quinta-feira, 31 de julho de 2014

JESUÍNO JOSÉ DE FREITAS

Reginaldo Miranda

JESUÍNO JOSÉ DE FREITAS

Reginaldo Miranda

Entre os filhos mais ilustres da cidade de Jerumenha, a que tive oportunidade de perfilar está o desembargador Jesuíno José de Freitas. Nascido por volta de 1838, era filho do capitão Gonçalo José de Freitas, antigo vereador de Jerumenha, e de dona Ana Maria de Sousa.

O desembargador Jesuíno Freitas descendia de famílias radicadas no termo de Jerumenha umas quatro gerações antes de seu nascimento. Pelo lado paterno era neto de dona Luísa Maria de Sousa e do tabelião José de Freitas Fragoso, que adotou esse apelido em homenagem a um padrinho e foi o primeiro da família a fixar residência na sede municipal, embora nascido no alto Itaueira, do mesmo termo(seu pai chamava-se Antônio Luís de Lavor de Paes Barreto, radicado no alto Itaueira). Na verdade, os Freitas descendem dos pernambucanos Manuel de Albuquerque Melo e Eufrásia da Cruz Neves, e os Sousa dos baianos Manuel José Ferreira e Francisca de Sousa Rabelo.

Iniciando as primeiras letras em Jerumenha, mudou-se para o Recife onde se bacharelou em Direito no ano de 1864, na mesma turma do filólogo maranhense Felipe Franco de Sá. Nesse particular, seguiu os passos do irmão primogênito José Manuel de Freitas, também desembargador, que se formara na mesma Faculdade seis anos antes.

De retorno ao Piauí, juntamente com o irmão primogênito alistou-se nas fileiras do Partido Liberal, onde militou até o fim do Império. Também, dedicou-se à advocacia. Por esse tempo convola núpcias com Regina de Sousa Martins, filha do coronel Elias de Sousa Martins e sua primeira esposa, Maria Josefa da Purificação. Uma irmã de sua esposa foi casada com o magistrado e político liberal Firmino de Sousa Martins, primo de ambas. Embora não disputando eleições, Jesuíno Freitas teve participação ativa na vida política da província, sobretudo na coordenação política das campanhas do irmão e do concunhado, ambos deputados e presidentes de província. Sobre a força de sua participação, basta ver que era o suficiente para incomodar os adversários. O médico e líder conservador Raimundo de Arêa Leão, incomodado com sua participação política só o chamava de Nonada e a ele dedicou vários poemas satíricos, como o que segue: “Ó gorduroso, ó grande Jesuíno,/ Tu que já tens (não rias) e deveras,/ Umas quarenta e tantas primaveras,/ Sem exceção do tempo de menino;// Tu, que és cunhado e amigo do  irmino,/ Desse mais bruto que as brutas feras,/ Tu, que és juiz, mas olha, das severas/ Leis desse Neto rude, pequenino,// Toma tento, rapaz, ou, como queiras,/ Meu velhote boçal, toma juízo,/ Anda direito, deixa-te de asneiras,// Levanta o rosto, a cara aparvalhada!/ Quero nela escrever, pois é preciso,/ Esta expressão simbólica – Nonada”. Evidentemente, essa é uma crítica deselegante e injusta a um vitorioso filho do Gurguéia, ilustre magistrado e político piauiense, à qual só transcrevemos para registrar que o mesmo teve participação ativa na política piauiense.

O bacharel Jesuíno José de Freitas ingressou na magistratura, servindo por muitos anos como juiz de Direito da comarca de Amarante, àquela época uma das mais prósperas da Província. Nessa qualidade, em 1885 instalou o foro da cidade de Regeneração, termo judiciário de Amarante.

Em 26 de dezembro de 1892, foi transferido para a vizinha comarca de Caxias, no Maranhão, onde tomou posse no dia 12 de janeiro do ano seguinte. Durante esse período coube-lhe executar a Lei Estadual n.º 33, de 06.04.1893, que traçou novos limites entre os municípios de Caxias e Barra do Corda. Lembramos que mesmo com a criação do Tribunal de Justiça do Piauí, em 1891, permaneceu vinculado ao judiciário maranhense, ao qual até então pertenciam as comarcas do Piauí.

E permanecendo no Maranhão, foi promovido para uma das varas da comarca de São Luís em princípio do ano de 1895. Foi, porém, de pouca duração esse exercício, porque nos primeiros dias de abril do mesmo ano alcançou o cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão, onde tomou posse em 05.04.1895. Demorou no exercício desse cargo por mais de onze anos, sendo aposentado no dia 10 de maio de 1906, em face de problemas de saúde. Faleceu ainda no mesmo ano, na cidade de São Luís do Maranhão, onde foi sepultado. Deixou um nome honrado e uma carreira sem máculas.

Com esse registro desejamos enfatizar a carreira brilhante e a vida honrada de um grande magistrado nascido nas barrancas do Gurguéia, cuja trajetória de luta e ascensão profissional, esperamos sirva de exemplo para as gerações vindouras.                

quarta-feira, 30 de julho de 2014

AMARANTE - 143 ANOS DE EMANCIPAÇÃO POLÍTICA



AMARANTE FAZ ANIVERSÁRIO NO DIA 4 DE AGOSTO - 143 ANOS DE EMANCIPAÇÃO POLÍTICA

Luís Alberto Soares (Bebeto)


Origem e evolução
        
AMARANTE tem sua origem num aldeamento indígena. Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, 2º Governador da Província do Piauí,  em 1771,  aldeou os índios Acaroás e Guegueses perto da nascente do riacho Mulato, no mesmo lugar onde hoje é a cidade de Regeneração, dando a essa missão o nome de São Gonçalo de Amarante, em homenagem ao santo de seu nome. A história de Amarante está ligada ao então propósito do Governador da Província, utilizando mercenários em busca de ouro e consequentemente acumulando riquezas, aldeavam e na maioria das vezes trucidavam índios que viviam às margens do Rio Mulato na antiga Vila de São Gonçalo (hoje Regeneração). Devido à navegação do Rio Parnaíba e o consequente avanço comercial que já se fazia notório, em 16 de julho de 1861,  em conformidade com a lei nº. 506 de 10 de agosto de 1860, a sede foi transferida para o Porto de São Gonçalo de Amarante, ficando a atual Regeneração reduzida a uma simples povoação denominada de São Gonçalo Velho.

