domingo, 29 de abril de 2018

Seleta Piauiense - Newton de Freitas

Fonte: Google


O CAMINHO

Newton de Freitas (1920 – 1940)

Vinde a mim todos vós que sois humanos.
Vinde. Eu vos ensinarei o catecismo da fraternidade.
Vinde, ó meus irmãos! Meus braços ficarão do tamanho
do mundo para um amplexo cordial. Eu vos abraçarei em espírito.
Agora olhai para o Grande Caminho.
Não vedes uma estrela a iluminar a estrada?
Eu irei na frente para mostrar-vos o melhor.
Ela nos guiará como guiou os Magos outrora.
Vinde. No Grande Caminho todos serão iguais:
ricos, pobres, fortes, fracos.
Todas as cabeças estarão na mesma altura.
Nenhum homem falará para o outro com os olhos no chão.
Outrora houve um reformador sábio e santo.
Ele veio. Pregou a igualdade e a fraternidade.
Os ignorantes a serviço dos déspotas não o compreenderam.
Os ignorantes o crucificaram. Mas não crucificaram o ideal.
Cristo! Senhor! Volta! As massas esperam pelo teu regresso.
Vem e repete a tua doutrina aos transviados do Grande Caminho.
Sicários de poderosos querem apagar a tua lei.
Volta antes que as massas desesperem.
Antes que os oprimidos tirem teu nome de dentro da alma.
Abandonados, decepcionados.
Nós não te desejamos em corpo.
Os déspotas crucificariam teu corpo novamente.
Vem em espírito. Que a força da tua presença derrube a tirania.
Queremos é o teu Poder. E a multidão se levantará invencível,
a multidão que não deixou de ter fé.
A multidão quer o teu reino aqui mesmo,
quer ouvir ao menos o ecoar da tua Palavra...   

Fonte: Kenard Kaverna

sábado, 28 de abril de 2018

UM FÓRUM PARA DEBATES NO CAMPO DA LITERATURA



UM FÓRUM PARA DEBATES NO CAMPO DA LITERATURA

Cunha e Silva Filho

     A Internet veio para ficar, assim como  outras invenções  e descobertas  ao longo da história da humanidade e, se levarmos  o seu alcance a outros setores culturais,  verificaremos o quanto de útil tem feito, por exemplo, no universo da literatura  e das artes em geral.   Usuário e observador  atento  do que se posta nessa rede social, também vejo  com imensa alegria  algo que  não  seria possível em outras mídias: alguém poder expressar o seu  pensamento,   divulgar  suas ideias sobre fatos  diversos e contribuir  para o  aumento  de informações e do conhecimento.

     Fiquemos  apenas no campo da literatura.  Pensemos em qual foi a maior  vantagem que nos trouxe  o Facebook. Foi a possibilidade de uma pessoa que gosta de escrever poder  postar seus poemas,  suas crônicas,  seus contos,  seus comentários, sua crítica,  suas teorias,  enfim,  fazer isso tudo sem o beneplácito de um    conselho  consultivo que vai avaliar se o seu texto  é bom ou  ruim. Ora, isso é uma conquista  da individualidade e um forma de alguém  realizar-se à sua maneira   num dado  empreendimento  cultural e criativo.

   Foi essa oportunidade que  o Facebook  ocasionou aos seus usuários. Para mim,   esse dado  positivo só trará  progresso  e aperfeiçoamento  ao indivíduo dedicado  ao cultivo da literatura em todas as suas formas.Com essa oportunidade única  o Facebook  realiza  sonhos, torna mais  visível os menos conhecidos (o que não quer dizer  os menos dotados  intelectualmente).

    A minha própria experiência como  usuário do Face me trouxe mais  contentamento do que   aborrecimentos e eu os tive algumas vezes assim como  posso  novamente  ser “agraciado”  com alguns prepotentes  que se arvoram em  donos do  conhecimento  humano   e em todas  as áreas.  Pobre coitado  que não sabe o quanto a suas limitações  estão muito abaixo do que imagina  a sua vã sofomania. Para eles,  o silêncio sepulcral   e a indiferença  dos que lhes foram vítimas  da vaidade e da soberba.

    É óbvio que se pode discutir  com elegância e  educação, mas longe do complexo de superioridade  e da arrogância  de alguns  que se julgam maiores e melhores  do que  outros  sem conhecer  o passado  dos que são levianamente  criticados sem  conhecer uma história de vida intelectual,  de lutas e canseiras, de injustiças e  incompreensões flagrantes. É preciso respeitar o pensamento alheio e até os erros por acaso  cometidos por alguém.

   Constato, da mesma maneira, os usuários provenientes do mundo literário brasileiro  ainda se dividem  em  grupos  seletivos, não  abrindo   ainda sequer uma janela  a quem  a eles julgam  não pertencerem. Com isso,  vejo sinais de  um certo elitismo ou estrelismo, que não leva a nada e é improdutivo à história da  literatura brasileira.

  Descontando esse lado melancólico da rede social,  o que permanecerá  como uma  característica  construtiva  são as contribuições   de alguns usuários que, no  locus   de dimensão além-fronteiras, põem  suas produções literárias de forma  democrática  e autônoma, sem arestas   de impedimentos  de pareceres absolutistas e inconfessáveis  de quem quer que seja. É essa independência no trato da coisa literária que mais  me  impressiona e me surpreende, pois é uma das grandes conquistas   atuais  da produção literária brasileira ou  internacional que se originou  na era digital.

   Dar  oportunidade a quem  não pode  publicar um livro, ainda que seja  por conta  própria mas recusado  por  razões de linhas editoriais  do pais, é uma avanço  na produção de novos  valores  em todos os campos da literatura. Essa lacuna  deplorável que há anos   tem  impedido  tantos talentos de   serem lidos  pelo grande público, agora,  começa a ser preenchida. Os jornais,  as editoras, as revistas não sabem o que  poderão  perder em termos de  competição, no futuro,  com as redes sociais,  notadamente o Facebook.

  É graças à Internet que, através de redes sociais como o Facebook,  amizades intelectuais se estão  dilatando, tanto   no país quanto  no exterior.  E esse dado é relevantíssimo, já que o Facebook  pode congregar  escritores praticamente  em grande   parte do mundo. Realizar  debates,  simpósios,  trocas de informações instantâneas, ler poemas, ficção, artigos, ensaios de autores brasileiros não devidamente  conhecidos  no pais, ler produção de autores estrangeiros, isso tudo  redunda num   ativo  cultural  de inegável   valor.

