terça-feira, 30 de abril de 2013

MISSA DE SÉTIMO DIA



Comunico aos parentes e amigos que a missa de 7º dia do falecimento de minha mãe será na Igreja de Santo Antônio, Praça Bona Primo, em Campo Maior, às 17:30 horas do dia 2 de maio, quinta-feira.

Terras e vidas roubadas



Fonseca Neto

A invasão tida por triunfal deste lado do Atlântico por negociantes e feitores portugueses por volta de 1500 é o ato inaugural do mais horrendo massacre que um povo impôs a outro. A história da experiência humana narrável, e narrada, não conhece nada de tamanha extensão.
O que agora se chama de Brasil é um dos lugares em que esse desastre se afigurou mais avassalador, com suas feridas abertas sangrando vidas até hoje. E assim é porque não se alterou o sentido da devastação, da “limpeza” do terreno, em proveito do empresariamento mercantil e da realização de negócios capazes da extração lucrativa máxima. Remanesce esta região como espécie de neocolônia, cujas linhagens de dependência, reinventadas, parecem insuperáveis, até porque tecem um enredo semelhante a uma “colonização voluntária” (se existe). Com efeito, o Brasil é um campo aberto às mais diversas perversões relacionadas às práticas de saque, este, a matriz e o móvel de muitas outras formas de violência.
Tome-se como referência alguns fatos comuns no cenário brasileiro, os quais, por alguma razão,  foram motivo de lembrança e deslembrança nos últimos dias. Noticiou-se: “Índios invadem Congresso”; não se noticiou: índios protestam em luta no Congresso contra proposta de roubarem-lhes, de vez, seu direito à terra e à vida. 
Noticiou-se: “Meninos de rua são mortos em Goiânia”; não se noticiou: crianças abandonadas à rua são eliminadas e a população e governantes em geral acham tudo muito natural; eram os mortos afroindiodescendentes. Noticiou-se, com ênfase indignada: “Universitário é morto por menor em latrocínio e o Brasil chora” (um  eurodescendente, com certeza); noticinha de canto de página: três adolescentes são executados em SP na frente da PM e ela nem se move; de tudo, o subtexto – “ah! era gente metida com droga, assim pardos, melhor morrerem ou irem pras cadeias logo aos dez anos de idade”.
Noticiou-se (repórteres tomados de dor, cenhos lacrimosos): “O Brasil em profundo luto precisa chorar mais ainda pelo ataque em Boston, nos EUAN...”.
Indígenas protestando no Brasil é sinal da mais legítima resistência contra a tirania de caráter colonizador. Aliás, sua rebelião é o timbre límpido de sua humanidade. E porque resistiram à escravidão, foram eliminados, fisica e etnicamente. Mas é necessário lembrar, sobretudo: porque resistiram é que vivem.  
Já o que faz a população de São Paulo (90%) querer a retirada de circulação de crianças “delinquentes” a partir dos dez anos de idade é sinal de doença social-mental gravíssima. Deformação cujas explicações há que se buscar nas taras e ódio instilados na sobredita colonização, feita a ferro e fogo: corpos sãos dilacerados por cães e europestes; corpos das áfricas e áfricos acorrentados e chicoteados. Ferrados e feridos, uns e outros, se não “bem comportados” no papel de lavradores das terras e minas dos senhores da arte do Mercado. Afinal, a riqueza extraída e acumulada na era “colonial-mercantilista” – a força desse saque monumental –, foi feita à base da escravidão, esta aviltação extrema da condição humana. E o próprio corpo afro a espoliar, a mercadoria principal garantidora dos mais vultosos lucros. 
Não há violência nenhuma de hoje que não tenha explicação quando se lança luzes sobre as raízes do Brasil. A corrupção, tortura, fome e a elisão de culturas ancestrais, por exemplo. Cabe perguntar: a cultura da paz teria alguma chance num contexto-país cuja formação/deformação tem na prática da violência, em todos os sentidos e formas, o meio principal de sua realização?
A violência dos que se fazem poderosos nos processos sociais em curso compromete a sociedade inteiramente. E os que continuam a ter seu destino violentado são os de sempre. O que sobreviveu da humanidade que habitou este chão antes da agressão mercantil-colonial de 1500, por exemplo, continua a ser alvo de eliminação, exemplificada na atual ofensiva dos “ruralistas” no Congresso.  
Ruralistas”? Projetam tomar as últimas terras indígenas; cruéis feitores, chegados à guerra, inimigos eternos da paz em qualquer lugar onde haja terra e vidas roubadas.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Flagrante do Gervásio Castro


A ausência de Neuza Machado



Cunha e Silva Filho

Conheci Neuza Machado quando, de 1999 a 2006, fui lecionar no curso de Letras da Universidade Castelo Branco, em Realengo, Rio de Janeiro. Não me lembro bem como foi o meu primeiro contato com ela. Só sei que, de repente, já éramos bons colegas no ambiente universitário. Ela lecionava teoria literária; eu, literatura brasileira e, depois, língua inglesa, cheguei mesmo a lecionar também, e por um semestre, literatura americana.

Me lembro bem de que, uma noite, após uma reunião geral com o reitor, saí do auditório e fui para a cantina, lugar de encontro de professores e alunos e lá Neusa me perguntou se eu tinha alguma facilidade de conseguir um editor para um livro dela pronto a ser publicado. Por um ou outro motivo, ela pensava que eu tivesse assim bons contatos, o que não era o meu caso. Ficamos amigos e dessa amizade que cresceu mais com as muitas vezes que, no Centro do Rio, por mera coincidia,  nos encontramos  tomando o  mesmo ônibus para Realengo.

Foi nessas vezes que comecei a conhecê-la melhor. Nessas idas de ônibus, cujo percurso durava uma hora ou mais, dependendo do trânsito, e em ônibus lotado, aproveitávamos para falar principalmente de literatura, de escritores, dos tempos de graduação na Faculdade de Letras da UFRJ, dos bons professores e das dificuldades inerentes aos tempos de estudante.  Assim,  ia formando minha opinião sobre esta colega que não chegou a ser amiga íntima, mas cujo convívio profissional no mesmo ambiente de trabalho foi suficiente para que sentisse admiração pela sua formação intelectual e seus anseios de estudiosa e pesquisadora sobretudo na sua área de maior interesse, a teoria literária.

