sábado, 31 de dezembro de 2016

Costa Alvarenga: O patriarca da insuficiência aórtica

Costa Alvarenga: O patriarca da insuficiência aórtica

Reginaldo Miranda 
Da Academia Piauiense de Letras


Costa Alvarenga: O patriarca da insuficiência aórtica
                          Foi Pedro Francisco da Costa Alvarenga um renomado médico, professor e cientista luso-brasileiro. Ele veio ao mundo em Oeiras, então capital da província do Piauí, no ano de 1826, filho do tenente Egídio da Costa Alvarenga, um dos baluartes nas lutas pela Independência. Era neto paterno de d. Matildes Efigênia de Sant’Ana e do capitão Francisco José da Costa Alvarenga, homem culto e inteligente que, embora sem as láureas acadêmicas, fazia as vezes de médico na província, natural de Lisboa, onde nasceu no ano de 1748, mudando-se para Oeiras, onde faleceu em 1809, licenciado, cirurgião anatômico aprovado e incumbido do curativo dos escravos do Real Serviço. Foram suas tias, pelo costado paterno, Catharina, Rosa e Porcina da Costa Alvarenga.
Em sua terra natal iniciou-se nas primeiras letras, sendo alfabetizado ainda muito jovem. Entretanto, mal completara oito anos de idade, em 1834, observando seus rasgos de inteligência e para melhor conduzir a sua formação intelectual seus pais o encaminharam ao velho continente, para estudar em Lisboa, na companhia de parentes. Foi então que o pequeno menino de Oeiras pôde prosseguir em seus estudos, para isto contando com as lições dos principais mestres de seu tempo. Aluno de gênio incomum, aliado à extraordinária força de vontade, ainda adolescente cursou Matemática na Escola Politécnica e Zoologia na Academia de Ciências, sendo premiado em ambos os cursos por seu desempenho escolar. Em 1845, matriculou-se no curso de Medicina da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, concluindo-o com louvor em 1850, tendo sido mais uma vez premiado em todos os anos letivos. (Jornal de Pharmacia e Sciencias Acessórias de Lisboa – 1849).
Depois de formado, rumou para a Bélgica, doutorando-se com brilhantismo pela conceituada Universidade de Bruxelas, em 1852. Durante todas as fases de sua vida escolar foi um aluno que distinguiu-se sem competidor. Dada a sua inteligência privilegiada foi insistentemente convidado a permanecer naquele país, não aceitando, porém, as inúmeras ofertas de trabalho. Sobre o assunto, mais tarde, assim noticiou o jornal A crença, de Lisboa: “Sabemos por pessoa fidedigna que na Bélgica foi o sr. dr. Alvarenga convidado por vários professores para o magistério, o que ele agradecera não aceitando, porque, disse ele, preferia servir na sua pátria. Como não havia pois de subir(mesmo a despeito dos inimigos da talento  e do trabalho) a igual dignidade entre nós, dedicando-se ele com toda a força de sua inteligência ao estudo da ciência que tem cultivado com tanto esplendor? (A crença, 11.07.1862).
De retorno a Portugal, iniciou o trabalho de atendimento clínico, tornando-se médico efetivo do Hospital de São José, da Santa Casa de Misericórdia, subdelegado de saúde e médico honorário da Câmara de Sua Majestade Fidelíssima. Foi, entretanto, inexcedível em sua luta de amparo aos enfermos durante as duas grandes epidemias de cholera morbus e de febre amarela que assolaram a capital portuguesa(1853 – 1856), assumindo a direção de vários hospitais especialmente montados naquela oportunidade. Por esse tempo adquiriu grande reputação, sendo chamado a toda parte. Era o médico de Lisboa. Segundo a imprensa de antanho, se não bastasse a sua profícua produção acadêmica, bastava ouvi-lo “para se reconhecer o médico que sabe fazer o diagnóstico das doenças de peito com precisão quase matemática. A auscultação, a percussão, a mensuração, assim como os demais meios de descobrir as doenças, têm no sr. Alvarenga um apaixonado cultor”. E mais, “em tão breves anos não é fácil adquirir neste país maior soma de conhecimentos teóricos e práticos do que possui o sr. dr. Alvarenga” (A Revolução de setembro, n.º 6045, de 8.7.1862; A crença, de 9.7.1862)
Concomitantemente ao atendimento clínico, dedicou-se com afinco e denodo ao ensino e à pesquisa, encetando vitoriosa carreira acadêmica. Em 1862, depois de consagradora aprovação em concurso público, assumiu a livre-docência de Matéria Médica da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, onde se formara doze anos antes. O seu desempenho nesse concurso foi acompanhado e aplaudido pela imprensa portuguesa, para quem o resultado correspondeu à expectativa, tendo o afamado clínico da capital justificado a sua merecida reputação. A segunda lição do certame, aplicada em 29 de junho, versou sobre a medicação estimulante, os alcoólicos e preparados amoniacais, tendo o candidato discorrido “durante uma hora com facilidade de locução, abundância de fatos e certeza de doutrina, que só podem ostentar o talento distinto e a inteligência desenvolvida pela aplicação aturada”. Acrescenta o periódico: “O ilustre opositor não é um mero expositor de doutrinas alheias; sobressai nas suas orações a crítica severa, mas esclarecida, que na atualidade mais do que nunca se torna necessária para se não desviar a ciência da verdadeira vereda que lhe traçou o imortal filósofo de Verulamio”(A Revolução de setembro, n.º 61038, de 29.06.1862).
Segundo o já indicado órgão da imprensa, em 3 de julho concluiu “as suas provas teóricas e orais no concurso (...) o laureado candidato(...). O erudito e talentoso opositor, falando da asfixia em geral, mostrou-se tão profundo fisiologista como lido nos mais abstrusos problemas da jurisprudência médica”. E sobre a conclusão do exame em 8 de julho, informa o mesmo periódico:  “O médico estudioso e consumado prático revelou à saciedade que pode ser ao mesmo tempo escritor fecundo, profundo teorista e hábil clínico, uma vez que a inteligência seja desenvolvida pelo estudo assíduo dos livros e pela lição que fornece a observação e a experiência à cabeceira dos enfermos. (...). Os seus numerosos escritos aí estão patentes para atestarem o que vale o nosso talentoso médico. Quanto à sua aptidão prática, a capital o sabe de sobejo; os doentes do hospital do Desterro que o digam; os facultativos que solicitam conferências que o atestem”(idem). O jornal A crença(11.07.1862) assim se expressou: “Felicitamos, pois o sr. dr. Alvarenga, por ter tido ocasião de mostrar mais uma vez o seu talento e profundos conhecimentos; à escola médico-cirúrgica de Lisboa por receber no seu grêmio mais um membro que a há de enobrecer tanto quanto tem ilustrado a medicina portuguesa dentro e fora do país”. Era, de fato, um orgulho da nação portuguesa.
Em 1853, fundou e tornou-se o principal redator da Gazeta Médica de Lisboa, conceituada revista que circulou até o ano de 1875, de onde vários artigos foram traduzidos e republicados em outras importantes publicações científicas europeias. Dada a sua notoriedade acadêmica, ingressou como sócio efetivo na Academia Real de Ciências e correspondente na Imperial Academia de Medicina do Rio de Janeiro, além de mais de trinta associações de ciências e letras da Europa. Foi agraciado com títulos e comendas em diversos países.
Realizou inúmeras descobertas científicas. Porém, o que mais notabilizou o seu nome foi a descoberta, em 1856, do sinal do duplo sopro crural da Insuficiência aórtica, também conhecido como “Sinal Alvarenga-Duroziez”. Ocorre que aquele conhecido cardiologista francês observara o mesmo sinal seis anos depois e então estava sendo ensinado na escola francesa com o nome exclusivo deste. Entretanto, Costa Alvarenga reivindicou seus direitos e a Academia de Paris, considerando que o sintoma já estava muito vulgarizado com aquele nome passou a denominá-lo homenageando os dois cientistas. Entretanto, alguns tratadistas, entre os quais o italiano Castellino e o brasileiro Miguel Couto, reconhecem apenas a primazia do luso-brasileiro denominando-o apenas por “sinal de Alvarenga”.
A par dessa importante descoberta, ainda divulgou “muitas outras obras magistrais, como, as têm qualificado os homens mais competentes, algumas laureadas, outras vertidas na língua universal, aconselhando alguns professores da faculdade de medicina em França aos seus discípulos a leitura”, principalmente aquelas “sobre doenças do peito, como muito instrutiva e ótimo guia no estudo da especialidade” (A crença, 11.07.1862). Entre as quais, destaca-se: Estudo sobre as variações de comprimento dos membros pelvianos na coxalgia(tese da formatura – 1850); Memória sobre a insuficiência das válvulas aórticas e considerações gerais sobre as doenças do coração(1855); Considerações sobre o cholera-morbus epidêmico no Hospital de São José de Lisboa(1856); Notícia do Relatório sobre epidemia de chólera-morbus no Hospital de Sant’Anna em 1856(1858); Relatório sobre a epidemia do cholera-mobus no hospital de SantAnna em 1856(1858); Apontamentos sobre os meios de ventilar e aquecer os edifícios públicos(1857); Esboço histórico sobre a epidemia de febre amarela na freguesia da Pena em 1857(1859); Anatomia patológica e sintomatologia da febre amarela em Lisboa no ano de 1857(1861); Como atuam as substâncias brancas e cinzentas da medula espinhal na transmissão das impressões sensitivas e terminações de vontade(1862); Estado da questão acerca do duplo sopro crural na insuficiência das válvulas aórticas(1863); Apontamento acerca das etocardias a propósito de uma variedade descrita, a traquocardia (1867); Estatística dos hospitais de São José, São Lázaro e Desterro no ano de 1865(1868);  Considerations et observations(1869); Da importância da estatística na medicina(1869); Elementos de termometria clínica geral(1870); Estudo sobre as perfurações cardíacas(1870); Da cinose(1871); De la therminologie generale(1871); De la thermosemiologie et thermacologie(1871); Anatomia patológica e patogenia das comunicações entre as cavidades direitas e esquerdas do coração (1872); Sintomatologia, natureza e patogenia do beribéri(1872); Bosquejo histórico e crítico dos meios terapêuticos empregados contra a erisipela(1873); Bosquejo histórico e escrito da cianose(1873); Grundzüge der Allgemeinen clinischen Thermometrie und der Thermosemiologie und Thermacologie(1873); Bosquejo histórico da percussão(1874); Do salicato de potassa no tratamento da erisipela(1875); Da propilamina, trimetilamina e seus sais(1877); Leçons cliniques sur les maladies du couer(1878); Tratado de matéria médica e de terapêutica pelo Dr. Mothmagel(1878); Farmacotermagenese(1880); Reclamations et reponses(1880); Des medications hypothermiques et hyperthermiques, et des moyens therapeutiques que les remplissent(1881); Theories de l´action therapeutique du tartre stibiè dans la pneumonie(1881); Apontamentos sobre os pontos de aplicação das vias de absorção dos medicamentos(1882); Fragmentos de farmacoterapiologia geral ou matéria médica e terapêutica(1883).
Em 1872, demorou-se longo tempo no Rio de Janeiro, tomando parte ativa nos debates na Imperial Academia de Medicina, de que resultou na publicação de um livro a respeito, lançado em 1873. Sobre esse período escreveu o notável escritor Machado e Assis ao folhetinista lusitano Júlio César Machado(1835 – 1890), que travou relações de amizade com Costa Alvarenga, que muito o honravam e não haveria de esquecê-las, chamando atenção para sua vasta capacidade e para a nomeada que tão justamente gozava este na Europa. De regresso a Portugal passou Costa Alvarenga pela Bahia, oportunidade em que medicou o jovem Rui Barbosa, diagnosticando anemia cerebral e subnutrição.
Faleceu em 14 de julho de 1883, na cidade de Lisboa, vítima de fulminante lesão aórtica, o mesmo mal que estudara por grande parte de sua vida. As cinzas de seu corpo repousam honrosamente na cripta da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Possuía apenas 57 anos de idade e já era um dos mais respeitados cientistas da Europa. No Brasil, é patrono da cadeira 10 da Academia Nacional de Medicina.
Apaixonado pela ciência e visando fomentar as pesquisas científicas instituiu em seu testamento um incentivo às academias de medicina de Paris, Lisboa, Bruxelas, Viena, Berlim, Filadélfia, Estocolmo e Rio de Janeiro, deixando-lhes uma fonte de renda permanente para premiar as principais pesquisas científicas. A denominação dada a essa premiação é uma declaração de amor à terra natal, que mesmo distante nunca morreu em seu pensamento, “Prêmio Alvarenga do Piauí”.
E como se não bastasse legou também à província do Piauí uma importância financeira suficiente para construção de uma escola em Oeiras, que somente foi construída muitos anos depois, recebendo o nome de “Grupo Escolar Costa Alvarenga”.