AMARANTE fica na Zona Fisiográfica do Médio Parnaíba, Microrregião 4 e ocupa uma área de 1.150 Km2, limitando-se ao NORTE com Palmeirais – ao LESTE, Angical do Piauí e Regeneração – ao SUL, Francisco Ayres e Floriano e a OESTE com São Francisco do Maranhão. O município de Amarante foi formado com território desmembrado de Jerumenha e de Valença. Desmembrou terras para a formação de outros municípios, como: Angical do Piauí, Francisco Ayres e Arraial. Atualmente o município de Amarante é constituído por sete Datas: Boa Esperança, Muquilas, Araras, Sítio do Meio, Saco dos Melo e Conceição. A cidade de Amarante está encravada na Data de Boa Esperança.  Assentamentos do INCRA: Flor de Maio, Santa Helena, Araras, Ararinha, Mimbó, Salobro, Nova Conceição e Ponta da Várzea. Do Crédito Fundiário: Vila Feliz, Chapada dos Marcos, Chapada do Filomeno e Chapada do Bacuri. População do município: 17.316 (CENSO/2010). Amarante ocupa a trigésima primeira posição dos municípios mais populosos do Piauí.

Na segunda metade da década de trinta, do século XX, os hidroaviões da Companhia “Condor” faziam escala semanal em Amarante. Pousavam no rio, frente à cidade, e atracavam ou paravam em local apropriado. Transportavam   passageiros,    encomendas    e    malas    do  Correio.  Traziam muita vida  à   cidade   e   promoviam   o   intercâmbio   sócio-cultural.   Era um dia  movimentado.  A presença do hidroavião atraia e motivava o comparecimento de muitas pessoas, levadas pela curiosidade.

O PRIMEIRO RÁDIO a ser instalado na cidade de Amarante foi o do movimentado Bar do Antônio Costa. Para muitos, era coisa de outro mundo. Vinha gente de todos os lugares de Amarante somente para escutar a grande invenção sonora. O bar ficava superlotado de curiosos, que o diga a senhora Clotildes Ribeiro da Silva, popular Coló, 103 anos de idade, mãe de José Pereira, o conhecido Zé Besouro. Ela presenciou a novidade e diz para a nova geração que teve muita gente que quando escutou o rádio, fazia o sinal da cruz, dizendo que aquilo era uma “pintura do cão”.

RUAS E VÁRIAS CASAS DE AMARANTE recebiam iluminação através de lampiões a querosene ou a “petromax” (estilo Aladim). Em 07 de setembro de 1933, a empresa Morais & Cia, de Parnaíba, instalou em nossa cidade, a energia elétrica movida por máquina a vapor (caldeira à lenha e água), das 06 às 11 horas da noite. Anos depois, a Prefeitura de Amarante foi responsável pelo fornecimento da energia elétrica gerada pelo mesmo processo da Morais & Cia. Em seguida, o fornecimento de energia foi gerado por máquinas a óleo por conta da CERNE, instalada no prédio hoje pertencente ao Iate Clube Amarantino, também das 06 às 11 horas da noite. Havia prorrogação de energia nos acontecimentos especiais. Por último, a CEPISA – respondendo pelo atual abastecimento em todo Estado do Piauí.

AMARANTE é uma fonte de riqueza natural. A cidade é de porte médio, mas a sua posição geográfica, entre três rios, circundada nos versos de nosso poeta maior, “Da Costa e Silva”, que a cognominou de “uma ilha alegre e linda”. A coroa do Rio Parnaíba, especialmente aos domingos do mês de julho, há grande aglomeração de banhistas, observadores e comerciantes de vários municípios do Brasil. Tem também o morro de São Benedito, defronte à Rua Antonino Freire, onde há o velho “ESCORREGA  BUNDA”, que muitas gerações de amarantinos ilustres, na sua infância, ali se entretinham brincando. Tem ainda as principais atrações turísticas: o panorama do alto da Escadaria “Da Costa e Silva”, casarões em estilo colonial, o Sítio Floresta, a Casa Odilon Nunes que abriga a Biblioteca e o Museu da Cidade, O Museu do Divino Espírito Santo, a Pousada Velho Monge - onde se descortina a bela paisagem das serras de São Francisco do Maranhão.

O HINO E A BANDEIRA MUNICIPAL DE AMARANTE são de autoria do heraldista e vexilologista, professor Arcinoe Peixoto de Faria, da Enciclopédia Heráldica Municipalista com sede em São Paulo – Capital.  Oficializados pela Lei Municipal nº 411, de 28 de março de 1977.  Administração: Emília da Paixão Costa (Bizinha). O Hino Municipal de Amarante com letra de Monsenhor Isaac José Vilarinho e música do maestro Luís Santos. Oficializado pela Lei Municipal nº 411, 28 de março de 1977.

HISTORIADORES contam nos seus arquivos que na época da transferência da Vila de São Gonçalo para o Porto (cidade de Amarante), surgiu a 1ª professora de nosso município. Logo mais, foram criadas duas escolas públicas estaduais: uma para meninos, dirigida por um professor e outra para meninas, dirigida por uma professora - denominadas: Escola Pública do Sexo Masculino e Escola Pública do Sexo Feminino.

VIA PÚBLICA - A primeira rua da cidade de Amarante chamava-se Rua Grande, devido sua ampla largura, partindo no Morro do Pontal à margem do rio Parnaíba. Foi o caminho da Vila de São Gonçalo para o Porto. Hoje, nomeada Avenida Desembargador Amaral em homenagem ao primeiro juiz de Direito de Amarante, Desembargador José Mariano Lustosa de Amaral. Havia uma arborização muito frondosa de “mamoranas”, árvores de origem portuguesa. Nas laterais, iluminação por lampiões a querosene. As árvores são as que o nosso poeta maior, “Da Costa e Silva” se refere no soneto Saudade. Em 1932, um projeto do amarantino, engenheiro, Dr. Manoel Sobral (alto comerciante), a Avenida foi transformada com figueiras e fícus benjamim. Em seguida iluminada por petromax. Em 07/09/1933, a Avenida recebia luz elétrica da usina Morais & Cia., trazida por Zeca Correia, que implantou outros benefícios no município.

A NAVEGAÇÃO FLUVIAL A VAPOR teve início com a chegada do vapor Uruçuí ao porto da então Vila de São Gonçalo, ocorrida a 10 de junho de 1862. Foi o avanço para o progresso, o comércio desenvolveu-se rapidamente. Em 04 de agosto de 1871, a Vila passou à cidade, com o nome de AMARANTE e seu porto fluvial logo se tornou de importância semelhante ao de Parnaíba, tornando Amarante o empório comercial da região sul do Piauí e Maranhão, estendendo sua influência a Goiás. Tudo ia bem, era o progresso, Amarante chegou a manter transações comerciais internacionais. Esteve em franco progresso até o surgimento de Floriano que lhe arrebatou essa força comercial. A partir daí, começou a decadência de Amarante. Carneiro da Câmara, Dr. Archimedes Nogueira Paranaguá, Dr. Rogério de Castro Matos, Dr. Thomaz Gomes Campelo, Dr. Geraldo Magella de Carvalho, Dr. Alair Rocha, Dr. Luís Fortes do Rego, Dr. José Arimathéa Tito Neto, Dr. Raimundo Fortes de Oliveira, Dr. Francisco Isaias de Arêa Almeida, Dr. Henrique Oliveira do Vale, Dr. Herbet Belisário dos Santos, Dr. José Raimundo Belo, Dr. Atenor Barbosa de Almeida Filho, Dr. Fernando Lopes da Silva Filho e Dr. Netanias Batista de Moura, desde outubro de 1997.

