segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

ARTE-FATOS ONÍRICOS E OUTROS



ROTEIRO DE UM CRIME

Elmar Carvalho

No início da década de 1960 não havia linha de ônibus de Recife para Teresina. O passageiro que estivesse na capital pernambucana teria que seguir para Fortaleza, para desta cidade prosseguir em demanda da capital piauiense. Por essa razão, algumas pessoas optavam em ficar no restaurante de um dos postos de combustível na saída de Recife, para tentar conseguir uma carona com algum caminhoneiro, que tivesse frete para Teresina. Nesse tempo os crimes de assalto eram raros, de modo que os motoristas davam carona sem maior dificuldade, até porque ainda recebiam uma gratificação, correspondente ao preço de uma passagem de ônibus ou até mais.

O motorista Gregório da Silva fazia sua refeição a uma mesa do restaurante, num dos postos de combustível, na periferia de Recife, quando uma pessoa pediu licença para sentar-se à sua mesa. A pessoa disse chamar-se João Damásio. Esclareceu que era comerciante, estabelecido no povoado Morrinhos, que ficava um pouco antes de Teresina. Falou que tentava conseguir uma carona, em algum caminhão que fosse para a capital piauiense. Gregório, a princípio, não declarou seu destino, um tanto desconfiado das reais intenções do interlocutor. Afinal, embora raros, os crimes existiam. Notara que o outro trazia uma pasta de couro, que poderia conter duas ou mais mudas de roupa, além de outros objetos, até mesmo alguma arma. Perguntou o que o suposto comerciante viera fazer no Recife. Damásio lhe respondeu que, aproveitando um caminhão que ia voltar vazio para Recife, fretara-o, por um preço razoável, para trazer uma carrada de cera de carnaúba, tucum, azeite de coco babaçu e pele de animais, produtos que comprava para revender; que já fizera esse procedimento algumas vezes, pois era mais rentável que vender esses produtos a intermediários de Teresina. Acrescentou que fora bem sucedido no negócio. Gregório sentiu que o homem falava a verdade, embora demonstrasse ser um tanto ingênuo, e algo falastrão. Resolveu conduzi-lo. Pediu-lhe que aguardasse ali mesmo, uma vez que ainda ia fazer uns ajustes no caminhão e abastecê-lo. Para assegurar a carona, João Damásio disse que iria lhe dar uma boa gratificação.

Durante a conversa no restaurante e agora no carro, Gregório começou a fazer algumas conjecturas. João Damásio, a seu lado, deveria estar conduzindo uma boa soma de dinheiro, pois ele mesmo dissera que fora bem sucedido na venda dos produtos que trouxera. Por outro lado, um povoado como Morrinhos não dispunha de agência bancária, de forma que o dinheiro era conduzido em espécie. Começou a ter estranhos pensamentos, que tentava afastar, por serem malignos. Mas esses pensamentos eram insistentes, e retornavam. Lembrou-se do “pai nosso” que sua mãe lhe ensinara, e pedia a Deus para não cair em tentação. Contudo, os pensamentos voltavam tentadoramente, e lhe lembravam que seu salário de caminhoneiro mal dava para o sustento da família, ainda mais agora com a vinda do caçula, que tinha apenas dois meses. A dívida na mercearia, a ser paga no final de cada mês, só aumentava de mês para mês. Nunca pegara no alheio, embora isso já lhe tivesse passado pela cabeça, nos momentos de maior acocho financeiro. Conhecia o ditado que afirmava que a ocasião fazia o ladrão, mas nunca desejara isso para si. A recomendação materna para não roubar e nem matar era forte em sua lembrança.

Tiveram que pernoitar em pousada de beira de estrada. O passageiro se prontificou a pagar o pernoite e o jantar, e ainda convidou o motorista para tomarem antes umas três cervejas, geladas em refrigerador a querosene. Após a terceira garrafa, Damásio se mostrou ainda mais conversador, e terminou por revelar que o negócio fora muito bom, e que ele obtivera uma boa soma em dinheiro, com a qual pretendia dar uma boa entrada na compra de um jeep, para as suas viagens entre Morrinhos e Teresina, e também para ganhar algum dinheiro com frete. Após a refeição, foram dormir, no quarto que lhes foi destinado. Embora pudessem dormir no mesmo quarto, o que diminuiria a despesa, o comerciante, sob a alegação de que roncava alto, preferiu pagar dois quartos. Gregório entendeu que era alguma desconfiança de Damásio, afinal ele sempre se mostrava vigilante com a pasta e nunca dela se afastava. Estava no seu direito de cautela, afinal eram estranhos, nada um sabendo da vida do outro.

Gregório não dormiu direito, incomodado pelos pensamentos e pelas tentações, que vinham e voltavam; que adejavam em sua mente como bando de ascosos e esvoaçantes morcegos. Chegou mesmo a culpar o outro por estar sofrendo essas tentações. Por que Damásio falava tanto no negócio que fizera? Por que não fora de ônibus, que era mais seguro? Por que não vendera seus produtos em Teresina, que ficava perto de seu povoado? Por que, na hora de pagar a conta, ele abrira a pasta, de modo a exibir um maço de cédulas? Voltou a lembrar-se do ditado de que a tentação faz o ladrão. Não, nem Damásio e nem pessoa alguma tinham o direito de se exibir para tentar os outros. Foi criando certa raiva ao comerciante, que ficava a exibir seu dinheiro, que ficava a fobar por causa do negócio lucrativo que fizera. Por que diabos ele não fora de ônibus, ainda que seguindo por Fortaleza? Por que se expunha ao perigo dessa maneira? Inquieto, algo nervoso, levantou-se às seis horas. Foi chamar o comerciante, mas notou que este já estava, sempre agarrado à sua pasta de couro, sentado a uma mesa do refeitório. Após o café, seguiram viagem. A estrada de piçarra estava muito mal conservada, cheia de buracos e “catabilos”, tendo o motorista que manobrar constantemente, para se livrar das crateras mais profundas.

Chegou a planejar como mataria o comerciante. Fingiria que o carro dera um defeito. Sairia para verificar o que acontecera. Após algumas simulações, mexendo em peças do motor, chamaria Damásio para lhe ajudar. Pediria para ele apertar determinado dispositivo, enquanto iria até a cabina buscar uma chave. Na volta, já traria o revólver, que estava numa gaveta, ao lado de seu banco. Atiraria bem na cabeça, para evitar qualquer reação do comerciante. Após, arrastaria o corpo para dentro de uma moita perto da estrada. Retiraria todos os documentos e objetos pessoais; derramaria um galão de combustível no cadáver e atearia fogo, para dificultar a identificação. Em seguida, iria até um local que lhe permitisse fazer a manobra de retorno sem dificuldade, e iria em direção a Fortaleza, que era o verdadeiro destino da carga que levava. No seu entendimento, isso dificultaria o trabalho de eventual investigação a respeito de fretes de Recife a Teresina, no período, porquanto a família de Damásio informaria que ele, anteriormente, já pegara carona com caminhoneiros. Todavia, após ter tudo planejado, lembrou-se dos conselhos e pedidos de sua falecida mãe, para que não matasse e não roubasse; arrependeu-se e decidiu que não cometeria esse crime, mesmo porque correria o risco de ser preso, além de carregar o peso do remorso, já que não tinha índole perversa.