Foi, portanto, um cidadão benemérito, cuja fama correu mundo, mas nunca esqueceu a terra em que deu os primeiros passos e as velhas margens do riacho do Mocha, onde, certamente, brincou e em cujas águas banhou nas peraltices de criança. É justo, pois, que o Piauí também não lhe esqueça, rendendo à sua memória um preito de justa gratidão. É o objetivo dessa lembrança, além de dizer à juventude piauiense que esta terra é boa e produz excelentes frutos. Guardemos, pois, para sempre a memória desse grande cientista que honra e glorifica a terra piauiense.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

HISTÓRIAS DE ÉVORA - Capítulo XXXV

Fonte: Google. Foto meramente ilustrativa

HISTÓRIAS DE ÉVORA

Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.

Capítulo XXXV

Uma história da cera de carnaúba

Elmar Carvalho

Vamos dar um salto na história de Marcos Azevedo. O rapaz, após concluir o antigo científico, fez o curso de Direito em sua cidade natal, também como aluno do Liceu Eborense. Na época, o campus da Universidade Federal na cidade ministrava apenas os cursos de Ciências Jurídicas e Sociais (Direito), Administração de Empresas, Economia, Contabilidade, História e Letras.

Dois anos após a conclusão de seu curso superior, foi aprovado, em concurso público, para o cargo de Fiscal de Tributos Federais. Conseguiu ser lotado na Agência da Receita Federal de Évora, em cujo prédio funcionava a Alfândega local. Nela se tornou colega e amigo de José Parentes de Sampaio, de conversa agradável, com sua voz grave, sonora e erudição de almanaque, do jornalista Epaminondas Lemos, sempre elegante, sem nunca descurar de vistosa e cara gravata, e do professor Barreto, conhecido na intimidade como Barretão de guerra.

Eles eram bem mais velhos que Marcos, mas como este tinha boa cultura, mormente literária, e colaborava na imprensa local, logo fizeram amizade com o novel colega. Em muitas sextas-feiras, após o término do expediente da tarde, saíam para tomar algumas cervejas no barzinho do Pimpão ou no Recanto da Saudade, do comandante Augusto, ambos localizados na Munguba, à beira-rio. Às vezes integrava a turma Francisco Eduardo Aires, que embora fosse mais reservado também tinha boa conversa.