Neuza era mineira e tinha muito do que se fala de bem dos mineiros. Por outro lado, a sua personalidade simpática e brincalhona por vezes escondia algo de um temperamento muito crítico e rigoroso com o que fazia na sua vida profissional. Sua visão do fenômeno literário era penetrante, muito seletiva, numa abordagem metodológica que se orientava pela análise semiológica, por ela declaradamente haurida da experiência que teve nas aulas de Anazildo Vasconcelos da Silva, professor da Faculdade de Letras da UFRJ. Na sua dissertação de Mestrado, O narrador toma a vez (Rio de Janeiro: N. Machado,  2006,  120 p.) em que discute o conto “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa, depois editada por conta própria, em 2006, Neuza deixa bem nítida essa inclinação às aproximações semiológicas (Greimas, Barthes, Anazildo Vasconcelos da Silva e outros) e sociológicas (Goldaman, Luckács, Weber e outros) do fenômeno literário. Percebe-se que neste estudo ela mobilizava um instrumental teórico diversificado, pluralista, no qual não havia nenhuma prevenção dogmática e radical na interpretação da obra literária.

Não li sua tese de doutoramento, a qual da mesma forma, deu continuidade e aprofundamento à obra de Guimarães Rosa, porém, nesse estudo me recordo bem de que se serviu largamente do pensamento de Bachelard que me parece deve ter sido a sua viga-mestra na condução do desenvolvimento da sua tese. Penso que  quem a orientou foi o professor Rogel Samuel, um escritor de cuja obra Neuza iria se ocupar com dedicação e competência, tornado-se provavelmente a sua maior intérprete e divulgadora.

Neuza foi ficcionista, além de crítica e ensaísta. Na sua coluna Letras, no Entretextos, deixou páginas que demonstram sobejamente sua capacidade de análise e sua maneira original de absorver o que a sua formação lhe propiciou em anos de estudos,  leituras e de experiência docente. Não podemos negar a sua vocação para o debate teórico no sentido mais elevado do termo.

Neuza era uma mulher batalhadora, sobretudo no que pretendia fazer no domínio intelectual, Percebendo claramente quão é espinhoso se publicar no país através das grandes editoras, ela não perdeu tempo, criou a sua própria “editora”, NMachado,  cuidou de todos os trâmites burocráticos e saiu vitoriosa: editou sua dissertação de mestrado e possivelmente alguns outros trabalhos. Ela cuidava praticamente de tudo para que seus livros viessem a público. Era, pois, uma determinada.

Respeitada por seus pares na Universidade. Castelo Branco, mulher corajosa ao defender seus pontos de vista, sobretudo no campo teórico, Neuza Machado antes de ter lecionado naquela universidade, também ensinou na Universidade Estácio de Sá, na Universidade Sousa Marques e, por um ano, saindo do Rio de Janeiro, lecionou na Universidade Federal do Pará ou Amazonas, não sei bem. Anos antes, participou de um congresso em Paris ao lado de Rogel Samuel, de quem sempre foi uma admiradora e amiga. Me recordo de que, na Castelo Branco, adotava livros de Rogel Samuel, que, de resto, foi seu professor na Faculdade de Letras da UFRJ, no tempo em que funcionou na Avenida Chile antes de se transferir definitivamente para o campus do Fundão.

Uma outra lembrança que me ocorre de Neuza, durante nossas conversas regadas a boas gargalhadas que às vezes surpreendiam os outros passageiros do ônibus que nos levava para a Universidade Castelo Branco, era a sua disposição de sugerir boas dicas naquela época em que eu estava escrevendo minha tese de doutorado. Eram sugestões inteligentes que me apontavam dimensões novas ao meu estudo do conto de João Antônio ( 1937-1996).

Tenho, sim, saudades de nossas conversas, nas quais Neuza me superava nos inúmeros relatos de fatos passados de sua vida de universitária,de professora, alguns pitorescos, alguns divertidos, outros de natureza amorosa, sobre situações que presenciou e vivenciou no mundo acadêmico que se tornariam mais segredos, casos particulares do mundo dos vivos e do tumultuado relacionamento entre as pessoas, confidências não publicáveis do ponto de vista de guardar segredo. Era uma ótima causeuse  a querida Neuza Machado.

Ela sabia de sua importância, de seu valor, de sua capacidade como profissional aberta e disponível ao universo do saber e da inteligência. A notícia de seu falecimento prematuro me deixa menos feliz apesar do meu afastamento há sete anos da Universidade Castelo Branco e sem ter tido praticamente mais  contato com ela. A distância, nas grandes cidades, muitas vezes nos separam uns dos outros. Seus alunos sem dúvida hão de sentir muito a sua falta, a sua palavra alegre, muitas vezes brincalhona e educadamente irônica. À sua família e amigos envio daqui os meus sentimentos de muito pesar.

domingo, 28 de abril de 2013

Mensagens dos netos de Rosália no facebook

Rosália, Miguel e Fátima, no aniversário de 55 anos de vida de Elmar


Mensagens dos netos de Rosália no facebook (e outros meios) (recolhidas por Elmara Cristina)

Mensagem do João Miguel:

Hoje o céu está mais alegre. Os anjos cantam. Chega mais uma estrela para brilhar no paraíso. Passa agora um filme na minha cabeça dos momentos que passamos juntos, da alegria que cativava todos, da cumplicidade com a família, da sinceridade que transparecia em seu rosto. Infelizmente é o curso natural da vida, onde todos, em um momento, têm que deixar de fazer parte da vida do outro, de alguém de que você gosta, ama, e que a princípio acha que não consegue viver sem essa pessoa. Desejo muita força ao meu Vovô, que vai passar por esse momento terrível, delicado, de viver sem ela, após 58 anos juntos. Infelizmente não vou poder me despedir da minha vó pessoalmente, (sigo regras militares), mas com certeza nos encontraremos em outro plano. Até Vó.

Mensagem da Carla Melo:

É como se passasse um filme na minha cabeça, são tantas lembranças...
Lembro de cada detalhe, o sorriso, a voz, o cheirinho dela, as cantigas (a gente sempre pedia pra ela cantar).
As vezes não acredito...
Nunca imaginei esse dia, era como se ela fosse eterna...
Só queria ter tido a chance de passar uns dias com ela.
Como a Clara Melo falou um dia a gente vai se reencontrar vó é só questão de tempo!