Contudo, quando se encontrava nas proximidades do povoado Natal o caminhão efetivamente teve problema. O pneu dianteiro da direita estourara. O lugar era deserto, com matagal fechado ao lado da estrada. Damásio, espontaneamente, se colocou à disposição para ajudar, e foi logo descendo da boleia. Insistiu mesmo para desaparafusar a roda, enquanto Gregório providenciaria a vinda do estepe. Quando Gregório retornou, a roda já fora retirada. Damásio, incontinenti, começou, com muita destreza e boa-vontade, a colocar o estepe. Gregório foi buscar algo na cabina. Viu, então, a pasta de couro. Abriu-a rapidamente, e enxergou vários maços de cédulas graúdas, entre as roupas usadas. A tentação lhe voltou. Tudo o que planejara, num átimo, lhe foi repassado em sua mente, à revelia de sua própria vontade. Lembrou-se, novamente, do ditado de que a ocasião faz o ladrão. Tudo obra do acaso ou do destino. Jamais poderia haver planejado o estouro do pneu.

Empunhou o revólver. Deu um tiro contra a cabeça de João Damásio. E executou fielmente tudo quanto havia planejado.

sábado, 29 de janeiro de 2011

TRAGÉDIAS ANUNCIADAS



CUNHA E SILVA FILHO

Nos tempos de paz e de alegrias nos períodos de férias ou no cotidiano urbano ou periférico tudo parece indicar que se vive o momento presente como se ele fosse a eternidade dadivosa em todos os aspectos da vida. A realidade não é assim. Ela, sem aviso, nos pega de surpresa e nos reserva amargas surpresas muitas vezes. Foi o que se deu agora em três importantes cidades serranas: Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. Conheço as três mas, com mais familiaridade, o centro de Petrópolis, que lembra cidades europeias, a começar do clima, que muda os costumes da indumentária com mais frequência que no Rio de Janeiro. As três belas cidades são o encanto de turistas brasileiros e estrangeiros. Quem tem mais posses, em geral compra uma casa ou um apartamento por lá, a fim de fugir do calorão carioca. É um refrigério.
Por isso, no passado, figuras importantes da vida pública e cultural lá foram residir ou lá tinha um segundo endereço: Ruy Barbosa, Santos Dumont, Tristão de Athayde. Algumas outras lá lecionaram (Universidade Católica de Petrópolis) como o grande linguista brasileiro Mattoso Câmara, de quem fui aluno na Faculdade Nacional de Filosofia, no curso de Letras e Roberto Alvim Correia, grande ensaísta ligado à cultura francesa, que conheci de vista naquela mencionada universidade e através de seus trabalhos como autor de um ótimo dicionário Francês-Português e Português-Francês, de uma excelente gramática francesa publicados pela antiga FENAME, e sobretudo de ensaios da melhor qualidade..
Pois foi nessas regiões montanhosas e verdejantes que uma grande tragédia acaba de acontecer matando mais de quatrocentas pessoas de todas as classes. A imprensa a classificou como a maior tragédia brasileira no que concerne a catástrofes provocadas por variações climáticas.
As tragédias no país, sobretudo no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e estados do Sul e do Sudeste, se repetem como se fossem uma segunda natureza, ou seja, se tornaram naturais, banalizadas, sem que efetivamente da parte de diversos governos tivessem sido tomadas as medidas preventivas de longa duração, com obras de engenharia de ponta, planejadas por geólogos altamente especializados dos quais não faltam em nossas universidade públicas ou privadas.
Tudo, a meu ver, se resumiria em planejamento, em vontade política séria e não demagógica. Não se tem hoje um Ministério de Integração Nacional? Presumo que essa instituição pública federal conte com um corpo de funcionários competentes,engenheiros, geólogos, técnicos especializados no setor de enchentes, em contenção de encostas, e principalmente em prevenção continuada e vigilante de possíveis sinais de condições meteorológicas que possam, com grande antecipação, prevenir-se contra calamidades de tal porte causadoras de perdas humanas e de danos materiais que seguramente desestabilizarão a normalidade dessas cidades atingidas implacavelmente por tempestades e inundações de proporções gigantescas, praticamente quase destruindo nossas cidades, a sua vida econômica, a sua agricultura, indústria, comércio, lazer, turismo, a vida dos seus habitantes que se veem privados de tudo que conseguiram com sacrifício durante a vida, e sobretudo a perda sem preço de seus entes queridos.
Essas tragédias equivalem a verdadeiros terremotos, lembram tsunamis de água, que invadem violentamente a cidade e tudo que nela existe ou de lama que desce das montanhas com rochas soltas que vão devastando tudo que encontram pela frente, ate prédios de boa construção.
O pior, indiscutivelmente, é o saldo trágico dos mortos, crianças, jovens, adultos, velhos. Nem bombeiros, que prestam um inestimável serviço à vida humana e ao patrimônio privado ou público, escaparam dessa vez e foram tragados e levados pelas águas em fúria.
Esta não é a primeira vez que sofremos tais tragédias. Temo, contudo, que ainda desta vez as providências que sugeri acima ainda não sejam devidamente analisadas e implementadas.
As três belas cidades estão de luto. O povo brasileiro está de luto. O país já não aguenta mais protelações e paliativos. É preciso que, como oportunamente disse um conhecido cantor brasileiro, que não se fique apenas expressando a nossa “emoção”, cumpre que se parta para a “ação.”
O brasileiro é muitas vezes pouco racional, vai muito pelo impulso, pela improvisação, do momento presente, mas não se detém para refletir de modo mais racional, exigindo dos governantes e da sociedade que mudanças sejam feitas , que se cumpram as leis de uso do solo urbano, que não haja complacência com a corrupção burocrática, nem se tergiverse em questões de autorização de “habite-se” em áreas cujo solo é inapropriado para construções, seja de ricos, sejas de pobres.
A lei de planejamento urbano tem que ser rígida, inflexível. Os assentamentos que ainda existem devem ser objeto de análises profundas para verificação da adequação ou inadequação de condições seguras de moradia, a fim de que ações eficazes dos governos municipais, estaduais e federal sejam implementadas sob a fiscalização de órgãos competentes federais com respeito a verbas alocadas aos setores dos governos municipais e estaduais para assuntos de planejamento urbano, habitação, assentamento, e exames geológicos nos casos de cidades cercadas por morros ou atravessadas por serras.
A escolha de técnicos e engenheiros para esses quadros e funções não deve se pautar por indicações políticas, mas sim deve ser recrutada no universo acadêmico das nossas grandes universidades ou, quando não, todo esse know-how de ponta deve servir de consultoria aos governos. As pessoas de poucos recursos financeiros devem ser reassentadas em lugares seguros, onde o perigo de inundações e deslizamentos de terra seja, o quanto possível, zerado.
O país não pode mais esperar de braços cruzados por novas tragédias e sim procurar urgentemente impedir que elas, que não dependem da vontade do homem, pelo menos venham menos violentas e reduzam drasticamente mortes e outros tipos de destruição, porquanto tanto a tragédia quanto os danos materiais nos dão a sensação de que nossas cidades também estão morrendo tão sombria e melancólica é a paisagem que fica diante de nossos olhos em lágrimas.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

ANTOLOGIA DO NETTO

TEXTO E CHARGE: JOÃO DE DEUS NETTO


PAULO VERAS

Paulo Trindade Veras nasceu em Parnaíba a 23 de fevereiro de 1953 e morreu em Fortaleza a 23 de fevereiro de 1983. Foi poeta, contista e professor.professor. Formou-se em Letras pela Faculdade de Letras da Universidade Federal do Ceará. Teve participação literária e jornalística em vários órgãos da imprensa, como “Escrita” (São Paulo); “O Saco” (Fortaleza); “O Povo” (Fortaleza) e “Tribuna da Imprensa” (Rio de Janeiro), além de ter publicado seus poemas em coletânea cearense, participando do grupo alternativo Siriará, e em jornais de Porto Alegre. Obteve o 1° lugar no Concurso Nacional Pena Aymoré, de Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1978, com a obra O Centro da Pedra (Ita) e o 2° lugar no Concurso José Lins do Rêgo, com “O Derradeiro, D. Amélia”.

