quinta-feira, 30 de agosto de 2012

SESSÃO NOSTALGIA


Texto e charge: Gervásio Castro



Recheado de referências a "Crime e Castigo", de Dostoievski, e com um final surpreendente, "Match Point" é o primeiro filme de Woody Allen passado em Londres e também o primeiro com a atriz Scarlett Johansson. Recebeu quatro indicações ao Globo de Ouro e uma ao Oscar (o que significa muito) e é um dos meus preferidos (o que não significa nada).

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

CURIMATÁ E A MÉDICA ESTELITA



29 de agosto

CURIMATÁ E A MÉDICA ESTELITA

Elmar Carvalho


Na quarta-feira da semana passada, fui surpreendido por uma notícia que me chegou de forma inesperada. Veio até o gabinete do juízo, o Paulo, que fora motorista do falecido conselheiro Xavier Neto. Após colher a informação que desejava, ele me exibiu uns papéis, que trazia numa das mãos. Disse-me que se referiam a uma homenagem que a Câmara Municipal de Curimatá iria prestar à doutora Estelita Guerra de Macedo, e a duas outras pessoas que faleceram no mesmo desastre automobilístico. Fiquei um tanto chocado, e disse-lhe que conhecera essa médica, doze anos atrás, ainda no início de minha carreira magistratural. O Paulo me contou detalhes do acidente, que depois vi através da internet.

Passei aproximadamente quatro meses naquela cidade do Sul do Piauí, substituindo o titular, que se encontrava afastado. Foi então que conheci essa médica, creio que no ano de 1999, quando ela era prefeita de sua cidade, pela segunda ou terceira vez. O fórum e a prefeitura funcionavam em prédios próximos, em praça central da cidade. Se não estou enganado, ambos foram obras suas, em gestão anterior. Necessitei de tratar de um assunto de interesse dos jurisdicionados, e fui até seu gabinete.

Recebeu-me com educação e fidalguia. Pareceu-me uma pessoa de trato suave. Recordo sua voz como sendo pausada, agradável e emitida em tom jamais elevado. Havia, em um quadro, uma pintura que lhe retrava as feições com admirável fidelidade. Comentei alguma alguma coisa sobre esse retrato e sobre o estilo do artista. Ela ouviu atentamente o breve comentário, e sorriu. Era uma senhora de pele e olhos claros, alourada, e ainda estava na plenitude de sua beleza, conquanto devesse ter em torno de quarenta anos.

Pelos poucos meses que passei em Curimatá e pelas poucas vezes em que nos vimos, não posso dizer que fomos amigos. Mas sempre nos tratamos de forma civilizada e respeitosa. Ouvi falar que ela elogiara o meu esforço em tentar mover os processos, com a prolatação de centenas de despachos e sentenças. Nunca me fez pedidos, muito menos indevidos. A revi em mais quatro ou cinco ocasiões, duas delas no fórum.

Numa dessas vezes, falamos de literatura e poesia. Disse-me que seu pai – Júlio Borges de Macedo – fora poeta, e revelou-me que ela própria fazia poemas, de forma bissexta e sem maiores pretensões literárias. Nunca vi nenhum desses textos, de modo que não lhes posso fazer a menor avaliação da qualidade estética. Quando lhe falei das vicissitudes e percalços da vida, ela me confessou sentir, às vezes, infiltrar-se em sua alma certa tristeza, talvez a funda melancolia que todos sentimos em alguns momentos, e que é inerente ao próprio ser humano, e mesmo, talvez, a alguns animais, como cães e reses.

Participamos de um evento no campus local da UESPI. Estava presente, ainda bem me recordo, o professor Ribamar Nunes, que fora gerente da agência local do Banco do Brasil, e que era e é professor de letras. Falei sobre literatura e sobre arte poética. Recitei o meu poema Vida in Vitro, salvo engano. Gentilmente, ela me mandou entregar uma fita cassete de áudio, que registrava minha participação nesse encontro cultural.

Como disse, não fui propriamente seu amigo, mas fiz amizade com dois amigos seus: o rábula Vogado, que eu chamava brincando de Ad-Vogado, e o senhor Mundinho Mascarenhas, em companhia dos quais fui conhecer a grande e lendária lagoa de Parnaguá, que banha a vetusta e histórica urbe, de igual nome. Os dois nutriam profunda e sincera amizade pela doutora Estelita.

Creio que ambos reconheciam que ela poderia exercer sua profissão, com proficiência e brilho, em qualquer capital do país, como vários de seus irmãos, mas preferira se fixar em seu longínquo rincão, dedicando-lhe o melhor de seu esforço e inteligência, seja através do sacerdócio da medicina, ou dos mandatos em que o administrou. Eram o Vogado e o senhor Mundinho pessoas boas e simpáticas, que ainda recordo com saudade, apesar do longo tempo decorrido, que já me empana a memória. Com eles entretive, algumas vezes, agradável palestra.

Apesar dos escassos recursos da época, Curimatá me parecia bem cuidada, e denotava singela alegria, com os vários barzinhos e mamoranas floridas, espalhados pela cidade. Ao longe, na saída da estrada que vai para Avelino Lopes, descortinava-se o perfil azulado da serra, que me fazia nostálgico dos Morros de Santo Antônio do Surubim. Tenho a consciência tranquila de que fiz o possível para bem exercer as minhas funções, no curto período de quatro meses em que lá servi.

Quando cheguei a Curimatá pela primeira vez, numa madrugada silenciosa e fria, um jumento pastava placidamente o capim da praça central, sem ser incomodado por ninguém, muito menos pelo vigia do logradouro. Aliás, o quadrúpede mais parecia um jardineiro municipal a cumprir o seu mister de desbastar o renitente capim de burro. Doze anos depois, tenho a tristeza de receber a notícia de que a doutora Estelita falecera, justamente por causa de um animal solto sobre a pista de rolamento.