Numa dessas libações, Marcos leu um poema que fizera naquele dia, que, entre outros versos de molde existencialista, dizia: “Quisera ter a humildade de um leproso.” Ao ouvi-lo, Barretão, que muitas vezes era bizarro e teatral, caiu por terra; prostrado, em posição que imitava os irmãos maometanos, exclamou com muita ênfase, com seu vozeirão estentórico, como era do seu feitio:
– Grande, caramba! Grande humildade, grande poema! – E beijou o chão, sem nenhuma vergonha ou nojo. Sem dúvida, hiperbólico como sempre e como nunca, Barreto exagerava; o poema não era tão bom assim.

Foi através desses amigos que Marcos obteve detalhes sobre um caso empresarial rumoroso, de que ouvira falar em sua meninice, mas ao qual não dera maior importância na época, como era natural. Pretendia, agora, narrá-lo num de seus projetados livros. José Parentes, vendo o grande interesse que o caso despertou em Marcos, deu ao rapaz uma fotocópia de todo o processo administrativo, que já dormia nos arquivos da Delegacia da Receita Federal há vários anos. Foi a verdadeira batalha empresarial que se travou entre James Cavalcante Taylor e Carlos Teles Bacelar. O primeiro, além da Casa Britânica, com várias filiais no estado, comandava a Indústria Vegecera S/A, e o segundo, a Teles Bacelar Indústria e Comércio.

A rivalidade empresarial que existia entre ambos também os tornou adversários na vida particular e social. Isso se refletiu até mesmo no futebol. James fundou o Industrial Atlético Clube, de cores azul e branca, e Carlos, o Évora Futebol Clube, de farda alvirrubra. Ambas as agremiações tinham seu próprio estádio. James não era atleta, mas apenas incentivador do esporte, ao passo que Carlos Teles Bacelar, além de ser considerado o introdutor do esporte bretão em Évora e de haver trazido a primeira bola a solo eborense, era um grande atacante, e muitas vezes era o artilheiro em disputas locais e estaduais.

Quando a importância da comercialização da cera de carnaúba começou a declinar, em face da Segunda Guerra Mundial e depois em virtude da descoberta de substitutivos desse produto, Carlos começou a diversificar sua indústria, com a fabricação de novos produtos, usando outras matérias primas da região, como o jaborandi e o babaçu, além de ter criado um grande sistema de vendas por atacado, com capilaridade em toda a região.

Além disso, de forma surpreendente, começou a comprar borra de cera de carnaúba, numa época em que tanto a cera parda como a cera flor estavam com seus preços em baixa. As hipóteses sobre essa iniciativa eram as mais diversas possíveis, e não faltou quem achasse que o grande empresário estaria dando um tiro no pé, ou até mesmo na cabeça. Alguns acharam que ele perdera o juízo, ou pelo menos o tino comercial.

Depois de alguns meses, o verdadeiro objetivo de Teles Bacelar foi descoberto. Ele, o irmão Adalberto, que era engenheiro mecânico, e o primo Mauro, formado em Química, em cujo curso tirara as mais altas notas, sendo mesmo considerado um legítimo alquimista da contemporaneidade, descobriram um processo para aproveitar a borra da industrialização da cera de carnaúba, clarificando-a, e dando-lhe quase a mesma qualidade, textura e coloração da cera flor, cujo preço sempre fora mais alto. Aliás, Mauro Machado Bacelar, em fase experimental, inventou um sistema mecânico e químico para transformar a palha da carnaúba, após a retirada do pó, em celulose, num grau de aproveitamento jamais alcançado. Infelizmente, os concorrentes e os adversários políticos dos Teles Bacelar impediram que o governo federal financiasse esse projeto, de forma que ele nunca pôde ser implementado.

Deram-lhe a classificação de cera parda/flor, e entraram com requerimento para exportar várias toneladas desse produto para países da Europa. Logo, através de amigos, James Taylor soube desse processo administrativo e denunciou ao chefe da alfândega local que essa tal cera era uma fraude industrial, e que isso terminava sendo uma verdadeira concorrência desleal e predatória para com as outras indústrias ceríferas. Todavia, diante de laudos laboratoriais, e ante a documentação de que empresários europeus assumiam o compromisso de comprar o produto, sem nenhuma restrição e por um preço superior à da cera parda, o titular da alfândega deferiu o pedido, em despacho muito bem fundamentado.

Contudo, Taylor apelou para congressistas amigos, um deles parente de sua mulher, que se reportaram ao ministro da Fazenda. Quando várias alvarengas e barcaças, carregadas com várias toneladas da dita cera parda/flor já se preparavam para descer o Paraguaçu em demanda do porto marítimo, que ficava a cerca de 30 quilômetros, perto da praia de Amarração, chegou um telegrama do ministro determinando a suspensão do deferimento alfandegário, até ulterior deliberação.

Depois de longa demanda, tanto no âmbito do Poder Judiciário, como no do Ministério da Fazenda, com interferência de políticos de ambos os lados empresariais, Teles Bacelar pôde remeter o seu produto para países da Europa, bem como para algumas indústrias brasileiras. Novos pedidos foram feitos, o que demonstrou a boa qualidade da cera. A Teles Bacelar recebeu muitos elogios pela qualidade de seu produto e pelo maior aproveitamento da matéria-prima. Tudo isso foi intensamente repercutido nos jornais da época, como uma grande conquista e inventividade da indústria eborense.

James Taylor terminou desistindo da fabricação de cera de carnaúba, enquanto a Teles Bacelar Indústria e Comércio ainda resistiu bravamente por algumas décadas, até a sua derrocada final, por motivos diversos, que não vêm ao caso.            

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

JOSÉ RIBAMAR GARCIA: O FICCIONISTA, A LINGUAGEM E UM PASSO ADIANTE

Fonte: Diário do Povo - Google

JOSÉ RIBAMAR GARCIA: O FICCIONISTA, A LINGUAGEM E UM PASSO ADIANTE

Cunha e Silva Filho

É possível um ficcionista, que entrou na casa dos setenta anos, ainda se sustentar ficcionalmente? É, sim, e José Ribamar Garcia não está sozinho na ficção brasileira contemporânea. Não vou citar os autores porque o leitor aficionado de literatura já sabe a quem me refiro.

Pois é. O piauiense Ribamar Garcia põe à venda um novo livro, Leveza, só da brisa (Rio de Janeiro: Litteris Editora, 2016, 127 p, capa de Teresa Akil.) reunindo contos e crônicas, posto que a ficha de catalogação o classifique no gênero de crônicas.

Sem querer entrar em considerações genológicas, é evidente que, a rigor, a obra contém crônicas e contos. São 27 textos de extensão curta, média e até curtíssima, como é o único exemplo “Fora dos eixos” (p.29) escrita em meia página, mas longe de ser uma excrescência se lida com a devida atenção. 

No texto tudo faz sentido: tem personagens, a maioria animais, dois humanos, o primeiro apenas mencionado de passagem, o segundo, um idoso mal completando oitenta anos, tem espaço, tem diálogo e uma história que nos provoca uma boa gargalhada, dado que o tom humorístico-burlesco é bem bolado soltando faíscas de ironias desabridas para um tema hoje quase tabu, diante dos movimentos de defesa da causa gay.

Ainda bem que o ancião, ao comentar o homossexualismo da família, ainda brinca com a sexualidade do cachorro.Tudo no microtexto funciona, diga-se desta forma, às avessas, inclusive o relato minimalista da antropofagia de animais de espécies diferentes. Mas, outros temas ainda se desentranham no texto, o do meio-ambiente, do desmatamento, violência. Tudo, no entanto, relatado de uma perspectiva histriônica.