OS PRIMEIROS PROFESSORES DE AMARANTE: Efigênia Maria de Azevedo, Odilon Nunes, Cunha e Silva, Luiz Moura da Cunha, Amora Cunha e Silva, Ditosa Fonseca, Raquel Costa (Quesinha), Júlia do Monte Lustosa, Júlia Leitão, Zilda Sampaio, Nair Conde, Carolina Freire, Nailde Ribeiro, Joca Vieira, Arysnede Cavalcante Corrêa Lima.

OS PRIMEIROS JUÍZES DA COMARCA DE AMARANTE: (1861 a 1900): Dr. Higino Cunha, Dr. José Mariano Lustosa de Amaral, Dr. Gastão Ferreira de Gouveia Pimentel Beleza, Dr. José Piauhilino Mendes Magalhães, Dr. Umbelino Moreira de Oliveira Lima, Dr. Sesostris Silvio Mendes de Moraes Sarnamento, Dr. Pedro Emigdio da Silva Rios, Dr. Antonio Martins da Silva Porto, Dr. Jesuino José de Freitas, Dr.Joaquim Ribeiro Gonçalves, João Leopoldino Ferreira, Dr. César do Rego Monteiro, Dr. Ernesto José Batista, Dr. Eduardo Olímpio Ferreira. Os quinze últimos: Dr. Ausônio Carneiro da Câmara, Dr. Archimedes Nogueira Paranaguá, Dr. Rogério de Castro Matos, Dr. Thomaz Gomes Campelo, Dr. Geraldo Magella de Carvalho, Dr. Alair Rocha, Dr. Luís Fortes do Rego, Dr. José Arimathéa Tito Neto, Dr. Raimundo Fortes de Oliveira, Dr. Francisco Isaias de Arêa Almeida, Dr. Henrique Oliveira do Vale, Dr. Herbet Belisário dos Santos, Dr. José Raimundo Belo, Dr. Atenor Barbosa de Almeida Filho, Dr. Fernando Lopes da Silva Filho e Dr. Netanias Batista de Moura, desde outubro de 1997.

OS PRIMEIROS MÉDICOS QUE CLINICARAM EM AMARANTE: Manoel Joaquim Rodrigues Macedo (22-02/1862); Júlio César Audreíno - amarantino nato (1883); Bonifácio Ferreira de Carvalho - amarantino nato (1890); Manoel Rodrigues de Carvalho (1891); Antonio Sobral - amarantino nato; Antonio Ribeiro Gonçalves – amarantino nato; Francisco Ayres Cavalcante - amarantino nato (1915); Evanilda Neiva Pacheco (1959); Misael Dourado Guerra (1964).

 VELHA ECONOMIA - Há várias décadas, a economia do município de Amarante era voltada à cana de açúcar plantada com abundância nas margens do riacho Mulato.  A historiadora Maria Santana Vilarinho Santos, recentemente fez um documentário sobre a importância desse precioso produto agrícola. Havia vários engenhos. Dois deles, movidos a vapor e caldeiras alimentadas pelo bagaço da cana moída. Os outros engenhos eram movimentados por bois. Fabricava-se açúcar, rapadura e cachaça. Esses produtos eram exportados para diversos municípios através de animais e balsas que trafegavam no rio Parnaíba. A velha economia de Amarante estendia-se ainda na geração de muita mão-de-obra. A historiadora amarantina menciona no seu belo documentário o Engenho do Sítio Santa Rosa de propriedade de seu saudoso pai, Pedro Gonçalves Vilarinho. Ela relata que era servido um café com paçoca e que os trabalhadores eram divididos em grupos: cortadores de cana e cambiteiros que levavam a cana cortada nas costas de animais. Havia ainda aqueles que exerciam atividades diversas. A lenha era transportada para aquecer as caldeiras por carros de madeira puxados por bois.

VELHOS CABARÉS. - A cidade de Amarante viveu por várias décadas num movimentado clima de prostíbulo, reverenciado em nosso meio como Cabaré e Tabocal. Os ambientes para a prática sexual ocorriam especialmente à noite com maior movimentação nos finais de semana. As prostitutas, populares raparigas, eram de várias localidades e os frequentadores de todas as classes sociais. Existiram três agitados setores de cabarés na cidade: “Cai N’agua”, à margem do rio Parnaíba, próximo do Hotel Pousada. Teve vários proprietários. Entre eles, os populares João Garapeira (falecido) e Raimundinho da Dorica. Lá era promovido o Baile Cor de Rosa e o Forró Pé de Serra. Na conhecida Rua do Fogo tinha várias casas do ramo: Os cabarés das populares Marizô, Carmozina (falecida), Chica Preá (falecida) e Irene Casadinho (falecida) e tantas outras. Havia também muito forró e muitos bares com músicas bregas e apaixonadas, tocadas em radiolas ou em vozes de bêbados, acompanhados por um violão. Próximo à Rua do Fogo, na beira de um grotão, teve o movimentado cabaré “Casa Amarela” de propriedade do popular Estevão Galinha D´gua (falecido), onde também havia muito forró e o Baile Amarelo. Tinha ainda o ponto: “As Meninas dos Olhos” do engraçado Quixaba, localizado no “Sovaco do Cão” à margem do rio Parnaíba. “Inferno Verde” foi o apelido dado pelo popular Reis Felix, considerado uns dos maiores frequentadores de cabarés de Amarante, a um animado setor da prostituição, localizado na Rua São Benedito, perto do Clube Os Quarentões. Teve vários donos de cabarés, neste setor, como: Cecílio Dias (falecido), as populares: Chicuta, Ducarmo Tataira, Rita Macambira, Biluca e Helena Preta. Tinha ainda Nazaré Cambão, a “Rainha da Panelada”. Havia ainda nos prostíbulos de Amarante outros nomes de bailes, o Branco e o Azul. Vale esclarecer que as prostitutas eram muito discriminadas: não podiam estudar em colégios, frequentar igrejas e nem de participar de muitos atos da sociedade. Em várias ocasiões, muitas mulheres casadas foram atrás de seus maridos nos cabarés. Existem ainda em nossa cidade, três prostíbulos: “Paraíso do Amor” do popular Doutor do Cícero Casadinho (bairro Dois Coqueiros), BR 343; Casa de Encontros da popular Ducarminha, Rua Da Costa e Silva, perto do rio Parnaíba (Cai N´agua) e o da Chiquinha Sousa, Rua do Fogo.