Faleceu ao completar 30 anos.
Publicou:
• Maus Antecedentes (em parceria com Leila Mícolis – 1981)
• O Centro da Pedra (1982)
• Os Corações Devem Ser Postos na Lata de Lixo (livro de contos)
• Queda de Braço (participação - antologia de contos)
• Poemágico (participação póstuma - antologia de poetas piauienses - 1985)

FLAGRANTES & INSIGHTS


Foto meramente ilustrativa

TÁ BOM?

Elmar Carvalho

Virou verdadeira praga o uso da expressão tá bom. A propósito de tudo ou até mesmo em flagrante despropósito a pessoa intercala ou finaliza seu discurso com essa pergunta. Quando eu me aproximava de certa repartição, o servidor que ia saindo, meu conhecido, cheio de simpatia e mesuras, foi logo me advertindo que eu não poderia ser atendido, pois o “sistema estava fora do ar”. Após essa desagradável informação, sapecou-me um tá bom? Eu, pegado de surpresa, absurda e idiotamente respondi “tá bom”. Na verdade, eu deveria ter respondido “tá mau, muito mau”.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

DALILÍADA - épico moderno baseado na vida e na obra de Dalí

ELMAR CARVALHO


XVIII

A mulher dominava o fantoche
que lhe dominava, porque
o fantoche tinha as riquezas
de que a mulher gostava.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A CHIBATA, O ANJO E O JUMENTO

ELMAR CARVALHO


O jumento, talvez pela sua importância e simpatia para o nordestino, tem vários apelidos, alguns afetivos e graciosos, outros nem tanto, já declinados pelo imenso Luiz Gonzaga, o rei do baião, que também lhe homenageou com a música “O jumento é nosso irmão”, de sua autoria e de José Clementino.
É um animal dócil e paciente. Segundo a tradição, foi o escolhido para conduzir a Virgem Maria e o Menino Jesus, na fuga para o Egito, evidentemente com a presença de São José, na constituição emblemática da Sagrada Família. Provavelmente tenha sido a sua proverbial docilidade, mansidão e humildade a razão dessa escolha e honraria. Como a maioria desses animais ostenta uma mancha sobre as pás dianteiras, considera o povo simples, na voz da lenda, que essa marca é o sinal milagroso e honorífico do xixi com que lhe ungiu o Salvador, como uma forma de homenagem e gratidão pelo serviço prestado. Depois, encerrando apoteoticamente sua participação na Bíblia, foi o escolhido por Cristo para conduzi-lo em sua entrada triunfal em Jerusalém.
O jumento não chega a ser um animal de grande porte. A sua paciência e beatitude lhe impedem de galgar colocação no ranking dos mais velozes. Só disputa corrida entre seus pares, como, aliás, é o mais justo e lógico. Entretanto, pela sua força e resistência, desproporcionais para o seu porte, considero-o um pequeno trator, com tração nas quatro patas, cujo formato lhe renderam o apelido de “pé de escopro”. Enquanto o seu dono vai procurar fretes para a carroça, nisso gastando muito tempo, o jumento fica pacientemente esperando pelo início do serviço, em alta concentração, como se estivesse imerso em profunda perquirição filosófica. Não sei se dessa atitude é que lhe teria advindo o apelido de professor.
Tem uma voz forte, quase uma trombeta capaz de derrubar as muralhas de Jericó. Apresenta vários timbres, de característica metálica, de rica sonoridade e modulações, como se fora um instrumento musical. Como o seu relincho ocorre em intervalos regulares, ganhou também o apelido de “relógio”. Conta-se até que uma figura ilustre do Piauí, um tanto excêntrica, entusiasmou-se por um jumento de rinchar imponente, altissonante, um verdadeiro primus inter pares. Esse varão de Plutarco comprou o animal, colocou-o numa espécie de gaiola, naturalmente no intuito de se deleitar com o “canto” do asno, que lhe parecia mavioso.
Não sem propósito, conforme se verá a seguir, recordo uma cena cruel, em que um açougueiro rude e algo doentio, talvez portador de uma certa psicopatia, maltratava sem nenhum motivo, pelo menos aparente, um carneiro, que pela sua docilidade e mansidão emprestou o seu nome ao Cristo, chamado o Cordeiro de Deus. Esse ser, dito humano, dava uma pancada com o “olho” do machado na nuca do pequeno carneiro, que estremecia, mas sem emitir uma queixa sequer. O homem, quase dizia o bruto, sorria, e no momento em que o animal se recompunha, voltava a vibrar-lhe outra pancada, e assim sucessivamente. Mesmo correndo sérios riscos, ainda hoje me arrependo de ter ficado inerte, diante do repulsivo e cruel espetáculo, quando poderia haver abordado aquela pessoa, na tentativa de chamá-la à razão.
Quando jovem, mal saído da adolescência, no auge de meu entusiasmo pela vida e pela poesia, escrevi um poema, de que já não me recordo na íntegra, e cuja cópia foi devorada pelas traças, que, juntamente com o tempo rigoroso, são as mais implacáveis críticas da literatura, em que eu dizia que era mentira chamar o burro de burro, pois quem era burro era o cavalo. Hoje, se não fosse uma ofensa para esses híbridos e possantes animais, eu diria que quem é burro é quem maltrata seu próprio jumento, ou seja, quem prejudica seu próprio instrumento de trabalho. Aliás, o jumento é mais do que um simples instrumento, pois é também o próprio trabalhador.
Para dar um melhor condimento a essa crônica, vou apimentá-la um pouco, contando uma rápida anedota verídica do jumento Pimenta, que pertencia aos pais do venerável amigo Elson Antunes. Era o Pimenta, como seu nome está a indicar, um jumento muito esperto e rápido. Muito diligente, não se furtava ao trabalho, e o que tinha de fazer, seja transportar gente ou conduzir cargas, fazia com rapidez. Entretanto, tinha seus caprichos e mudança de humor, e, às vezes, poucas vezes, é verdade, quando “cismava da boneca”, birrava e se amuava. Nessas raras ocasiões empacava e, mesmo açoitado, não tinha quem lhe fizesse avançar. Mas essas ocasionais pirraças do jegue Pimenta são uma exceção, pois o jumento, por princípio e como regra geral, é dócil e diligente.
Ainda de Ribeiro Gonçalves, o mesmo Elson me contou a história “folclórica” que se segue. A caminho do então povoado de Baixa Grande, seguiam Otílio Antunes e um doidinho, de nome Daniel, vulgo Lombada, prestativo e estimado por todos da cidade. O primeiro seguia em seu fogoso corcel, árdego, estradeiro, marchador, elegante em sua locomoção suave; o doidinho montava um jumento lerdo, trotão. Um pouco por troça, Otílio, que foi prefeito do município por duas vezes, insistia para que trocassem de montaria, fazendo ver as vantagens evidentes de seu cavalo. O serviçal sempre respondia que não havia necessidade, que, do jeito que estava, estava bom demais. Depois de muita insistência, fizeram a troca. Quando o doidinho se achou em cima do veloz corcel, deu um “até logo”, diria quase uma “banana”, e disse que o outro só o veria de novo na faveira grande da estrada. Era esta uma frondosa árvore, de densa sombra, que servia de pousada aos viajantes da época, que ali faziam suas refeições e curtiam o sono reparador, para a última etapa da jornada. Essa imponente faveira, que deu conforto, sombra e abrigo a muita gente, sem discriminação alguma, foi estupidamente derrubada por algum imbecil, a quem ela dera, talvez, a sua sombra majestosa e revigorante.
Um jumento serve ao carroceiro durante longas horas, numa jornada trabalhista muitas vezes bem maior do que a prescrita ao ser humano, carregando cargas pesadas, brutais mesmo, e quando a carroça encalha numa vala ou empaca no atoleiro, certos condutores vibram o chicote, sem dó nem piedade, sobre o dorso daquele dócil e indefeso animal, que concorre para o seu sustento e de sua família, levando-o ao estresse, senão mesmo à morte, pelo esforço cruel e insuportável, que o extenua e arrebenta. Chego a ficar com uma vontade secreta de que algum anjo da guarda dos animais arrebatasse o rebenque e o vibrasse com mais intensidade contra o lombo do proprietário impiedoso.
Isso me faz recordar o episódio bíblico em que o Senhor, em represália à desobediência de Balaão, deu-lhe por adversário um anjo com a sua espada desembainhada. Por várias vezes a jumenta que o conduzia conseguiu esquivar-se do anjo, que somente por ela era visto, e nunca por Balaão. Este, sem atinar com o que estava acontecendo, por várias vezes, enfureceu-se contra a sua montaria, e a açoitou com brutalidade. Vendo tamanha injustiça e violência, do profeta contra quem o servia e defendia, o Senhor abriu a boca da jumenta e lhe fez pronunciar as seguintes palavras:
– Que te fiz eu, que me espancaste estas três vezes?
– Porque zombaste de mim; tomara que tivera eu uma espada na mão, porque agora te mataria – retrucou Balaão.
– Porventura, não sou a tua jumenta, em que cavalgaste desde o tempo que eu fui tua até hoje? Costumei eu alguma vez fazer assim contigo?
O profeta respondeu que não, e o Senhor lhe abriu os olhos, fazendo-o enxergar o anjo com a espada desembainhada, e ainda lhe esclareceu que, se não fora o zelo da jumenta, já o teria matado, pela sua perversidade e iniquidade. Balaão se ajoelhou e se arrependeu amargamente.
Quando eu vejo um carroceiro perverso para com a sua alimária, que só lhe faz o bem, contribuindo para o seu sustento e o de sua família, gostaria que um Anjo do Senhor, pusesse na boca do animal espancado as mesmas palavras da jumenta de Balaão, e tomando-lhe a chibata açoitasse rijamente o desalmado, abrindo-lhe a mente ao entendimento do justo, da gratidão e do amor, sobretudo a quem nos ama e nos serve.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

