sexta-feira, 29 de abril de 2022

2904.01



2904.01


Walter Lima


Love

. . . .

Liberdade sempre

Sweet freedom

Céu de infinito azul

Redemoinho de nuvens

Escorrendo livres ao vento

E árvores no deleite

De ares frescos

Em suas frondes.

Liberdade sempre

A Única combinação

Com pipas coloridas

Em céu de maio

E Meninos correndo

. . . .

Freedom

W.Lima_.

29/04/2022.

Imortalidade

Fonte: Google


IMORTALIDADE


José Expedito Rêgo


Se existe ou não alma imortal, pouco importa. O que vale é a crença. Se a pessoa acredita piamente na vida após a morte, pauta sua existência na força dessa íntima convicção, é feliz a cada instante. Nas horas difíceis, tem o consolo de sua religião, seja ela qual for. Suporta melhor as dores físicas e morais, confia num Ser Superior a protegê-la sempre e, se nada consegue de bom neste mundo, resta a certeza da bem-aventurança do além.

Ainda que a ruína do corpo seja fim de tudo, dá no mesmo. Até o derradeiro alento, o ser humano consciente, que acredita na perpetuação do espírito, morrerá na certeza da imortalidade. Jamais terá conhecimento de seu engano. Aí está a grande vantagem de ter fé, ajuda a suportar as desgraças, conduz à resignação na hora final.


Os que não tem fé – o meu caso, também podem ser felizes. Sabem que morrer é o fim do tudo e procuram tirar da vida o que ela apresenta de bom, gozando ao máximo os prazeres que nos pode proporcionar. Não me refiro aos gozos eróticos, mas, especificamente, às delícias da criação intelectual, aos momentos sublimes do prazer estético. Enquanto vivos, desfrutamos cada momento de beleza com toda intensidade. A vida é uma dádiva única da natureza, que não se remete jamais, no mesmo indivíduo.

Além da satisfação que lhe dá a posse do belo, resta ao materialista a prática do amor, do amor total. O descrente pode ser tão bom como um fervoroso cristão. Pode amar o próximo como a si mesmo, ser humanitário e prestimoso. Para ele, a imortalidade está na perpetuação das boas obras que pratica e permanecerão na lembrança dos homens, enquanto o mundo for mundo. Isto é a imortalidade. Jamais cairão no esquecimento as obras de Homero e de Platão, as artes de Leonardo da Vinci e Miguel  Ângelo. O teorema de Pitágoras nunca será olvidado enquanto houver na terra um ser inteligente e pode até ultrapassar o limite do mundo em que vivemos, transmitido que foi por intermédio de potentes ondas hertzianas, para o espaço infinito. Pitágoras é, por conseguinte, imortal. Os átomos que, um dia, formaram seu corpo estão atualmente dispersos, perdidos no espaço ilimitado, jamais se organizarão outra vez no ser chamado Pitágoras. Seu pensamento, no entanto, não perecerá.     

quinta-feira, 28 de abril de 2022

BREVE NOTÍCIA FAMILIAR

 

Elmar, Miguel e Rosália, em Francinopólis, onde moramos, no início da vida de casados de meus pais. Meu pai assumiu seu cargo no DCT nessa cidade, então povoado de Papagaio.

BREVE NOTÍCIA FAMILIAR


Elmar Carvalho


Domingo passado, recebi de meu pai breve anotação manuscrita, feita a meu pedido, sobre os nossos avoengos. Ele registrou apenas o que sabia de memória, sem consulta a registros de livros cartorários e outros alfarrábios. Muitas informações contidas nesta nota estão nos livros “Vultos da História de Barras”, de Wilson Carvalho Gonçalves, e em “O Ponta-de-Rama” e “Ruas, Avenidas e Praças de Piripiri”, ambos de meu primo Fabiano Melo, de onde as colhi. Meu pai tinha apenas treze anos de idade quando foi chamado ao gabinete do diretor do tradicional Colégio Diocesano, do qual era aluno interno, numa época em que pouquíssimos piauienses conseguiam cursar o antigo ginásio.