REVOLUÇÃO - Os inesquecíveis amarantinos contam que Amarante viveu momentos de terror com a passagem da Coluna Prestes na cidade, no período de 20 a 27 de dezembro de 1925. Foram várias colunas das forças revolucionárias que deixaram o povo do município assustado. A 1ª Coluna, a do Capitão João Alberto, chegando à meia noite em nossa cidade. Logo após, os revoltosos arrombaram as portas do Telégrafo, onde se instalaram. Horas depois, chegaram os grupos chefiados pelo Coronel Dutra e Capitão Euclides. Em seguida, outras caravanas comandadas pelo Cel. Juarez Távora e Sr. Bernardino.  No mesmo dia, chegaram também à nossa cidade as colunas do Cel. Carlos Prestes e a do Sr. Siqueira Campos. As forças revolucionárias arrombaram portas de comércios e saquearam grande estoque de mercadoria. Os estabelecimentos comerciais de Abdon Moura e Joaquim de Castro Ribeiro (Quincas Castro), avô materno da ilustre amarantina Maria Cirene de Castro Sousa, de grande movimentação e sortimento, foram os mais afetados com os roubos dos revoltosos. Eles ainda forçaram comerciantes em geral, pagarem uma conta altíssima de guerra. Dizem que os revoltosos derramaram perfumes em toda a cidade. Houve, também, invasão residencial, de onde os revoltosos levavam tudo que encontravam e  determinaram o fuzilamento dos expressivos Senhores de Amarante: Abdon Armindo de Moura, Cel. Luiz Gonçalves Ribeiro, Major Sátiro de Castro Moreira, Capitão Francisco José de Lima, Miguel Arcoverde Vieira, Amâncio José Pereira Lopes, Raimundo Gonçalves Vilarinho,  Acilino Neiva, Eugênio Barbosa, Gerson Ernestino de Sousa, João Ribeiro de Carvalho (João Pinga), José Maria Gonçalves, Gonçalo S. Antônio Costa. Felizmente ficou só na ameaça. O saudoso Francisco Felix da Silva testemunhou toda ousadia dos revoltosos com o povo amarantino, a exemplo do inesquecível Odilo de Sousa Queiroz, pai do professor e jornalista Virgílio Queiroz, que sabia das ações das forças revolucionárias em vários lugares do Brasil. A secular Clotildes Ribeiro da Silva, a popular Coló, residente em Amarante, conta com detalhes as atrocidades dos revoltosos em nossa cidade.

CONEXÃO - A cidade de Regeneração a 18 km do centro de Amarante, historicamente conectada à nossa cidade desde o início de sua povoação. Vale ressaltar que a conceituada Regeneração quando era pequeno povoado, recebeu outros nomes: São Gonçalo de Amarante, São Gonçalo Velho, e São Gonçalo de Regeneração. Ela também foi muito chamada de Vila. Ainda hoje, existem pessoas que pronunciam esse apelido. Para suprir sua necessidade comercial através de transporte fluvial no rio Parnaíba, a nossa vizinha Regeneração, fez estabelecer o “Porto”, origem do município de Amarante. Regeneração passou por um bom tempo, vinculada em nossa municipalidade. Continua a influência mútua comercial, educacional, cultural, social e política desses municípios.


MINÉRIO EM AMARANTE - Segundo o geólogo amarantino João Castor do Nascimento Silveira, há grande possibilidade da existência de minério na Serra da Arara, município de Amarante, devido à formação sedimentar da área, principalmente por arenito. A Petrobrás esteve no local onde perfurou há longos anos, um poço pioneiro. O resultado constituiu uma ligeira emanação de gás. Esclareceu ainda o geólogo João Castor que no lugar Canto, neste município, limitando-se com Francisco Ayres, há uma boa quantidade de GIPSITA (sulfato de cálcio), matéria prima para obtenção de gesso. Análise já foi feita em laboratório de São Paulo por intermédio do geólogo João Castor da Silveira.

AMARANTE às vezes é chamada por este Brasil afora como “Terra do Papagaio”. Por quê? A historiadora Maria Santana Vilarinho Santos, um dos membros de nossa cultura, tem uma versão do motivo desse chamamento. “Há muito tempo... Numa grande enchente dos rios Parnaíba e Canindé, desciam enormes blocos de terra, contendo árvores, animais e outros. Num desses blocos vinha um papagaio. Ao chegar na cidade de Amarante, a ave perguntou - onde estou? Responderam – em Amarante.  Ele deu uma risada e disse: prefiro a morte. Aqui, é terra de poetas, escritores, governadores, não há lugar para papagaio... Ah! Ah! Ah!”.

AMARANTE, berço de grandes nomes: Dirceu Mendes Arcoverde, Antonino Freire, Waldir Arcoverde, Eduardo Neiva, “Da Costa e Silva”; Luís Mendes Ribeiro Gonçalves, Osvaldo Da Costa e Silva, Dr. Antonio Ribeiro Gonçalves, Taumaturgo Sotero Vaz (poeta), Odilon Nunes, Cunha e Silva, Clóvis Moura, Carvalho Neto, professor Antonio Veríssimo de Castro (Tonhá), historiadora Raimunda Nonata de Castro (Nasi), Coronel Joaquim Vilarinho, Coronel Miguel de Almeida Lira, Geraldo de Sousa Vilarinho (oficial superior do Exército), Dr. Francisco da Cunha e Silva Filho, Dr. Francisco Ayres Cavalcante, professor Afrânio Nunes, Homero Castelo Branco, Dr. Antonio Pereira Lopes, Dra. Eulália Maria Ribeiro Gonçalves do Nascimento Pinheiro, Coronel Clidenor Lima, Coronel Walker Prado, Coronel Manoel Mendes de Melo, Cel. Solange Maria Macedo Lima, Major Antonio Soares Ribeiro, Capitão Deodato Lopes da Silva, Dr. Eleazar Moura, José Moura Lima,  Dr. Adoniais Carvalho, Dr. José Moacy Leal, João Elias Teixeira e Silva, Rafael Sousa Fonseca, Dra. Maria Celestina Mendes da Silva, José Dias Feitosa (Capitão Zeca) e outros famosos. Amarante, por vários motivos, é apelidada: a Capital da cultura piauiense.

TÍTULO A AMARANTE. O sistema Meio Norte de Comunicação, por meio do Portal Meionorte. com, via rede social, abriu concurso em 2012, através de votos, para eleger os novos sete locais mais belos de nosso Estado. A riqueza arquitetônica de Amarante e sua tradição histórica, o fator principal para que nossa cidade recebesse o título de Sétima Maravilha do Piauí.

Textos do livro AMARANTE, PERSONALIDADES E FATOS MARCANTES, da autoria de Luís Alberto Soares (Bebeto).                       

terça-feira, 29 de julho de 2014

Novela, o império dos sentidos


Novela, o império dos sentidos

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

De tanto resistir, caí na tentação. A TV Globo já vinha anunciando, à exaustão, durante dias, a nova novela das 9 horas da noite. Wiliam Bonner completara: “Encerra-se, agora, o Jornal Nacional, mas assista, em seguida, à novela IMPÉRIO. Veja como um homem, depois de chegar ao fundo do poço, levanta-se e se torna dono de um grande império.”