Num dos sítios da internet colho a informação de que Estelita significa estrela, ou uma mulher que foi estrela. Os seus belos olhos de jade certamente poderiam ser comparados a duas joias ou estrelas, incrustadas em sua face. E ela, que foi uma estrela de sua terra, continua a brilhar como um astro de uma outra e melhor dimensão, acolhida pela bondade infinita de Deus.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

A tristeza do meu pai


Poeta Da Costa e Silva
Jornalista e escritor Cunha e Silva


Cunha e Silva Filho


Fala-se que o brasileiro é um povo alegre, brincalhão, solidário e possuidor de outras qualidades que o tornam acolhedor aos olhos dos estrangeiros. Talvez, seja isso uma verdade se considerada no seu sentido absoluto, geral, coletivo. Entretanto, no plano pessoal, íntimo, acredito que existam muitíssimas exceções. Conheço pelo menos duas, a do poeta piauiense Da Costa e Silva (1885-1950), cuja tristeza é comparada à tristeza do próprio rio Parnaíba, tristeza que, aliás, se associa ao sentimento da saudade, se revela muito forte na sua poesia: “Eu sou tal qual o Parnaíba: existe/Dentro em meu ser uma tristeza inata,/Igual, talvez, à que no rio assiste/Ao refletir as árvores, na mata...” (Pandora, seção “Sob outros céus”, soneto IV, p. 242, in: SILVA, Da Costa e. Poesias completas. 2. ed., revista e anotada por Alberto da Costa e Silva. Rio de Janeiro: Editora Cátedra/ INL/MEC/MEC, 1976).

Segundo Ronald de Carvalho (1893-1935), poeta, ensaísta primoroso e historiador literário,  falecido precocemente em acidente de automóvel, “A alma brasileira nasceu de três melancolias”: da saudade portuguesa, da “inquietação do terror do índio e da “queixa imensa da sua humilhação..” (CARVALHO, Ronald. Estudos brasileiros (Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A/INL?MEC., p. 75, 1976).

Ora, se a saudade e se manifesta como uma feição da melancolia, a saudade será um traço romântico muito denso, muito próprio a esse estado de desejo ardente de alguma coisa, de se voltar o sentimento para a perda, a ausência, a falta, a carência. Típico do sentimento romântico a tristeza inunda a alma do poeta do século 19, sobretudo , mas invade também os séculos posteriores ou anteriores ao grande movimento que tem seu foco central e seu argumento máximo no dedilhar de estados d’alma, como o spleen, o “mal do século,” e principalmente, como costumava afirmar, com voz e gestos carismáticos, que encantavam seus alunos, o meu professor de literatura luso-brasileira no Liceu Piauiense, o A.Tito Filho (1924-1992) a “exaltação da subjetividade.”

A segunda exceção desse sentimento de tristeza eu me foi manifestado por meu pai, Cunha e Silva (1905-1990) mais de uma vez, nos momentos em que, ele e eu conversávamos sobre o mundo dos sentimentos no ser humano. Lá me vem ele com esta confissão: “Sinto meu filho, às vezes o aguilhão de uma tristeza enorme que me toma o corpo e o espírito a um só tempo”. O pior é que não sei explicá-lo com palavras, localizá-lo em alguma ponto da vida, saber o motivo de sua origem, conseguir uma resposta que me satisfaça a fim de amenizá-la um pouco”.

Não lhe dava eu nenhuma resposta a essas indagações. Deixava que ele desabafasse. Entretanto, é possível arriscar algumas hipóteses tanto para o caso de Da Costa e Silva quanto para o de meu pai. Num e noutro vejo uma das explicações por um lado basicamente de viés autobiográfico.

Por mais que eu queira resistir a não aceitá-la como premissa, na poesia dacostiana, a saudade tem não só um fundo romântico, já referido no meu ensaio Da Costa e Silva: uma leitura da saudade.(Teresina: Academia Piauiense de Letras/Universidade Federal do Piauí, 1996) - contingente derivado tanto da assimilação de sua expressão lírica, quanto dos elementos individualistas que poderiam conduzir a um extravasamento inócuo do seu estro. O poeta da saudade soube conter-se artisticamente pelo distanciamento equilibrado da sua arquitetura formal, i.e., dos seus meios retóricos e estratégias de construção estilística a fim de não cair no vezo superado de poesia “dor de cotovelo” tão execrada pelo poeta Carlos Drummond de Andrade(1912-1987) e outros poetas ditos líricos mas não contaminados do puro pieguismo comum aos poetas de menor estatura estética, recordando-se, para tanto, que Da Costa e Silva poetava numa frase de transição da poesia brasileira que se aproveitou do romantismo, parnasianismo e simbolismo, sem mesmo descartar direções mais progressistas  para  formas mais livres de fatura poética, segundo demonstrei no meu ensaio, talvez pouco conhecido dos meu leitores, “Da Costa e Silva: do cânone ao Modernismo,” in Geografias literárias – confrontos : o local e o nacional.(org. Francisco Venceslau dos Santos, com a colaboração de Raimunda Celestina Mendes da Silva). Rio de Janeiro: Editora Caetés, p.103-122, 2003.

Outra hipótese surpreenderia no fato de que geralmente poetas e escritores que deixam a sua terra natal e conhecem outras regiões ou mesmo países, voltando ou não às origens locais, não deixam de experimentar o sentimento provocado pela distância, entendida esta como espaço físico, sobretudo representado pela Natureza que lhes era cara ao temperamento artístico, às condições mesológicas do seu rincão natal, aos laços afetivos muito sólidos, ao meio cultural, à perda do convívio materno, relações familiares, ou de amizades perdidas no tempo. Isso se deu com Da Costa e Silva,  Junqueira Freire (1832-1855), Gonçalves Dias(1823-1864), Casimiro de Abreu (1839-1860).

O primeira, por razões de atividades profissionais, residiu em várias cidades brasileiras e terminou fixando-se no Rio de Janeiro; os três últimos também tiveram o seu tempo de “exílio” em longes terras por motivos diversos e, finalmente, meu pai, que também teve seu momento de poeta, adolescente deixou Amarante e foi estudar no Rio de Janeiro destinado pela família a ser padre, o que não aconteceu. Mas, ele da mesma forma sentiu a dor do afastamento familiar, do desenraizamento como os demais citados.

Esse afastamento lhe foi doloroso mas lhe trouxe também alegrias. Ficou dividido entre o amor que sentia pelo Rio de Janeiro e o amor da terra natal, Amarante. Terminou estabelecendo-se em Teresina, para onde foi dar continuidade à sua vida de professor e jornalista.. Em todos esses exemplos, em síntese houve as consequências do deslocamento, no tempo e no espaço. Em todos eles, seguramente o componente saudosista se lhes fincou profundamente na alma. Aqui entra a Arte, expressa em modalidades diversas, sobretudo na poesia. No exemplo de meu pai, começou a escrever poemas, na maioria sonetos, a partir dos sessenta anos, atitude artística que, segundo ele, se deveu “as amarguras da vida”.