Mensagem da Clara Melo:

"Uma questão de tempo...Sim... as pessoas que amamos são insubstituíveis ao nosso coração. Aquele lugarzinho que elas ocupam fica marcado com a presença delas, com o cheiro, com a forma e até o som do riso.
E quando elas partem forma-se o vácuo. Mas se a presença física se foi, ficam ainda as lembranças de tudo aquilo que foi construído juntos: os momentos vividos, as horas compartilhadas, muitas vezes as partidas e reencontros...
A saudade é tão indizível quanto a dor que ela provoca.
Mas ainda existe uma esperança: quem faz o bem aqui, nunca vai completamente: essa pessoa vive através dos ensinamentos que deixou, vive através das marcas que foi colocando em cada passo, cada acontecimento...
E o que reconforta é a esperança de que esse ponto final colocado é apenas passageiro, pois o Senhor nos prometeu que um dia, no céu, nós nos reconheceríamos.
Então... é apenas uma questão de tempo. Um dia a gente se reencontra fatalmente com aqueles que amamos e nos amaram acima de tudo nessa vida terrena. E enquanto estamos aqui, vamos deixando nossas marcas também, por que há os que precisam de nós e os que um dia irão querer viver com a esperança de nos reencontrar.
Assim, um dia, numa promessa feita por Deus, haverá no céu uma grande festa.
Tudo é uma questão de tempo..."


Letícia Thompson



Um dia eu vou te encontrar vovó e aí eu vou te dar um abraço bem apertado e pedir pra vc cantar uma cantiga pra mim se balançando na rede como a gente fazia....
Te amo!


Mensagem da Elmara Cristina:

Vó, descanse em paz e tenha certeza do dever cumprido. Que Deus te abençoe!
Porque a vida segue. Mas o que foi bonito fica com toda a força...certos momentos nem o tempo apaga. E a gente lembra....dá saudade. Uma saudade que faz os olhos brilharem por alguns segundos.”

Mensagem da Joélia Melo:

Ainda nem acredito que minha vovó se foi.
Cedo ou tarde a gente se encontra numa vida bem melhor vozinha... tenho certeza!



Mensagem do Dilson Carvalho:

Tenho certeza vozinha que a senhora está em paz ao lado de Deus! 


Mensagem da Raquel Guedelha:

E agora, vovó? Como lembrar sem sentir o peito doer da sua típica casinha de avó? Com toda a decoração aos seus moldes, a varanda larga cheia de redes, onde nós ouvíamos suas historias, sempre alegres e com a sua forma única de contá-las, sempre interpretando o ruído das coisas... As canções de ciranda que ensinou aos papagaios, que deixava todo mundo emocionado de ver o espetáculo do trio: vovó Rosália, Rosinha e Louro. Sua bondade e inocência me ensinaram e continuarão me ensinando ate os últimos dias, assim como o amor e respeito que nos foi passado através do casamento mais lindo que já vi na vida: vovó Rosália e vovô Miguel. 58 anos juntinhos.
Certa vez, vovó comentou com meu irmão, que a imagem da felicidade dela era olhar para o passado e lembrar a época em que o meu avô chegava do trabalho em Campo Maior, e todos os filhos dela que brincavam na frente da casa, saíam correndo de encontro ao pai para trazê-lo para casa. Pensando nisso, elegi também as minhas "imagens da felicidade", e a imagem do seu sorriso tem e sempre terá um espaço enorme na minha lembrança lembrança. Muita saudade.

Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo...”

Mensagem do filho João José:


Mamãe, a senhora partiu para um plano eterno, mas ficou e ficará a sua imagem na minha lembrança e de todos os seus entes queridos.
Aqui na terra tenho plena certeza de que a senhora cumpriu a sua missão da melhor maneira possível.
Descanse em paz, ao lado do Pai Celestial.
“Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará.
Direi do Senhor: Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza e Nele confiarei."

Seleta Piauiense - Jamerson Lemos


armadilha

Jamerson Lemos (1945 - 2008)


a música escorre pela noite
como estreito regato
igualmente minha mente
escorre pela noite.

isso ou aquilo, antes, depois,
uma rua tortuosa,
pequena cidade a ferver
distante.

Quanto tempo fui tolo?
A música escorre pela noite,
pulsa como um coração.

Caro poeta Chico Miguel,

Ao abrir ontem o seu importante blog cultural e literário, fui surpreendido com a informação de que o Jamerson Lemos havia falecido. Era um poeta de muito talento, que trazia a poesia à flor da pele e da alma. 

Durante muito tempo fui seu amigo assíduo. Sempre nos encontrávamos, ocasião em que conversávamos longamente sobre a vida e sobre poesia. Em diversas ocasiões fui a seu sítio do Gameleira, onde tomava banho num riacho, que o cortava, serpenteando entre palmeiras e árvores frondosas, muitas das quais se debruçavam sobre o córrego. 

Ali havia uma pequenina ilha, que me lembrava as ilhas do Tesouro, da Fantasia e da Utopia. O poeta mergulhava nas frias águas, escarafunchava o fundo do riacho, e de lá voltava com um pequeno búzio, em que talvez ouvisse o murmúrio e o marulho do mar de sua terra natal. 

Muitas vezes, o poeta, com o seu sotaque pernambucano e o seu gestual de ator e intérprete de seus poemas, recitava-me seus belos versos, com muita emoção e encantamento. Às vezes, eu me "vingava", e revidava com um poema de minha autoria, apenas para variar, porquanto em nada me diminuía ficar como uma ave muda a ouvir o mestre e encantado Uirapuru, de mágico gorjeio. 

Seus versos eram cantantes, de-lirantes, musicais, cheios de ricos ritmos e de sólido conteúdo. Em algumas oportunidades, o vi e ouvi pedir uma caneta e um guardanapo de papel, e imediatamente escrever um poema, que já nascia perfeito, sem uma mácula, pronto para ser dado à estampa da publicidade. Era escrito num verdadeiro “repente” esferográfico, sem pausas, vacilações ou titubeios. Sua excelente matéria lhe fez justiça. 

Sentirei saudade desse grande bardo piauiense nascido no Pernambuco de Manuel Bandeira e Carlos Pena Filho. Sentirei saudade, sim, mas sempre poderei reler os seus versos, e ao relê-los, lembrar-me-ei de sua pessoa e de sua voz, a cantar lindas melodias e a recitar os belos poemas que sempre me encantaram.

Elmar Carvalho

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Palavras de meu filho João Miguel sobre a morte de sua avó




Hoje o céu está mais alegre. Os anjos cantam. Chega mais uma estrela para brilhar no paraíso. Passa agora um filme na minha cabeça dos momentos que passamos juntos, da alegria que cativava todos, da cumplicidade com a família, da sinceridade que transparecia em seu rosto. Infelizmente é o curso natural da vida, onde todos, em um momento, têm que deixar de fazer parte da vida do outro, de alguém de que você gosta, ama, e que a princípio acha que não consegue viver sem essa pessoa. Desejo muita força ao meu Vovô, que vai passar por esse momento terrível, delicado, de viver sem ela, após 58 anos juntos. Infelizmente não vou poder me despedir da minha vó pessoalmente, (sigo regras militares), mas com certeza nos encontraremos em outro plano. Até Vó.