     Outros  elementos que vêm se acrescer a  essa mudança de hábitos   de leituras  e de escrita (a rede social  hoje força o usuário a se comunicar  por escrito e instantaneamente). Assim,  vai desenvolvendo  a sua habilidade de articular o pensamento  no espaço da sua  página,  bem com  é impelido a ler  mais, qualitativa e  quantitativamente: a) na página do Face podem ser anunciados  lançamentos  de livros,  de exposições, de palestras, de postagens de poemas,  crônicas,  contos, partes de novelas,  romances, artigos,  pequenos ensaios  etc.; b)  comentários sobre a produção literária de escritores feitos  por  críticos, professores,  linguistas,  filólogos, gramáticos, leitores  etc.; c) troca de opiniões e pontos de vista entre escritores; d) recurso disponível de usar tradução eletrônica que, se não é perfeita, pode ser  melhorada e  muito auxilia a quem não conhece  a língua na qual um texto  está escrito; e) chamadas a visitas a sites,  blogs, vídeos etc.; f) maior  incremento  de interações entre usuários, colegas, amigos,  amigos de amigos e espaços  privados  para  conversas e informações  que não devam ser  publicadas.

      Como se pode ver,   o espaço virtual  do Facebook tem, sim,  seu  lado saudável  e de utilidade pública. É claro que há muita   frivolidade ainda, um certo narcisismo  de cunho  romântico  que não deixa de interessar   algumas pessoas. Entretanto,  guardadas  as precauções contra  pessoas  perigosas  e  navegantes  indesejáveis,  o Facebook,  no âmbito da difusão da literatura, tem seu lugar  garantido  no universo  digital.   

sexta-feira, 27 de abril de 2018

O Maranhão anda nadando em dinheiro!

Fonte: Google


O Maranhão anda nadando em dinheiro!

Pádua Marques

Já atravessei a ponte do Jandira uma pá de vezes desde que estou no Piauí. Já me embrenhei outras tantas vezes neste pedaço de fronteira aqui entre Parnaíba no Piauí e o Maranhão, Araioses, Tutoia, Água Doce, Magalhães de Almeida, Brejo e São Bernardo, somente pra dar nome a algumas cidades. E o pouco que vi dá pra imaginar o que a gente vai encontrar mais lá pra dentro se tiver coragem de entrar.

Agora em fevereiro li matéria publicada em portais e blogs onde o secretário de educação da terra de Sarney, do reggae e do babaçu, se gabava de que o professor no Maranhão tem o mais alto salário do Brasil. Isso pra um estado miserável, sem indústrias ou outras atividades que gerem impostos. O governador metido a comunista Flávio Dino, aproveitando a folia do carnaval aumentou no dia 27 daquele mês o salário para R$5.750 pra um professor de 40 horas semanais.

No caso daquele professor em início de carreira e com 20 horas semanais a baba é de R$2.875. Desde 2015, tão logo colocou os dois pés dentro do Palácio dos Leões, Dino deu aumento salarial pra categoria dos professores na base de mais de 30%. Quem disse se gabando e estufando o peito foi o secretário Felipe Camarão. Dizendo assim ninguém acredita, mas ao que parece o Maranhão anda nadando em dinheiro.

Qualquer pessoa que não esteja com febre e ainda seja bom da cabeça percebe que alguma coisa está errada. Muita esmola pra pouco milagre, como se dizia nos bons tempos de dona Onorata, lá no bairro de Fátima. Onde é que pode uma coisa dessas? Um Maranhão pobre, atrasado, hostil, com sua gente necessitando de um tudo, mas generoso com seus políticos seculares e as suas famílias tradicionais.

O Maranhão de famílias dessas que têm brasão na parede e tudo o mais, enriquecidas com o dinheiro público ou explorando sua população miserável e analfabeta, pagando salário de alto executivo a professor pra depois, passados dois, três meses não poder mais cumprir a folha.

O Maranhão tem uma pobreza e um atraso que derrubam feito catapora ou caxumba, melhor dizendo, a papeira, em casa de pobre que tem muito menino. Uma pobreza e um atraso que contaminam a região fronteira com o Piauí. Porque enquanto se paga mais de cinco mil reais pra um professor de quarenta horas semanais se embrenhar no mato, os hospitais de Parnaíba vivem cheios, atulhados de gente da terra do comunista por correspondência Flávio Dino.

Eu tenho muitos amigos e conhecidos que vivem na chamada semana corrida ou aos finais de semana saindo de Parnaíba pra o interior do Maranhão levados por este canto de sereia chamado de melhor salário do Brasil. Não é apenas estadual. Muitas prefeituras também pagam salários a peso de ouro. É fácil imaginar a qualidade das instalações e as condições de trabalho que um professor, depois de passar em média quatro anos com a bunda sentada numa cadeira, formado em pedagogia, letras, filosofia, enfermagem, nutrição, fisioterapia e direito vai encontrar de Maranhão adentro.

É fácil imaginar a situação de um professor em início de carreira, saído da Parnaíba, doido pra ter um carrinho ou uma motocicleta, tendo que se sujeitar a percorrer distâncias enormes pra dar aula naquele fim de mundo. Correndo feito maluco e tendo que gastar mais da metade dos cinco mil reais somente com combustível, hospedagem, roupas, calçados, alimentação entre outros, pra chegar numa sala de aula em lugares distantes, mal localizados e pouca clientela estudantil.

Toda sorte de dificuldades. Escolas improvisadas em casas de taipa, casas cobertas com palhas de babaçu e falta de transporte de qualidade. Enquanto isso outros setores produtivos vão sendo esquecidos ou colocados de lado. Estradas, pontes, rede elétrica, abastecimento de água, hospitais, delegacias, esses equipamentos que geram a curto prazo conforto à população. E ainda há quem diga que a situação está melhorando pra justificar uma medida dessas!   

quarta-feira, 25 de abril de 2018

A CASA DOS MEUS PRIMEIROS DIAS

A dona da casa na sala de jantar cercada por alguns netos e netas


A CASA DOS MEUS PRIMEIROS DIAS
  
José Pedro Araújo
Romancista, historiador e cronista

Por quanto tempo a imagem de uma pessoa fica impregnada ao local em que habitou por um longo período? Alguns meses? Muitos anos? Eternamente, considerando-se a eternidade como o tempo em que permanecemos vivos? Essa pergunta veio a minha mente quando voltei a casa onde nasci, poucos meses após o voo definitivo da minha mãe para os campos celestiais que ela tanto cantou e almejou. Naquele momento estava a minha irmã juntamente com minhas cunhadas a arrumar algumas coisas deixadas por ela. Aquela casa toda tinha( e tem) a mão dela, o jeito dela, o gosto dela, enfim. Não foi uma tarefa fácil para aquelas pessoas, obrigação que me furtei de realizar.

No final, pegaram-se algumas fotografias, alguns escritos com a caligrafia bem desenhada que ela se esmerava em fazer, além de alguns poucos bricabraques que resolveram levar. O resto ficou tudo lá, do jeito que estava. Ninguém teve coragem de remover os quadros das paredes, os bibelôs das estantes; ou desarrumar a coleção de fotos da família que ela mantinha em vários móveis espalhados pela casa. Mas a presença dela está em todo o ambiente, desde a porta de entrada em que ela nos recebia com gestos largos e sorriso alegre e cintilante.

E o que fazer então com aquela casa que tem a sua imagem em cada canto, em cada centímetro, mesmo que desnudada dos seus móveis? Decidimos que ficaria para o meu irmão caçula que reside na cidade a tarefa de manter funcionando a habitação da família. Deste modo, poderemos adentrar sempre que quisermos para matar essa saudade eterna que habita conosco; esse sentimento arraigado no mais íntimo do nosso ser.