É certo que em todas estas personalidades literárias há um traço comum que os une : o sentimento da tristeza, daquela melancolia inerente à alma humana que, por um motivo ou outro, foi despojada de um bem subjetivo tão necessário à inteireza e ao equilíbrio do comportamento do indivíduo.

Vou me demorar mais no meu pai e procurar levantar outras razões para explicar a sua tristeza profunda quando no isolamento talvez do seu lar., ou , quem sabe, até em meio às alegrias efêmeras do contato social.

O espírito humano nunca se nos aparece na sua completude moral, social, afetiva, religiosa ou de outra ordem natural ou metafísica. No entanto, é possível desentranhar dele alguns pontos de subjetividade oculta, os quais, estariam, a meu ver, situados na sua formação cultural, na sua atividade profissional, nos diversos acontecimentos históricos que se foram somando paulatinamente no decorrer de sua existência. Por outro lado, há um ponto crucial que muito pode afirmar sobre a origem de sua tristeza: é no plano dos valores estéticos e de sua visão filosófica, do seu pensamento sobre a vida social, os homens, a política, a aceitação na sociedade, o descontentamento com o comportamento do ser social. Estes fatores apontam para uma direção, que para mim se inscreve no descontentamento entre o idealismo da subjetividade em luta contra a injustiça social, ou melhor ainda, contra a hipocrisia que caracteriza a vida em sociedade. Quando meu pai declara em tom de amargura que “não troca a sua dignidade humilde pelos brasões de enfatuados da nossa sociedade”, aí está assumindo uma postura a geradora da insatisfação, do sentimento de rebeldia contra outras individualidades que lhe foram prejudiciais e indignas do seu valor e do merecimento.

Na realidade, há uma somatório de fatores determinantes da eclosão tão dolorosa à alma de uma personalidade forte como foi a dele. A tristeza não é dialética, te mais a ver com a interioridade ferida e malferida pelo outro, que não soube compreendê-la ou por ela sentia indiferença, ou inveja, ou ressentimento, ou qualquer espécie de sentimento subalterno. A Arte, seja em nível elevado ou em menor escala de valores, é um ersatz à tristeza, não uma solução, não uma compensação, não uma maneira de recuperar o equilíbrio da alma alegre, pura, e inocente tão própria às fases da nossa infância , da juventude e da mocidade.

Outras hipóteses poderia ainda levantar para o deslinde desse sentimento que, de quando em quando, assaltava a alma , o coração e o corpo de meu pai, Cunha e Silva. Quem sabe, algum dia possa retomar este tema com mais amplitude e complexidade.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Engabelaram São Raimundo Nonato da Piçarra



José Maria Vasconcelos

Anualmente, passadinha nos festejos de São Raimundo. O evento me traz recordações da infância. Finalzinho da década 1950. Eu não perdia uma noite de animação: barracas de palha, guloseimas ou servindo de coroinha ao vigário Frei Eliézer, além de botar disco de cera de 72 rotações na radiola do alto falante. Não existia o templo atual. À direita, só tosca capelinha coberta de telha, onde mal cabiam umas cem pessoas.

Teresina de 150 mil habitantes corria para os festejos de São Raimundo. Piçarra, muita piçarra, lama, poeira. Cabarés famosos de belas mulheres, deleites de marmanjos ricos. A única ponte(de madeira, onde hoje se ergue a Ponte Wall Ferraz) sobre o Rio Poti, foi arrastada por enchente, obrigando a construção de outra, a Juscelino Kubitschek, no final da Avenida Frei Serafim. Avenida Miguel Rosa, estreita, esburacada, poeirenta, terminava na Piçarra, na entrada da Avenida S. Raimundo.

Para os padrões urbanísticos atuais, a Piçarra não passava de favela. Pior, o mínimo de energia elétrica, nenhum calçamento, abastecimento de água através de chafariz público ou cacimbões. Água encanada só no centro da cidade, sem tratamento e amarelada. Tifo e verminoses matavam crianças e adultos, no Brasil, em assustadoras proporções da miserável Bangladesh.

Na capelinha, eu me sentava no pedestal do altar, durante a missa, ouvia o capuchinho Frei Eliézer, longas barbas aloiradas, olhos verdes, anunciar o projeto de construção do novo templo e um prédio para serviços sociais. Amigo de meus pais, Martinho e Dedé, Frei Eliézer frequentava minha casa, levava-me na garupa de sua moto, incentivando-me ao culto religioso, o que me despertou, mais tarde, vocação pro seminário.
Temperatura agradável à noite, devido à farta floresta na baixada do Poti e arredores, eu regressava para casa, na Rua Odilon Araújo, tilintando de frio. Meus pais nos educavam(seis filhos) com modestos ganhos da bodega, mais tarde Farmácia São José. Gozavam de enorme popularidade, pelas milagrosas receitas e generosidade com os pobres da paróquia.

Frei Eliézer juntava multidão de fieis em procissão, nas tardes de domingo, descíamos a Rua Sta. Luzia, a pé, até o rio Poti e regressávamos com sacos de areia nas costas para a construção do templo. O frade enchia o capuz da batina com o produto. Durante a semana, metia-se entre pedreiros, amassava barro, subia andaimes, pegava duro na colher, descia estafado, batina imunda, molhada de suor. À noite, exibia filmes com entrada paga, para custear a obra. Nas cenas de beijos na boca, ele tapava o zoom ótico. Eu e a garotada assoviávamos protestando.

Frei Eliézer recebeu ordens superiores para missão definitiva no Pará. A notícia debilitou-o, acamou-se durante dias. Visitei-o no Convento de São Benedito, chorei. Foi-se meu amigo, deixando a construção do templo no ponto de cobertura. Frei Heliodoro, superior do convento de São Benedito, continuou a tarefa. O templo foi inaugurado, início dos anos 60. A placa comemorativa de metal, chumbada na parede de entrada da igreja, dizia que a construção se devia aos esforços de Frei Heliodoro, engabelando Frei Eliézer, que nem convite recebera para o foguetório. Nem pude assistir à cerimônia, já internado, aos doze anos, no seminário. Li a placa, casualmente, em 1995, e me aporrinhei com a tapeação.