João Miguel de Souza Carvalho

Comunico o falecimento de minha mãe

Rosália, Miguel, Elmar e Fátima


Comunico aos meus parentes e amigos o falecimento de minha mãe, Rosália Maria de Mélo Carvalho, ocorrido às 15:45 horas de hoje, em Teresina. Seu corpo será velado em Campo Maior, em sua casa residencial. O sepultamento será às 11 horas de amanhã, sábado. Mamãe teve oito filhos com o seu marido e meu pai, Miguel Arcângelo de Deus Carvalho, que lhe sobrevivem, com exceção da filha Josélia, falecida em 1978, aos 15 anos de idade. Oportunamente, pretendo escrever um texto sobre minha mãe, que foi exemplar em cuidar de seu marido, dos seus filhos e de sua casa. Foi boníssima esposa, mãe, amiga. Sua missão foi ser uma excelente mãe de família e dona de casa, e nisso foi paradigmática. Assim como ela soube cuidar dos outros, sei que Deus, da mesma forma, cuidará dela, ao recebê-la numa de suas moradas (Evangelho de João, 14:2).

Elmar Carvalho

SOLENIDADE ACADÊMICA EM AMARANTE




26 de abril   Diário Incontínuo

SOLENIDADE ACADÊMICA EM AMARANTE

Elmar Carvalho

Neste domingo, por volta de sete horas da manhã, seguimos eu e o Reginaldo Miranda, de carona em um automóvel dirigido por Márcio Freitas, com destino à encantadora Amarante. Nós três somos formados em Direito e pertencemos à Academia de Letras do Médio Parnaíba, promotora da solenidade de posse a que iríamos assistir. Fomos tomar o café da manhã na lanchonete dos irmãos Sales, na cidade de Água Branca, à margem da BR, cujas paredes internas são cobertas por cartazes eleitorais de políticos de todas as cores partidárias, sem discriminação e preconceito por parte dos proprietários.

Logo na entrada da amarantina cidade encontramos o poeta Neto Sambaíba, que nos deu a notícia de que o helicóptero, que conduzira o professor Manoel Paulo Nunes, pilotado por seu filho, o comandante Raimundo Neiva, já sobrevoava a graciosa urbe. Ainda chegamos a tempo de fazer uma visita ao Museu do Divino. Olhamos suas principais peças, distribuídas em diferentes compartimentos do velho solar da Avenida Desembargador Amaral. Perguntamos pelo seu fundador e mantenedor, professor Marcelino Leal Barroso de Carvalho.

A moça que nos atendeu, informou-nos que ele fora à missa. Quando saímos, para irmos assistir à solenidade de posse do Dr. Olemar de Castro na Academia de Letras do Médio Parnaíba, que aconteceria no solar que pertenceu ao notável historiador Odilon Nunes, o professor Marcelino vinha chegando com o seu irmão Melquíades, intelectual e musicista de muito mérito, que me afirmou frequentar meu blog, com certa assiduidade. Por feliz coincidência eu, o Reginaldo e o Márcio fomos alunos de Marcelino, no curso de Direito da Universidade Federal do Piauí.

O mestre, além de haver criado o Museu do Divino – que foi feliz inspiração para o poeta Olavo Brás Nunes instalar em Oeiras, sua terra natal, outro Museu do Divino, dentro do qual existe a Galeria dos Anjos Poetas e dos Poetas Anjos, na qual tenho a elevada honra de ter o meu poema Noturno de Oeiras estampado em bela placa de vidro – também reativou a Festa do Divino, com as ricas indumentárias do imperador e da rainha, as belas flâmulas e estandartes, cujas procissões percorrem as ruas, os becos e as ladeiras amarantinas.

Além do aspecto religioso e devocional, Marcelino insere na festa eventos culturais, mormente serenatas à moda antiga, tendo à frente seu irmão Melquíades, mestre da música e de uma boa conversa. Meu livro Lira dos Cinqüentanos foi lançado, alguns anos atrás, através da programação cultural da Festa do Divino, num dos históricos casarões da Avenida Des. Amaral. Fui honrado pela presença de bons amigos, entre os quais os irmãos Cutrim, os amarantinos Raimundo Luís e Álvaro.

Na solenidade de posse do Dr. Olemar de Castro, encontramos importantes figuras do mundo cultural e literário piauiense. Entre outras personalidades emblemáticas dessa seara, lá encontramos a escritora e empresária Nileide Soares, o escritor e ex-deputado Homero Castelo Branco, o menestrel Neto Sambaíba, que na qualidade de presidente da ALMP dirigiu o evento, o poeta e escritor Herculano Moraes, o poeta e agitador cultural Virgílio Queiroz, meu amigo de várias décadas, a professora Clara Leonor, esposa do escritor e conferencista Paulo Nunes, o médico Francisco Almeida (Dr. Tatá) etc., além do prefeito Luiz Neto, que garantiu construir o monumento do último desejo do poeta Da Costa e Silva e um memorial em sua honra, que certamente será da maior relevância para a cultura piauiense.

Antes do início da solenidade, a amiga Nileide Soares teve a gentileza de apor em minhas costas um manto acadêmico, dizendo-me, em amável brincadeira, que não poderia deixar a descoberto o seu juiz. Pensei tratar-se de uma veste sobressalente. No final da solenidade, ao constar que ela me ornara com a sua própria insígnia acadêmica, disse-lhe, retribuindo-lhe a lhaneza e devolvendo-lhe a capa:
Se eu soubesse que o manto era seu, não teria deixado que ele fosse cobrir um pecador, deixando a descoberto uma santa!

Tive a satisfação de ouvir duas brilhantes peças de oratória; uma da lavra do professor Paulo Nunes, e outra, do novel acadêmico Olemar de Castro. Nelas desfilaram figuras exponenciais da Academia de Letras do Médio Parnaíba, que também ornaram a política e a literatura do Piauí. Afrânio Nunes, antecessor de Olemar, foi deputado estadual por várias legislaturas e dirigiu o Ríver durante vários anos, além de haver ocupado outros cargos públicos de relevo.