Para que se tenha uma pequena ideia de como era restritivo, excludente e elitista o sistema de ensino, basta que eu diga que muitos de seus antigos colegas se tornaram governadores, senadores, deputados, magistrados e detentores dos mais altos cargos públicos do estado. Foi chamado, logo após concluir a prova parcial do dia 30 de setembro de 1939, para receber do diretor Padre Chaves, que depois se tornou um dos maiores historiadores do Piauí, a impactante notícia de que seu pai havia morrido. Era filho único do terceiro casamento de meu avô. Padre Chaves, que conheci e que concedeu a mim e ao jornalista Domingos Bezerra excelente entrevista, que publiquei na revista Cadernos de Teresina, editada pela Fundação Cultural que leva o seu nome, foi afetivo e cuidadoso ao dar a notícia, proferindo palavras de conforto e resignação;   recomendou que meu pai fosse repousar.

Meu avô tivera oito filhos do primeiro consórcio e nenhum do segundo. Diante desse inesperado acontecimento, papai voltou para Barras, a chamado de sua mãe, e só veio a concluir o ginásio muitos anos depois. Meu avô paterno se chamava João de Deus Nascimento; era filho de Emiliana e Silvestre Ribeiro do Nascimento. Graças a seu esforço e labor, fez prosperar uma gleba de terra, situada na data Luiz de Souza, e conseguiu amealhar algumas reses, engenho de cana e casa de farinhada. Era respeitado em sua localidade e na cidade de Barras, onde era muito conhecido. Para que se tenha uma ideia de sua personalidade marcante, basta que eu conte dois episódios de sua vida.

Certo dia, uma de suas noras, deu-lhe a notícia de que o marido estava de namoro com uma mulher da redondeza. Meu avô chamou um agregado de sua confiança e se dirigiu até certo ponto, perto da casa da amante de seu filho, de onde dava para ouvir as gargalhadas e arrulhos dos dois pombinhos nos colóquios e conciliábulos amorosos. Constatada a infidelidade cometida pelo rebento, ficou de tocaia. Quando ele retornava para casa, o abordou de forma enérgica, e lhe disse que se voltasse a “pular a cerca”, iria aplicar-lhe uma sova caprichada, de que ele jamais esqueceria. Não se soube da surra, porque não mais se soube de transgressão do rapaz. Eram os costumes severos da época, de fortes reprimendas.

Morava, na vizinhança, uma parenta de meu avô, creio que sobrinha, cega de nascença e entrevada, como se dizia antigamente. Levava a vida a cantar hinos religiosos e a rezar, em perpétua vigília e penitência. Meu avô, falecido em 1939, pedira para ser enterrado perto de sua cova. Talvez tenha sido recebido por ela, sarada de seus males, coberta pelo manto de glória e beatitude que deve ornar os que levaram uma vida de sofrimento, renúncia e conformação. No cemitério campestre da chapada de Luiz de Souza, perto de faveiras, sambaíbas, paus-d'arco e pequizeiros, repousam, lado a lado, os restos mortais de meu avô João de Deus e dessa parenta, que aceitou com fé e resignação o sofrimento que lhe coube, e que viveu como um anjo, a orar e a entoar cânticos e “excelências” a Deus.

Meu avô conheceu minha avó na cidade de Barras, onde ela morava em companhia de seu irmão Elpídio Lucas Furtado de Carvalho. Chamava-se Joana Lina de Deus Carvalho e nascera em Piripiri. Era filha de Miguel Furtado do Rego. Era sua mãe Izabel Lina, de antigas estirpes cearense e piauiense.   Muitas décadas após meu pai deixar o seu pago, fui com ele conhecer o local onde ele nascera, que fica a poucos quilômetros da cidade de Barras. Vi meu pai tomado de profunda emoção, com os olhos marejados, a olhar o olho-d'água de sua infância, que ainda corria perene, a rever o buritizal da várzea e o morro verdejante onde se erguera outrora a casa de seu pai.