Ribamar Garcia, autor de 12 obras literárias incluindo esta que ora comento, variadas em sua natureza, é um ficcionista e observador arguto da alma humana, dos relacionamentos sociais e seus inúmeros conflitos, dos dramas e tragédias brasileiros, sobretudo enfocando os extratos médios e baixos da pirâmide social, em obras que o tornaram mais visível aos leitores e a uma parte da crítica literária, como o bem urdido romance Filhos da mãe gentil (Litteris Editora, 2011).

Dos textos inseridos em Leveza, só da brisa, pode-se inferir uma recorrente atmosfera que permeia suas obras, seus contos, suas crônicas, seus romances, que é a denúncia e a crítica social contra as mazelas e os desatinos a que são relegados os humildes em nossa sociedade.

Observe-se, com atenção, que, no título desse volume, a vírgula empregada depois do lexema “leveza.” é determinante no significado geral da obra. Tirasse a vírgula, e a intenção seria outra. Quero dizer, com a vírgula o seu peso semântico desvela a camada mais profunda da ficção do autor: a dureza de viver num país com tantos problemas para serem resolvidos.

Por isso, também, o lado meio solto, meio desorganizado, meio malandro, meio cínico, de uma tipo de sociedade que ainda não se caracterizou devidamente em sua identidade e é o próprio autor que, num dos textos do livro falando de sua formação intelectual, na crônica “Fora do contexto,” declara sem vacilações nem ufanismos hipócritas: [...] “o brasileiro ainda se encontra em formação, sobretudo com relação ao tipo físico e características próprias.” (p.126).

Merecem lugar sobranceiro no volume os contos, além do mencionado “Fora do eixo,” os seguintes “Lero-lero no Galeto” (p.91-.97) e “A confidente” (p.111-113). Estes três contos, pelo que venho há tempos acompanhando as obras lançadas pelo autor e, na maioria, por mim resenhadas ou analisadas, oferecem, do ponto de vista da linguagem literária, um passo à frente que já começara no livro Em preto e branco (Litteris Editora,1995, 1|ª edição e 1ª reimpressão em 2005), romance construído em dois planos narrativos, o da história narrada e o do relato paralelo conduzido pela mesma voz narrativa comentando os acontecimentos políticos da época da ditadura militar. no país.

“Lero-lero” se passa num espaço restrito, um restaurante, onde, um grupo de conhecidos ou amigos, se sentava a uma mesa após um dia de trabalho a fim de espairecer as caseiras profissionais. O que mais chama a atenção da narrativa é o dado polifônico em que se passa esse período de conversas descontraídas, brincalhonas, fofoqueiras, malandras, farsescas num clima de camaradagem, cuja tônica era falar de si e dos outros em meio a pedidos de cervejas e petiscos diversos.

O que faz do conto “Lero-lero,” acima-citado, uma pequena obra-prima é o emprego do recurso do dialogismo ou polifonia, recurso, de resto, que já encontramos em Machado de Assis (1839-1908), no romance Quincas Borba (1891). Esse recurso é claramente percebido pelo burburinho de vozes dos clientes que compunham o grupo em mesa de bar, segundo já referi, com seus intervalados ou simultâneos pedidos ao garçom. A narrativa tem um ritmo frenético, reproduzindo as conversas entre os amigos nas quais não faltavam alguns palavrões para apimentar ainda mais o ambiente carnavalizado do restaurante. A narrativa se desenvolve com longas falas de personagens iniciadas por travessão.Creio que seja uma estratégia nova nas narrativas de Ribamar Garcia.

O todo da narrativa se torna, assim, compacto, uma bem elaborada reprodução artística de como se faz habilidoso o autor para dar vozes na babel de tantas falas e contrafalas.. Por sinal, no conto há uma referência sintomática a essa multiplicidade de vozes proferidas simultaneamente, sinalizada pelo sintagma “confusão-polifônica” (p. 91.) O conto faz parte das inúmeras narrativas de Ribamar Garcia na quais as histórias acontecem no Rio de Janeiro, enquanto outras ocorrem em Teresina, no Piauí, tanto nas áreas urbanas quanto na periferia dessas cidades.

No conto “A confidente,” temos uma história estruturada em duas camadas narrativas: uma se desenvolve num diálogo com travessões em que um homem e uma mulher, sem serem nomeados, conversam sobre um possível início de namoro. Ela terminara um noivado. Ele, que alega ter uma namorada, lhe reforça que a deixou. Todavia, ela só lhe daria alguma chance de relacionamento amoroso quando ele desse por concluído o namoro.

Na segunda camada narrativa, duas amigas, uma delas aquela que inicia a narrativa falando com o possível namorado, faz suas confidências a uma amiga, que também não vem nomeada, sobre o comportamento do rapaz interessado nela.Faz um resumo do que se passa na vida dele, da ida a um motel. Informa que ele vive com mãe em Jacarepaguá, (subúrbio da Zona Oeste do Rio de Janeiro), e que tem uma filha da relação com a ex-namorada. Enfim, ela está encantada com as qualidades do futuro namorado, rapaz simples, gentil, bom de cama, ou seja, tudo aquilo que era o reverso do ex-noivo.

A história se desenrola, assim, alternando diálogos dos dois presumíveis jovens que se preparam para um namoro e o relato da futura namorada reportado com detalhes para a amiga.O único nome revelado, Daniel, é o do ex-noivo da futura namorada.

Tal recurso lembra o chamado corte de cenas de um filme moderno ou de alguns ficcionistas contemporâneos. A narrativa é simples, mas possui essas duas formas de relato. Os vazios de enunciação e enunciado que aí ocorrem ficam para serem preenchidos pela imaginação do leitor, tal são paradigmas os contos”Sovina, brochante e...”(p.67-70) e, de alguma forma, o escatológico conto “A potiguar porreta”(p.71-74).

Nos demais contos do volume, há um caleidoscópio de temas implicados. O amor poetizado no conto “A leveza da brisa”(p.11-13), o primeiro do livro, narrativa em que o amor passageiro e delicado compete com o amor à magia e beleza do rio, que, pelas indicações de pontos da cidade, seria o Parnaíba e a cidade de Teresina, possivelmente no início dos anos sessenta do século passado, a se ver pela alusão ao filme “Suave é a noite.” Neste conto, não existem nomeações de personagens. Continuam os gaps enuciativos a serem completados pelo leitor.

No segundo conto, “O batismo” (p.15-16), um pastor leva alguns fiéis até ao Rio Poti, um dos dois rios que banham Teresina, a realizarem uma batismo nas águas do famoso rio.Entretanto, ao desincumbir-se de seu ofício à moda do profeta João Batista, surge um “cachaceiro” diante do pastor que, por sua vez, o chama para o ato do batismo. É aí que, no desfecho, a história, se torna hilariante.
Ao mergulhar a cabeça do cachaceiro, o pastor lhe perguntou se ele tinha visto Jesus. O bêbado lhe responde que não. O ato de mergulhar o cachaceiro se repetiu outras vezes cada vez mais demorando no mergulho. Foi, então, que o pastor lhe perguntou se vira Jesus. Ao que o vagabundo lhe retrucou, já não suportando o aumento do tempo do mergulho: “O senhor tem certeza que ele afundou aqui?”(p.16).

Ribamar Garcia é um ficcionista cuja temática tem como recorrentes algumas questões polêmicas do cotidiano contemporâneo, além daquelas do domínio sentimental: ou de natureza psicológica. o amor, a amizade, a traição, o erotismo, o burlesco, a frustração amorosa, entre outras.