Quem não resistiria? Eis aí o apelo, a propaganda, a sedução provocada pela tecnologia de ponta, num cenário paradisíaco, penhascos cobertos de bruma e vegetação, belos corpos aos abraços e amassos, duas belíssimas canções românticas.

Para começo de cena, um casal de jovens, de origem nordestina, enfrenta desumana sobrevivência na periferia do Rio. O marido, sem fertilidade para gerar um filho. O irmão, “sem lenço, sem documentos”, vindo de Pernambuco, bate-lhe à porta, em busca de trabalho na cidade. A cunhada atende o cunhado, que esboça um olhar certeiro na beleza da cunhada. O irmão o acolhe e lhe cede um quarto e comida. Nos primeiros dias, a cunhada cai nos braços do cunhado, e aí começa o primeiro capítulo de bombardeio à instituição do casamento  e da estrutura familiar, o pão nosso de cada dia das novelas, em geral. Acrescente-se, nos capítulos seguintes, como de praxe, o beijo gay, casamento gay, sob a criação e direção de novelistas gays.

Dia seguinte, mocinhas, rapazes e dondocas serão entrevistados para o “que acham” da trama. O relativismo do “se agrada, é bom, logo...” E assim a sociedade vai se ajustando ao império dos sentidos imposto pelo império televisivo. Sem defender valores morais, a construção sadia do caráter.

O que salva a audiência das novelas são os casos de paixões tórridas, uma diversão inconsequente e perigosa, que se transforma em intensa relação regida pela obsessão do prazer. Seguindo princípios dos autores e diretores da trama, para os amantes não existem fronteiras e limites na busca completa do êxtase. Os fins é que justificam os meios de gerar ibope.

O telespectador comum, despido de senso crítico, pouco reflete o enorme fosso entre amor e paixão. O amor prazeroso e divino, ou paixão doentia e irracional, capaz de todos os crimes e desvarios. Ou a diferença entre virtudes e vícios. As novelas confundem os limites morais, e, em busca de audiência, torna tudo maravilhoso, como um belo casal em fogosa transa, casados ou não, com o cônjuge alheio ou não. Linda, 18 anos, carinha de adolescente pura, Bruna Marquezine, aparece nua e sapecando as carnes dos marmanjos telespectadores, logo no primeiro capítulo de EM FAMÍLIA. Nem rei Davi resistiria a fulminantes desejos, contemplando a bela esposa, em banho, de seu fiel general. A sensualidade sem freios já vem dos jardins do paraíso edênico.

As novelas se propõem a fornecer sonhos e prazeres, encantos e paixões descartáveis. O resto é relativo. Depende do “eu acho”. Achismo barato, sem fundamentos filosóficos, sem limites. Quem defende esses mandamentos desligue a televisão ou mude de canal. Senão, cai na tentação. Pois o império global manda neste país.            

domingo, 27 de julho de 2014

MÚSICA VIVA


MÚSICA VIVA

Elmar Carvalho

Passarinhos cantando
saltitavam e dançavam
sobre os fios elétricos
– pássaros ou dedos sobre cordas
de violinos, violas ou violões –
eletrocutando corações.
Aladas notas vivas
fazendo acrobacias e coreografias
sobre as paralelas da pauta.
O vento que passava fazia
coro e uma música celeste
se evolava.           

sábado, 26 de julho de 2014

A VIDA E SEUS CAMINHOS - CRÔNICA


A VIDA E SEUS CAMINHOS - CRÔNICA

Francisco Miguel de Moura*
                                                                                  
Passei a manhã de hoje numa livraria. Não vou dizer o nome pra não fazer propaganda, que eles pagam caro, mas se colocar aqui não recebo nem um “tostão furado”. Vá traduzir esta expressão e verá que não tem boa correspondência em outra língua, senão em espanhol, a mais próxima de nós.

Não foi uma manhã agradável como as de outrora, de quando eu entrava numa boa livraria com deleite, permanecendo como que enlevado. Corri os dedos e os olhos por todas as estantes ou prateleiras e não encontrava o que queria: um livro de crônicas, de autor brasileiro. De autores tupininquins, só vi o surrado Paulo Coelho, que não escreve crônicas (e nem sei se seus livros são de boa ficção). Tudo mais era “best-sellers” americanos ou de outras paragens. Biografias de cantores, livros políticos e midiáticos.

Já na saída, por muita sorte, li na carneira o nome de um: “O mundo é o que é”, de Gilmar Marcílio.  Dentro, na primeira linha da crônica: “Uma das coisas mais bonitas da vida é beijar”. Tive tempo de ler a primeira crônica e gostei. Fechei-o com cuidado. Pus o volume debaixo do braço, desci as escadas já procurando onde pagar, com a frase da primeira crônica na cabeça: “Uma das coisas mais bonitas da vida é beijar”.

Gosto de crônicas porque a leitura é mais amena. Na minha idade... O cronista trabalha com a matéria viva – a vida e seus passos. A vida física em toda parte é objetiva, as alterações são naturais. Mas a vida social, cultural, os acontecimentos são diferentes em cada lugar do mundo. Dizem que a crônica é um gênero menor, não sei por qual motivo. Creio que pode tornar-se maior sem exagerar na extensão. Pode ser universal sem ser de autor que só publique por famosas editoras. Geralmente a crônica vai do jornal para o livro, se for boa, bem escrita, trabalhada com estilo. Foi assim que ela começou no Brasil, com Machado de Assis. E continua ora de costumes, ora poética, ora filosófica, aqui e acolá ilustrada por ditos populares e anedotas.  Abdias Lima, escritor cearense, conta uma anedota que vai dar um tom menos rígido a esta minha e esclarece porque a crônica é crônica. Escreveu ele:

“O menino lê o jornal, talvez deliciando-se com uma crônica, e de repente levanta a cabeça para perguntar ao pai:
- Crônica? Que quer dizer isso?
- Crônica é o que passa – resposta do pai.
- E como é que a asma da vovó nunca passa e o médico diz que é crônica”?

Crônica é tudo que passa aos nossos olhos exteriores e internos a cada dia. E é “crônica” porque não passa. Talvez seja a melhor definição do gênero. Talvez seja o mais antigo gênero literário em prosa.

Quando apresentei o livro à moça do caixa, pedi um desconto porque o pagamento ia ser à vista. E ela prontamente concedeu. Agora não consigo lembrar como entrei no assunto literatura. Disse-lhe certamente que era escritor.

