da modorra matinal. Já que ele gostava tanto de saber as horas, não atinávamos porque ele ainda não comprara um relógio, mesmo fazendo algum sacrifício financeiro, já que devia ganhar pouco na loja em que trabalhava.

Morava na pensão, a Livramento, parenta da proprietária, que a ajudava no seu gerenciamento, esbelta de corpo e expedita nas ações e no caminhar. Havia os que moravam perto, em quartos de aluguel, ou na Casa dos Estudantes, que ficava na vizinhança, perto do Estádio Lindolfo Monteiro; entre estes, me recordo do Luiz Aires, maranhense de Passagem Franca, meu colega dos Correios, hoje servidor da Justiça Eleitoral, o Pedrosa, comerciário, e o Leandro e outros empregados do Armazém Paraíba, cuja loja principal funcionava ali perto. A pensão ficava em frente à casa do Chaguinhas, já falecido, que presidiu o Sambão, cuja sede se localizava ali perto; muitos anos depois, tornei-me seu colega na extinta SUNAB. Portanto, ficava bem perto da antiga Casa Saló, salvo engano pertencente a dona Salomé, mãe do poeta Torquato Neto. Era instalada em velho casarão de adobe, que tinha uma sala para as refeições, e varanda interna. Casa antiga, sem nenhum luxo, mas ampla e agradável, a seu modo.

Dona Teresinha me tinha certa atenção e me distinguia, porque eu era pontual no pagamento de minha mensalidade. Entretanto, tinha especial consideração pelo xará Elmar Veras. Um dia, ela nos contou que havia morrido um seu parente, e nos convidou para que fôssemos levar o cadáver a Codó, onde seria o sepultamento. Embora eu não seja chegado a ofícios fúnebres, em respeito a ela, e também – por que não confessar esse pecadilho? – pelo prazer da viagem, aceitei o convite. Aprovei para contemplar o verde da paisagem, sobretudo as belas palmeiras babaçu e os imponentes buritizeiros, e os rios e riachos do percurso. Em determinado ponto, paramos para merendar, num desses cafés de beira de estrada. Finalmente, chegamos ao cemitério de Codó. Como na música de Noel Rosa, não houve choro nem vela. Também não houve lúgubres “excelências” nem carpideiras. Apenas, depositamos o morto em sua cova. Nada sei sobre sua vida. Sequer sei o seu nome. Para os que acreditam, deixamos o seu corpo como uma semente para a ressurreição do Juízo Final. E, para os que não acreditam, ponto final.   

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO



21 de setembro

MILAGRES

Elmar Carvalho

Faz poucos dias, recebi um e-mail, que trazia no anexo várias fotografias interessantes ou insólitas. Umas delas, titulada O Sorriso de Deus, mostrava três pássaros recortados contra o azul do céu. Do ângulo em que a foto foi batida e da posição e alinhamento das aves, de fato parecia um rosto humano estar a sorrir. Os dois passarinhos mais ao alto formavam os olhos e o que estava mais embaixo desenhava uma boca sorrindo. A legenda da foto dizia que Deus tem o seu senso de humor. Acredito que Ele, em sua eternidade, onisciência e autossuficiência, viva feliz, pois não fora assim algo lhe estaria faltando, e se algo lhe faltasse não seria Onipotente, e portanto não seria Deus. O universo segue sua marcha como deve, e o plano divino também se desenrola como deve ser. Apenas não conhecemos os seus meandros e detalhes.

Ao ver essa ilustração acima referida, lembrei-me de que, numa das várias vezes em que passei pela antiga fazenda do Didoca, à beira da BR, entre Piracuruca e Volta-da-Jurema, resolvi tirar um fotografia da igrejinha dessa localidade, que então havia sido restaurada. A casa grande da velha fazenda já estava em completa ruína. Nas várias ocasiões em que fui a Parnaíba ou que de lá retornava, acompanhei o seu melancólico e lento desmoronar. O pequenino cemitério também se encontra bastante deteriorado, e não sei a quantas invernadas ainda resistirá. Mas, como eu ia dizendo, fui fotografar a ermida. Quando eu “cochilava” na pontaria da câmera, três passarinhos pousaram, simetricamente alinhados, em perfeito triângulo: um, no topo da cruz, e os outros dois nas extremidades do braço do símbolo religioso, fincado no alto do frontispício da capela. Pareciam fazer pose, porquanto ficaram de perfil, o que lhes permitia maior distinção e visibilidade fotográfica, mormente pelo fato de que eram aves pequeninas e cinzentas.