Luís Mendes Ribeiro Gonçalves, o patrono da cadeira a ser preenchida na solenidade, foi, por muitos anos, uma espécie de super secretário, porquanto a sua pasta tinha atribuições que hoje estão delegadas a várias secretárias, órgãos estatais e empresas de economia mista. Na qualidade de engenheiro, projetou estradas importantes e os magníficos prédios do Liceu Piauiense e da Escola Normal, que é hoje o Palácio da Cidade de Teresina. Esse impoluto homem público, conhecido carinhosamente como Dr. Lulu, foi ainda senador da República e escritor de muito mérito. Exerceu também importantes cargos da administração pública federal, entre os quais o de secretário geral do Departamento Nacional de Correios e Telégrafos – DCT e diretor geral do Departamento Nacional de Obras contra a Seca – DNOCS.

Escrevia esse notável membro da Academia Piauiense de Letras de forma escorreita, clara e elegante, e detinha um alto poder de argumentação e convencimento, em que a razão dominava. Suas interpretações, fossem de caráter sociológico, histórico ou técnico, eram sempre coerentes e pautadas por um raciocínio lógico e diamantino, talvez adquirido em sua longa experiência de administrador público e de engenheiro, mas também de intelectual amante das artes e da literatura.

Os dois discursos acadêmicos, de Paulo Nunes e de Olemar de Castro, cujo pai, Olegário de Castro, na época em que foi prefeito de Amarante, construiu a elegante escadaria do Morro do Pontal, que eu chamo de Morro da Saudade, foram arrematados por um brilhante pronunciamento do médico e acadêmico Tatá Almeida, em que foi enaltecido o nunca assaz celebrado poeta Da Costa e Silva. Um opíparo almoço, patrocinado pelo prefeito Luiz Neto, em sua residência, coroou a magnífica festa de cultura e de letras.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

O Resto



O RESTO


Alcenor Candeira Filho


como inexiste
mesmo com sol
sombra sem corpo


como impossível
mesmo com corpo
sombra sem luz


fácil conclui-se
que a vida é vida
enquanto corpo
à sombra posto
da luz visível.


o resto é so-
mente o que sobra
à sombra do
mistério mor:


para o ateu:
- corpo tombado
no frio deserto
- silêncio inaudível
- noite sem fim
- porto do olvido


e para o crente:
- alma liberta
do corpo inerte
- voz do silêncio
- luz invisível
- porto da paz.

terça-feira, 23 de abril de 2013

A ero moça



A ero moça

Elmar Carvalho

A aeromoça
abre os braços
e mostra as saídas
de emergência...

E eu a sonhar
que ela abrisse
as pernas e mostrasse
as entradas de quintessência.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Altos



Fonseca Neto

Da cidade assim chamada para a capital do Piauí são apenas 40 quilômetros. Entre aquela e esta, uma estrada de rodagem asfaltada e um verde triunfal de encher olhos: caminho que vai ganhando sentidos de alameda sinuosa, que ora faz olhar à esquerda, mais à frente, à direita. 
Indo de uma para a outra, e assim mirando o passeante a paisagem que se faz fugidia, verá pelos lados, terreiros, mourões e porteiras. Lá por entre aqueles serrotes, o pórtico colmeico da penitenciária do César. E lá naquela boca de mata, a estrela chã se levantando aos céus, capela das devoções, penitência dos sitiantes. Há moradas, moradias e vida comunitária à beira do caminho.
São marcas de coisas que ficam em nós quando rumamos de Teresina para Altos, cidade sertã que sente o “cheiro” da Capital; que, ao “cismar, sozinha, à noite”, noites claras agostinas, vislumbra o amarelão das nuvens, do luzeiro poenteiro, da chapada sem corisco. 
Altos, bela Altos, que os de lá dizem de João, de Paiva e de São José. De lá tiraram as Coivaras, o Pau d’Arco e a Prata, das nascenças do bom Zé. 
Altos é a cidadela piauiense exemplar, por suas fazenças fundantes, nos planaltos potienses: porque trocou pequizal por mangueira, estrangeira, se fez de roça em cidade, o paivanado em paróquia. Católica essa Altos de João e José, filha das freguesias primevas e do derredor mariano, dos Humildes, do Desterro, do Amparo e Livramento.
Assim também exemplar, por seu arruado original se elaborando pela irradiação de caminhos que partem da igreja e do adro central. Sim, pelas histórias de seu povo, operariando coletivamente o devenir, sabe-se que o lugar acolheu muito agregado, enquanto seus caminhos de gadaria viravam vias vitais – aquela do rumo de Campo Maior, aqueloutra pro curato do Longá, outra mais que vai pras bandas do Estanhado. A criação de Teresina, e já antes o arraial da Barra do Poti, orientaram a abertura de outra senda rumando à novacap. Ora, erguida Teresina, na barranca do Parnaíba, essa ligação com a Altos-embriã, qual cordão umbilical, nutrirá a gravidez da municipalidade altoana que logo luzirá. E já quando anoitece o Oitocentos, mas ainda fazendeira a república, já por ali há escola, padre, reisado e comércio, além da Repartição coletora.  
Altos é cidade pequena. Tão próxima de Teresina e tão – milagrosamente – protegida da conurbação insinuante. Curtir uma sacada em suas ruas velhas, o casario baixo, geminado e sem assobradações horrorosas, assim o tatear sensível que faz capturá-la em suas rugosidades essenciais, é exercício que reacende as silhuetas das cidadelas que habitam nossa memória. Nossa, dos nascidos e vividos em cidadezinhas imorredouras, edificadas em pedra e cal, viveres e saberes, soantes/consoantes, no meado do “breve” século XX. 
Faço essa concertação sobre Altos, em que pese não conhecê-la tanto assim. Dela, tenho sido apenas um desses passantes. Já estive palestrando, lá, com Kennedy; almoçando com Luís Inácio, Weffort e Meireles.
Estive, porém, certa vez, um dia inteiro por lá, ainda eu um jovem advogado, acompanhando um amigo que se chama Chico Paiva – Francisco de Paiva Dias. Este andava apreensivo, no antigo Colégio Agrícola, pela perda suposta de um “tempo de serviço” que prestara à Prefeitura, como “foguista” numa velha Usina de Luz da cidade. Fomos e procuramos Felipão, o prefeito, amigo dele de infância, o qual determinou a abertura dos arquivos empoeirados da Secretaria para a busca pretendida. E mover aquela papelada prefeitural altoana, equivalia a buscar agulha em palheiro. E deu certo. Imagine como é o registro do ponto de quem bota fogo na Usina. Estava apontado e redigi no gabinete do prefeito a Certidão: Chico servira a seu município parece que no tempo do prefeito Anísio.
São instantes da vida e desse quilate que movem as recordações e reacendem o estopim memorial em tantas buscas. E nesta, em particular, guiaram-me também as cuidadosas pesquisas do professor Carlos Dias.
Do que de tudo vale aclamar um Viva Altos de Chico Paiva. E bons Dias!

domingo, 21 de abril de 2013

A ideia de um Monumento ao poeta Da Costa e Silva e outra questão




A ideia de um Monumento ao poeta Da Costa e Silva e outra questão

Cunha e Silva Filho

De dois temas tratarei neste artigo: a construção em Amarante de um monumento ao mais ilustre poeta piauiense, Antonio Francisco da Costa e Silva, ou designando-o pelo nome que o consagrou nacionalmente, Da Costa e Silva (1885-1950). O segundo tema diz respeito à pouca difusão de autores piauienses em todas as suas modalidades de escrita literária.