Em 1967, a paróquia de São Raimundo Nonato passou para a administração de outra ordem religiosa, os franciscanos, que continuam até hoje. Sabe o que fizeram? Outra engabelação à história da paróquia e do verdadeiro fundador: retiraram o lacre da inauguração do templo, crime de engabelação à história da Piça. Quer mais? Os atuais franciscanos celebraram, neste ano de 2012, "45 anos da fundação do templo de São Raimundo Nonato", outra engabelação, mais pesada que sacos de areia extraídos do Poti. Enganem São Raimundo Nonato e a História. Menos a mim.

domingo, 26 de agosto de 2012

Seleta Piauiense - Antônio Chaves



MOCIDADE

Antônio Chaves (1883 – 1938)

Ó mocidade! – borboleta louca
Que o casulo deixaste pressurosa,
Olha que o vento as asas te destouca,
Adeja menos, borboleta ansiosa.

Temo que as tuas límpidas antenas,
Que o teu corpo fragílimo, subindo,
Um dia venham se cobrir das penas...

E se temo é porque – pálido monge
Sob a cúpula azul do céu aberto
Olho, e te vejo já de mim tão longe,
Tu, que eu julgava inda de mim tão perto.

Volta! Vem descansar sobre as alfombras
Desta alma, que sorrir já não se atreve...
Olha que o prado vai se encher de sombras
E a terra toda se cobrir de neve.

Fonte: A Poesia Piauiense no Século XX, org. Assis Brasil

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

AUTO-APRESENTAÇÃO



AUTO-APRESENTAÇÃO

Elmar Carvalho

eis como sou
         neste instante único
         (após o qual já
         serei um outro):

um homem que rema
         no seco contra
         a corrente das águas

um homem que usa
         a gravata como
         se fora um baraço
         nas horas de opressão

um homem que escreve
         torto por
         linhas certas

um homem que sobe
         e teima contra
         a lei da gravidade

         eu sou aquele
que aprendeu
a pecar para
ter a humildade
de não ter uma
virtude

         eu sou aquele
que jogou roleta
russa com o tambor
cheio de balas e
apostou contra a
sorte

         eu sou aquele
         que lutou para
         não ser

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

OS VÁRIOS CAMINHOS DA VIDA




22 de agosto   Diário Incontínuo

OS VÁRIOS CAMINHOS DA VIDA

Elmar Carvalho

O José Francisco Marques, competente professor de Inglês, falou-me que passara, como exercício, uma breve redação a ser desenvolvida pelos seus jovens alunos, a qual deveria ser ambientada nos Estados Unidos. Um dos seus discípulos, no decorrer de seu trabalho, perguntou-lhe como deveriam ser escritas as palavras Manhattan e Massachusetts. Evidentemente, o dedicado mestre sabia escrevê-las, mas preferiu responder com uma pergunta/sugestão:
Jovem, por que não você não substitui essas palavras por outras, que você não teria dificuldade em escrever corretamente, como Arizona ou Los Angeles, por exemplo?

O que o Zé Francisco pretendia era fazer o jovem raciocinar, à procura de melhor solução para as suas dificuldades. Eu mesmo, quando escrevo, e encontro uma dificuldade gramatical, procuro resolvê-la dando uma nova construção à frase ou empregando um sinônimo, ou usando um outro artifício qualquer, para driblar as armadilhas de nossa lodosa Língua Portuguesa. Os estudiosos recorrem aos livros de Gramática. Como nem sempre tenho tempo ou disposição para esses exercícios filológicos e gramaticais, dou a solução que entendo mais rápida e mais fácil, mas de natureza prática e eficaz.

Advertiu o poeta espanhol António Machado: “caminhante, não há caminho, / faz-se caminho ao andar”. Ferreira Gullar endossou essas palavras ao lapidar estes versos: “Caminhos não há / Mas os pés na grama / os inventarão”. Creio que os dois vates estejam certos, seja numa interpretação literal ou metafórica. No início, havia a floresta com as suas árvores, arbustos e ervas, com os seus mistérios e medos, mas o homem, esse eterno caminhante e desbravador, foi tecendo os caminhos, e depois as estradas – reais ou republicanas, irreais ou não.

Desde cedo, conheci os símbolos extraídos dos caminhos, tanto os que nos levam ao nosso destino geográfico, como os que nos conduzem à consecução de nossos desideratos. Perdi-me em alguns, reencontrei-me em outros. Há os caminhos longos, cheios de curvas e beleza, sem ladeiras íngremes, sem precipícios e sem pedregulhos. Há os atalhos, bem mais curtos, mas cheio de escarpas, atoleiros, torrentes e obstáculos, como pedras e ervas daninhas. Alguns, por vocação ou por pressa, preferem os caminhos mais curtos, embora com os seus perigos e ciladas.

Outros, os cautelosos e medrosos, escolhem os caminhos mais longos, porém mais seguros. Sabe-se que a linha reta determina a menor distância. Contudo, em íngremes encostas, nem sempre é possível construir-se os retos caminhos. Muitas vezes a estrada reta requer altos gastos, com a construção de pontes imensas sobre rios e abismos. Os atalhos, quase sempre, são repletos de urtigas e outras ervas daninhas e espinhentas, que nos dilaceram a carne. E nos cegam, como a beleza e o inebriante cheiro da rosa cegam os incautos e os tolos.

Às vezes nos perdemos nas encruzilhadas de nossos caminhos e escolhas. Muitas vezes a estrada larga, reta, sem ladeiras é a estrada da perdição, é a estrada que leva o caminhante direto ao inferno. Assim como uma moeda tem duas faces, o nosso itinerário poderá ter vários caminhos. Os atalhos, com os seus perigos, escarpas e precipícios; os caminhos longos, com a sua segurança e conforto. Cabe-nos a escolha, tomada, muitas vezes, de forma impulsiva, precipitada, em função de nosso desejo mais imediato, ou tomada de forma reflexiva, ponderada, em que se leva em conta os resultados a longo prazo.

A escolha de nossos caminhos é feita, claro, em função de nossos desejos, e estes podem ser egoísticos e perigosos. Os caminhos podem ser como os djins ou gênios das lendas árabes, cheios de falácias e vantagens enganosas. Atendem os desejos de forma distorcida, traiçoeira, malévola. A uma bela mulher que disse desejar a beleza eterna, o gênio a transformou numa estátua. Assim podem ser os caminhos. Muitas vezes o mais belo pode esconder um terreno pantanoso ou traiçoeiras areias movediças. Tenhamos, pois, cuidado com as nossas escolhas e com os nossos caminhos.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Ser Pai e Ser Mãe



SER PAI (*)

(Paródia ao soneto “Ser mãe”, de Coelho Neto)

Francisco Miguel de Moura

Ser pai é ganhar mais, libra por libra,
Para que o filho não se torne alheio,
Nem precise ir embora do seu meio,
Da família, onde a infância se equilibra.