FLAGRANTES & INSIGHTS


Camões flamenguista, na charge de Gervásio Castro

CAMÕES DE CAMPO MAIOR

Elmar Carvalho

Aproveitando a caminhada, conversei brevemente com o irmão Emanuel Maciel. Ao se despedir, em descomunal hipérbole ou ironia, ao comparar um poeta transoceânico a um modesto poeta de água doce, ele me rotulou de Camões de Campo Maior. Seguindo o exemplo de H. Dobal, eu poderia ter-me queixado da restrição, no caso de âmbito municipal, já que Drummond disse também existirem os poetas estaduais e federais. Entretanto, preferi apenas perguntar: – Mesmo eu não sendo caolho?

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

ARTE-FATOS ONÍRICOS E OUTROS


O BRINQUEDO DE LATA

Elmar Carvalho

Juciê, em Cangapara, era considerado um menino rico. Tinha os melhores brinquedos, comprados em lojas da capital. Usava belas roupas, de tecidos caros. Estudava no melhor colégio da cidade. Seu pai, o médico Juliano Castro, já fora prefeito do município por duas vezes. Comentava-se que seria eleito novamente, na próxima eleição. Quem o atrapalhava era sua esposa, dona Sílvia, mulher de poucos amigos e de nenhum sorriso, sempre sisuda e fechada em si mesma e em sua casa.

O menino, na manhã daquele 25 de dezembro, puxava o brinquedo que encontrara debaixo de sua cama, ao acordar. Era um lindo ônibus, que o pai fora comprar na capital, como costumava fazer. De cor azul, mostrava os passageiros e o motorista, com sua bela farda, à janela. Tinha todos os detalhes que um ônibus de verdade possuía, inclusive faróis que acendiam, lanternas que piscavam e buzina de bonito som musical. Entretanto, o garoto admirava os caminhões que o Zeca fazia, utilizando as latas de flandre de óleo vegetal, restos de tábua de caixotes e outros materiais menos nobres. Zeca trabalhava na oficina de marceneiro de seu pai, ajudando-o, o que lhe prejudicava a aprendizagem escolar, uma vez que quase não dispunha de tempo para fazer os deveres de casa e para se preparar para as provas. Nas horas de folga, quando seu pai não estava presente, fazia os seus próprios brinquedos, geralmente caminhões. Fazia-lhes a cabina com os flandres das latas vazias. Os faróis eram feitos com tampas, que ele achava nas ruas ou nas mercearias. As rodas eram de madeira, revestidas de borracha. A suspensão era feita com flexíveis ligas metálicas. O eixo das rodas dianteiras giravam, na hora de fazer a curva. Quando o caminhão, com a sua carga, quase sempre carteiras de cigarros ou caixas de fósforos vazias, passava sobre algum buraco, balançava, por causa do feixe de molas da suspensão. Eram precisamente o giro do eixo dianteiro e as molas que mais despertavam a profunda admiração de Juciê. Por isso, desejava esse brinquedo humilde mais do que os seus ricos brinquedos, comprados em lojas da cidade grande.

Quando Juciê viu o Zeca a puxar o seu caminhão de lata, feito por ele mesmo, não se conteve, e, num impulso, lhe propôs a troca dos brinquedos. Zeca, por sua vez, tinha verdadeira paixão pelos brinquedos do menino rico, mas acalentava esse seu sentimento no fundo de sua alma, sem nada revelar a ninguém, como se fosse um sonho absurdo e impossível, quase um pecado inconfessável. Inicialmente, duvidou da proposta que lhe fora feita. Sem querer acreditar no que ouvira, perguntou o que Juciê desejava. Este repetiu o que dissera. Sem mais delongas, o negócio foi feito. O menino rico, depois de fazer o Zeca prometer que não desfaria o negócio, com grande emoção e felicidade, saiu a puxar o caminhão de madeira e flandre; o pequeno marceneiro ficou a dirigir o ônibus sofisticado. Para testá-lo, acendeu-lhe os faróis, ligou o pisca-pisca e acionou a buzina. Ambos os garotos ficaram muito contentes com o negócio feito, sem nenhuma ponta de arrependimento, por menor que fosse.