Neste final de semana estava eu a olhar o céu da janela de minha casa. Havia umas nuvens esgarçadas à minha esquerda, e dois blocos de nuvens maciças, compactas, quase à minha frente. Lembrei-me da velha metáfora, que apregoa que a política é como as nuvens; ora está de um jeito, e logo estará de outro. Eu pensava nas duas fotografias e nos discretos milagres e surpresas da vida, quando olhei para o céu novamente. Como não ventava, imaginei que as duas grossas nuvens não se esgarçariam e não mudariam de forma tão cedo, até porque pareciam duas imensas e firmes rochas. Por breves segundos, concentrei minha atenção em outra coisa. Grande foi a minha surpresa quando voltei a olhar para o céu: uma das duas compactas e densas nuvens se esfiapara e mudara completamente de forma, como um sorvete a se dissolver. Mais uma vez constatei como a natureza é surpreendente e dinâmica, e como os suaves e discretos milagres acontecem. Fiquei com a leve impressão que Deus brincara comigo, como a me fazer um discreto sinal, para que eu conserve a minha fé e não esmoreça nesta peregrinação terrena.

Disse tudo o que disse, para arrematar afirmando que ainda acredito em milagres. Só que Deus os faz de forma discreta, parcimoniosa, sutil, quase invisível, sem o estardalhaço dos picadeiros, dos palcos, das amplificadoras e dos holofotes, que dão visibilidade aos bufões, aos histriões, aos bobos da corte e aos artistas, no bom e no pejorativo sentido. Acredito nos milagres, sobretudo quando a pessoa deles necessita, e o pede com fé e humildade. E eles terminam acontecendo, creio, não na velocidade e na intensidade que desejamos, mas no tempo e na medida que Deus julga conveniente. Olhemos as nuvens, os pássaros e outros sinais, e veremos os milagres da vida e da natureza. E a vida, a vida é o maior de todos os milagres.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

FLAGRANTES & INSIGHTS

Roosevelt em Buenos Aires


ROOSEVELT E O PINTO

Elmar Carvalho

Nos comes e bebes de concorrida solenidade, encontrei o Roosevelt Ribeiro, gerente de agência da Caixa Econômica Federal. Disse-me que estava de viagem marcada para a Argentina. Perguntei-lhe se ia a passeio ou a serviço da CEF. Respondeu-me que ia disputar uma meia maratona em Buenos Aires, embora eu o achasse com disposição para disputar maratona e meia com os hermanos. Perguntei-lhe se o Pinto iria com ele, pois é também um dedicado atleta economiário dessa modalidade esportiva. O Roosevelt fez um gesto, como se estivesse decepando alguma coisa, e respondeu:

- Não. Vou sem o Pinto...
Ante sua mímica, não pude deixar de fazer a brincadeira cretina:
- Sem o Zé Francisco Pinto; mas o amigo irá completo, inteiro...
Roosevelt confirmou, e sorriu.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O BRASIL LITERÁRIO