A propósito disto, não sei se laboramos por uma boa causa ao passar para o meu irmão a responsabilidade de manter a nossa casa de portas abertas e receptivas. Para ele tem sido difícil transitar por ela e encontrar mamãe em cada pedacinho de espaço, em cada móvel espalhado pelo seu interior. Dizia-me ele, poucos meses após a passagem da nossa mãe, que ainda não conseguia dormir lá, e por isso não havia feito a sua mudança definitiva para lá. E ao mudar-se, tempos depois, pude observar que manteve tudo da forma que mamãe deixou: os móveis, os eletrodomésticos, os quadros nas paredes, as louças na cristaleira e as panelas no paneleiro. Tudo como ela deixou. Não teve coragem de mexer em nada ainda, dar uma arrumação à casa à sua feição e gosto.

Talvez não tenhamos sido tão camarada ao deixarmos a responsabilidade com ele de cuidar do espaço que mamãe organizou para nós e que nos traz tantas lembranças. A presença quase física dela naquela casa termina por se transformar em um fardo para ele na hora de proceder alguma mudança no ambiente que agora é seu e da sua mulher. Apesar de termos lhe dito que, como a casa agora é sua, poderá arrumá-la da forma que bem lhe aprouver. Mas isso, bem sei, virá com o tempo, quando as saudades estiverem bem agasalhadas e transformadas em lembranças felizes.

Já tinha sido difícil habitar naquela velha casa depois que papai partiu. As suas lembranças também ficaram em todos os cantos, e lá permanecem. Mas tínhamos o atenuante de encontrar lá o sorriso cativante dela, a sua alegria quando nos recebia para alguns dias de convívio com o nosso passado tão saudoso. Agora as coisas ficaram bem mais difíceis. Daí a pergunta: foi um gesto de bondade passar a casa em que as digitais da nossa mãe, e do nosso pai, estão em todos os centímetros quadrados do seu espaço amado?

Ocorreu-me de escrever o presente texto depois que eu li uma crônica intitulada “Recordações da Província na Metrópole”, da lavra da acadêmica Ceres da Costa Fernandes, imortal da Academia Maranhense de Letras, com residência no Rio de Janeiro. No texto muito bem elaborado e emotivo, ela relata o que sentiu ao ter que desocupar um apartamento que pertencera à sua mãe para pô-lo à venda. A cronista lembrou-se de uma canção francesa que aprendera na sua infância em que um menino tentava vender uma gaiola que pertencera a um canário que já não existia mais. “Mon Canari s’est Envolé”.

Assim nos sentimos nós. Mas, como passar adiante uma casa que tantas recordações nos traz, sem nela entrar? Que fique então com quem pode manter um pouco das suas vivas lembranças, mesmo que apenas parte delas, e que possamos adentrar a ela com o sentimento de ainda nos pertencer. Desculpe, meu irmão, mas o ônus maior caiu sobre os teus ombros. Ficou contigo a tarefa de manter vivo o ambiente alegre que nossos pais construíram para nós, e que tantas lembranças nos traz.  

Fonte: Blog Folhas Avulsas 

terça-feira, 24 de abril de 2018

SOBRE “HISTÓRIAS DE ÉVORA” DE ELMAR CARVALHO



SOBRE “HISTÓRIAS DE ÉVORA” DE ELMAR CARVALHO 

Poncion Rodrigues
Médico e escritor

   Na Saga de Marcos Azevedo, o autor nos reconduz às histórias de aprendizados e encantamentos adolescentes de cada um de nós, que tivemos a felicidade de viver aquela fase em tempos de provinciana calmaria.

   Desde a experiência contemplativa do corpo de uma certa Neusa, largada em generosa exposição na rede em que dormia até a primeira excursão, de fato, conduzida pela “sacerdotisa” Doralice, talentosíssima condutora de prazeres antes apenas imaginados pelo nosso herói, nos sentimos, por vezes, narradores e personagens dessas histórias gostosas tão bem contadas pelo mestre Elmar.

   A continuação da aventura existencial de Marcos Azevedo, com um pouco da história de cada um de nós, o leitor encontrará com o livro em mãos, que recomendo com entusiasmo ao que gostam de sentir saudades de si próprios, apesar da cruel hostilidade do mundo que hoje nos cerca e amedronta.   

Fonte: Brogue da Tia Corina

Casa Almendra e outros assuntos freitenses

Fonte: Google


Casa Almendra e outros assuntos freitense

Elmar Carvalho

Respondendo ao seguinte comentário de Fernando de Almendra Freitas:

“A Casa Almendra, de José de Freitas anunciou em quase todos as edições do valoroso Almanaque da Parnaíba.”

– tive a oportunidade de dizer:

“Hoje o Almanaque da Parnaíba é a revista da Academia Parnaibana de Letras, com periodicidade anual. Acabei de informar, por telefone, ao Alcenor Candeira Filho sobre seu comentário.

Morei em José de Freitas em 1969/1970, quando eu tinha 13/14 anos de idade. Foi uma quadra muito feliz de minha vida. Por isso mesmo, já escrevi alguns textos sobre o Chalé, a Fazenda Ininga, Casa Almendra, o açude Pitombeira, e principalmente meu poema "Livramento: Pedra e Abstração", publicados na internet, sendo que o último se encontra no meu livro Rosa dos Ventos Gerais. 

O meu romance Histórias de Évora (esta uma cidade fictícia) tem como pano de fundo o extrativismo econômico, quando a Casa Almendra alcançou o seu apogeu. Na época em que morei em José de Freitas o seu pai, o senhor Ferdinand Freitas, era o administrador dessa empresa, e algumas vezes o vi, à distância. 

Muitos professores e outras pessoas referi nos meus textos, entre os quais o padre Deusdete Craveiro de Melo. Com a ajuda deste sacerdote, juntamente com outros colegas, fundei o Santos e o campinho que existia perto do cemitério velho, por trás da casa do falecido senhor Levi. 

Hoje, tudo é apenas saudade, lembranças e exalações, como disse no poema Barras das Sete Barras, terra de meus ancestrais paternos.”

Foi uma época para mim inesquecível, e uma de minhas lembranças insistentes, recorrentes, que tenho evocado em crônicas memorialísticas e, sobretudo, no poema acima referido.   

D. Fr. Manuel da Cruz



D. Fr. Manuel da Cruz

Reginaldo Miranda
Escritor e historiador
Da Academia Piauiense de Letras

Sexto bispo nomeado para o Maranhão, embora o quarto a tomar posse efetiva do cargo, foi o primeiro deles que exerceu autoridade eclesiástica no Piauí, tendo perlustrado todo o seu território e aqui se demorado por largo período. É figura de primeira grandeza na história colonial brasileira. Teve no cônego Raimundo Otávio Trindade, historiador mineiro, um dedicado biógrafo.