A par disso, tematiza a vigarice, conto “O prêmio”. (p.27); o papel do colecionador, conto “Relíquia”(p.32); com final imprevisível e humor negro; violência urbana, conto “No morro da praia brava”(p.41-44). Neste conto, o autor me parece que, pela primeira vez em sua ficção, atualiza mais um recurso narrativo à maneira de outros ficcionistas de hoje, mediante a inserção, sem travessão ou aspas da fala de personagens. Igual recurso reaparece em outros contos do livro.

Dando sequência ao temas, vemos o preconceito social, conto.”Na toada do antes”.” (p.49-51), um dos bons textos do livro; a carnavalização de um personagem, conto “O coronel”(p. 53-56), talvez um dentre os melhores contos da obra, lembrando algo da ficção de Fernando Sabino (1923-2004) pelo lado do humor; tráfico, sexo, violência e tragédia, conto “Que nem galo.”(p.57-61); violência no trânsito, conto “O diabo louro”. (p.63-65); crítica à precariedade do serviço público, conto “O doutor”. (p.75-78); uma visão microscópica da corrupção nas empresas, conto “Dona Sônia e a clínica”.(p.85-90); a “flânerie” na urbe carioca, e bem assim a corrupção policial de mãos dadas com a violência independente da hierarquia militar ou civil, conto “Viessem os abutres” (p.99-105), notável narrativa pela dimensão cultural-literária focando um dia de um personagem-narrador, um jornalista, situando-o nas suas peripécias desde a hora em que acorda “com humor revirado;”

Por último, cabe uma referência a uma bem composta crônica “De Madeiro à Boca do Forno.” (p.119-122) que combina uma crítica à politicagem populista e um recorte memorialístico, numa experiência de viagens pelo interior piauiense repassada de saudade e de lembranças tristes, como a daquela menina de treze anos, prima do autor, que quase foi vítima de uma tragédia em decorrência de uma descarga de um fio elétrico que caíra de um poste e no qual a menina tropeçou ao passar com um bebê no colo.

Ribamar Garcia, com mais esta nova obra entregue ao público e aos leitores de suas obras, sai fortalecido como escritor de ficção, sobretudo porque soube, ao longo dos anos, seguir uma receita que, a meu ver, pode ser posta em prática por todos os autores que escrevem com responsabilidade: a de que somente pode produzir bem e melhor aquele que domina a técnica da arte narrativa.

Tem vasta experiência dos homens e da vida, da história do seu povo e do gosto pelo que faz criando, pelo talento, personagens, situações dramáticas ou não, vidas humanas que nos levam à emoção do prazer estético, ao choro, ao riso, à indignação e a refletir profundamente sobre os mais diversos problemas enfrentados pelo espírito dos homens na Terra, notadamente na diversificada sociedade brasileira.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Fonte: Google

PREGAÇÃO AOS CACHORROS

Pádua Santos *

"Cada um pede conforme espera, e cada um espera conforme crê."

Padre Antônio Vieira

Santo Antônio, um dos santos mais populares do cristianismo, venerado tanto no Oriente quanto no Ocidente, considerado o Doutor da Igreja ou o santo de todo o mundo, nasceu em Lisboa no ano de 1195 e foi batizado com o nome de Fernando.

Foi homem honrado e bem-aventurado, visto como um milagre contínuo e um dos maiores pregadores de todos os tempos. Teve outros nomes, tais como António de Lisboa e Antônio de Pádua. Como este último foi aquele que originou o meu, venho agora, não na qualidade de pregador erudito e santo como foi ele, e sim de admoestador menor e pecador, mas honrando tal patronímico, também fazer minha pregação.

Faço-a pautado na humildade para que, em nenhum momento, ouse querer imitar a gloriosa e divina inspiração daquele que, segundo seus biógrafos, tinha um exterior polido, gestos elegantes e aspecto atraente - cognominado “Martelo dos Hereges”. Mas assim como ele, que um dia pregou aos peixes, pretendo pregar também aos irracionais, aos cachorros – os cachorros da Academia Parnaibana de Letras. 

Em primeiro lugar, para que não pairem dúvidas à minha pregação, e não sirva de má interpretação por parte dos energúmenos, é de bom alvitre iniciar dizendo quem são tais cachorros.

São os abandonados, excluídos e sarnentos cães de rua que são atualmente abrigados no quintal da nossa academia, a APAL, porque merecem, assim como os bem tratados das casas dos ricos, o amparo dos homens de bem.

Foram para ali tangidospor uma integrante da Associação Parnaibana de Proteção aos Animais, entidade ligada à ONG 7 Vidas, e ali permanecem no aguardo de donatários que tenham a boa vontade de lhes oferecer uma residência onde possam encontrar alimentação para o corpo e também a amizade que é a alimentação para a alma. E eles têm alma? O filósofo e matemático Pitágoras afirma que sim:“os animais dividem conosco o privilégio de terem uma alma”.

O Padre Antônio Vieira, um dos homens mais influentes do século XVII no campo da política e da oratória,ao pregar na cidade de São Luís do Maranhão, no ano de 1654, lembrou que Santo Antônio resolveu pregar aos peixes porque os homens não queriam lhe ouvir. Eu também, através desta crônica justificadora, prego aos cachorros para que os homens me ouçam:

- Ouçam-me, oh vagabundos vira-latas, e protestem contra os ladrões: os desalmados, aqueles que não obstante vossa frágil vigilância, já arrombaram portas e janelas de nosso silogeu e dali subtraíram uma mesa e algumas estantes de ferro. Não levaram os livros porque felizmente (ou infelizmente) ladrão não gosta de livro;

- Ouçam-me, oh vadios “cabíris” das ruas de Parnaíba! E com os seus latidos cansados, digam aos políticos parnaibanos que nossa Academia de Letras necessita de ajuda para que possa, pelo menos, pagar um vigia para tentar estancar a dilapidação de seu patrimônio!...

- Saibam vocês, oh famélicos ladrejantes, que o mesmo Vieira, no famoso sermão acima aludido, lembrou que quando Cristo falou aos pregadores foi para lhes dizer: “Vós sois o sal da terra” (Mateus: 5, 13). Isto porque o efeito do sal é impedir a corrupção. Embora se saiba que muitas vezes o sal não salga... Mas quanto a nossa academia, digam isso a quem de direito: não concorda com a corrupção. Quando ela tenta, em vão, se conveniar com o poder público, pretende tão somente meios necessários para contribuir com a cidade, preservando sua biblioteca, que pode oferecer leitura gratuita aos parnaibanos; divulgar a cultura e realizar concursos literários que com certeza ajudarão os concorrentes, principalmente os mais jovens, a se afastarem da ignorância.

- Ouçam-me, oh cansados farejadores dos becos de nossa urbe; ouçam-me e transmitam, mesmo com os seus latidos já desgastados pelo tempo e pela doença, aos ladrões e também aos homens que detêm o poder. Digam que são vocês, doravante, os intermediários dos acadêmicos, que não merecem ser roubados e que há mais de um lustro lutam por um convênio que não sai nunca. E digam, finalmente, através dos seus sonoros latidos do abandono, que somente me resta, como Presidente da Academia Parnaibana de Letras, pregar para vocês como fez Santo Antônio de Pádua aos peixes, porque os homens, lamentavelmente, não querem me ouvir... 