Porém, quando dona Sílvia viu o filho a conduzir o caminhão no jardim da casa, perguntou-lhe pelo ônibus. O menino contou sobre a troca dos brinquedos. Ela, então, indagou sobre quem propusera o negócio. Juciê respondeu que fora ele que tivera a iniciativa. Sílvia, imediatamente, mandou que a empregada fosse até a casa dos pais de Zeca, e dissesse para o garoto vir a sua casa, trazendo o ônibus. Ana, mãe de Zeca, não entendeu direito o porquê do recado, mas tão-logo viu o filho com o brinquedo de luxo compreendeu tudo. Interrogou o filho a respeito da troca dos carrinhos. Quis saber de quem fora a ideia. Zeca falou que a iniciativa fora de Juciê. Ana, sem perda de tempo, lhe mandou fosse até a casa de Juciê, e se fosse para desfazer a permuta, que ele não criasse nenhuma dificuldade. Ao chegar, a matrona foi logo lhe perguntando se fora ele quem procurara seu filho, para fazer a permuta dos brinquedos. Ante a negativa de Zeca, Sílvia lhe disse que o presente de seu filho era caro, ao passo que o caminhão era feito apenas de lata e madeira, e confeccionado em Cangapara mesmo. Insinuou que Zeca se aproveitara da ingenuidade e inexperiência de seu filho, que era mais novo, conquanto a diferença de idade fosse de menos de ano. O garoto voltou para sua casa humilhado, envergonhado, e se recolheu a seu quarto, onde chorou silenciosamente, embora sem poder abafar os soluços.

Seu pai, o marceneiro José Silva, era um homem correto, trabalhador, porém rude, e dado a beber nos dias de sábado, após o meio-dia. Quando chegou a sua casa, no começo da noite, um tanto embriagado, um de seus filhos foi ao seu encontro, e lhe contou a história da troca dos brinquedos, sem esquecer de narrar o humilhante recado de dona Sílvia, com o consequente desfazimento da permuta. O marceneiro, com o raciocínio embotado pelo álcool, considerou o caso uma grande humilhação para si e para sua família, e voltou sua fúria toda contra o filho Zeca, contra o qual descarregou sua ira em vigorosas chibatadas. O menino chorou para dentro, em silêncio, sem gritos e sem clamores. Depois, ficou no escuro do quarto a soluçar e a refletir sobre a injustiça daquelas chibatadas, sem que seu pai tivesse se dado, sequer, ao trabalho de lhe perguntar sobre o que realmente ocorrera.

Quando seus irmãos entraram no quarto não encontraram o Zeca. A janela, que dava para a rua, estava apenas encostada. Aguardaram até as nove horas da noite, sem que o irmão retornasse. Foram comunicar o fato à mãe, uma vez que o pai já estava completamente entregue ao sono pesado da embriaguez. Ana mandou que os dois filhos fossem atrás do irmão. Não houve notícia. Apenas um menino da vizinhança disse que o vira no posto de combustível, mas no estabelecimento os frentista disseram não tê-lo visto. Nunca mais se teve notícia do Zeca.

A polícia investigou o seu desaparecimento, sem sucesso. Duas hipóteses predominaram na investigação: ou ele teria se afogado no igarapé, caso em que seu corpo teria sido devorado pelos peixes, ou teria se metido, sorrateiramente, no meio da carga de algum caminhão, e desaparecera em alguma cidade grande do sul do país. Soube-se que dona Sílvia, indagada sobre o caso, dissera que Zeca teria fugido por causa da consciência culpada, em virtude de haver tentado enganar seu filho. Muitos anos mais tarde, no fundo do poço que havia no quintal, o caminhão de lata e madeira de caixotes foi encontrado, com a cabina completamente enferrujada.

SARAU ÁGORA

domingo, 23 de janeiro de 2011

ANTOLOGIA DO NETTO

CHARGE E TEXTO: JOÃO DE DEUS NETTO



PAULO DE TARSO MORAES
Paulo de Tarso Moraes nasceu a 24-03-1960 , em Teresina (PI) e faleceu a 26-07-1986, na sua cidade natal. Poeta e jornalista. Trabalhou nos jornais "O Dia", "O Estado" e "Jornal da Manhã" e na Assessoria de Imprensa do Governo do Piauí.

Integrou a equipe do Centro Piauiense de Ação Cultural e a diretoria do Sindicato dos Jornalistas do Estado do Piauí. Pertencia ao Partido dos Trabalhadores, de Teresina. Fui chefe de Paulo de Tarso na Assessoria de Imprensa do Estado, onde exerci o cargo de diretor do Departamento Técnico de Jornalismo (DTJ) e sempre avalisei as viagens de Paulo de tarso Moraes para reuniões do PT fora do Estado.
Perguntei-lhe, em certa ocasião: - sua mãe sabe que você diz não acreditar em Deus?
Paulo de Tarso sorriu. Éramos bons amigos... Gostava da sua amizade...
Em reverência à sua memória, a Prefeitura Municipal de Teresina instituiu o Concurso de Reportagem Paulo de Tarso Moraes. 
Bibliografia: "Borboleta" (1987), edição póstuma.
Fonte : José Fortes - Jornalista

FLAGRANTES & INSIGHTS


CABEÇA ELETRÔNICA

Elmar Carvalho

Não fique o leitor a pensar que se trate de uma cpu ou “cérebro” de computador. Em verdade, trata-se do nome de uma oficina ambulante de consertar aparelhos eletrônicos, cujo proprietário tem a alcunha de Cabeça. Por motivos óbvios, ele acrescentou a palavra Eletrônica. Espera-se, contudo, que ele tenha uma cabeça privilegiada, com extrapolante quociente de inteligência, digna de fazer inveja a um Einstein.