Nasceu Dom Frei Manuel da Cruz, em 5 de fevereiro de 1690, na Casa do Carvalhal, freguesia de Santa Eulália da Ordem, comarca de Lousada, quarenta quilômetros ao norte do Porto. Antes de iniciar vida sacerdotal, assinava com o nome de Manuel Ferreira Freire da Cruz. Foram seus genitores Manuel Nogueira e Maria Duarte da Cruz, naturais da mesma freguesia. Segundo levantamento feito pelo referido cônego Trindade, esse notável bispo do sertão possuía os seguintes irmãos: 1. D. Maria Duarte da Cruz Queirós, casada com Manuel Ribeiro da Costa; 2.  D. Clara Freire da Cruz, casada em 1713 com Antônio Pinto Ribeiro, senhor da Casa da Ribeira, em Santo André de Cristelo, comarca de Lousada; e, 3. Antônio Nogueira Jorge, casado em Recife, Pernambuco, com D. Maria da Costa, natural daquela cidade, filha de Manuel Nunes e de D. Luzia de Almeida; filhos (todos nascidos em Recife): 3.1. Padre José Nogueira, jesuíta, professor e primeiro reitor do seminário de Mariana, donde foi violentamente retirado, quando expulsos de Portugal e seus domínios os padres da Companhia de Jesus, para desgosto de seu estimado tio; 3.2. Padre Luís Nogueira, ordenado em Mariana, pelo seu tio, a 26 de junho de 1756, foi vigário de Curral Del Rei; e, 3.3. Frei Estanislau de Jesus Maria, sobre quem nada se sabe.

Aluno aplicado e inteligente, desde cedo o pequeno Manuel da Cruz demonstrou vocação para a vida sacerdotal, sendo encaminhado para estudar no Real Mosteiro de Santa Maria de Salzedas, onde, em 30 de março de 1708, aos dezoito anos de idade, vestiu o hábito dos Monges de São Bernardo. Esse mosteiro, cuja construção teve início em 1168, era da Ordem de Cister ou de São Bernardo, situando-se na freguesia de Salzedas, concelho de Tarouca, em Portugal.

Mais tarde, aos vinte e dois anos de idade, em 28 de fevereiro de 1712, conferiu-lhe o presbiterato, com dimissórias dos seus superiores o bispo de Coimbra, D. Antônio de Vasconcelos.

Prosseguindo nos estudos, desde 1.º de novembro de 1709, matriculara-se no curso de Teologia da Universidade de Coimbra, licenciando-se em 12 de fevereiro de 1719 e obtendo o doutorado em 24 do mesmo mês e ano. Em 7 de maio de 1726, graduou-se também em Cânones, na mesma instituição de ensino, “com aplausos dos mestres e crédito da Ordem”.

Em 1732, foi eleito dom abade do colégio do Espirito Santo de Coimbra. Em 1738, nomeado definidor e mestre de noviços do conceituado convento de Alcobaça.

No entanto, em face de sua extremada vocação religiosa e de sua elevada formação intelectual, foi por D. João V, nomeado Bispo do Maranhão, no mesmo ano de 1738, quando apenas iniciava as funções para as quais fora recentemente nomeado. Foi sagrado em 16 de dezembro de 1738, em Lisboa, pelo Cardeal Patriarca Dom Tomás de Almeida, sendo consagrantes D. Fr. Luís de Santa Teresa, Bispo de Olinda, e D. Guilherme de São José, Bispo do Pará.

Embarcando em navio no porto de Lisboa, depois de cinquenta dias de viagem, chega a São Luís do Maranhão em 15 de junho de 1739. E fez sua entrada solene a cavalo, pegando-lhe no estribo o capitão-general João de Abreu Castelo Branco, em 29 do mesmo mês e ano, quando tomou posse da diocese. No dia 20 de julho seguinte, deu posse de suas capelanias a 16 capelães, em que entrou um organista e um subchantre, assim como a dois mestres de cerimônia e seis moços do coro, cantando vésperas desse dia e no dia seguinte louvores ao rei dos reis, que, segundo ele, é o principal fim para que se erigem as catedrais. Em seguida passou a pregar alternadamente com um padre jesuíta de grande literatura e espírito, fazendo confissões e casamentos. Governaria pelo tempo de oito anos, um mês e dezessete dias, nos quais gastou dezoito meses sucessivos nas visitas pastorais, sendo removido para a nova Diocese de Mariana, por Bula de 15 de dezembro de 1745.

O bispado do Maranhão fora fundado por bula papal de 30 de agosto de 1677. Dos cinco bispos que lhe antecederam na ordem cronológica de nomeação, apenas três tomaram posse efetiva do cargo, D. Gregório dos Anjos (1679 – 1689), D. Fr. Timóteo do Sacramento (1697 – 1714) e D. José Delgarte (1717 – 1724, quando faleceu no exercício do cargo); dois outros embora nomeados não tomaram posse, D. Fr. Antônio de Santa Maria e D. Fr. Francisco de Lima. Por essa razão, embora seja o sexto bispo nomeado para o Maranhão é, de fato, o quarto no exercício do cargo. Ficara vaga a diocese entre 1724 e 1732, sendo governada por administradores eclesiásticos e desde então pelo bispo do cabido do Pará, com sede em Belém, situação em que a encontrou D. Fr. Manuel da Cruz.

Por essa razão, dados esses quinze anos de sede vacante enfrentou D. Fr. Manuel da Cruz, os maiores problemas e percalços para bem administrar sua diocese. Teve de disciplinar o clero, eliminando dissensões internas, organizou o cabido, fundou o seminário e ordenou noventa e um sacerdotes, muitos deles sendo piauienses, além de corrigir com admoestações os defeitos morais da sociedade, então mal acostumada com certa frouxidão de costumes. Segundo seu testemunho expressado em correspondência à corte:

“Neste bispado há muitos abusos intoleráveis, muitos vícios inveterados, que é preciso emendar e reformar, e qualquer reformação: por mais suave que seja sempre encontra contradições; e se há régulos que as fomentem, e se não castiga, não pode fazer nada o bispo, antes concluir exemplo tão pernicioso, qualquer clérigo se entreterá a descompô-lo, e injuriá-lo por qualquer leve representação, e frívolo pretexto” (Copiador, fl. 29).

Todavia, se enfrentava dissabores no Maranhão era bem recebido pela gente piauiense, a quem se afeiçoara aqui se demorando por largo período. Fora quase um bispo piauiense, tendo prestado relevantes serviços à terra. Aliás, cumpre ressaltar que o território piauiense passara do Bispado de Pernambuco para o do Maranhão através da Bula do Papa Bento XIII, de 1724, de que na época tomou posse diocesana o padre Antônio Troiano, que respondia pela bispado.