CUNHA E SILVA FILHO

Não estranhe, leitor, o título desta crônica. É mesmo assim abrangente. Verá por que o escolhi.
Foi pensando no quanto nós brasileiros somos inclinados às veleidades literárias. Este aspecto da nossa vida cultural merece, sim, um discussão não apenas com o intuito de aplaudir nossos compatriotas por esta sede de mergulhar no universo das letras, da produção literária, de mostrar nosso lado exuberantemente beletrista, o de desejar ser autor, ter obra publicada, divulgada, conhecida e, se possível, reconhecida pelo grand monde literário-brasílico. Há poetas e prosadores (me desculpe pelo anacronismo do termo, ó beletrista “revolucionário” e sofomaníaco que conheci em tempos passados!) pipocando por toda a parte.
Não quero que o leitor pense mal de mim, entendendo toda esta argumentação pelo lado meramente destrutivo, de ferir suscetibilidades lânguidas, modorrentas, plangentes. Longe de mim, o simples pensar por este prisma.
O país é vasto. As diferenças entre estados são grandes, assim também como os valores de cada terra. Cidades, capitais, rincões, regiões distantes, afundadas no desconhecimento dos mesmos irmãos brasileiros, esquecidas dos outros.
Somos ainda talvez o “arquipélago cultural” conforme a visão interpretativa formulada por Viana Moog (1906-1988), dividindo geograficamente a nossa literatura em sete núcleos: Amazônia, Nordeste, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (Ver Interpretação da literatura brasileira. Editora Antares Universitária, 1983 ). Existiria para aquele autor uma unidade literária nos núcleos regionais, ainda que não uma uniformidade.A unidade estaria presa a tipos de produção, clima e geografia semelhantes. Para ele, em todas esses núcleos poder-se-ia divisar uma marca de que a literatura ali produzida seja inequivocamente brasileira.
O Brasil literário se confunde, o mais das vezes, com o beletrismo, ou seja, a pior forma de se fazer literatura, que é a das igrejinhas, de compadrios, a mais perfeita imagem da subliteratura. Espalham-se as “academias de letras” por toda a parte como praga vicejando em campo fértil. Nada mais arcaico, nada mais longe do que se entende como o estudo das letras com objetivos sérios de desenvolver a literatura em nosso tempo pela pesquisa, alta cultura, desejo de mudanças, livres de ritualismos de sodalícios que se apeguem a práticas acadêmicas e a formalidades estéreis, discursos vazios, retórica de efeitos e malabarismos oratórios que não mais têm sentido algum para os novos tempos. Não há progresso nos estudos literários onde a mediação da produção ficcional, poética, dramatúrgica, crítica e ensaística seja feita pelo anacronismo de surradas práticas de beletrismo, de literatice e falta de talentos e vocações à atividade literária.
As Academias de Letras dignas desta denominação devem, se quiserem sobreviver culturalmente, livrar-se dos velhos modos solenes e pomposos de atuação. Devem, pois, modernizar-se, atualizar-se, sair dos nichos e enfrentar a vida trepidante lá fora, nas ruas, nas praças. A questão mais polêmica e fundamental que terão que enfrentar diz respeito à escolha de seus membros.Nenhum escrutínio vitorioso deve ser o resultado de submissão a subterrâneas ligações políticas, econômicas e de compadrio.
Seus requisitos básicos têm que passar pelo crivo da produção cultural do postulante, o nível de seu trabalho e o seu compromisso com a literatura, ou as ciência, ou as artes. Nada de fisiologismos, mal que acomete o seio da política nacional. Ser membro de uma Academia de Letras de respeito pressupõe que o ocupante de uma vaga seja alguém de reconhecido mereci mento, de notável saber, de grande amor aos estudos e à cultura no sentido mais lato da palavra.
Penso que as Academias de Letras devem existir na medida em que se tornem instituições culturais que tenham um missão a cumprir na sociedade civil, a de serem representativas do legado do passado, cultivando-o porém, com as forças criadoras da inteligência do presente, prestando um serviço inestimável ao país, no caso da Academia Brasileira de Letras, aos estados, no caso das Academias estaduais e em alguns municípios que se distinguiram historicamente como locais onde a alta cultura, o saber e a produção intelectual encontraram largo espaço entre a tradição e a modernidade.
No entanto, sou contra as academias fundadas sem nenhum lastro da tradição e sem nenhum compromisso com a real produção acadêmica. São instituições sem funcionalidade, sem objetivos claramente estabelecidos no âmbito da cultura, das ciências e das artes. Essas academias só servem aos anseios de veleidades intelectuais provincianas e, por sofrerem dos defeitos provincianos, tendem a ser elefantes brancos sem nenhuma razão de ser e, portanto, suscetíveis a cedo se anularem como instituições. O nosso país está inundado desse tipo de academia constituindo o exemplo menos indicado para a atividade fecunda no campo intelectual e um desserviço à autenticidade da literatura.