sábado, 22 de janeiro de 2011

REGRESSANDO AO SEMINÁRIO

JOSÉ MARIA VASCONCELOS


Estou partindo para encontrão em Fortaleza e Quixadá, remoendo velha canção, “Era um garoto que, como eu, amava os Beatles e os Rollings Stones...” Nessa época, eu me encontrava internado no Seminário Capuchinho de Messejana, nas beiradas de Fortaleza. Tinha apenas 12 anos, quando meus pais me internaram. A moda eram internatos. Famílias orgulhavam-se de confinar filhos em seminários católicos ou escolas fechadas. Ou só pra homens, ou só pra mulheres. Hoje, festejam filhos atletas ou modelos bem pagos desfilando em passarelas e revistas famosas. Naquela época, buscava-se a formação ética; hoje, o faturamento da fama.
Em Fortaleza, encontrar-me-ei com antigos colegas de seminário, sem banquetes de sucessos corporais, mas de espíritos amadurecidos, cultos, a maioria empinada na política, judiciário e prestação de serviços profissionais. De Fortaleza, partiremos, de ônibus, a Quixadá, para dois dias de flash back e eventos.
Meu seminário perdeu quase todos os vocacionados ao sacerdócio. Não é fácil ser padre ou freira com antiquadas exigências do Vaticano. A diáspora, todavia, resultou em sionismo de importantes leigos na sociedade, e eu me envaideço de inserir-me no grupo. Quem enfrenta alguns anos de seminário ou formação militar dificilmente engendra por caminhos tortuosos de caráter na profissão e família.
No meu seminário, convivi com o cantor Belchior, inteligentíssimo, com quem passei um dia em sua residência. Frei Hermínio de Crateús, único padre da minha turma, psicólogo, vários diplomas em escolas europeias, professor de Teologia em Teresina, atualmente residindo em Roma, na tarefa de traduzir documentos, honra-me com frequentes emails. Juiz João Batista Rios, de Parnaíba, excelente colega até hoje. Médico e militar Antônio de Pádua, que reside em Teresina. Quem não se lembra do Saraiva, de Fortaleza, ex-gerente do Banorte de Teresina? Ex-empresário farmacêutico, Simeão, doçura de companheiro nos meios rotários de Teresina. Coronel Iran, chefe militar do Karnac, gestão do governador Alberto Silva. Ex-delegado Pedro Silva, que percorreu veredas não aprendidas no seminário. Tantos e tantos.
Não me arrependo dos longos oito anos entre clausuras e muros. Nem de entrar, nem de sair. Subi a Serra de Baturité, bati dois anos em Guaramiranga, onde as nuvens me invadiam o quarto e tilintava de frio, dormindo cedo para as orações coletivas de meia-noite. Depois, mais dois anos em Parnaíba, quando, já garotão, não me consolava só de contemplar belas garotas na igreja de S.Sebastião, nas missas dominicais. “Peguei o saco,” como se dizia, jocosamente, entre nós, quando se abandonava o seminário. Despedi-me, no início de Filosofia, faltando cinco anos para unção sacerdotal. Carreguei comigo o hábito escravo e construtivo de devorar livros e revistas, segredo para se escrever e falar bem. Mania de acordar cedo, enfrentar faxina em casa, plantar, cultivar quintal. Agradeço a cultura disciplinar dos antigos italianos, que me ensinaram até extrair borra preta das fossas, para adubo e floração de fruteiras e vinhas. Em Fortaleza e Quixadá, certamente, vou degustar esses frutos e videiras transformados em homens de bem. Tintim.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

ACADÊMICO REGINALDO MIRANDA RECEBE MEDALHA DO MÉRITO RENASCENÇA


            O acadêmico Reginaldo Miranda, atual presidente da Academia Piauiense de Letras, será agraciado com a Medalha da Ordem Estadual do Mérito Renascença do Piauí.
Reginaldo Miranda é advogado e historiador com extensa obra publicada, onde resgata as origens do Estado do Piauí. Nasceu em Bertolínia e possui 46 anos de idade.
A solenidade acontecerá no Cine Teatro de Oeiras no próximo dia 24 de janeiro, às 11 horas e faz parte das comemorações alusivas ao 188º aniversário da adesão do Piauí à Independência do Brasil. A programação consta ainda de hasteamento das Bandeiras, desfile militar, culto e missa em ação de graças, com a presença do governador Wilson Martins, Grão Mestre da Ordem Estadual do Mérito Renascença do Piauí.
O Piauí tem a Ordem Renascença, comenda de mérito e relevo, instituída pelo Decreto n° 1588, de 31 de Março de 1973 e regulamentada pelo Decreto n° 1962, de 17 de fevereiro de 1975. A homenagem foi criada pelo então governador Alberto Silva, sob inspiração de dois importantes intelectuais do Estado: Armando Madeira Basto e Arimathéa Tito Filho, ambos membros da Academia Piauiense de Letras.
De tradição universal, a Ordem Estadual do Mérito Renascença do Piauí é uma láurea destinada a agraciar personalidades e entidades nacionais e estrangeiras que, por relevantes serviços prestados ao Estado do Piauí, se tenham tornado dignas da gratidão, admiração e reconhecimento do povo e do governo piauiense.
O governador Wilson Martins ressaltou a importância da comenda e a seriedade do processo de escolha dos agraciados. “A Ordem Estadual do Mérito Renascença do Piauí é um reconhecimento àqueles que prestam serviços ao Estado e fazem do nosso Piauí um lugar melhor. Os agraciados são escolhidos por um Conselho, que estuda as sugestões de instituições e entidades de classe e analisa o currículo e a história desses piauienses, conferindo a medalha aos que representam um modelo de profissional e ser humano para a nossa sociedade”, ressaltou Wilson Martins.

Confira a programação:

Dia 24 de janeiro (Segunda-feira)

08h- Hasteamento das Bandeiras e Desfile Militar
Local- Paço Municipal
Praça das Vitórias

8h30 - Culto em Ação de Graças
Local: Primeira Igreja Batista
Rua Professor Rafael Farias, 697

10h - Missa em Ação de Graças
Local: Catedral de Nossa Senhora da Vitória

11h - Solenidade de Outorga da Ordem Estadual do Mérito Renascença Piauí
Local: Cine Teatro Oeiras

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

DALILÍADA - épico moderno baseado na vida e na obra de Dalí

ELMAR CARVALHO

XVII

Menina e moça
estavas entre serras,
vales, montanhas e vertentes,
mas eu apenas via
as serras, vales, montanhas e vertentes
em que teu corpo se transformava.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO

Vicente de Paula e Francisco Carvalho



19 de janeiro

NA BANCA DO LOURO

Elmar Carvalho

Sempre que vou a Parnaíba, visito a banca de jornais e revistas do Louro, que é meu conhecido desde os áureos tempos do jornal Inovação. Fica na praça da Graça, quase em frente à agência da Caixa Econômica Federal. Ali, tomo conhecimento dos periódicos e livros que foram publicados na cidade. Nas suas imediações, geralmente encontro algum velho amigo, ou, pelo menos, através do Louro, recebo notícia de algum conhecido que esteja visitando Parnaíba. Assim, soube que o Flamarion Mesquita, que hoje mora em Palmas, no Tocantins, esteve na urbe, visitando seus parentes. É ele um competente professor de inglês e notável desenhista. Foi um dos principais ilustradores do Inovação. Fez capas e contracapas de nossos livros mimeografados, geralmente obras coletivas de que tive a honra de participar. Não tive, entretanto, a oportunidade de abraçá-lo, como gostaria. Também tive notícia do dr. Nicodemos Ramos, que recentemente tomou posse de sua cadeira na Academia Parnaibana de Letras, em inesquecível noite de literatura e arte.