- Talvez esta livraria tenha alguns livros meus.
- O senhor escreve o quê? – falou como se já me conhecesse.
- Escrevo crônicas e romances. Este é de crônicas - expliquei – e estou levando porque gosto de ler crônicas, normalmente são curtas, a gente lê na rede e até mesmo no banheiro.
Moça branca, comunicativa, risonha, bonita para mim, naquela ocasião. E interessou-se mais:
- Como são seus romances? São românticos?
- São românticos até certo ponto, pois geralmente há casos de amizade, namoro e casamento. Mas pode haver romance sem romance. O que não se deve é escrever um romance sem mistério. É uma arma para levar o leitor até a página final.

Como sou conversador quando o assunto é livro, literatura e leitura, fui respondendo à curiosidade da moça até que, afinal, escapuli e descrevi um pouco da história do meu primeiro romance.

- Meu primeiro romance tem nome de “Os estigmas”. Sabe o que são os estigmas? Não a deixei falar, prossegui. Os estigmas com que trabalhei estão patentes nos personagens principais: uma moça negra que morava numa pensão e termina na “zona de mulheres”, uma aleijada que quis namorar o rapaz, no caso eu próprio, feio e pobre, que ficou com a negrinha, entre outras formas de estigmas.
- Mas o senhor não é feio, não.
- Bondade sua! São seus olhos. Mas já fui melhor quando era jovem de 20 anos.

Olhando para o meu relógio, abreviei a despedida. Nosso papo terminara por ali mesmo.  Mas, se “uma das coisas mais bonitas da vida é beijar”, com diz o autor logo na primeira crônica, confesso que me deu vontade de beijá-la. Em seu lugar, beijei o livro.

A manhã, a partir dali, ficou mais prazerosa. Voltei pra casa alegre, lembrando as palavras da moça. Mas não foi o principal sentimento. Saí pensando sobre a vida e seus caminhos. Principalmente os caminhos da leitura. Será que a influenciei? Pelo que sei, quem vende livros não os lê. Quando muito passa um vista pelas orelhas, nome do autor, título e editora. E pronto.

Já li quatro crônicas que eu chamaria de ensaios à la Montaigne e gostei do estilo, dos temas e da maneira de focá-los. Vou continuar até o fim. Depois, volto a ela, a moça, para recomendar a leitura. Para mim, só existem três coisas que me fazem entender bem a vida: o toque, a vista e o ouvido. E fora dos órgãos físicos, a leitura. Nenhum discurso ouvido, por melhor que seja o orador, não se concatena na minha cabeça. É como se entrasse por um ouvido e saísse por outro. Melhor do que a leitura silenciosa não existe.

A leitura silenciosa é uma conversa com o autor, com o mundo do texto e consigo mesmo – o próprio leitor. E cada releitura é um novo caminho para desvendar mundos diferentes, vidas interessantes, luzes que mais brilham, gente que vive, sofre, ri e canta. E dança. Às vezes conforme a música, outras vezes infelizmente não.

Na leitura de Gilmar Marcílio encontro tudo isto, talvez até mais do que meu olho interno enxergava antes, pregado ao meu chão, a mim mesmo e ao meu egoísmo.

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*Francisco Miguel de Moura, brasileiro, casado, bancário aposentado, escritor (prosa e poesia), publica uma crônica ou um artigo a cada sábado, no jornal "O DIA". Esta foi publicada em 19-7-2014, página 6 - Coluna "Opinião". Também foi publicada no blog Cirandinha, do qual a extraímos.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

O MÉDICO E POETA LUIZ AYRTON

Poeta Luiz Ayrton dos Santos Junior


24 de julho   Diário Incontínuo

O MÉDICO E POETA LUIZ AYRTON

Elmar Carvalho

Após receber o resultado dos exames que fizera, minha mulher foi consultar-se com o mastologista Luiz Ayrton dos Santos Junior. Felizmente tratava-se de um rebate falso, e nada havia de grave com a sua saúde. Quando retornou, trazia-me o livro de poema “objetopresença”, gentilmente autografado pelo seu autor, ninguém menos que o doutor Luiz Ayrton.

Conheço-o há mais de duas décadas, e com ele entretive algumas rápidas conversas, nas vezes em que acompanhei Fátima a seu consultório. Na dedicatória, feita em mui legível letra, e não em "letra de médico", o poeta afirma ter “certeza que uma ponte poética nos liga”. Efetivamente somos ligados por essa ponte, que espero seja estaiada e bela, claro que não pela minha, mas pela sua e pela poesia dos vates que admiramos.

Da década de 80 para cá, conquistou cargos e encargos importantes. Tornou-se professor da UESPI e da UFPI. Fez mestrado em Medicina e doutorado em Cirurgia. Foi um dos instituidores da Fundação Maria Carvalho, da qual é presidente de honra. Essa entidade desenvolve notável trabalho filantrópico na luta contra o câncer de mama. Presidiu a Academia Piauiense de Medicina (2008-2010). Pertence a várias outras entidades culturais. Pesquisador, defende acirradamente a memória de Mandu Ladino, tendo promovido vários eventos sobre essa importante figura histórica.

Nas conversas das primeiras vezes em que nos conhecemos, fiquei sabendo que ele era parente de um amigo meu, o parnaibano Jorge Carvalho. Este é um poeta muito criativo, inventivo mesmo, e comprometido visceralmente com a modernidade, tanto no aspecto visual como no jogo lúdico da sonoridade das palavras. Era colaborador e incentivador do jornal alternativo Inovação, de que eu fazia parte, de modo que travei amizade com ele a partir do final dos anos 70. Eu e o poeta Alcenor Candeira Filho temos insistido para que ele publique seus versos em livro, e não apenas em periódicos, como tem feito (raramente) até agora.

O Jorge era muito voltado para a vanguarda literária, sobretudo a poética, e por ter cursado Direito em Recife pôde ter acesso aos jornais e tablóides que divulgavam esse tipo de poesia. Também possuía um vasto acervo de livros de poetas modernistas e pós-modernos. Quando vinha passar suas férias ou folgas em Parnaíba, dava-me alguns desses periódicos e emprestou-me alguns dos livros de versos, que raramente podíamos adquirir na época, a não ser, com dificuldade, através do serviço de reembolso postal dos Correios.

O nosso bravo Luiz Ayrton, assim como o seu parente Jorge Carvalho, também é um poeta ligado à vanguarda. Contudo, cioso da qualidade de seus textos, não teve pressa em publicá-los, e os manteve guardados por muito tempo em esconsa gaveta. Tive acesso a alguns poucos poemas de sua autoria, e logo lhes pude admirar a qualidade. Ao contrário de vários literatos prolíficos e afoitos, que publicam aos borbotões, apenas recentemente enfeixou os seus versos em livro individual.

São poemas contidos, que fogem a derramamentos líricos e emocionais. Conquanto alguns sejam discursivos, entretanto se afastam da oratória e das frases bombásticas e de efeito. São poemas sintéticos, de sintaxe reduzida, quase sincopada, em que são usadas apenas palavras essenciais, que mais sugerem do que dizem expressamente, podendo suscitar mais de uma interpretação, conforme a experiência e a criatividade do leitor.