*Pádua Santos é o atual Presidente da Academia Parnaibana de Letras. Exerce tal função há vários mandatos. Atualmente vem torcendo para que se manifeste algum colega acadêmico, com prestígio no meio político, afim de que, assumindo tão honrosa função, torne-se possível a efetivação de um convênio com a Prefeitura Municipal de Parnaíba, convênio este perfeitamente viável, prometido aos acadêmicos pelo senhor Prefeito, já totalmente formalizado e com todas as despesas documentais pagas.

domingo, 25 de dezembro de 2016

Um cinema só pra mim

Fonte: Google

Um cinema só pra mim

Elmar Carvalho

Gosto de todas as manifestações culturais e artísticas. Mas, sobretudo, como criador cultivo a literária, em diferentes gêneros, como meus poucos leitores sabem. Agora, tento concluir meu romance Histórias de Évora, cujos capítulos, que vou escrevendo semanalmente, publico em meu blog e em outros sítios internéticos. Acredito que será filho único. Como consumidor, aprecio, de forma preferencial, literatura, música e cinema.

Ontem resolvi assistir, no Teresina Shopping, ao filme Ninguém deseja a noite, classificado como drama. Temendo trânsito intenso e estacionamento lotado saí cedo. Quando me dirigi ao caixa, vi na tela do computador que todas as cadeiras (todas marcadas em verde), estavam disponíveis. Escolhi a cadeira 13, meu autoproclamado número da sorte, da última fila, ou seja, a poltrona assinalada como M13.

Dei uma volta pelo shopping, para fazer um lanche e comprar algumas coisas. Um pouco antes da hora marcada entrei na sala de exibição. Não havia ninguém. Esperei chegasse alguém de pontualidade britânica ou de relógio suíço, mas fiquei frustrado. Tive como certo que algum retardatário ainda chegaria, quando as luzes se apagassem e o filme já estivesse bem iniciado. Mas isso também não ocorreu.

De sorte que fiquei com uma sala comercial de exibição cinematográfica exclusivamente para mim. Tive o privilégio – se é que isso pode ser nomeado como privilégio – que poucos homens do Poder Político ou do poder do dinheiro tiveram. Sozinho, vendo projetada na tela a imensa solidão nevada do Polo Norte, aquele imenso e frígido deserto de gelo, curti a minha própria solidão, que não era triste e nem ao menos melancólica. E não pude deixar de lembrar estes versos, de minha própria autoria: “Judeu errante / e sem remissão / – por sobre desertos de areia e de gelo – / fugindo sempre / de si mesmo.”


Com esta marcante diferença: eu não fugia de ninguém, muito menos de mim mesmo. E a solidão da imensa sala de poltronas vazias não me foi desconfortável. Antes pelo contrário. 

Seleta Piauiense - Menezes Y Morais

Fonte: Google

outra canção da lua

Menezes y Morais (1951)

-
quantas luas
ainda verei?

espero tantas
quantas são
as fases tuas

na plenitude
das luas
que sempre amei

quantas luas
teremos de luz

ainda que os olhos
mergulhem nas trevas

nas terras
em que nunca andei
?

sábado, 24 de dezembro de 2016

Pequena história do Natal


Pequena história do Natal

José Pedro Araújo
Romancista, historiador e cronista

O Natal é verdadeiramente uma festa cristã – e essa deve ser a sua verdadeira essência -, mas não é menos verdade que é também a festa do comércio, período em que os empresários vendem como em nenhuma outra época, momento para troca de presentes e de grande felicidade. Atestam os historiadores que o dia 25 de dezembro foi escolhido pelo Papa Júlio I, aí por volta do Século IV, para comemorar o nascimento de Jesus Cristo, transformando uma festa que nasceu pagã em um ato religioso. Inicialmente realizada para coincidir com a Saturnália dos romanos e com as festas germânicas e célticas do Solstício do Inverno, viu a igreja uma oportunidade de ouro para comemorar e divulgar o nascimento do Filho de Deus. E a figura do Papai Noel recaiu sobre uma personagem que, dizem, de fato existiu: o Bispo São Nicolau, nascido na Grécia no século III.


Transitando um pouco pela história, vamos encontrar que a fama de bom velhinho do bispo foi ganha quando ele ficou sabendo que certo cidadão da sua cidade, que possuía três filhas, por não ter condições de pagar o dote do casamento delas, resolveu vendê-las à medida que iam atingindo a idade própria para o casamento. Constrangido e penalizado com aquela situação, o tal velhinho foi ter naquela casa, incógnito, e arremessou pela janela uma pequena bolsa de couro cheia de moedas de ouro que caiu justamente sobre uma meia que havia sido posta para secar na lareira. Procedeu da mesma forma com a segunda filha. E o pai das moças, profundamente agradecido por aquele gesto humanitário, ficou na espreita para descobrir quem era o benfeitor que havia impedido que ele praticasse aquele ato que tanto lhe feria o coração. Descoberto a figura de São Nicolau, saiu ele a divulgar o nome desse generoso bom velhinho. Assim, por esse tempo, a imagem que se tinha era a de um velhinho vestido de bispo e não com as vestes em vermelho brilhante como hoje o conhecemos. 


Foram os holandeses, no século XVII, que levaram para os Estados Unidos a tradição de distribuir presentes para as crianças usando a lenda de São Nicolau (Sinter Klaas). Apropriando-se da deixa, dois escritores americanos se encarregaram de impulsionar a fama do bom velhinho, por eles chamado de Santa Claus. O primeiro, Washington Irving, em 1809, escreveu um livro em que enaltecia as qualidades de Papai Noel, um velhinho bonachão, que montava em um cavalo branco voador e arremessava presentes pelas chaminés. O segundo escritor - poeta e professor -, Clement Moore, em 1823, além de enaltecer ainda mais a aura mágica descrita e popularizada por Irving, trocou o cavalo de Papai Noel por um trenó puxado por renas voadoras. 


Mas a figura de Papai Noel, só foi de fato definida quando o desenhista, também americano, Thomas Nest, fez a primeira ilustração do bondoso velhinho descendo pela chaminé, mas ainda do tamanho de um duende, tal qual vinha sendo divulgado desde muito tempo. Somente anos mais tarde, a imagem foi mudando, crescendo, e ficando mais barriguda, com cabelo, barba e bigodes longos e brancos, e a aparecer no polo norte. Mas, o Papai Noel como nós conhecemos hoje, foi inspirado pelo artista Habdon Sundblon, que se inspirou em um velho vendedor aposentado para realizar uma campanha para a Coca-Cola em 1931. 


Em terras do Curador, o nosso Natal começou a ser comemorado de maneira simples e sem muita pompa. À falta de nozes e castanhas, do Panetone e do Peru de natal, as famílias se serviam de iguarias simples baseadas em produtos da terra, como o porco e a galinha caipira. Sem a iluminação feérica das grandes metrópoles, por nos faltar lâmpadas, e também energia elétrica, tínhamos que nos contentar com a luz dos candeeiros e, mais tarde, com a do potente Petromax. Assim, como realizar uma autentica ceia de natal? Com criatividade, alegria e muita devoção ao nascimento de Cristo Jesus, eu mesmo respondo.


Lembro-me, que quando criança, ficava maravilhado com os cartões de natal enviados para a minha família por alguns missionários americanos e canadenses. Mostravam paisagens belíssimas, com a neve cobrindo as casas e os vastos pinheirais, e com Papai Noel voando em seu trenó puxado por renas, cheio de presentes embrulhados em papel brilhante, amarrados por belíssimos e multicoloridos laços de fita. Os cartões vinham com mensagens impressas em inglês, em palavras para mim desconhecidas: Merry Christmas, Santa Claus, Christmas Tree, Jingle Bell, Candle, Candy Cane, Christmas Pudding, Stocking, Gift, Presents, Sleigh, Star, Light e Happy Holydays – tudo escrito com letras em vermelho e verde brilhante.