Ser pai é sofrer só... Filho nem liga
De pai ficar em casa a noite inteira,
Se tem mãe que lhe vele à cabeceira,
Por isso o pai, coitado já nem briga.

E assim desce ao boteco e perde o brilho,
Embora lhe acompanhe um amor capaz
De voltar logo e aconchegar o filho.

Ser pai é se zangar quando está liso,
Ser pai é sofrer muito e ser capaz
De sorrir, padecendo o prejuízo.
Teresina, 25/02/2012

(*) Na sessão da Academia Piauiense de Letras comemorativa do Dia das Mães do ano passado, o desembargador Manfredi Mendes de Cerqueira, após enaltecer as mães e fazer referências elogiosas ao soneto Ser Mãe, de Coelho Neto, lançou um desafio, ao dizer que algum poeta deveria escrever um poema sob o título de Ser Pai. O poeta Francisco Miguel de Moura, atendendo a esse desafio, leu este poema na sessão do dia 11 passado. Trata-se de uma bela e criativa paródia.

SER MÃE

Coelho Neto

Ser mãe é desdobrar fibra por fibra
O coração! Ser mãe é ter no alheio
Lábio que suga, o pedestal do seio,
Onde a vida, onde o amor, cantando, vibra.

Ser mãe é ser um anjo que se libra
Sobre um berço dormindo! É ser anseio,
É ser temeridade, é ser receio,
É ser força que os males equilibra!

Todo o bem que a mãe goza é bem do filho,
Espelho em que se mira afortunada,
Luz que lhe põe nos olhos novo brilho.

Ser mãe é andar chorando num sorriso!
Ser mãe é ter um mundo e não ter nada!
Ser mãe é padecer num paraíso!

(Copiado site "Jornal de Poesia")

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Aniversário de Teresina pelas torres da S. Benedito



José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

O garoto aproveitou a distração do sacristão, abriu a porta, subiu a escada arredondada e estreita de madeira. Postou-se no último degrau, próximo à imagem de São Benedito. Vento gelado soprava entre as torres, tremer canelas e temor da queda. Era 1960, Teresina 108 anos.
Do alto das torres, descortinava-se a modesta Teresina de 145 mil habitantes e prédios baixos. Só se destacavam as torres das igrejas, os oito andares do INPC(INSS) na Praça João Luís. A capital não passava dos rios Parnaíba e Poti. Podiam-se contemplar as extremidades facilmente: ao sul, acabava no Bairro Vermelha, de barro e poeira vermelhos; Avenida Barão de Gurgueia, única saída da cidade para o sul do Estado. Ao norte, acabava no aeroporto. Logo mais, vazio tomado de vegetação, até à Vila do Poti. Bairro Buenos Aires, vila isolada, distante da Praça do Marquês.
Do antigo Seminário Arquidiocesano, na Avenida Frei Serafim, seminaristas desciam a ladeira, onde hoje fica a Agespisa, iam tomar banho no Poti. A implantação da Ponte Juscelino Kubitschek, ligando a Avenida Frei Serafim à Zona Leste, incentivou a construção do Clube do Jóquei e o balneário do Clube dos Diários. Na saída da ponte, na entrada para a Av. N.Senhora de Fátima, funcionava o Posto Fiscal. Grupos de matutos, como eram chamados agricultores do interior, montados em jumentos e cavalos, acompanhavam noivos trajados de branco, acampavam nos arredores do Posto, festivos e fogueteiros, para casamento na cidade. Daí o Bairro dos Noivos.
Na Zona Leste, multiplicaram-se belas residências e cultivo de pomares em extensos lotes. À noite, a temperatura caía em mais de 5 graus em relação ao Centro. Toda a faixa da Catarina e Monte Castelo coberta de florestas, dominadas de macacos e animais silvestres. "Onde você mora?" ao que se ouvia: "Moro na Floresta", hoje Alegria, pelos bailes comuns da caboclada, naquela região pós Catarina.
Os sinos da Igreja São Benedito badalavam às 4 da madrugada, para missa dominical das cinco. Ouvia-se o bimbalhar em quase toda a cidade, bem como o apito bucólico da Usina Elétrica(Cepisa), às 9 da noite.
A "alta sociedade" deleitava-se no Iate e Jóquei, especialmente nos bailes de debutantes, reveillons, eleição de misses, exigindo passeio completo. Os Diários, mais populares, refrescava a juventude aos domingos, após encontros noturnos até às 9, na Praça Pedro II ou no cinema. Vida noturna findava por volta da meia-noite. Bar Carnaúba, chique e bom-gosto, todo de carnaúba, ao lado do Teatro 4 de Setembro. Dois irmãos argentinos, no comando, revolucionaram a gastronomia local com pratos e bebidas finas.
Manhã de domingo, coroas do Parnaíba e Poti lotadas de areia branca e gente bonita, desconhecia poluição. Teresina se abraçava, todos se conheciam e se temiam na moralidade. Moças demais divertidas espantavam rapazes, exceto para "empinar"(amassos). Perder virgindade, caía no mundo, desembocando nos cabarés, às vezes, ainda adolescentes e expulsas da família.
Do alto daquelas torres, o garoto não imaginava que, um dia, nos 160 anos de Teresina, 1 milhão de habitantes, rodeada de favelas, estimuladas pela ambição política e irresponsável de gestores e candidatos, arruinariam o cinturão verde da capital, avançariam nos impostos para doação de telhas, barro, areia e votos. O menino não imaginava quase uma dúzia de pontes, belas avenidas e praças iluminadas, centenas de gigantes de concreto, nem Parque Lagoas do Norte, nem asfalto (só aeroporto tinha), nem tanta safadeza de gestores públicos, nem rios poluídos, nem imprensa avançada, nem futebol peba, nem fartura, diversão e gente bonita nos shoppings, nem badalação noturna de segunda a segunda, nem empreendedorismo, especialmente de jovens, nem droga, violência e assassinatos diários. Aquele garoto ama pra burro esta mesopotâmica capital, cheia de desafios, como subir a uma torre por escada íngreme.

domingo, 19 de agosto de 2012

Seleta Piauiense - Jonas Fontenele da Silva



Coração

Jonas Fontenele da Silva (1880 - 1947)

Meu coração é um velho alpendre em cuja
sombra se escuta pela noite morta
o som de um passo e o gonzo de uma porta
que a umidade dos tempos enferruja.

Quem vai passando pela estrada torta
que leva ao alpendre, dessa estrada fuja!
Lá só se encontra a fúnebre coruja
e a Dor, que a prece ao caminhando exorta.