Consideremos o primeiro. Todo país que se preza procura preservar a memória oral e escrita de suas figuras mais ilustres. A isso se chama de tradição dos valores da terra natal, seja de um estado, seja de uma cidade, seja finalmente de um pais. Portugal, Inglaterra, França, por exemplo, são países que cultivam e reverenciam seus homens mais eminentes, notadamente no campo cultural. O Brasil não deveria ficar à margem dessa demonstração de tributo aos que elevaram o nome de seus países ao conhecimento do mundo inteiro. É uma forma de eternizar no imaginário dos povos, através da construção de monumentos ou mausoléus, artistas, homens da ciência, da História e das artes.

No sentido que imprimo a essa posição favorável ao culto da memória dos grandes homens estou afastando qualquer sinal típico do culto à personalidade muito ao feitio de países que viveram ou vivem em regimes autoritários.

O Rio de Janeiro, por exemplo, é, de alguma maneira, uma cidade que presta homenagem às imagens, esculpidas em mármore, de grandes nomes de nossa vida cultural e por esse aspecto a cidade ganha foros de civilização e se faz modelo por ter erigido monumentos, hermas, de diversas personalidades da vida cultural brasileira, não descurando a de celebrados nomes locais nas artes, não só populares como também do mundo erudito. Esse equilíbrio entre a cultura popular e a cultura erudita torna a cidade ainda mais encantadora aos visitantes nacionais ou estrangeiros, além de tornar seus monumentos, estátuas e mausoléus relevantes dados históricos sobre a cidade e o país.

Outras capitais e cidades brasileiras deveriam seguir modelos semelhantes, sem exageros, é claro. Só a tradição autêntica e imparcial sabe melhor selecionar quem deva ser digno de figurar como monumentos ou esculturas de seus grandes homens nos diversos campos do conhecimento humano.

O escritor Elmar Carvalho, conhecido poeta piauiense e detentor de várias honrarias locais e nacionais, cronista, contista, ensaísta e crítico literário, nascido em Campo Maior, há muito tempo, e por diversas vezes, manifestou a ideia de, primeiro, conseguir trasladar os restos mortais do “Poeta da Saudade”, que se encontram em cemitério do Rio de Janeiro.


Elmar Carvalho se fundamentava no fato de que, no segundo terceto do soneto “Amarante,” poema que, na segunda obra do autor, Zodíaco(1917), compõe o conjunto de 5 sonetos sob o título geral de “Minha Terra”, alude a aspectos de natureza explicitamente autobiográfica. Nesse terceto, o vate de Sangue (1908) expressou a vontade de ser sepultado no seu berço natal, Amarante: “Terra para se amar com o grande amor que eu tenho!/Terra onde tive o berço e de onde espero ainda/Sete palmos de gleba e os dois baços de um lenho!” 

Ora, Elmar, como poeta e amante de Amarante, a par de ser admirador e entusiasta leitor de Da Costa e Silva, razões de sobra tinha para querer ver realizado o desejo do poeta, desejo este com o qual igualmente comunga tanto quanto qualquer outro piauiense.

Não sendo concretizado o desejo do poeta no que tange aos seus restos mortais, Elmar agora, em novo combate, se empenha em conseguir, com o apoio irrestrito de outros intelectuais piauienses, como Virgílio Queiroz, Deusval Lacerda, Evaldo Madeira, assim como já recebeu o sinal verde do prefeito e do vice-prefeito de Amarante, respectivamente, Luís Neto e Clemílton Queiroz, para erguer um Monumento à memória de Da Costa e Silva.

O autor deste artigo recentemente se pronunciou, em comentário postado no Blog do Elmar Carvalho, favorável a esse projeto e se alia, destarte, a todos os leitores do bardo amarantino, cuja obra ainda se presta, dadas as virtualidades múltiplas de sua linguagem e temática, a um amplo campo de investigação interpretativo, o que vem sendo confirmado por trabalhos publicados nos últimos anos enfocando aspectos diversos da sua poética. São ensaios de autores mais jovens que, na poética dacostiana, vêem importância e perenidade, utilizando-se de abordagens atualizadas, sobretudo advindas do meio universitário piauiense.

O segundo tema deste artigo tem o objetivo de acentuar a relevância dos estudos de autores piauienses em todos os gêneros literários e ao mesmo tempo pretende chamar a atenção dos órgãos públicos do Piauí responsáveis pelos setores da educação e cultura no sentido de que façam valer a obrigatoriedade, resultante de lei aprovada e regulamentada, do ensino de literatura de autores piauienses na grade curricular do ensino fundamental e médio público e particular, conforme preceitua a Constituição Estadual de 1989, no seu Art. 226, parágrafo único. Por outro lado, esse limite de nível de obrigatoriedade bem poderia se estender ao ensino superior do Piauí se dependesse do interesse e boa vontade dos professores de literatura brasileira. Serve de exemplo e exemplo a ser imitado o que se faz no estado do Paraná, no qual se estuda a literatura paranaense nas universidades. Tudo dependeria da visão mais arejada e sem preconceitos da parte dos docentes universitários. Bastaria que eles oferecessem cursos com ementas referentes a estudos e pesquisas de autores e temas da literatura piauiense. Nada mais do que vontade própria. Lembre-se de que a literatura brasileira inclui, no seu sistema literário, para usar um conceito caro a Antonio Candido, a produção ficcional, poética e de outros gêneros. Por conseguinte, não há como separar a unidade e diversidade do pensamento literário nacional.

Quero ressaltar que tal reivindicação não se pauta por mero bairrismo ou provincianismo locais, mas sim pela necessidade e conveniência de que os estudantes piauienses tomem pleno conhecimento do bom e por vezes excelente nível de qualidade da sua literatura. Para isso, contamos já com obras de referência de histórias literárias, de quadros críticos e ensaísticos, tanto na universidade quanto fora dela, de editoras locais com capacidade técnica de publicar livros bem impresso, de uma vida literária em efervescência e desejosa de alcançar voos mais altos. O terreno foi fecundado, a colheita está sendo feita, resta disseminá-la e fruí-la.