Na minha casa não tínhamos o hábito de realizar a ceia à meia noite. Seguíamos todos para a Igreja Cristã para participar de um culto especial, com a apresentação de um auto de natal, que muito nos emocionava. A árvore de natal, ao invés de um pinheiro, planta inexistente em nossas florestas, era substituída por um frondoso galho de pitombeira cheio de cachos com o fruto maduro (o enorme galho só era trazido no dia da festa, para manter as suas folhas vivas e brilhantes). O galho trazido era decorado com luzes e enfeites natalinos. Era uma festa belíssima, bem ensaiada e que, com o tempo, virou atração para a cidade inteira, ocasião em que a comunidade enchia o templo para assistir à linda apresentação que os membros da Igreja Cristã Evangélica de Presidente Dutra dedicavam anualmente aos seus concidadãos na noite de Natal. 


O Natal continua a ser, sim, uma festa cristã, onde as famílias se reúnem para louvar e festejar o nascimento de Jesus Cristo, o Filho de Deus. É também um período para reflexões e de redirecionamento das nossas vidas, substituindo tudo de ruim e mal feito que fizemos no ano que passou, por coisas novas e voltadas para o bem. Tempo para louvar Àquele que deu a Sua Própria vida para salvar os pecadores e redirecionar o nosso futuro. Tempo, enfim, de Paz, Amor e Alegria no seio das famílias.


Feliz Natal a todos e Um Ano Novo Venturoso e Cheio de Grandes Realizações e Muita Paz no Coração!!!!!!!   

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

HOMENAGEM À VIDA

Fonte: Google

HOMENAGEM À VIDA

Antônio Francisco das Chagas Sousa
Escritor, cronista e articulista

O ano está terminando,
Recesso para todo lado pipocando;
o décimo-terceiro, recebido ou não,
se não acabou, está se acabando.

Alguns amigos nos deixaram,
senão por convite do Soberano Divino,
ou porque não nos aguentaram,
ou porque preferiram buscar outro destino.

Dos “mal-agradecidos” que nos abandonaram
nem vamos citar nomes, que é para ninguém chorar.
O que importa é que estejam muito bem
onde o Pai os resolveu colocar.

A vida é assim mesmo, ainda bem,
enquanto uns poucos se afastam da gente,
tantos outros, ou mais que aqueles, vêm.
E vamos que vamos, bola para frente.

Que nossa estada por aqui continue sendo evento importante,
desestressante, disciplinado, entretecedor, festivo e cordial;
com jovens, e não tão jovens, mandando ver;
se alguém reclamar, sem problema, não faz mal.

Tomara, no ano que se avizinha,
a única – por inestancável ser - coisa a mudar
seja a idade, admitida ou não, de certos amigos;
que coragem, alegria e saúde, só tendam a melhorar.
           
Firmemos um compromisso, sob o clima do Natal
do Filho de Deus e nosso Irmão:
que tal nos comprometermos com o aniversariante
a tentarmos dar à nossa vida nova direção?

Buscando fazer o bem que não fizemos
nos meses do ano que se esvai;
procurando corrigir os erros que cometemos,
O Filho vai ficar feliz e, certamente, também o Pai.

Olhemos para os lados que não olhamos
em alguns momentos de dois mil e dezesseis.
Deve haver alguém de nós precisando;
vai ver até poderemos amenizar sua dor, de vez.

Quem sabe apenas um sorriso franco,
um afeto, um abraço, um piedoso e humilde olhar,
não seja do que muitos irmãos estão carentes?
Que esse tipo de bem nos pode custar?

Para finalizar, meus preclaros companheiros,
Gostaria, tão somente de pedir ao Cristo Jesus,
que nos fizesse melhores ainda, daqui para frente;
que nos conduzisse sempre com Sua luz.

Para cada um de vocês quero desejar, sinceramente,
que seu Natal possa ser o melhor sonho que já sonhou,
E que dois mil e dezessete seja pleno de realizações.
Louvado e Bendito Deus, Nosso Salvador!

(FELIZ NATAL E ÓTIMO ANO NOVO PARA TODOS! THE DEZ/2016)         

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

HISTÓRIAS DE ÉVORA - Capítulo XXXIV


HISTÓRIAS DE ÉVORA

Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.

Capítulo XXXIV

O segredo de Matilde

Elmar Carvalho

Desde garoto conhecia de vista a senhora Matilde, filha do rico comerciante e fazendeiro Vespasiano Rocha. Era uma matrona imponente, alva, de cabelos encaracolados, ainda bonita no alvorecer de sua velhice. Tinha certo orgulho do passado de riqueza de seus ancestrais, contudo sabia ser simpática, e cumprimentava as pessoas sem demonstrar empáfia. Fiquei sabendo que fora casada durante apenas três meses. Nunca alguém teria coragem de conversar com ela sobre tão íntimo assunto, mesmo porque ela jamais permitiria esse tipo de intimidade.

Quando resolvi escrever minhas Histórias de Évora, colhi informações com algumas pessoas idosas, sobretudo com meu amigo Francisco Cardoso, que considero o mais importante arquivo vivo de Évora. Nessa altura ele já havia escrito dois livros sobre nossa cidade, mas, por ter sido amigo de Matilde, de seu pai e de dois de seus irmãos, resolveu não escrever sobre o que sabia a respeito de seu marido e de seu casamento, de tão efêmera duração. Juntando o que ele me contou e o que me disseram outras pessoas, passarei a fazer breve relato sobre esse rumoroso episódio, nunca bem esclarecido, sobre o qual pairam dúvidas e especulações fantasiosas, contraditórias e desencontradas.

No começo dos anos sessenta, Renato Portela montou escritório de representação comercial em Évora. Era natural de São Paulo, e conseguiu se tornar representante de várias firmas paulistas. Foi bem sucedido em seu empreendimento. Logo fez amizade com os principais comerciantes eborenses, entre os quais Vespasiano, cuja casa frequentava esporadicamente, quando convidado. Também recebeu convite para integrar o Rotary Clube, passando a ser um de seus mais assíduos frequentadores. Tinha ele em torno de 25 anos. Comentava-se que era sócio de seu pai, próspero empresário na Pauliceia.

Consta que logo nas primeiras visitas que fez à casa de Vespasiano, tomou-se de amores e encantamento por Matilde, que na época tinha 15 anos de idade. Brincava ainda de boneca, às escondidas. Aliás, com os seus olhos castanhos e cabelos louros ondulados, parecia uma boneca a brincar com outras bonecas. Não tardou Renato a confidenciar ao pai que gostaria de se casar com Matilde. Nessa época os casamentos ainda eram influenciados pelos pais. O velho foi franco:
– Olhe, por mim não teria problema. Até teria gosto nesse casamento. Mas olhe que a menina é muito novinha e ainda brinca de boneca, como você já deve ter visto.
– Não tem problema. Sou paciente, e espero o tempo necessário.

Ante essa resposta, Vespasiano disse que levaria o caso a sua mulher, para tentarem obter o assentimento da filha. Dias depois, comunicou a Renato que sua mulher concordara, e que iria envidar esforços para conseguir a concordância da filha, que sequer pensava em namoro, quanto mais em se casar. Seja como for, no ano seguinte, quando a garota completou 16 anos, soube-se que ela, embora com certa relutância, aceitara o namoro, que apenas consistia em o representante visitá-la, sentar-se na cadeira a seu lado, e quanto muito enlaçar suas mãos.