Meu avô materno se chamava José Horácio de Melo, nascido no lugar Campestre, município de Piracuruca, no dia 5 de agosto de 1893, e falecido em 13 de agosto de 1965. Era filho de Horácio Luiz de Melo e Antônia Quitéria de Carvalho. Horácio Luiz era filho de Antônio Luiz de Melo e Hygina Rosa de Menezes. Meu trisavô Antônio Luiz de Melo era filho de Onofre José de Melo e Cecília Maria das Virgens, oriundos de Pernambuco e fundadores da Casa do Desterro, situada na então Freguesia de Nossa Senhora do Carmo de Piracuruca. Desse casal descendem os Melo do Vale do Longá (Piracuruca, Batalha, Barras, Piripiri e Campo Maior). Antônia Quitéria tinha como pais João Bartolomeu de Carvalho e Mariana Rosa de Carvalho. Eram do município de Piracuruca. Minha avó materna se chamava Maria Carlota, e era chamada de Paroara, dizem que por causa de sua tez alva e rosada como essa flor. Pertencia às famílias Sousa e Mendes, de Piracuruca. Morreu jovem, quando minha mãe tinha apenas onze anos de vida.

Por essa razão, mamãe foi morar com sua tia, irmã de seu pai, Maria Cristina Lima de Melo. Com a morte desta, passou a morar com sua prima Mirozinha, minha madrinha, até casar-se com meu pai. Devo muito a essa madrinha, que me emprestava, através de meu pai, os livros da biblioteca do Grupo Escolar Valdivino Tito e os de seu próprio acervo. Mamãe não guardou traumas e nem mágoas de sua orfandade, e nem de ter morado com esses parentes. Pelo contrário, tinha uma quase veneração por sua tia e por sua prima, e lhes tinha uma devoção de filha e irmã. Quando falava delas, era sempre com saudade e respeito.

Nunca tive paciência para empreender pesquisa histórica e muito menos  genealógica, que acho importante, mas um tanto tediosa, de modo que desejei fazer apenas um breve registro, para que meus descendentes e irmãos conheçam um pouco dos nossos ancestrais. Aliás, meu pai, homem humilde, mas altivo a seu modo e no bom sentido da palavra, sempre foi avesso a empáfias e blasonarias de presumidas e pretensas nobiliarquias genealógicas, sabedor de que todos somos pó e de que ao pó da terra voltaremos. Só me falou, com mais detalhes, de nossos avoengos quando eu já tinha cinquenta anos de idade, por sinal em Piripiri, terra a que somos ligados por laços de sangue, no Auditório Osíris Neves de Melo, quando eu representava várias academias a que pertenço, a convite da professora Clea Rezende Neves de Melo, na solenidade em que foram lançados um livro dela e outro meu, o Lira dos Cinqüentanos.

Meu pai, ainda bem moço, veio para Campo Maior, onde trabalhou na Casa Inglesa. Posteriormente, ingressou no antigo Departamento de Correios e Telégrafos - DCT, através de concurso público, no ano de 1958. No início de sua vida de casado e de servidor público, morou no povoado Papagaio, hoje cidade de Francinópolis, por pouco mais de um ano. O DCT virou ECT, e meu pai terminou indo para Parnaíba, onde por vários anos chefiou a agência local dessa empresa. Mas, amante inveterado e incondicional de Campo Maior, terminou regressando mais uma vez a minha terra natal, onde, aposentado, pratica dominó todos os dias com os irmãos Vicente, Antônio Wilson e Chico Andrade. Minha mãe consagrou todo seu esforço e dedicação a cuidar do marido e dos filhos. E como cuidou!...

OBSERVAÇÃO: o vertente registro foi acrescido, posteriormente, por informações contidas no trabalho Casa do Desterro, da autoria do genealogista e historiador Valdemir Miranda de Castro, publicado em 21.08.2015 no blog poetaelmar.blogspot.com.br, que faz parte do seu livro em elaboração A colonização do Vale do Longá.