Não é possível que os professores do Piauí, tanto no ensino médio quanto no superior ainda hesitem na indicação de autores piauienses que merecem ser estudados, analisados e oferecendo imensas possibilidades para constituir ementas nos curso de letras das universidade piauienses.

Sonegar a existência desses autores e só dando peso aos chamados autores que atingiram um nome nacional da tradição e outros, os mais novos, os novíssimos, que estão se firmando nacionalmente, se me afigura um erro palmar de visão pedagógica e de ausência de espírito universal e progressista.

O que não pode continuar é essa forma de apagamento ou sequestro de grande parte dos autores piauienses locais, com exceção de um grupo de happy few, tais como Assis Brasil, Mario Faustino, H. Dobal, Torquato Neto, O. G. Rego de Carvalho, e muito poucos outros com alguma visibilidade.

Já afirmei alhures que a literatura piauiense não termina naquele pequeno grupo. Cabe aos professores do ensino médio e superior, esquecer um certo complexo de inferioridade provinciana e abrir as comportas da riqueza de autores piauienses, do passado e da contemporaneidade, mostrando aos jovens leitores que esses “ilustres desconhecidos” têm muito a propiciar aos professores e alunos com uma produção literária merecedora de ser urgentemente adotada, estudada, pesquisada tanto quanto os chamados autores “nacionais.”

A literatura piauiense está aí, viva, atuante, com novos autores lançando obras, só esperando ser divulgados e prestigiados pelos próprios piauienses. É tempo de realização de seminários, debates, congressos, simpósios, mesas-redondas que venham tirar do exílio uma boa quantidade de autores dignos de serem valorizados e consagrados pelo público piauiense, jovem, adulto, idoso, estudantes, professores de todos os níveis de ensino, enfim, leitores, críticos, ensaístas e cidadãos piauienses amantes da leitura e da literatura mafrense.

No dia-a-dia do piauiense esses autores são vistos na rua e em outros lugares. Merecem a sua atenção e o seu respeito. Merecem, sobretudo, ser lidos.

Seleta Piauiense - Herculano Moraes


O rio de minha terra

Herculano Moraes (1945)

O rio de minha terra é um deus estranho.
Ele tem braços, dentes, corpo, coração,
muitas vezes homicida,
foi ele quem levou o meu irmão.

É muito calmo o rio de minha terra.

Suas águas são feitas de argila e de mistérios.
Nas solidões das noites enluaradas
a maldição de Crispim desce
sobre as águas encrespadas.

O rio de minha terra é um deus estranho.

Um dia ele deixou o monótono caminhar de corpo mole
para subir as poucas rampas do seu cais.
Foi conhecendo o movimento da cidade,
a pobreza residente nas taperas marginais.

Pois tão irado e tão potente fez-se o rio
que todo um povo se juntou para enfrentá-lo.
Mas ele prosseguiu indiferente,
carregando no seu dorso bois e gente,
até roçados de arroz e de feijão.

Na sua obstinada e galopante caminhada,
destruiu paredes, casas, barricadas,
deixando no percurso mágoa e dor.

Depois subiu os degraus da igreja santa
e postou-se horas sob os pés do Criador.

E desceu devagarinho, até deitar-se
novamente no seu leito.

Mas toda noite o seu olhar de rio
fica boiando sob as luzes da cidade.

sábado, 20 de abril de 2013

Salipi este ano vai homenagear acadêmico Paulo Nunes



O homenageado no 11º SALIPI deste ano será o escritor piauiense Manuel Paulo Nunes, que ainda está em plena atividade e que engrandece a literatura do estado. Será homenageado, ainda, o centenário de Permínio Asfora, autor de oito romances dos quais três foram premiados nacionalmente.

Nascido em Valença do Piauí, no dia 12 de julho de 1913, dedicou-se à atividade jornalística e principalmente à literatura. Outro homenageado será o saudoso professor Marcílio Rangel, ex-diretor do Instituto Dom Barreto, escola piauiense de renome nacional.

Os professores Luiz Romero e Jasmine Malta se reuniram nesta quinta, 04, com o reitor da Ufpi, Arimatéia Lopes, ocasião em que foi acertada a participação da universidade no evento.

A UFPI marcará presença com dois estandes. A nossa instituição está sempre preocupada em apoiar e contribuir com iniciativas culturais como essa, que engrandecem o nosso estado”, disse o reitor.

A reunião também sinalizou para que a UFPI seja a sede do 12º SALIPI, em 2014. De acordo com o coordenador do SALIPI, professor Luiz Romero, a ideia de realização do salão na UFPI está adquirindo grandes dimensões. “A intenção de realizar o SALIPI no ambiente acadêmico tomou proporções consistentes. A UFPI possui infraestrutura para realizar um evento desse porte. No final da década de 70, a ideia formava-se como embrião e, neste momento, discute-se sua execução”, ressaltou Romero.

Outros aspectos positivos em relação à universidade foram destacados, como boa localização e facilidade de acesso. Segundo o prof. Luiz Romero, será realizada uma carta de intenção da UFPI no sentido de sediar o evento.

A Superintendente de Comunicação Social da UFPI, Profª. Drª. Jacqueline Lima Dourado e o diretor da Editora da UFPI, Ricardo Alaggio, também participaram da reunião.

Fonte: Acesse Piauí e Portal da APL

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Estão desviando recursos da seca



José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Recebi de renomado magistrado um texto de causar revolta, garantindo não lhe citar o nome e endereço profissional. Ele denuncia a prostituição de garotas adolescentes, em troca de benefícios oriundos dos recursos federais de combate a seca. O autor descreve, com perfeição fotográfica, a miséria, resultado da seca que assola o sertão brabo, e a esperteza de autoridades em apropriar-se de recursos públicos.