Artista atualizado, sempre em busca de novas formas de expressão poética, faz as suas intertextualizações, de maneira adequada, sem excessos, de tal sorte que jamais se lhe possa censurar falta de criatividade de seu próprio engenho e arte ou mero desejo de exibir erudição. Alguns poemas são dotados de muita plasticidade, quase como se fossem objetodesenho ou objetopintura, para intertextualizar com o título de seu livro, de onde se conclui que ele soube absorver as mais caras lições do concretismo e dos poemas visuais da contemporaneidade.  

Posso afirmar que “objetopresença” é verdadeiramente um objeto de arte, pelo esmero de sua vistosa capa, pelo seu belo projeto gráfico, concebido pela Avant Garde Comunicação, Edição & Produção, sob a coordenação da poeta Marleide Lins de Albuquerque, tudo arrematado e alinhavado pelas belas ilustrações de Antônio Amaral, um de nossos maiores artistas plásticos.


Como se tudo isso não fosse o bastante, a revisão feita por Teide Soares Leal Melo Lima me pareceu impecável. Assim, posso dizer que se trata de um ótimo produto embutido em bela embalagem.    

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Polêmicas literárias no Brasil: alguns recortes históricos


Polêmicas literárias no Brasil: alguns recortes históricos

Cunha e Silva Filho

As polêmicas surgem em decorrência de princípios ou ideias divergentes  que se chocam entre  indivíduos ou  grupos nos  múltiplos  campos  do conhecimento humano. Na literatura  portuguesa,   tivemos a velha e famosa “Questão  Coimbrã” ou do ”Bom Senso e Bom Gosto,” travada entre  Antônio Feliciano de Castilho e seus seguidores representando a geração  antiga, e os rivais  Antero  de Quental e Teófilo  Braga, intérpretes  estes da geração mais  moça.

Esta polêmica,  plena de  injustiças  e  de desrespeito  da parte  dos mais novos  e sobretudo de Antero de Quental, se dera por  razões de pressupostos   estéticos entre o Romantismo e as novas  concepções de ordem científico-evolutiva do Realismo, movimento   literário  através do  qual  os novos procuraram  a derrocada do grande   movimento  anterior de amplo   espectro   nacional  e universal.
                       
No domínio da vida literária brasileira o capítulo  das  polêmicas  não é pequeno em sua incidência, particularmente no  século XIX, em  pleno  Romantismo,   movimento  literário  abrangente e avassalador  nos seus pressupostos teóricos, o qual   permeou  uma multiplicidade   de áreas  culturais, não somente  nos limites   estritamente  literários, mas  invadindo mesmo   o terreno  da gramática, da filologia, da linguística, da estética,  da filosofia,  da economia,  da política, da religião.

Só para ilustrar algumas polêmicas ocorridas no século XIX, podemos  mencionar  as divergências  estético-ideológicas entre José de Alencar e os defensores  de  Gonçalves Magalhães a propósito  do  poema  “A Confederação  dos Tamoios,” escrito  por  este último,   considerado  o introdutor do Romantismo  brasileiro com a  obra Suspiros  poéticos  e saudades (1836).  O escritor  de Iracema, usando  o pseudônimo de Ig, atacara aquele poema de  Gonçalves Magalhães através da  publicação de   oito Cartas sobre a  Confederação dos Tamoios (1856). Alencar julgara o  poema  fraco  poeticamente e reprovava  na composição  do poema  as ideias  de Magalhães sobre  o indígena.[1]     
      
Contra José de Alencar cerraram fileiras Araújo Porto Alegre e D. Pedro II. “Numa posição intermediária,” ficou Monte Alegre.[2]   Ainda contra Alencar outros fatos ligados à sua  produção literária conspiraram injustamente,  como  a censura que o impediu de levar aos palcos o seu  drama  As asas de um Anjo.

Ainda mencionaríamos na sucessão de julgamentos  críticos  de oposição a Alencar a acrimônia do Conselheiro Lafayette classificando a “heroína de Lucíola de ‘monstrengo moral’; as críticas  de mau gosto  e infundadas de Pinheiro  Chagas (escritor  português), de   Antônio  Henriques Leal (escritor e médico  maranhense, e não  português como, por engano,  afirmou  Alfredo Bosi), e de Antônio Feliciano  de Castilho (escritor  português) recriminando, em  diversas  ocasiões,   ser Alencar  um autor  “incorreto” na linguagem,  censura que,  por sua vez,  recebeu da parte de Alencar, consoante  lembra bem  Alfredo Bosi,  uma  fundamentada teoria da ‘língua brasileira.’ [3]

Nas Cartas a Cincinato, o escritor Franklin  Távora provocaria  a veia crítica de José  de Alencar.Távora  reprovava  as concepções estético-regionalistas  de Alencar. Finalmente, mais uma acesa  polêmica enfrentaria    José de Alencar com  Joaquim Nabuco sobre  questões  estéticas envolvendo  obras  do escritor cearense.[4]

No início do século  XX e até em tempos  ulteriores,  podiam-se  mencionar as  polêmicas entre Sílvio Romero e José Veríssimo, entre Carlos de Laet e Valentim Magalhães,  bem como entre Carlos  de Laet e Camilo  Castelo Branco, entre  Rui Barbosa e Ernesto Carneiro  Ribeiro, entre o Pe. Sena Freitas e Júlio  Ribeiro,  entre Cassiano  Ricardo e Fernando de Magalhães, entre Sílvio Elia e José de Oiticica. Há pouco tempo, lemos um  livro  vergastando  duramente  o crítico  Agripino Grieco,  a despeito de ser  ele mesmo,  Grieco,  um velho crítico  conhecido      por sua  mordacidade e um espírito  sarcástico e demolidor.

Referimo-nos ao livro Carcassa, sem glória, de Osório Lopes.[5] Pelo visto,  eram   controvérsias de diferentes  escalas   de  azedume, de diatribes   e de animosidades, sustentadas entre intelectuais brasileiros, não só poetas e ficcionistas, como também críticos, historiadores, gramáticos,  filólogos, linguistas discutindo, pois,  controversas  questões e temas,  sendo  principalmente aqueles   relacionados  à nossa formação literária, à autonomia   de nossas letras, à nacionalidade   literária, à língua literária   brasileira, temas,  de resto,  amplamente  estudados  por Afrânio Coutinho na obra  A tradição  afortunda.[6]

Fatos semelhantes a estes  nos fazem pensar   no mesmo problema  enfrentado  por Lima Barreto, a quem  uma certa crítica  andou   afirmando  sem claras razões  linguísticas nem tampouco  estéticas ser  o  autor  de O triste  fim de Policarpo Quaresma  um  escritor “displicente’ e “incorreto,” quando   esses alegados  motivos   não passam  de um   julgamento crítico que não  entendeu   a base  estético-literário-linguística  da fase   de transição   de Lima  Barreto, a que a  história  literária brasileira denomina  Pré-Modernismo.