18 de março de 2010   

quarta-feira, 27 de abril de 2022

O Almanaque Biográfico





O Almanaque Biográfico 


Carlos Rubem 


Aldemar Nogueira Tapety está em Oeiras revendo parentes, amigos, velhas paisagens. Assistiu a celebrações da nossa Semana Santa.


Filho do casal Bastinho Tapety e Cecy Carmo. Lembro-me dele jogando futebol como lateral esquerdo do Piauí Esporte Clube, time local, nos anos sessenta.


No final de 1970, embarcou num ônibus de Dona Nanu, rumo ao sul maravilha. Em Sampa, muito se esforçou para ter um lugar ao sol. Trabalhou, estudou, concluiu o curso de Administração. Ingressou na Petrobras, exercia o seu labor na área logística. Prestou serviço nesta empresa pública em várias partes do território nacional.


Na Sexta-feira Santa (16.04.2022), foi fazer uma visita de cortesia a Alice (91) e Amália Campos (98), minhas tias. Na oportunidade, foi convidado a almoçar, no Domingo da Ressurreição, na casa do nosso patriarca, Joel.


Na hora aprazada, ele nos apareceu. A sua presença nos alegrou. Jogamos muita conversa fora no calor do reencontro. Relembramos episódios pitorescos.


O Instituto Barros de Ensino - IBENS, a cada ano letivo, promove uma série de estudos sobre a vida e a obra de poetas, escritores ou músicos oeirenses. Publica-se um Almanaque Biográfico constando as impressões dos alunos, de todas as séries, acerca do homenageado escolhido.


Em 2013, foi a vez de se invocar a memória do literato Benedito Francisco Nogueira Tapety (1890 - 1918).


Durante o rega-bofe, a tia Amália disse para Aldemar que tinha uma lembrancinha a lhe oferecer. No entanto, em seguida iria se recolher, fazer a sesta. Depois faria chegar às suas mãos o tal mimo.


No dia seguinte, enviou-lhe um exemplar da dita publicação versando sobre Nogueira Tapety, com a seguinte dedicatória:


“Oeiras, 19 de abril de 2022


Aldemar, meu ex-aluno, queira aceitar, para lembrar a nossa família este número do Almanaque Biográfico que lembra, que nos faz lembrar com orgulho o nosso tio Nogueira Tapety como orador e poeta, apenas com 27 anos de vida.


Com afeto lhe abraça sua prima Amália Campos.”

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Mestre Ageu (*)

Ageu visto por Gervásio Castro

 

Mestre Ageu (*)


Elmar Carvalho

 

Mestre Ageu

mago das artes escultóricas,

novo rei Midas do antigo mito

a transformar em estátuas

troncos toscos de madeira

com os toques de suas mãos.

Mestre Ageu

Pigmalião dos mágicos toques

faz mais uma escultura:

ninguém se espantaria

se ela gesticulando

lhe desse “bom dia”.

Mestre Ageu

de arte tão exata

que lhe força fabricar

o seu cinzel de cortar.

Mestre Ageu

em sua agrura

agora chora ora e deplora

afagando/abraçando/agarrando

a escultura, sua cria/tura:

o compra/dor a veio buscar.

(*) Ageu Alves de Melo (1931-2022), parnaibano, faleceu no começo da tarde desta segunda-feira (25/04/2022).

domingo, 24 de abril de 2022

A despedida dos dentes de leite


 

A despedida dos dentes de leite


Pádua Marques

Contista, cronista e romancista

 

Ninguém chega à velhice com todos os dentes de leite. Essa é uma das mais certeiras verdades ditas, agora quando estamos entrando no conhecido inverno de nossas vidas. E lembrar dos primeiros dentes e dos nossos primeiros medos é alguma coisa tão distante e doída que mais parece que nunca vai passar.

Eu, não diferente das outras crianças do meu tempo, devo ter trocado os dentes de leite por volta dos seis, sete anos. Foi antes de entrar na Escola Técnica de Educação Familiar, a escola pra os filhos de ferroviários, na avenida Presidente Getúlio Vargas, onde hoje funciona um posto do Bradesco.