"A seca chega ao período mais agudo, quando, famintos, andrajosos e doentes, chegam aqui... Já o Governo tomou providências enérgicas, a fim de melhorar a situação do povo, mandando víveres para serem distribuídos entre os indigentes. As comissões encarregadas da distribuição, entretanto, exploram a situação, tirando lucros imprevistos da miséria dos retirantes. A farinha, o milho, o arroz são levados para despensa dos abastados, enquanto os famintos insignificante ração diária, muita vez insuficiente para a alimentação da família crescida... Muitos comissários obedecem aos impulsos de simpatia, ou antipatia, exercendo torpes vinganças, impondo-se, dominando pela fome a revolta de algum espírito que ouse fazer censuras às injustiças de todos os momentos. Campeia a prostituição, e são as próprias mães quem, muitas vezes, entregam as filhas, comprando, por esse ato, favores que lhes seriam negados de outra forma. Houve quem enriquecesse comprando joias aos retirantes por um terço do valor real, pagando-as, ainda, por esse ato, em alimentos estragados. Mais. Extorquem aos pedintes válidos o dia de trabalho, quase de sol a sol, por uma minguada quantia em dinheiro. Manhã cedo, aparecem, nas calçadas, criancinhas envoltas em sujos farrapos..."

Paro por aqui, angustiado, só de sentir o desespero e a falta de vergonha. Não consigo entender atitudes de batizados cristãos avançarem nas verbas e recursos públicos destinados a crianças, velhinhos e cidadãos desassistidos. Não entendo, mesmo, abutres enfiando as garras no alheio, sem lhes bater uma nesga de consciência. Quando denunciados, utilizam-se de torpes recursos de defesa jurídica. Arrocham a lei seca ao motorista com mínima talagada de bebida, impõem-lhe alta multa, prendem-no, sequestram-lhe a carteira de habilitação e o carro, mas fazem vista grossa a bandidos engravatados e traficantes, que patrocinam campanhas eleitorais em troca de tolerância. Ainda saem pelos sertões fogueteando loas e boas, promessas e ilusões.

Este país padece da falta de dignidade nacional, educação cívica e moral. A desgraça vem de longa data. Agora, revelo a fonte da denúncia: o texto foi extraído do segundo capítulo do romance UM MANICACA, escrito em 1901, de Abdias Neves, magistrado, jornalista, professor, político, membro da Academia Piauiense de Letras. Troquei os verbos, no pretérito, pelo presente, porque a indústria da seca vem do pretérito e continua no presente. Abdias Neves, nasceu em 1876, teresinense, retrata os primórdios da capital piauiense, durante a seca de 1877. A cidade não ultrapassava as Igrejas São Benedito e Das Dores, e Mercado Central. Rapazes e adultos exibiam bengala, terno, chapéu e ginete. A vida social circulava, praticamente, nos arredores da Praça da República(Deodoro ou da Bandeira), sem calçamento e água canalizada, sem energia elétrica, só lampiões pendurados em postes. Chegavam miseráveis retirantes da seca, famintos e extorquidos por espertalhões. No Nordeste, morreram mais de 500 mil cidadãos. Pior que a seca, o deserto moral de autoridades.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

A GÊNESE DE “VIDA IN VITRO”




18 de abril   Diário Incontínuo

A GÊNESE DE “VIDA IN VITRO”

Elmar Carvalho


Uma de minhas mais antigas lembranças é uma visão noturna de Campo Maior. Não sei se a conservo fiel, tal qual teria acontecido, ou se ela foi desfigurada pelo tempo, roída pelo esquecimento ou se acrescida por outras lembranças posteriores. Não sei o contexto em que ela aconteceu, e já pouco me recordo de fatos ocorridos um pouco antes ou um pouco depois.

Vinha de uma viagem com meu pai, trazendo-me ele em sua bicicleta; não sei sequer, ao certo, se eu vinha na garupa ou no varão do veículo. Era já início de noite, quando atingimos as colinas que antecedem o bairro Flores, percorrendo a estrada, então de piçarra, que liga Barras a Campo Maior. Sei que vi, ao longe, as luzes do casario. Perguntei algumas coisas a respeito, tendo meu pai me respondido que já estávamos chegando, e aquelas eram as luzes das casas. Foi uma visão surpreendente para mim, e, em minha infância, a achei de uma beleza ímpar e mágica.

Senti uma forte emoção ao imaginar que em cada uma daquelas casas, sinalizadas pelas luzes, morava uma família, moravam meus semelhantes, pessoas que poderiam ser minhas amigas, com as quais eu poderia conversar, interagir. Talvez, na soledade noturna das campinas, apenas eu e meu pai, envolvidos por esmagadora escuridão e silêncio, eu tenha sentido as luzes da cidade como um alegre sinal de esperança. Senti de forma intensa, como nunca mais voltei a sentir, a minha humanidade, a minha comunhão com a raça humana, da qual faço parte e à qual desejo eternamente pertencer.

Foi apenas por um curto momento, mas pareceu-me entrar em cada uma daquelas casas, e reconhecer cada um de seus moradores como um semelhante, um próximo, um amigo. Foi como se eu os reconhecesse como um parente ou mesmo um igual a mim. Foi uma espécie de magia, uma revelação, um insight inexplicável, que talvez tenha durado apenas um átimo de segundo, mas que, embora de forma esfumaçada, ainda perdura até hoje, como um resquício de algo que nunca acabou de todo.

Muitas décadas depois, voltando de uma viagem a serviço da Sunab, vi, do alto da rodovia, as luzes das casas do residencial Promorar, em Teresina. Não sei se me retornou a lembrança do que acabei de descrever, mas o fato é que me senti irmanar a cada uma das pessoas que habitavam aquelas pequenas casas, que eu sequer conhecia. Imaginei que cada uma delas fosse um pequeno mundo, com alegrias, tristezas e mesmo tragédias.

Imaginei que naqueles lares poderia haver obscuros heroísmos do cotidiano, vícios e pecados ocultos, bem como admiráveis e secretas virtudes. Desejei escrever um longo poema sobre tudo isso, como se a máquina da existência humana se houvesse escancarado para mim. Numa madrugada de insônia e ansiedade, fato raro de me acontecer, rascunhei esse poema. Contudo, o abandonei, porque não lhe encontrei a qualidade que eu gostaria que tivesse.

Por longos meses continuei a ruminar esse poema, a desejar escrevê-lo, com sofreguidão. Mas ele, como uma fêmea manhosa e arredia, se entremostrava, mas depois se esvanecia, quando já quase se entregava. Porém, certo dia, quando eu retornava da cidade de São Pedro do Piauí, no tempo em que eu ainda era juiz substituto, escrevi, ainda cansado da viagem, de um só fôlego, esse arisco poema, que hoje pode ser fisgado nos mares internéticos. Dei-lhe o título de Vida in Vitro. Era como eu via, pelo menos no momento em que o escrevi, a minha vida e a dos outros. A vida em sua grandeza e miséria, em suas virtudes e vicissitudes, em seus abismos e cordilheiras, ostentação e mistério.