Em demorada visita pastoral ao Piauí, D. frei Manuel da Cruz perlustrou suas terras de norte a sul e de leste a oeste, conhecendo-as em sua totalidade. No entanto, uma de suas primeiras medidas, ainda em 1739, logo despois da posse e muito antes da referida visita, foi recomendar a criação de duas novas freguesias, sendo Santo Antônio do Gurgueia, no Arraial dos Ávila, que deu origem à cidade de Jerumenha, e N. Sra. da Conceição, no lugar Caatinguinha, hoje cidade de Valença do Piauí. Esse assunto é objeto de sua primeira correspondência, a mesma em que informa sobre a posse no bispado, assim se expressando:

“Remeto a Vossa Majestade algumas razões, que ocorreram neste pouco tempo, a respeito de alguns aditamentos aos estatutos por recomendação de Vossa Majestade, e também me lembra, a advertência que Vossa Majestade foi servido fazer-me a respeito de erigir paróquias no sertão do Piauí, dizendo-me se compadecia muito de que os moradores daquele sertão, pelas distâncias que há entre as suas paróquias, morressem muitas vezes sem sacramentos, e não tivessem, quem os ajudasse, e fortalecesse na horrível e tremenda agonia da morte. Para satisfazer nesta tão pia, como prudente advertência nascida da grande piedade, e  fervoroso zelo de Vossa Majestade, dou conta a Vossa Majestade com toda a clareza e individuação pelo Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens de que se devem erigir logo duas paróquias no distrito da freguesia da Mocha, uma no Gurgueia, e outra na Caatinguinha; a qual ereção se deve determinar antes de se confirmar na igreja da Mocha, que está vaga, alguns dos opositores que agora a pretendem porque como a tal vigararia é colada, depois de colado nela o seu vigário se não pode dividir; o qual inconveniente não há nos curatos que são amovíveis, e por isso na visita faço tenção erigir as paróquias, que me parecerem precisas, e me requererem os moradores querendo-as fazer a sua custa; desta forma cumpro com o serviço de Deus, dou remédio a gravíssima necessidade espiritual de tantas almas, desencarrego a consciência de Vossa Majestade, e também a minha. Vossa Majestade mandará o que for servido. Na frota de 1739” (Copiador, fl. 1).

Em 4 de julho de 1740, elabora instruções e as envia para os reverendos visitadores do Piauí, para que a contento façam o serviço de Deus e da Santa Madre Igreja, acompanhados de escrivão, que bem possam servir sem nota alguma, podendo ser eclesiástico ou secular, de tal sorte que não fiquem as diligencias por se cumprir. Esclarece que devem se guiar pelas constituições do arcebispado da Bahia, que por pastoral dele tem mandado observar; proverão que nas paróquias haja livros para assentos de batizados, casamentos e óbitos; também, livro para capítulos da visita, inventário dos bens pertencentes à igreja, que pudesse ainda servir para anotar as receitas e despesas da fábrica da igreja; proverão sobre a boa administração das capelas e confrarias, decência dos santos óleos, remessa de rol dos confessados, comedimento nas condenações dos culpados, fixação da taxa das esmolas e cobrança dos valores em atraso, além de informar sobre a conservação ou não da missão dos índios caratiús no mesmo lugar, entre outros assuntos (Copiador, fl. 17-17v).

Em carta de 2 de setembro de 1740, dirigida a D. Fr. José Fialho, arcebispo da Bahia, diz no trecho final:

“Ao padre José Aires fiz visitador do Parnaguá, e se ele satisfizer a esta obrigação, como deve, o atenderei para outras ocupações, que basta ser afilhado de Vossa Excelência para na minha atenção ter o primeiro lugar” (Copiador, fl. 11v).

Em 1741, escreve ao ouvidor-geral do Piauí, bacharel Custódio Correia de Matos, em resposta às queixas deste, dizendo que repreendera o pároco da freguesia e seu coadjutor, por terem-no faltado com a devida atenção, assim como os orientou a respeito do procedimento nos inventários eclesiásticos, de que reclamara o ouvidor. Na mesma correspondência diz ter escrevido ao padre Francisco Ribeiro da Fonseca, missionário dos Jaicós, a quem mandara agora passar provisão, por não achar outro clérigo que para lá quisesse ir (Copiador, fl. 18-19).

Como desdobramento desse assunto escreve também ao doutor João Rodrigues Covete, governador do bispado e padre residente na vila da Mocha, repreendendo-o por não ter atendido às queixas do referido ouvidor; orientou sobre a forma dos testamentos eclesiásticos, que os deveria receber de volta do ouvidor que os apreendera, devendo sempre agir com diplomacia sobre o assunto; discorre sobre a arrecadação das esmolas para o seminário; sobre punição e prisão de alguns padres; sobre desobriga que ele padre fizera indevidamente em algumas fazendas da freguesia da Caatinguinha; também, o repreendeu por desídia em vista pastoral a Parnaguá, conforme se vê:

“Também o padre José Aires me escreveu não achara na freguesia do Parnaguá, onde visitou livro de fianças, sendo que todos os casados eram forasteiros, e que necessariamente haviam ter dado fianças; e me admirou muito de que tendo Vossa Mercê duas vezes visitado esta freguesia (nunca nesta tão precisa obrigação) digo, nunca cuidasse nesta tão precisa obrigação, fazendo praticar este tão universal estilo, para que não acontecesse, o que na mesma freguesia sucedeu achar o dito visitador uma mulher casada duas vezes, que por isso recomenda muito o direito e as constituições estas fianças, para que com esta prevenção se não facilitem tanto a semelhantes absurdos”.

Mais à frente refere-se à sua próxima vinda “a essa vila [da Mocha], que infalivelmente, se Deus não dispuser o contrário, será para o ano, que me não foi possível conseguir neste, tanto pela tardança da frota, como por me não achar ainda de todo expedito para esta jornada, no que fico já cuidando, para que no meado de agosto possa ir, desta cidade, e faço tenção entrar  pelo caminho novo do Icatu buscando o Parnaíba, e de lá avisarei a Vossa Mercê e ensinando-lhe o lugar aonde me há de mandar buscar com os cavalos, que vir me serão necessários para a minha condução; porque para a minha entrada me assiste com eles o juiz ordinário André Teixeira” (Copiador, fl. 19v-21v).

Em outra correspondência do mesmo ano, endereçada a el-rei, presta informações importantíssimas para esclarecer sobre a divisão eclesiástica de sua diocese e sobre a criação das primeiras freguesias do Piauí, inclusive sobre as duas novas por ele criadas e, também, sobre os três curatos criados pelo padre Tomé de Carvalho, agora por ele também elevados a vigararias coladas. A principal diferença é que nos curatos eram os fregueses que tinham a obrigação de manter o reverendo cura e a igreja, enquanto nas freguesias coladas essa obrigação era da Real Fazenda:

“Foi Vossa Majestade servido por resolução expedida da Mesa da Consciência e Ordens em 20 de maio de 1740 criar de novo na freguesia da vila da Mocha mais duas freguesias com párocos colados, uma na ribeira da Gurgueia, e outra no distrito da Caatinguinha; como também foi servido criar, e erigir mais em novas vigararias coladas os curatos das igrejas de Santa Maria da vila do Icatu, Nossa Senhora do Carmo do Piracuruca, Santo Antônio do Surubim, Nossa Senhora de Nazaré do Mearim, Nossa Senhora da Conceição das Aldeias Altas, e Nossa Senhora do Livramento do Parnaguá, (que são únicos curatos amovíveis que por esta hora há neste bispado) consignando anualmente a cada um dos vigários destas freguesias, cem mil-réis de côngrua pagos pela sua Real Fazenda, e porque nela não há sobejos com que se possam pagar essas côngruas, me pareceu preciso recorrer a Vossa Majestade para que à vista deste inconveniente determine o que for servido; pois não me parece justo, que os opositores se oponham as tais igrejas com a esperança de terem de côngrua cem mil reis, e não se lhe pagarem por não haver dinheiro no Almoxarifado; como não há ainda para outras despesas muito mais precisas” (Copiador, fl. 29v-30).