Pude reencontrar o Francisco Carvalho, que há muitos anos não revia. É parnaibano. Vim a conhecê-lo em Teresina, em 1983 ou um pouco depois, quando ele exerceu cargo na Delegacia do Ministério da Educação no Piauí. Foi colaborador do jornal Inovação. Depois, foi removido para Fortaleza; hoje, se encontra em São Luís, porém lotado na FUNAI, mantendo, portanto, contato com os índios maranhenses, que, ao contrário do que ocorreu em nosso estado, não foram extintos. Falou-me de seus vários projetos intelectuais. Disse que pretendia escrever uma monografia sobre o antigo Ginásio São Luiz Gonzaga, mas que não o fez porque não encontrou subsídios informativos para a empreitada. Por coincidência, estava conosco o Vicente de Paula (Potência), que ostentava na gola da camisa o broche comemorativo dos 50 anos da primeira turma do Colégio Estadual Lima Rebelo, originário da estadualização do antigo Ginásio Parnaibano pelo governador Chagas Rodrigues, que desse modo beneficiou os estudantes pobres do município. Francisco Carvalho acrescentou que gostaria de escrever um livro, de caráter sociológico, com interpretação, análise e crítica (e não meramente enumerativo de fatos e datas), sobre a intelligentsia piauiense. Respondi-lhe que essa obra viria em boa hora e seria única no gênero. Resta-nos torcer para que esse importante projeto se concretize, para que possamos aplaudi-lo com ênfase e em pé.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO


18 de janeiro

DE LAVRADOR A DOUTOR

Elmar Carvalho

Estive lendo o livro “Zé Rosa: de Lavrador a Doutor”, em que Francisco de Almeida, através de poema de cordel homenageia seu irmão, no ensejo do seu cinquentenário. Fui contemporâneo do autor, quando fizemos o curso de Direito na UFPI. Creio que cursamos alguma disciplina na mesma classe. Ele era empregado do Banco do Brasil, tendo, posteriormente, exercido o cargo de advogado dessa empresa. Hoje, trabalha na Advocacia Geral da União, exercendo o cargo de advogado dessa repartição no Piauí. Como o título do livro indica e a sua leitura confirma, José Rosa de Almeida nasceu na zona rural, na localidade Flor da Almécega, na época pertencente ao município de Castelo do Piauí, e que hoje integra o de São João da Serra, em 14.08.1960.

Desde menino, ajudava seu pai nos serviços de vaqueiro, campeando gado bovino, e mesmo pegando e derrubando reses bravias, a envergar orgulhosamente o seu terno de couro. Trabalhou nesse difícil mister até os 17 anos de idade, quando veio estudar em Teresina, graças à ajuda de irmãos, sobretudo do Francisco de Almeida, que já trabalhava no Banco do Brasil. Esteve alojado na Casa do Estudante do Piauí, cujas condições de conforto e alimentação parecem testar o hóspede para as vicissitudes da vida. O livro conta a história de Zé Rosa, seus percalços e triunfos. Registra que seu pai, em virtude de viuvez, foi casado duas vezes, e teve uma prole bem considerável, sendo que todos os filhos conseguiram vencer na vida. O protagonista do livro foi presidente do sindicato dos empregados dos Correios durante três vezes. Na condição de diretor regional adjunto da ECT (cargo que ainda exerce), esteve na titularidade da função de diretor durante mais de ano e em várias outras ocasiões. Conheci também o José de Ribamar Almeida, funcionário da Secretaria de Fazenda do Piauí, irmão de Zé Rosa, que foi meu colega no curso de Direito.

Portanto, essa família de pessoas humildes, nascidas na zona rural, filhos de vaqueiro, souberam triunfar na vida, graças ao próprio esforço, sem necessidade de “pistolões” e de benesses espúrias. O opúsculo foi prefaciado pelo professor doutor José Machado Moita Neto, que atestou ter o homenageado feito por merecer a louvação do mano, e foi apresentado pelo poeta Pedro Costa, em versos cordelistas, o qual certificou a capacidade de versejador de Francisco de Almeida, ao dizer que ele “do verso tem o domínio”. Todavia, o novel poeta advertiu seus pares, especialmente o apresentador, o “curió” Sebastião Evangelista e o repentista Edvaldo Guerreiro de que não tenham receio de sua concorrência, uma vez que não pretende prosseguir na carreira de cordelista.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

OS VERAS E A BARRA GRANDE


Vicente de Paula Araújo Silva (Potência)1

A denominada Rota das Emoções, é a exploração organizada do turismo regional por um consórcio formado pelos estados do Ceará, Piauí e Maranhão. Efetivamente, essa região tem muitos fatos históricos em comum a partir do século XVII. A Barra Grande está inserida nesse contexto. A sua atual condição de zona litorânea do
município de Cajueiro da Praia tem uma trajetória de lutas ao longo dos tempos a partir de 1604, quando Pero Coelho de Sousa, vindo da Paraíba chega a foz do Camocim e segue para a Serra da Ibiapaba, com o objetivo de expulsar os franceses lá estabelecidos desde 1590, iniciando-se então, o processo de colonização pelos portugueses, da região em tela, que tem muitas estórias registradas ao longo dos tempos, dentre as quais salientam-se: Em 1607, partem de Recife com destino ao Maranhão, os padres da Companhia de Jesus, Luís Figueira e Francisco Pinto, sendo este último morto pelos tapuias, simpatizantes dos franceses, em 11/01/1608; Em 1612, os franceses integrantes da expedição de Razilly e Daniel de La Touche, que estavam em viagem para a implantação da Colônia francesa na ilha do Maranhão, aportaram na Ponta de Jericoacoara; em 1613, Jerônimo de Albuquerque parte de Recife rumo ao Maranhão com o fim de expulsar os franceses que lá estavam; em 1656, partindo do Maranhão por terra, após 35 dias de viagem, chegaram a Serra da Ibiapaba os jesuítas Pe. Antonio Ribeiro e Pedro Pedrosa, implantando então, a missão da Ibiapaba; Em 03/03/1660, partem do Maranhão em visita à missão da Ibiapaba, os jesuítas Pe. Antonio Vieira e Gonçalo Veras, acompanhados do tapuia Jorge Ticuna, filho do chefe Algodão, que havia retornado da viagem a Portugal para agradecer a El Rei, a presença da missão jesuíta na serra da Ibiapaba.
Assim, oficialmente, o Pe. Gonçalo Veras foi o primeiro membro da família Veras, a estar nos Estados do Maranhão, Piauí e Ceará. Outros Veras, estabeleceram-se na região. Em 19/07/1705, o Cel. João Pereira Veras e sua mulher, receberam sesmarias de terras a partir do mar pelo rio Acaraú. Entretanto, foi o cearense Domingos Ferreira de Veras, neto dos portugueses naturais do Porto, Tomás Pereira de Veras e Joana da Costa Medeiros, quem introduziu a família Ferreira Veras na região compreendida entre a orla marítima da ribeira do Acaraú ao delta do rio Parnaíba, e as serras Meruoca, Ibiapaba, incluindo os vales dos rios existentes nessa área.
Os Veras da Barra Grande são descendentes da miscigenação de pescadores chegados da praia de Bitupitá, com os nativos tremembés e comboieiros vindos do sertão cearense e das serras Meruoca e Ibiapaba. Atualmente, compõem esses clãs familiares os sobrenomes: Ferreira Veras, Teles, Barroso, Pereira, Sousa, Araújo, Cardoso, Soares, Damasceno, Santos e Fontenele, entre outros. Essa aprazível praia, está situada entre as barras dos rios Timonha e Camurupim, e até a primeira metade do século XVIII, gentios tapuias da nação Tremembé, ainda habitavam em aldeias, localizadas entre o mar e os lugares hoje conhecidos como Tapera e Ilha das Cabras, nas proximidades da Barra Grande.
A cumplicidade do abastado fazendeiro cearense Domingos Ferreira de Veras com a Barra Grande, data da primeira metade do século XVIII, fato comprovado pelo registro de batismo a seguir, transcrito do Liv. Missão Velha, 1740/1747, fl. 119v: “Aos oito dias de abril de mil setecentos e quarenta e três, na Faz. Tiaya, em casa do Cel. Domingos Ferreira de Veras, bautizei a Vicente, filho de Vicente e sua mulher de nação Tremembé, e lhes pus os Santos óleos. Item no mesmo dia bautizei a Quitéria da nação Tremembé. Todos estes tapuias assima ditos são do rancho do tapuia velho chamado Machado que há muitos annos vivem sobre si e assistem entre a barra do rio Timonha e a barra do rio Camoripim junto a beira do mar, pertencentes a aldeia do Aracati Mirim, cita nesta freguezia de Nossa Senhora da Conceição do Acaracu. Pe. Lourenço Gomes Lelou, cura e vigº da Vara do Acaracu”.