Se um dia, abrindo o casarão sombrio,
um abrigo buscasses contra o frio
e entrasses (doce criatura langue!),

fugirias, tremendo, ao ver de um lado
a Crença morta, o Sonho estrangulado
e o cadáver do Amor banhado em sangue.

Fontes (em cotejo): clubedapoesia.com.br e Antologia dos Poetas Piauienses, de Wilson Carvalho Gonçalves

sábado, 18 de agosto de 2012

TERESINA - 160 ANOS



TERESINA - 160 ANOS

Barripi

Mesopotâmia rica, exuberante,
Entre os caudais Parnaíba e Poti,
És serás a Deusa cativante
Dos que procuram depender de ti,

Quando Saraiva, Conselheiro andante,
As tuas bases implantou aqui,
Pressagiara um astro fulgurante
Iluminando os céus do Piauí.

Assim nasceste linda Teresina,
Cidade verde, cândida, divina
Filha do sol, soberbo relicário.

Como te amo, sigo procurando
A forma exata de exprimir cantando
Meus parabéns, por teu Aniversário.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

SESSÃO NOSTALGIA


Texto e charge: Gervásio Castro


Quando atuou em "Casablanca" Humphrey Bogart precisou de uma ajudinha nas cenas em que contracenou com Ingrid Bergman, vinte centímetros mais alta que ele.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Posse de Deoclécio Dantas na Academia Piauiense



Será no próximo sábado, dia 18, no Auditório Wilson Andrade Brandão, na sede da Academia Piauiense de Letras, a solenidade de posse de Deoclécio Dantas Ferreira na cadeira nº 15 da Academia Piauiense de Letras, que tem como patrono Antônio Borges Leal Castelo Branco, e que teve como último ocupante o professor e escritor Benjamim do Rego Monteiro Neto.
O empossando é jornalista, radialista e escritor, e foi deputado estadual e vice-prefeito de Teresina. Publicou vários artigos na imprensa teresinense, muitos deles enfeixados em livro.
O discurso de recepção será proferido pelo acadêmico Zózimo Tavares Mendes.

Data: 18 de agosto de 2012 (sábado)
Horário: 10 horas
Local: Auditório Wilson Andrade Brandão (APL)
Av. Miguel Rosa, 3300/Sul – Teresina – PI

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

MEU PRESENTE DO DIA DOS PAIS




15 de agosto   Diário Incontínuo

MEU PRESENTE DO DIA DOS PAIS

Elmar Carvalho


Na quinta-feira passada, houve, em Manaus, a solenidade de entrega dos espadins aos novos cadetes da briosa Polícia Militar do Amazonas, após concluída a primeira etapa do curso de dois anos. Meu filho João Miguel estava entre esses futuros oficiais amazonenses. Sua mãe, coruja como toda mãe que se preza, foi assistir a essa bela festa, em que o nosso filho, como representante do Piauí, entre os novéis cadetes, conduziu a bandeira do nosso Piauí. Por causa de compromissos, tanto na Justiça comum como na eleitoral, não pude participar desse evento.

No domingo, quando estava a conversar com meu amigo Paulo Almeida Nunes, na cafeteria 3 Corações, de sua filha, vi uma camisa polo e uma garrafa de vinho tinto que ele recebeu de presente de seu filho Ravanelli, também dono de uma loja no shopping Riverside. Sem nenhuma ponta de inveja, posto que Deus me fez destituído desse triste sentimento, disse ao Paulo, fingindo certa tristeza:
– Não recebi nenhum presente, por conta do Dia dos Pais...

O boa praça Paulo Nunes, sorrindo, talvez para me animar, respondeu:
– Não recebeu ainda, mas vai receber!
O Paulo, como se diz no jargão popular, parece ter falado pela boca de um anjo. Com efeito, mais tarde, ao chegar em casa, recebi o meu presente, através dos mares internéticos, sob a forma de um singelo e-mail, enviado por meu filho João Miguel. Peço licença aos meus dois ou três leitores para transcrevê-lo abaixo, na íntegra:

Falar do meu pai é fácil. Eu sei que não vou ser igual a ele ou conseguir ultrapassá-lo em seu curriculum vitae, mas quero ser só 50 % do que ele é. Um cara nobre, para o qual uma das profissões mais admiráveis é a do professor. Homem culto, reto, honesto, que ocupa umas das profissões mais desejadas no Serviço Público. É uma autoridade apenas no nome, na profissão, porque fora dela continua a pessoa simples, humilde, que todos admiram.

"Como pode? Ele é.....? Pensava que era um técnico, analista judiciário". Essa história é verídica. Uma vez um amigo meu me disse que pagou um mico falando com ele de maneira despojada, pensando que ele ocupasse um "cargo menor", tendo em vista a simplicidade e humildade dele, mas é que com ele não tem "frescura" mesmo rs. É nisso que eu invisto e tento me espelhar. Ele sempre foi um bom pai, um bom marido, casado há quase 28 anos, sendo que o outro amor dele é pela literatura, da qual armazena mais de 3 mil livros em seu arsenal bibliotecário.

Ele ama ler e escrever. Já possui mais de 5 livros lançados, e dezenas de participações em outros livros coletivos e mídias. Na profissão, em que ele tem "poder", não se vende para ninguém, o poder que ele usa é só para fazer a justiça. O grande romancista e teatrólogo inglês William Shakespeare nos diz que “nenhuma herança é tão rica quanto a honestidade”. Portanto, quanto maiores somos em humildade, tanto mais próximos estamos da grandeza. O topo da inteligência é alcançar a humildade, e acho que a maior e primeira prova da grandeza de um homem é a sua humildade. Parabéns PAI, pelo o seu dia.”

Creio não ser necessário dizer que esse e-mail me emocionou e me desvaneceu. Foi um rico presente. Com certeza, para mim, foi mais valioso que um sofisticado e caro artefato eletrônico, ou mesmo algum dourado ou prateado objeto de joalheria. Entretanto, devo dizer que meu filho exagerou na dose. É claro que estou longe de merecer integralmente o que ele disse. Mas, por favor, perdoem o jovem cadete! Afinal, ele estava falando do pai dele, emocionado pela saudade da casa paterna, que ele deve curtir na solidão da longínqua Manaus. Na verdade, as virtudes que ele afirma ver em mim, eu as enxergo mais nos avós paternos dele, e gostaria que elas fossem o nosso legado espiritual.