Outro aspecto relevante foi a defesa por ele feita das divisas de seu bispado com o de Pernambuco. Defendeu com ardor e inteligência que o divisor de águas fosse a fronteira natural do Piauí com o Ceará, inclusive invocando a bula de anexação do Piauí em que o Sumo Pontífice acata esse princípio universal ao desmembrar do bispado de Pernambuco para o bispado do Maranhão a capitania do Piauí usque ad arcem Siará, isto é, até o alta Ceará. Em 1743, informa a situação ao rei de forma bastante didática:

“Dou conta a Vossa Majestade que chegando a este bispado me deram parte os curas da Piracuruca, e Surubim, que tomando posse por ordem de Vossa Majestade da capitania do Piauí o doutor Antônio Troiano governador deste bispado naquele tempo, e fazendo-se a divisão corre este bispado, e o de Pernambuco pela serra dos Cocos, que naturalmente os divide, indo os curas da Piracuruca, e Surubim desobrigar os moradores que habitam na dita serra águas vertentes à Parnaíba, sem lhes opor o cura do Acaracu com o fundamento de que estava de posse de desobrigar aqueles moradores, e depois de várias razões ajustaram, que cada um desse conta ao seu prelado respectivé, para que eles resolvessem a matéria, e como neste bispado não havia bispo ainda está por decidir esta controvérsia para cuja resolução é preciso saber-se:

‘Que a serra dos Cocos no alto tem de largo, e de comprido muitas léguas, em cujo distrito há moradores, fazendas, e rios, uns que vertem para a Parnaíba, que corre para o Maranhão, outros que vertem para o Acaracu e Camocim, que correm para Pernambuco. As divisões que se fazem na América, assim dos bispados, como das capitanias, jurisdições eclesiásticas, e seculares, se costumam fazer por estas águas vertentes; nem é possível fazerem-se de outro modo pela extensão das terras, e muitas ainda incultas, em que não há estradas, nem se podem pôr marcos, que sirvam de divisão, como ordinariamente se costuma no Reino. Por este modo se dividiu este bispado do bispado do Pará, servindo de divisão da serra dos Tocantins, águas vertentes ao rio deste nome para o Pará, e águas vertentes à Parnaíba, Mearim, e Itapicuru para o Maranhão, por este mesmo fundamento se resolveu, que a povoação do Parnaguá pertencia a este bispado, e não ao de Pernambuco, por estar situada águas vertentes à Gurgueia, e Parnaíba, e não ao rio de São Francisco, e não se dá maior razão, porque as fazendas que estão situadas, e os que moram na serra dos Cocos águas vertentes à Parnaíba, não pertençam ao Maranhão” (Copiador, fl. 34v-35v).

Essa firme defesa da divisa piauiense com o Ceará pelo divisor de águas, ela faz por diversas vezes, ora ao rei ora perante seu colega de Pernambuco, sempre coma mesma argumentação lógica. E esse assunto ainda é atual, dada a zona de litígio territorial que existe entre os dois estados, inclusive com comissões legislativas dos dois lados. Pois, sobre o assunto continua se fazendo necessário ler a literatura e absorver os argumentos fundamentados desse grande bispo do meio-norte brasileiro.

Nos primeiros três anos de seu governo episcopal, o consumiu em pôr alguma ordem às desordens, segundo ele, que achara na cidade e comarca do Maranhão. No entanto, logo depois empreendeu desejada, necessária e demorada visita ao Piauí, partindo do Maranhão nos fins de agosto de 1742. Inicialmente pela costa do mar, depois tomando o caminho por terra para a nova freguesia de São Bernardo, ainda no Maranhão, que foi a primeira visitada; depois atravessou o “Parnaíba, que é o mais caudaloso deste bispado; da parte dalém deste rio é que verdadeiramente, e em maior rigor principia o sertão, porque em todo ele não há mais portos de mar”, arremata o referido bispo; passando pelo sertão dos Alongases e vale do Poti, visita as freguesias de Piracuruca, Surubim, o Rancho dos Patos, que o erige em freguesia, e Caatinguinha, em todas elas fazendo missões de oito dias, confissões, crismas, matrimônios e incitando o povo à construção de capelas particulares, dada as distâncias das sedes paroquiais, o que foi feito por alguns mais abastados; e, por fim, chegando à vila da Mocha, que diz ele ser conhecida por Corte do Sertão, em 12 de janeiro do ano seguinte, depois de caminhar duzentas léguas e vencer grandes dificuldades e muitos trabalhos, perigos no mar e na terra, também na visita de inumeráveis povos que residem naquele distrito, a todos acudindo dentro dos preceitos cristãos. Passou naquela vila parte do inverno e a Santa Quaresma bastante ocupado na visita da grande freguesia, missão e outras dependências da sua ocupação. Em 16 de maio de 1743 partiu da Mocha para o sertão de Parnaguá, onde chegou nos finais de julho, resolvendo muitas questões nessa localidade; diz que ela fora fundada somente há dez anos, sendo já tão numerosa quanto a vila da Mocha, porque fica na estrada real dos sertões para as Minas, constituindo-se em entreposto de contrato de gado vacum para ali exportado, prometendo assim ser em breve a maior do bispado; dali partiu em princípio de ....bro, dando voltas pela ribeira do Gurgueia e Parnaíba, no Piauí, entrou pela freguesia de Pastos Bons, no Maranhão, e desceu pelo Itapecuru chegando de volta a São Luís, em 16 de janeiro de 1744, “tendo visitado pessoalmente todos os sertões mais remotos, e infestados, ainda alguns do gentio bárbaro deste bispado, e caminhando mais de oitocentas léguas pelas digressões que fiz”, diria ele ao final da jornada. Levou consigo do Piauí, muitos jovens para ingressar no seminário, onde deveriam vestir a beca roxa, na forma das que trazem os seminaristas da Santa Basílica Patriarcal, assim como o padre Manuel Ribeiro Soares, que se integrou à sua comitiva, mandando também buscar um irmão natural para familiar do bispo.

Dom Fr. Manuel da Cruz criou ainda, no Piauí, a freguesia de N. Sra. do Desterro do Rancho dos Patos, atual cidade de Castelo do Piauí. E durante sua estada na Mocha, publicou pastoral, elaborou regimento para os vigários, manteve ativa correspondência e muitos outros atos praticou.