¹ O articulista teve as avós materna e paterna, Gonçala Ferreira Veras e Joana Alves Teles, nascidas no final do século XIX, nas localidades Leitão e Arara , próximas a Praia de Bitupitá, atualmente município de Barroquinha (CE)., sendo as mesmas parentes próximas das famílias Veras e Teles da Barra Grande.

FLAGRANTES & INSIGHTS

Elmar visto por Gervásio Castro

MEIO SÉCULO E UNS QUEBRADOS

Elmar Carvalho

O velho e bom amigo, depois de haver dito ter 85 anos, perguntou se eu já estava perto de fazer 40 anos de idade. Surpreso, sorri, e lhe disse já haver ultrapassado meio século de vida. Ele, então, em flagrante exagero, retrucou-me que se não fosse pela calvície, que já me devasta os cabelos, me daria 30 anos. Com certeza o amigo me olhou com as lentes da amizade e da generosidade, e deletou minhas rugas no fotoshop de sua imaginação.

CASOS E POESIAS


Através de minha mulher, recebi o livro Casos e Poesias, da autoria de José Maria de Carvalho, nascido em 05.08.1948 na localidade Cupins, município de Piripiri, situada à margem direita do rio Piracuruca, onde residiu até os 16 anos. O livro tem apresentação da professora Teresinha de Brito Martins. Tanto nos poemas como nos textos em prosa, o escritor, fazendo uso de uma linguagem sóbria, sem rebuscamentos e torneios linguísticos exagerados, conta casos anedóticos, engraçados, e suas vivências e experiências de garoto nascido na zona rural. Evoca certas pessoas que foram queridas e conta os labores e diversões de um menino da roça, mas fala também das coisas e mazelas da sociedade urbana de agora.

sábado, 15 de janeiro de 2011

NOTURNO DE OEIRAS




Noturno de Oeiras e Outras Evocações, que poderá ser adquirido nas lojas da Livraria Universitária e na livraria da UFPI.


CARLOS SAID

A odisseia literária do notável José Elmar de Mélo Carvalho (Campo Maior, Piauí, 1956), encontra-se estampada no livro “Noturno de Oeiras e Outras Evocações”.
Não há negar. A edição primeira, 2007, colossal. Mas é no índice da segunda, 2009, que encontramos de maneira soberana a peregrinação do Elmar Carvalho pelos caminhos da velha e solene Oeiras que ele próprio aclamou “minha geografia oeirense”. Não se conformando em escrever poemas incluindo o dogma das lembranças do “Cemitério Velho de Oeiras”, o genial Elmar foi mais além: das felizes lembranças que marcaram a vida das maiores expressões literárias, relembrou a vida dos oeirenses quando habitantes da Primeira Capital do Piauí. Sem faltar os de hoje. Incorporou sublimação em todas as ocorrências que fizeram a grandeza histórica da cidade abençoada pela querida padroeira Nossa Senhora da Vitória (a lenda já considerada realidade porque dissecada pelas gerações que se envolveram na tradição oral, ressalta com propriedade religiosa que: “em 1697, sob a invocação de Nossa Senhora do Sertão, após padre Miguel de Carvalho ter anunciado a vitória obtida contra os “Rodeleiros” (Usavam eles em seus combates as rodelas grandes, todas de madeira. Lutavam sempre contra os fazendeiros da região conhecida por Sertão de Rodelas), a Igreja Matriz do Brejo da Mocha (sic) passaria à denominação de Nossa Senhora da Vitória, por ter alcançado o milagre na luta travada contra os índios da tribo dos rodelas sob desigualdade (homens e armas).
Na sua peregrinação pela terra abençoada pela padroeira Nossa Senhora da Vitória (antes, Sertão), o insigne campomaiorense jamais esqueceu pelo exercício da paciência, como é rico e belo o acervo cultural do povo da Mocha. Desfilando obras de importantes literatos oeirenses, Elmar realçou a importante contribuição do poeta Benedito Francisco Nogueira Tapety (1890-1918); do inquieto Orlando Geraldo Rêgo de Carvalho (1930); do fantástico músico e compositor Possidônio Nunes Queiroz (1904-1996) e do economista Moisés Ângelo de Moura Reis (1946), fortalecendo – assim – , o valor da formidável escola literária dos oeirenses. Mas, inteireza nossa, Elmar ao passear pelas estradas da inteligência oeirense, não esqueceu d' outros filhos da Mocha: o destemido Manoel de Souza Martins, agraciado Visconde da Parnaíba (1767-1856), proclamador da independência de Oeiras, livrando a cidade do jugo português, no correr do dia 24 de janeiro de 1823. Pelos velhos calçamentos das ruas murmurejantes de Oeiras, recordando como foi edificada a “Casa da Pólvora”, trovejou em versos: “Meia-noite. / Metade silêncio, / Metade solidão. / Atravesso a praça das Vitórias / Na hora dolorosa das doze badaladas / Punhaladas que também me atravessam”.
No entanto, é na Procissão do Fogaréu, durante os dias marcantes da Semana Santa, que Elmar Carvalho juntou à fidelidade da fé e do pranto cantado, os mais ardorosos e santos versos: “Ó som de lamentações e de ais, / De lamúrias passionais, / De réquiem e miserere / Que dilacera e fere / Como não se ouvirá / Nunca mais”!
Não sabemos até quando Elmar prosseguirá na viagem cultural pelos mais variados recantos de Oeiras, ainda hoje, no século XXI, mais silenciosa em recordações do tempo de outrora (sic). Tal como Nogueira Tapety arrostando sofrimentos mas consciente do valor de sua arte poética: “Nasci para viver solitário, abismado / Na própria vastidão do meu ser tão profundo”.
No arremate último para não perder o “Noturno de Oeiras” nos trilhos d' outras lembranças, melhor para todos nós a declinação do amor que Elmar Carvalho devota todas as noites no vestal berço embalado pela bondosa Senhora da Vitória: “Oeiras navega na noite / De um tempo que não termina. / De um tempo sem medida, fugitivo / De ampulhetas e relógios”.  

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

FLAGRANTES & INSIGHTS



BORRACHARIA ZEFUDELA

Elmar Carvalho

Pelo nome do dono da borracharia o leitor bem poderia aquilatar a importância da prosódia, cujo valor foi bastante mitigado com a mais recente reforma ortográfica, senão vejamos: se a pronúncia do segundo e for aberta [é], o Zé bem poderia ser um Zé qualquer ou um Zé ninguém; porém, se for fechada [ê], o Zé seria provavelmente um garanhão, ou pelo menos um malvado gavião de penacho.

TRANSCENDÊNCIA



JOÃO DE CARVALHO FONTES


o reino de Deus
está dentro do homem
que pode fazer da vida
uma aventura bela

não me apraz esse amanhecer
mais noite que a noite
é preciso atravessar a ponte
para que o dia realmente amanheça