Mário de Andrade, sobretudo com o grande marco de inovações linguístico-estético-literárias, que foi Macunaíma, situar-se-ia neste mesmo tipo de  debate, guardadas  as  mudanças  de tempo e de  formas renovadas   de  elaboração   ficcional ou  poética  desencadeadas   pelo Modernismo de  1922, o qual     esteve exposto a  severas   críticas  no tocante ao uso da linguagem literária.

Na sua   primeira  fase  iconoclasta, derrubando  valores  estéticos e formais dos  dois  maiores  gêneros   literários,  o ficcional e  o  poético, o Modernismo reagiu   profundamente a     um tradicionalismo  resistente a rupturas na obra  literária, sobretudo  no   uso da linguagem  literária ainda  presa  à ideia de que   “escrever bem” em literatura    equivale à submissão   irrestrita  a regras da gramática normativa e não  a processos  criativos  e  experimentais  do fenômeno  literário.

 Após  fazer  estas   rápidas  digressões  nos três   parágrafos  anteriores, convém, ademais,   salientar que,  por ser assim  tão amplo e variado  nos seus   objetivos e no seu alcance,  já alguém afirmou ser o Romantismo um movimento  literário  que, por agregar  tantos   traços culturais  sob a égide  da liberdade  e de impulsos subjetivos de caráter nacional e universal,  i.e.,  de contestação   a qualquer tentativa de  oprimir  a individualidade, seja artística, seja,  seja social, seja econômica,  seja  filosófica, seja religiosa, seja moral, legou, ao longo dos tempos,   um substrato de um estilo e  forma de pensamento  sem tempo  datado ou, consoante bem   sintetiza,  o ensaísta e  historiador  Massaud Moisés: “De certo modo,  a revolução romântica não findou ainda...”  [7]

Todos  os  outros  movimentos  literários e artísticos  posteriores,  inclusive as vanguardas do  final do século  XIX,  ainda   assinala  aquele autor:

(...)  não  raro traem o  afã de ressuscitar o impulso   dos princípios do  século  XIX, evidente na recusa de tudo  quanto possa  constranger a liberdade criadora. Acrescente-se, por fim, que os padrões de cultura inaugurados com  a ascensão da Burguesia ainda estão vivos, o quadro dessa  permanência se completa e se define. [8]           
          
Basta  mencionar que  o carro-chefe do seu longo e controvertido  debate  convergiu para candentes e decisivas  questões suscitadas por  esse movimento e geradoras  de  polêmicas: o nacionalismo literário, a discussão da identidade nacional, o problema do  português do Brasil, sobretudo  na forma como   deveria se comportar a língua literária em  relação ao português lusitano, de vez que o Romantismo constitui o primeiro  grande  movimento de ruptura  com   as  letras  portuguesas, além de  revigorado  pelas mudanças históricas    consolidadas pela  conquista de nossa autonomia    política  na imagem emblemática do Grito do Ipiranga.

Na história  da literatura brasileira,  estas querelas que  eclodiram no século XIX,  consoante  frisamos  no início deste ensaio,  surgiram  também no início do século XX, nos anos 1940 [9] –  período fértil  em  polêmicas  entre  escritores  brasileiros -, nos anos 1950, e podemos   estendê-las até os princípios  dos anos  de 1960.  E não estamos  incluindo aqui as pelejas de natureza literária,  filosófica e religiosa que ainda  podem ser rastreadas em alguns estados  brasileiros fora do eixo Rio-São Paulo, as quais,  pela distâncias geográficas,  não chegaram  ao conhecimento   mesmo   de especialistas.

          De modo geral, os  próprios  movimentos literarios já por si sós contêm, por seu caráter de  renovação versus tradição,  suficientes  materiais   com  traços  polêmicos ou  controversos, ou seja,  a sempre velha  história dos novos querendo  desbancar  os mais velhos  nesta  eterna  luta de Sísifo entre  a exaustão  das formas estéticas  e  o seu  ersatz por  novas   visões  estético-artísticas.

 Entretanto,  a polêmica  é um fenômeno  que se registra em   qualquer literatura e em qualquer época  da História.  No exemplo  brasileiro  as   polêmicas   sempre estiveram  presentes, servindo de forte combustível para que  contendores afiassem seus  instrumentos de ataques e revides,  primeiro no plano intelectual e, em seguida, conforme a natureza e o grau da querela,  passavam ao  desforço   pessoal  e se transformavam,  por vezes,  em  hostilidades passageiras  ou até duradouras; neste  último  caso, se configura, entre outras,  a  polêmica  travada entre  Afrânio Coutinho e Álvaro Lins nos anos de 1940, 1950 e 1960 aproximadamente.

NOTAS

[1] Cf.  SÁFADY, Naief. Verbete “Polêmica.”  In: PRADO COELHO, Jacinto do. (Dir.).  Dicionário de literatura –  Literatura  brasileira, Literatura portuguesa, Literatura galega e Estilística literária. v..2.  3. ed..Porto: Figueirinhas, 1973, p.838-839. Consultar também  PAULO PAES, José. e MOISÉS, Massaud. (Org. e Dir.) Pequeno dicionário de literatura brasileira. 2.ed.  rev. e ampliada por Massaud Moisés.  São Paulo: Cultrix, 1980. Verbete “polêmica,” da autoria de Joel Pontes.
[2]   Idem, ibidem.
[3] BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2001, p. 135..
[4] COUTINHO, Afrânio (Org.).A polêmica Alencar-Nabuco. 2. ed.  Introdução de Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Brasília: Ed. Universidade de Brasília,  1978, p. 5-13. Sobre o tema de polêmicas na literatura brasileira,  consultar CASTELLO, José Aderaldo. A polêmica sobre “A Confederação dos Tamoios.” São Paulo: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1953; ver  também VENTURA, Roberto. Estilo tropical: História cultural e  polêmicas literárias no Brasil, 1870-1914. São  Paulo:Companhia das Letras,  1991.
[5] LOPES,  Osório. Carcassa sem glória – Apontamentos sobre Agripino Grieco.   Rio de Janeiro: Livraria Boa Imprensa, s.d.
[6] COUTINHO, Afrânio. A tradição  afortunada. (O espírito  de nacionalidade na crítica brasileira).  Rio de Janeiro: José Olympio/Editora Universidade de São Paulo, 1960. Coleção Documentos Brasileiros, nº 127. Importante  obra de Coutinho com Prefácio de Afonso Arinos de Melo Franco.
[7] MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários.  6. ed.  São Paulo: Cultrix, 1992, p. 465.
[8] Idem, ibidem.

[9] MENESES  BOLLE, Adélia. Bezerra de.A obra de Álvaro Lins e sua função histórica. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 47.