Depois dessa notável ação no bispado do Maranhão, com importantes reflexos no Piauí, D. Fr. Manuel da Cruz foi removido para instalar e governar a nova diocese de Mariana, em Minas Gerais, através da Bula do Papa Bento XIV, de 15 de dezembro de 1745. Dado alguns percalços planejou viajar pelo sertão do Piauí e do rio São Francisco, saindo em abril de 1747, passar o rigor do inverno no Piauí e continuando a jornada em final de maio, chegar ao destino em setembro ou outubro. No entanto, porque esperou correspondência da corte e com o atraso da frota, somente partiu de São Luís em 3 de agosto de 1747, trazendo em sua companhia alguns religiosos, entre esses o padre Vicente Gonçalves Jorge de Almeida, natural e/ou aparentado no Gurgueia, que juntamente com José Nogueira, sobrinho do bispo, mandado buscar no Rio de Janeiro, iriam desenvolver notável ação apostolar em Minas Gerais. A comitiva atravessou a baía e pernoitou no hospício do Senhor do Bonfim. No dia seguinte, subiu pelo rio Itapicuru durante vinte dias, em viagem cheia de sustos, pelas cachoeiras, moléstias e mosquitos abundantes naquelas paragens. Parando à margem esquerda do rio, mandou levantar altar debaixo de árvores para celebrar o incruento sacrifício da missa, como é permitido aos bispos do Brasil pela breve decenal – celebrandi bis in die et sub Deo et sub terra. Em alusão à jornada, a localidade ficou conhecida pelo nome de Remanso da Mariana. Chegando a Aldeias Altas, hoje Caxias, demorou-se a comitiva por 15 dias, de onde continuando inicialmente pelo rio acima, passou pelos chapadões, alcançou o Parnaíba e atravessando-o dirigiu-se pela bacia do Gurgueia, no Piauí, até chegar, em outubro, à fazenda Canavieira, hoje cidade de mesmo nome, na margem direita do referido rio. Hospedaram-se em casa dos senhores da fazenda, capitão Antônio Gonçalves Jorge e sua esposa Maria Pereira da Conceição, que não lhes eram estranhos, em cuja companhia demoraram por sete meses. Em canavieira, recuperou a saúde, refez as forças, celebrou missas e, juntamente com os religiosos da comitiva, ensinaram à meninada noções do alfabeto, das operações aritméticas e da religião. Dois fatores o seguraram nessa fazenda por sete meses, sendo o rigor do inverno e a ameaça dos índios guegués ou gurgueias rebelados, que assaltavam as comitivas e, às vezes, matavam os viandantes. Foi, então, no mês de maio, com fim das chuvas que reorganizou sua comitiva e seguiu caminho pelo vale do Gurgueia acima, contando com a prestimosa ajuda do ouvidor Matias Pinheiro da Silveira Botelho e do capitão João do Rego Castelo Branco, que os acompanharam com tropa militar até a freguesia de Parnaguá, seguindo o bispo para as Minas e eles retornando em campanha contra os referidos indígenas, de que mataram alguns, aprisionaram e afugentaram outros. Continuando jornada, alcançou o bispo e sua comitiva a fazenda Brejo de São Lucas, ainda no termo de Parnaguá, subiu a serra da Boa Vista, divisa dos bispados do Piauí e Pernambuco, alcançou a barra do Rio Preto, no lugar Manga do Rio Grande. Então, embarca no porto local e segue via fluvial até atingir a barra do Rio da Velhas, na Bahia, de onde segue por mais de duzentas léguas até Carinhanha, onde adoeceu gravemente, chegando a Vila Rica em 14 de outubro de 1748 e a Mariana no dia seguinte, depois de mais de quatorze meses de jornada. Foi recebido em seu destino com festejos apoteóticos. Sua entrada solene, com muita pompa, deu-se em 28 do novembro seguinte, achando-se descrita no Áureo trono Episcopal, terceiro livro mais antigo sobre Minas Gerais, editado em Lisboa no ano de 1749, por iniciativa do cônego Francisco Ribeiro da silva, onde reuniu os relatos e peças literárias alusivas à posse. Muito de sua correspondência foi reunida no Copiador de Cartas do Senhor Dom Frei Manuel da Cruz, Bispo do Maranhão e de Mariana, por muitos anos guardado no Museu da Inconfidência de Ouro Preto, depois publicado pelo Senado Federal, com transcrição, revisão e notas por Aldo Luiz Leoni. Foi a principal fonte do presente ensaio biográfico.

Em Mariana não foi menos conturbado o seu governo, por ser o primeiro da diocese, sendo a cidade toda reformulada, com a oposição de alguns proprietários de imóveis. Enfrentou problemas com as autoridades locais, inclusive quanto à jurisdição eclesiástica, travadas com o ouvidor de Vila Rica, Caetano da Costa Matoso. Todavia, foi profícuo seu governo diocesano, lançando a primeira pedra da igreja de São Francisco, concluindo a catedral da Sé no ano de 1750 e fundando o seminário, que ordena em sua gestão 227 sacerdotes.

Faleceu esse notável bispo em plena atividade em sua diocese de Mariana, dia 3 de janeiro de 1764, com 74 anos incompletos. Foi um baluarte da Igreja católica que muito serviu ao Brasil, inclusive ao Piauí, deixando larga folha de serviços prestados. Merece nossa homenagem.

___________________________

REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Contato: reginaldomiranda2005@ig.com.br     

domingo, 22 de abril de 2018

Seleta Piauiense - Renato Castelo Branco


Fonte: Google

Infância

Renato Castelo Branco (1914 – 1995)

Vento sobre dunas.
Tênues grãos de areia dourada fustigando.
Verdes mares. Lendas e mitos.

Coqueirais. Cajueiros imensos. Assombrações.
Ilhas do Parnaíba.
Águas tumultuosas.
Vaqueiros. Aboio. Campos gerais.

Minha mãe. Minha avó.
Cabelos brancos. Olhares de outono.
Gestos maternais.
Eternos, infinitos gestos maternais.

Vento. Pássaros. Dunas.
Crianças brincando. E eu.
Meu sangue correndo em outras veias.

Pássaros. Crianças. Olhar de minha mãe.
Ai de mim, onde estais?   

Fonte: Parnárias - poemas sobre Parnaíba

sábado, 21 de abril de 2018

ANÚNCIOS DO ALMANAQUE DA PARNAÍBA



ANÚNCIOS DO ALMANAQUE DA PARNAÍBA

Alcenor Candeira Filho

     Quando escrevi o livro ASPECTOS DA LITERATURA PIAUIENSE, onde consta um estudo sobre a poesia parnaibana a partir da origem, em 1808, com POEMAS, de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva,  -  compulsei  a coleção do ALMANAQUE DA PARNAÍBA, desde a primeira edição (1924), em busca de informações sobre poetas e poemas. Trabalho gratificante: em cada velha edição colhi preciosas  informações sobre a Parnaíba do século XX.

     Embora o objeto principal de minhas investigações fosse de natureza literária,  os anúncios estampados no ALMANAQUE  também me chamaram a atenção, especialmente os mais antigos.