 Minha primeira professora foi Evangelina Silva, filha do doutor João Silva Filho, moça elegante e que sempre usava um vestido tubinho e tinha um Gordini, carro muito bonito pra época. Ela gostava muito de mim porque eu desarnei logo, aprendi a ler rápido e em seis meses troquei de classe. Ganhei como prêmio um livreto com uma estória de Tom & Jerry.

E naquele tempo, lembro bem hoje, entre medroso e curioso, como eram as crianças do meu tempo, fiquei a imaginar como seria aquele momento extraordinário quando descobri que trocaria de dente. O chato de a gente perder os dentes de leite e ficar banguela por um tempo é que ninguém vai ter noção de quando devem surgir os novos e de que tamanho e formato serão.

E é nesse tempo de nossas vidas que o sofrimento da chateação vem junto com os apelidos vindo de todos, desde os de casa, aos da rua da nossa casa e os da escola. No meu tempo de menino vinha da rua e da escola, lugares de nossa maior presença depois de dentro de casa. Porteira, trave, banguela, caverna e outros tantos apelidos. Porque eu sou de um tempo em que raros eram os meninos que não tinham apelidos.

O chato de se perder os dentes na infância é a gente querer dar gaitadas e lá está a nossa boca sem um cristão de dente da frente que seja. Querer jogar bola e ter medo de levar um chute e se ferir, sair sangue. Nos tempos de escola e sem dentes a gente ficava com vergonha de falar perto uns dos outros. As meninas, pelo menos as meninas de meu tempo, tinham essa mania de cobrança.

Mas essa despedida dos dentes de leite nunca foi uma coisa fácil de aceitar. Lá um belo dia quando a gente ao menos esperava, um deles, justo nos da frente, aparecia mole. E nossa mãozinha de criança ajudava um pouco pegando aqui, torcendo ali. Corria a contar pra mãe, pra tia, pra irmã. Todo mundo vinha ver de perto nosso primeiro dente de leite se aprontando a deixar a nossa boca. E dentro de pouco tempo a operação de arrancar era preparada.

No meu tempo era assim. A mãe pegava um pedaço de linha de costura, marca Círculo, e amarrava o dente abaixo da gengiva. E a gente ali se pelando de medo e morrendo de curiosidade pra logo em seguida correr até um espelho e ver como deveria ficar banguela e coisa e tal. O movimento da mão de nossa mãe era firme e rápido. Em segundos o dente estava na palma de sua mão. Nosso coração nesse momento batia a mil por segundos.

Depois a gente corria com o dente de leite arrancado na mão e ia direto até o canto da casa e se punha a dizer: Mourão, Mourão, pega teu dente podre e me dá o meu são! Mourão, Mourão, pega teu dente podre e me dá o meu são! Era e tinha que ser desse jeito, sem errar. E mais depois minha mãe era de trazer um copo com água de sal e a gente lavava a boca. Era pra limpar a cavidade e estancar o sangue. Calcule só, nem saía sangue do dente de leite!

 

Até ali tudo bem porque ainda não havia saído até a rua e ser visto pelos amigos de brincadeiras e os da escola. E na escola é que seria a segunda parte de nosso sofrimento por ter perdido o dente de leite. Por outro lado, a troca deles era, mas a gente mal percebia isso, sinal que a gente estava crescendo a ficar rapazinho e dentro de mais um pouco seria um homem.