Diria que tenho apenas me esforçado um pouco para ser um pouco tudo aquilo que ele disse; tenho buscado alcançar ao menos uma migalha das virtudes que ele me atribui, porém sabendo quão árdua e difícil é a lapidação da pedra bruta, que somos nós. Além do mais, nem sempre consegui ser um bom pai. Por vezes, me faltou paciência, quando ele enfrentou os difíceis e por vezes atribulados anos da adolescência, e eu amargava o prenúncio da “aborrescência” do meu avançar na idade e nas vicissitudes da condição humana. Nem sempre tive tolerância para dialogar com sabedoria e humildade com ele. Talvez, em alguns momentos, tenha sido demasiado exigente e rigoroso. É que os pais desejam o que consideram o melhor para os filhos.

Mas pude sentir que ele era um bom rapaz; que ele se arrependia quando cometia algum dos pecadilhos, não só da juventude, mas inerente ao fator humano. E quem nunca os cometeu? Sabia ser humilde, quando necessário, apesar de ter o seu brio próprio. Pelas boas amizades que foi amealhando, eu podia sentir que ele era do bem, que era um bom garoto. Conquanto não fosse de uma disciplina espartana e feroz nos estudos, os seus colegas comentavam que ele tinha certa facilidade em assimilar o que lia, ou ouvia nas salas de aula.

Depois que ele foi para Manaus, pude ver os seus livros, enfileirados nas prateleiras de seu quarto vazio, e notei os rastros de suas leituras, de seu esforço, através das frases sublinhadas e das anotações à margem da mancha gráfica. Espero em Deus que ele seja um bom oficial, e que aja sempre com sabedoria, prudência e justiça. Deus sempre protege os que porfiam em fazer o que é certo e o que é justo. É isso o que lhe desejo, e o mais virá por acréscimo. Amém.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

CARTA ABERTA À CIDADE DE PARNAIBA


Antonio Gallas

Minha querida Parnaíba,

Carinhosamente te chamamos de Parnaibinha de Nossa Senhora da Graça porque recebe as bênçãos e a proteção de tua excelsa padroeira a Mãe da Divina Graça. Também és conhecida como Princesa do Igaraçu em razão do caudaloso rio que te banha, o imponente Igaraçu, afluente do velho monge, que durante décadas serviu à navegação fluvial, transportando riquezas, pessoas, promovendo intercambio sócio comercial entre cidades do estado, do país e até do mundo. Ainda, Parnaíba, és conhecida como a Capital do Delta porque é o portal de entrada para aqueles que querem conhecer uma das mais belas e exuberantes paisagens brasileiras: o Delta do Parnaíba, que a governadora do Maranhão insiste em chamar de Delta das Américas, talvez porque ele seja o única delta em mar aberto nas Américas.

Com relação ao teu nome Parnaíba, há controvérsias entre os historiadores. Alguns dizem ter origem na língua tupi-guarani e significa “rio de águas barrentas” em alusão ao Parnaíba. Outros afirmam ser uma homenagem a Domingos Jorge Velho, um dos colonizadores do estado que nasceu na Vila de Parnaíba, em São Paulo. Mas há os que dizem que Parnaíba vem de parnahiba ( com p minúsculo mesmo) uma faca de retalhar carne, trazida da Bahia pelos primeiros fazendeiros que se instalaram na vila. Fico com a primeira versão. Aliás, conta a história, que quando da transferência da capital do Estado para Teresina, em 16 de agosto de 1852, os oeirenses, com raiva por Oiras ter perdido a condição de capital , propositadamente recolheram a água mais barrenta do rio e enviaram a Dom Pedro II para que fosse evidenciada péssimas condições da água, inviável para o consumo humano, ao passo que, o Imperador observou bem o polme assentado no fundo da garrafa, sacudiu-a, encheu um copo, bebeu a água e exclamou: - água mais saborosa do que esta , nunca bebi! Dom Pedro tinha razão. Costumamos dizer que “quem bebe a água do Parnaíba, quando aqui não fica para sempre, ou se vai embora, jamais esquece deste lugar”.

Ah, minha querida Parnaíba! Daquele longínquo 14 de agosto de 1844,quando o então governador do Piauí José Idelfonso de Sousa Ramos , promulgou a Lei nº 166 elevando-te à categoria de cidade, muita coisa até cá mudou. Passastes por notáveis transformações em todos os aspectos, e a tua elevação de vila à categoria de cidade não foi à toda. O governador de então, reconheceu a tua importância no cenário sócio econômico do estado, no país e no mundo, pois já possuías referências na Europa e em outros países, De lá para cá, repito, muita coisa mudou. És hoje o município piauiense mais importante depois da capital. Possuis uma população acima dos cento e cinquenta mil habitantes que te colocas na condição de segundo município mais populoso do estado. És a cidade universitária do norte do Piauí e prepara-se para em breve estar em pleno funcionamento a tua faculdade de medicina.

Mas, minha querida Parnaíba!, apesar das mudanças, das transformações havidas através do tempo, uma coisa não mudou: continuas bela, pitoresca, afetiva, acolhedora, com teus filhos trabalhadores, tuas mulheres bonitas, e continuas tendo um grande valor histórico para o Piauí pelas lutas dos teus antepassados, e pelo empreendedorismo dos teus filhos atuais que lutam, que trabalham para que continues sempre esta cidade altaneira, progressista, referência no estado do Piauí.

Acho que me alonguei um pouco minha querida Parnaíba, mas é que, mesmo sendo um filho adotivo, amo-te tanto quanto aqueles que aqui nasceram, e por esta razão gostaria de vê-la sempre desenvolvimentista, altaneira, no top do ranking dos municípios piauienses, mas para isso, necessitamos saber escolher nossos futuros dirigentes, que eles sejam sensatos, comprometidos com o teu desenvolvimento, porque se escolhermos errado corremos o risco de vê-la estagnada em seu progresso, e tenho certeza, os parnaibanos não querem retrocesso.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Teresina: na Praça Pedro II


Jornalista Cunha e Silva


Cunha e Silva Filho

Foi em 1974. À tardinha, tínhamos passado por alguns lugares bem conhecidos de Teresina. O tempo, porém, passou rápido como o tênue fio que separa a vida da morte. Quando demos fé, já era tarde da noite. Nossa conversa, em pé, encostados à mureta da parte mais alta da Pça Pedro II da velha Teresina cansada de guerra, naquela divisão social e preconceituosa que separava, por uma rua, as duas partes da praça, uma a das meninas de nível social mais alto ou bem alto, e a outra, em que estávamos, que dava para o antigo Quartel de Polícia, lugar das meninas pobres, das então chamadas curicas.