É bem de se ver que isso deveria ser um estorvo para uma adolescente, que às ocultas ainda brincava de boneca e casinha. Quanto a Renato, estava cada dia mais encantado e fremente de paixão. Por isso mesmo, tratou de apressar o casório, que se realizou quatro meses após a jovem completar as 16 primaveras. Foi uma festa estupenda, como tão cedo não se viu outra igual na cidade.

Uma orquestra da capital foi contratada, e executou durante a noite toda as mais belas melodias em voga. As bebidas eram dos mais diversos tipos, muitas importadas. As iguarias foram elogiadas por todos. Fogos de artifício iluminaram e embelezaram a noite eborense. Na cerimônia religiosa, não havia outra comparação, Matilde, em seu lindo vestido branco de noiva, ostentando véu e grinalda, parecia uma boneca. Aliás, o imenso bolo confeitado, em forma de castelo, tinha dois bonecos na ponte levadiça: o noivo e a noiva.     

Por razões desconhecidas, Renato passou a viajar com certa frequência para a capital do estado, e foi a São Paulo em duas ocasiões, no curto intervalo de três meses. Quando retornava trazia umas caixas com as mais lindas bonecas, que dava para Matilde. Não tinha mais a alegria de antes. A moça também já não saía à rua. Portanto, ambos pareciam bem infelizes com o matrimônio. Três meses após a festa nupcial, Renato anunciou que iria a São Paulo, para fazer algumas compras e alguns contatos do interesse de seu escritório de representação. Foi e não mais retornou a Évora.

As especulações dos fofoqueiros eram desencontradas e até mesmo cheias de contradições. Uns defendiam a hipótese de que Matilde, ainda ameninada na época e muito apegada às suas bonecas, não aceitava as investidas sexuais do marido. Outros levantavam a tese de que o problema era dele; ao ver a esposa como uma boneca, por causa de sua aparência física e modos, com sua feição de menina, e ainda a brincar com bonecas, passou a achar que seria um verdadeiro sacrilégio desvirginá-la. Entretanto, alguns achavam que eles chegaram a ter conjunção carnal, ainda que insípida ou insatisfatória, mas de que não resultara gravidez.

Houve mesmo quem levantasse a suspeita de que a garota não era mais virgem, e que fora isso que fizera o marido tomar a decisão de ir embora, abandonando a firma, que depois foi vendida por prepostos de seu pai. Surgiu ainda a incrível hipótese de que a jovem tinha o hímen demasiado resistente, impedindo uma satisfatória penetração. E isso provocara o desgosto de Renato, que se sentia frustrado, conquanto um simples bisturi pudesse ter resolvido o problema. O certo é que, o que quer que tenha acontecido, o caso ficou em família e permanece até hoje como um segredo indevassável.

Mesmo quando o casamento foi desfeito, através de divórcio consensual, muitos anos depois, nunca Matilde voltou a namorar, muito menos contrair novas núpcias, embora finos e ricos pretendentes não lhe tenham faltado. Persiste a dúvida sobre a sua virgindade. Esse ponto nunca, jamais, foi esclarecido. Nem será.”       

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

MISERICÓRDIA, ONU, PARA ALEPPO!


MISERICÓRDIA, ONU, PARA ALEPPO!

Cunha e Silva Filho

Dirigindo-me da cozinha para a sala do meu apartamento ainda nesta manhã, olho para a tela da televisão e vejo e ouço a voz da repórter relatando o que se passa atualmente na Síria e, em particular, na cidade deste país, Aleppo, que já foi o maior centro financeiro sírio, sendo, se não me engano, a segunda maior cidade do país.

A vista aérea da cidade - vou usar um sintagma de que gosto para metaforizar essas tragédias inomináveis perpetradas pelo criminosos no poder deste que ainda podemos dizer início do século XXI: uma cenário guerniquiano.

Só a Arte é capaz de elevar nossos espíritos e desprender dele um mínimo que seja de solidariedade pela situação catastrófica que vive Aleppo. Não foi nenhum act of God que tornou a cidade uma ruína. Não estamos falando das atrocidades da Segunda Guerra Mundial provocadas pelo nazifascismo, só para enfatizar a agonia apocalíptica em que há quase seis anos tem experimentado as vítimas da ditadura de Bashar Al-Assad.

A terra devastada em territórios sírios há muito ultrapassou todos os limites suportáveis de uma Nação bombardeada sem dó nem piedade e, o que é pior, sem que o Conselho de Segurança da ONU tenha reagido duramente contra a manutenção de um genocida, um tirano dos mais cruéis que esse novo milênio tem para infernizar inocentes e desprotegidos, de vez que onde há os ataques covardes e hediondos quem mais padece são as crianças.

Basta isso para que o mundo, por mais “impessoal “ (uso um adjetivo do físico Marcelo Gleiser no sentido em que o tomou para criticar o que denomina "tribalismo radical". Ver artigo desse autor publicado na Folha de São Paulo, Caderno Ilustríssima, p.6, 11/12/2016) em que tenha se transformado como ser racional, por mais insensível que tenha sido a metamorfose individualista de nossas mentes para com o outro, se não nos unirmos com urgência e, através dos organismos competentes para assegurar os direitos à vida e dar freio à carnificina de natureza inegavelmente genocida, para expulsar do poder o ditador sírio, agora mais fortalecido com o apoio maciço da Rússia de Putin, das forças do Irã e de outros grupos que têm dado criminosamente apoio bélico ao tirano. 

Seria a maior insensatez se o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, cumprisse uma certa promessa de se aproximar de Putin a fim de combater o terrorismo islâmico e outros grupos terroristas. Se Donald Trump embarcar nessa furada, as consequências para a geopolítica mundial serão terríveis.

Não existe razão plausível para que Trump se alie a Putin. Primeiro, porque estaria sendo contraditória e estapafúrdia qualquer aliança com Putin, líder com pretensões imperiais ligado a países comunistas.

Segundo porque, sabendo que o atual governo de Obama, com certa prudência, agiu sempre no sentido de opor-se à posição de Putin como apoiador da tirania, não seria compatível que um país com longa prática democrática, conquanto tenha cometido muitos e graves erros na sua política externa, como foram exemplos a invasão desnecessária no Iraque e a manutenção do bloqueio econômico a Cuba.

Para questões essencialmente políticas, é um outro contrassenso um presidente altamente capitalista e neoliberal como Trump demonstrar simpatia pelo sistema político meio híbrido representado por Putin.

O mais seguro seria que Trump, no caso de suas relações com Putin,se limitasse ao setor econômico, porém nunca político, dado que bem sabe os EUA que o ditador Assad tem cometido atrocidades por se opor aos chamados rebeldes combatentes da autocracia síria.

Ora, os rebeldes (remanescentes, de alguma forma, da “Primavera Árabe”), não são terroristas nem estão tampouco conluiados com o Estado Islâmico. A luta, já longa dos rebeldes sírios, com um saldo de milhares de mortes, é para derrubar a tirania de Assad, livrar a Síria da opressão e do genocídio. Essa é função que foi assumida pelos rebeldes, Recorde-se que foi a tirania síria que provocou também a onda de refugiados para a Europa e países de outros continentes (inclusive o Brasil) que não suportaram viver numa país assolado pela guerra civil e pelo desmoronamento de sua infra-estrutura.

Há tempos venho escrevendo artigos contundentes contra a guerra civil síria e há tempos nada de concreto tem sido realizado para dar fim à carnificina para vergonha de todos os povos civilizados que abominam a tirania, as ditaduras, a covardia e o genocídio.Assad tem que pagar pelos seus crimes contra a Humanidade. Misericórdia, ONU, para Aleppo!