     
     Na falta do rádio e da televisão, que incorporaram  ao discurso publicitário sons e imagens dinâmicas, a propaganda em Parnaíba naquele tempo lidava apenas com textos e imagens estáticas. Nesses anúncios rudimentares, avultam os textos prolixos, com enfadonha enumeração  dos produtos disponíveis. As ilustrações (tudo em preto e branco) eram raras e, a exemplo dos textos, pouco inventivas.  Aqui e ali, a fotografia do empresário-anunciante , ou da fachada do  estabelecimento, ou da principal mercadoria à venda.

     Mas se a publicidade da época, nitidamente amadorística, não se harmonizava com os princípios elementares da propaganda que recomenda o uso de textos curtos, claros, leves, comunicativos,  -  trazia pelo menos um aspecto positivo: enumerando exaustivamente suas atividades e suas mercadorias, os comerciantes, sem o saberem, estavam escrevendo importantes páginas da história econômica da cidade, relacionada justamente com seu período  de glória e de exuberância (1920/1950). Como assinalou o  historiador Manuel Domingos Neto no artigo “A Trajetória do Almanaque da Parnaíba”, publicado na 60ª edição, “talvez os elementos mais densos para o estudo da economia local estejam nos próprios anúncios publicitários. Ao longo dos anos, o Almanaque contou com centenas de anunciantes. Alguns destes empresários de fora que disputavam o  mercado local. A maioria era constituída de firmas parnaibanas. Pelos anúncios pode-se conhecer os produtos em oferta, as características do mercado, a competição entre empresários, a mentalidade dos clientes e negociantes, os modismos...”



     Foi a partir da leitura desses velhos anúncios publicitários que escrevi alguns poemas voltados para o passado glorioso da cidade, que se orgulhava da condição de grande centro exportador e importador. Um deles, “Anúncios do Almanaque”, é exemplo claro de intertextualidade, tendo resultado do aproveitamento de dois anúncios publicados na edição de 1942: um do Lloyd Brasileiro, representado na cidade por Moraes Correia & Cia.; o outro da Rossbach  Brazil Company, filial de Parnaíba. O poema  -  que se propõe recolocar no mercado consumidor velhos textos publicitários, agora numa linguagem estilizada, rimada, cadenciada e ao mesmo tempo fiel ao tema do original  -  foi publicado no livro A INSÔNIA DA CIDADE e diz o seguinte:

                    L L O Y D   B R A S I L E I R O

                     Europa, África do Sul,
                     América do Norte
                     E principais portos sul-
                     Americanos. Anote:
                       para carga & descarga
                       de cera de carnaúba,
                       amêndoas de babaçu,
                       folhas de jaborandi,
                       óleo de coco/oiticica,
                       algodão, noz de tucum
                       bem como para viagem,
                       prefira sempre os ligeiros
                       e confortáveis vapores
                       do LLOYD BRASILEIRO.
                       Agentes em Parnaíba,
                       Tutóia e Luiz Correia:
                       MORAES CORREIA & CIA.


                    ROSSBACH BRAZIL COMPANY

                                 -  Exportadores  -
                                 Matriz:
                                 New York.
                                 Filiais:
                                 Fortaleza
                                 Recife
                                 Bahia
                                 Maceió
                                 Parahyba
                                 do Norte
                                 Parnahyba.

                                                        Por trás de anúncios
                                                        que o cupim espreita
                                                        velhos vapores
                                                        e alvarengas velhas
                                                          nas águas cor de âmbar
                                                          sob o aceno verde
                                                          de carnaubais.

                              “No rio mais raso e mais estreito que outrora
                              Por onde só passam agora
                              Pequenos barcos e canoas
                              Passaram já em passado não remoto
                              Barcas paquetes vapores de carga alvarengas
                              Rumo mares sem fronteiras
                              Com charque jaborandi tucum babaçu
                              Para Europa
                              América do Norte
                              América do Sul
                              E portos brasileiros.”
                                         
                                              (A.C.F.  -  “Meus olhos Azuis”)   

     Para confronto vejamos um dos anúncios parafraseados:

                 L L O Y D    B R A S I L E I R O
                 Patrimônio Nacional

                 A maior frota mercante de navegação
                 Da América do Sul.
                 Serviços de cargas e passageiros para
                 todos os portos da costa do Brasil.
                 Mantém linhas de cargas ou passageiros
                 para
                 EUROPA, AMÉRICA DO
                 NORTE, ÁFRICA DO SUL
                 E PRINCIPAIS PORTOS
                 SULAMERICANOS
                 Prefiram para viajar e embarcar  suas
                 cargas os vapores do
                 L L O Y D    B R A S I L E I R O
                 Agentes em Parnaíba, Tutóia e Luiz Correia:
                 MORAES CORREIA & CIA
                 Telefone, 125  -  Caica Postal, 16
                 Av. Pres. Getúlio Vargas, 16
                 Telegrs:  -  NAVELLOYD e FRANCORREIA.

     Como se observa nos textos confrontados, a recriação parafrástica  não constitui um decalque nem propriamente uma readaptação, mas um desenvolvimento explicativo, uma versão desenvolvida do texto primitivo, cabendo ao parafraseador imprimir traços pessoais no trabalho sob pena de incorrer em plágio, em mera reprodução mais ou menos completa do original. E mais: diferentemente da paródia, que é a composição literária que imita, cômica ou satiricamente, o tema e/ou  a forma de uma obra séria, a paráfrase não tem intenção de ridicularizar e consiste na reinvenção de um texto mantendo fidelidade às ideias do original.



     Com 392 páginas, na mencionada 19ª edição foram publicados 252 anúncios, rigorosamente contados, sem considerar o estampado na contracapa, a maioria preenchendo página inteira. Resultado:  aproximadamente  metade das páginas do anuário correspondia a anúncios publicitários. Predominavam os de empresas de Parnaíba, mas eram publicados também os de estabelecimentos de outros municípios piauienses, como Teresina, Campo Maior, União, Floriano, Miguel Alves, Piripiri, Piracuruca, Pedro II, etc.

     Às vezes, a influência desses anúncios na minha poesia não é tão ostensiva como no exemplo colocado acima. É o que ocorre com os seguintes poemas que focalizam o contraste entre a exuberância da nossa atividade econômica no passado e a estagnação na segunda metade do século XX:

                                 RELÍQUIAS

                       Do Porto Salgado
                       aos Tucuns
                       as alvarengas enferrujadas
                       e os vapores abandonados
                       lembram os bons ventos fluviais
                       que abanavam a cidade.
                                             
                        
                                SONETO  FLUVIAL

               Contemplando o rio d’águas barrentas
               bem em frente do cais ao Igara
               vejo-lhe as curvas com a cara
               da minha e da cara d’outras gentes.

               Desta mesma plataforma estreita
               já te vi mais profundo e mais largo.
               Ah, como é triste ver-te tão magro
               e sem os vapores d’outros tempos!

               Ex-rio das exportações para a Europa
               América do Norte e do Sul
               (jaborandi tucum babaçu...)

               -  deste velho cais estreito outrora
               sobre o álveo não via das curvas tuas
               estas lágrimas fluviais  d’agora.    

OBS.: todas as ilustrações foram capturadas do Google.