Evandro e eu estávamos ali, olhando para uma praça quase vazia, que parecia abandonada por seus frequentadores. Mas, esse vazio pouca diferença fazia para o dois jovens irmãos, eu, um ano mais velho que ele, recém-chegado do Rio depois de dez anos sem ver meus pais.

Com de costume, nossas conversas se voltavam para o futuro e para um futuro muito colado às coisas da cultura, de livros, de sonhos e projetos que pretendíamos concretizar com o passar do tempo. Me dizia o mano Evandro: “Chico, a gente tem que fazer alguma coisa sólida na campo literário. Isso é coisa séria, exige muita leitura, preparo, lutas, combates, e principalmente estudos.. É preciso produzir, irmão! Porém, tem que ser alguma coisa que valha a pena , que tenha valor, que perdure e deixe marcas.

Naquela época eu já começara a escrever pra jornais de Teresina e, no Rio, mal acabara de me graduar em Letras. Evandro tinha já manifestado inclinação para a poesia. Fizera poemas que eu não conhecia. Já estava formado em Direito e era recém-casado. Já tinha passado pela militância universitária. Fora preso, durante alguns meses, pela Ditadura Militar.

Essas lembranças que alinhavo agora vêm a propósito da notícia pesarosa que hoje me chegou de um telefonema de minha irmã, a Maria Cândida, me transmitindo aquilo que jamais esperaria saber tão prematuramente, a de que Evandro faleceu nesta madrugada num hospital de Fortaleza, para onde há alguns meses foi se tratar de uma doença que dele exigia um transplante. Operaram-no. Resistiu à cirurgia. Estava bem, me informara minha irmã. Contudo, três meses, não sei ao certo, passou mal e veio a falecer ao sessenta e cinco anos.Seu corpo será trasladado de avião para Teresina, onde vai ser velado e sepultado. É o terceiro irmão que perco nesta vida . Estou arrasado por dentro, mesmo tendo que confessar que , tempos atrás, depois da morte de papai, guardara alguma mágoa dele por razões que hoje já não significam muito ou nada mesmo. O sangue fala mais alto.

Na realidade, nunca brigamos de verdade. Nas vezes que estive com ele, quando ia a Teresina, sempre nos tratamos bem. Ele tinha um temperamento alegre não dava mesmo para ter raiava dele. No ano passado, quando fui lançar meu livro As ideias no tempo, na Academia Piauiense de Letras, ele lá comparecera no auditório da APL. Me ouviu expor sobre meu livro e comprou um exemplar que lhe autografei. Eu estava com o meu filho mais velho, o Neto. À noite, do mesmo dia do lançamento, levou-nos ele no seu carro a um passeio por Teresina. Fomos a um Shopping, tomamos sorvete. Conversamos e rimos muito da vida e dos homens. Evandro era espirituoso, inteligente, culto, lido, escrevia bem e era contundente. Não lhe faltava uma boa dose de sarcasmo contra mediocridades. Tinha boa leitura no campo sociológico e argumentava com mito vigor intelectual. Grande admirador da alta literatura universal. Seu espírito de autocrítica talvez o tenha refreado a produzir mais literatura, no conto e na poesia. Leu também o que era bom e tinha projetos de escrever mais ficção. Tinha especial talento para o jornalismo, Uma vez, fundara uma revista, que durou pouco tempo.

O que nele mais ressaltaria, neste momento de dor, era a sua veia crítica, o seu sarcasmo, como se rabelaisianamente quisesse rir das nulidades e de si mesmo.Naquele último encontro que tive com ele,antes de descermos do carro meu filho e eu, estava selada pelo destino o meu convívio, sempre em horas tão breves e fugidias, mas cheio de risadas, de relatos engraçados sobre homens, fatos, situações familiares num tom de voz que lhe era inconfundível, sobretudo porque costurados pela ironia dos que vivem a vida pelo instante que passa.

Nos meus arquivos guardo dele uma carta de 1990, um recorte de jornal de Teresina com um poema dele juvenil à maneira de Augusto dos Anjos (1884-1914) e uma crônica/conto autobiográfico em que o personagem principal é a figura de papai num momento difícil da vida do grande jornalista.

O melhor período que passei com ele foi na infância e início da adolescência. Evandro adorava que lhe contasse narrativas de livros que eu tinha lido. Naquela época de ouro e de inocência éramos muito amigos, nos amamos e era um prazer estar com ele. Um outro momento de grande emoção foi aquele em que lhe pude ajudar de alguma forma. Foi quando ele, tendo feito vestibular para Direito, não passou na primeira tentativa. Me dissera chateado que na prova de inglês havia se dado mal. Aqui do Rio - já vão tantos anos! -, preocupado com a situação dele, corri à Embaixada Americana. Conversei com o Departamento Cultural e pedi ajuda a uma gentil pessoa que me atendeu. Eu procurava material para o ensino do inglês. A assessora me meio então com um pequeno e atualizado livrinho para o ensino do inglês e destinado a brasileiros. Contente fiquei e remeti logo pro Evandro o volume. Na segunda tentativa, ele fora aprovado para o curso de Direito. Numa outra ida minha a Teresina, me confidenciou que já lia regularmente o inglês e me agradecera pelo envio daquele livrinho.

Se um profundo descompasso houve, até agora, entre ele e mim no que concerne a uma intimidade maior e a um estreitamento mais radical de nossa amizade e de nosso afeto, e isso tem sido comum entre meus familiares irmãos, irmãs, e parentes próximos, talvez tenha, em grande parte, sido devido ao meu afastamento de tantos anos, com poucas idas ao Piauí, ou porque talvez isso seja apenas uma questão de temperamento mesmo entre os familiares. No entanto, ainda quero acreditar que, no fundo, há respeito e bem-querer nesta numerosa família. Creio ainda na amizade e amor que correm no sangue comum.

No verbete do utilíssimo Dicionário biográfico de autores piauienses de todos os tempos, de Adrião Neto, constam estas informações biobliográficas sobre meu irmão:

SILVA, Evandro Setúbal da Cunha e Silva. n. 14-04-1947 – Amarante (PI). Contista e cronista. Formado em Direito. Fiscal do Ministério do Trabalho. Bibliografia: “Ensaios Políticos”(1981) e Relações de Empregos” (1984). Participou de “Coletânea Poética (1987) e da antologia Poética de Cidades Brasileiras” (1988).”