Mas os dias iam passando e aos poucos, tanto dentro de casa quanto fora, o mundo ia se acostumando com nossa cara nova, ao abrir a boca dando uma gaitada boa, sorrir de leve de algum acontecido próximo e tudo o mais. E mais dia menos dia, quando um dia menos se esperava, ao fazer caretas olhando no espelho ao escovar os dentes que ficaram, aparecia a pontinha de um dente novinho e agora mais forte e pra vida toda.  

quinta-feira, 21 de abril de 2022

ZEFERINO E A MATEMÁTICA MODERNA

 

Fonte: Google

ZEFERINO E A MATEMÁTICA MODERNA


Elmar Carvalho


No meu périplo campomaiorense, por ocasião da inauguração do Memorial e da sede da Academia Campomaiorense de Artes e Letras revi o Zeferino Alves Neto*, um guerrilheiro da cultura e agora blogueiro. Foi meu professor de matemática, creio que em 1969, no meu primeiro ano do antigo curso ginasial, no único ano em que estudei no Colégio Santo Antônio, de que foram fundadores, entre outros, os velhos mestres padre Mateus, professor Raimundinho Andrade e o juiz Hilson Bona.

A seguir, estudei o segundo ano ginasial na cidade de José de Freitas, da qual guardo ótimas lembranças. Fiz o terceiro e o quarto ano, de volta a Campo Maior, no Colégio Estadual, que hoje, com muita justiça, tem o nome do professor Raimundinho Andrade.

Devo dizer que Zeferino, o ZAN, foi o único professor de matemática de que não tive medo, e observo que foi através de suas aulas o meu primeiro contato com a então chamada Matemática Moderna, cheia de sinais gráficos, desenhos geométricos e noções de conjunto, e outros artefatos pavorosos.

Sempre tive terror dessa matéria, e por isso escrevi em versos:  A matemática / me enlouquece: / por isto meu pensamento / salta de mais infinito / a menos infinito (…).   Alguns professores dessa disciplina aparentam ter certa inclinação para o sadismo, e parecem se comprazer com o medo que infringem aos discípulos. ZAN sempre foi um humanista, um guerreiro do bem, e não torturava seus alunos com ameaças e perspectivas de reprovação.

Como em 1975 deixei definitivamente Campo Maior, com minha ida para Parnaíba e depois Teresina, por décadas o perdi de vista. No começo dos anos 2000, quando lancei meu livro Rosa dos Ventos Gerais em Brasília, voltei a vê-lo, uma vez que ele foi a essa solenidade cultural. Depois, consegui rastreá-lo através dos mares internéticos.

Com o seu retorno a nossa cidade natal, tenho-o visto mais amiúde. Conversamos algumas vezes. Em seus comentários em blogs e sites, nota-se o seu apurado senso de humor e a sua preocupação com a cultura e o bom andamento da administração pública. Além de escritor, radialista, jornalista, blogueiro, é eminentemente um homem de teatro, tanto como teatrólogo, como também na qualidade de ator e diretor.

Embora a sua veia humorística esteja sempre afiada e armada, noto-lhe a preocupação constante em não ferir as pessoas, mas apenas em divertir-se e diverti-las. Portanto, o caríssimo ZAN sempre será Zeferino, mas jamais Zé Ferino, para fazer um trocadilho cretino, e continuar no meu rimar genuíno, sem perder o tom e o tino.

* Zeferino Alves Neto, o ZAN, veio a falecer em 25/02/2015, em Campo Maior.

17 de março de 2010

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Possidônio continua esquecido



Possidônio continua esquecido 


Carlos Rubem 


No ano passado, neste mesmo espaço, o romancista José Expedito Rêgo escreveu um artigo no qual fez um pedido aos oeirenses e seus governantes “para que se publiquem os valiosos escritos de Possidônio Queiroz”.


De fato, da década de 20 para cá, tudo de sério que se fez em Oeiras contou com o concurso do velho professor. A criação da Associação Comercial, da União Artística, da Diocese, do Ginásio Municipal, do Instituto Histórico, apenas para citar estas instituições, foram forjadas com o seu decisivo despreendimento e talento. Só não ajudou a criar cabaré, mas escreveu um discurso para ser lido nesse ambiente, a pedido!


Diretor da Secretaria da Câmara Municipal por largo tempo. Aposentou-se neste cargo, compulsoriamente. “Era calígrafo incansável e ninguém melhor do que ele redigia uma ata com a devida clareza, correção de linguagem e perfeição de detalhes”. Certa feita, o Prof. A. Tito Filho declarou, também em artigo aqui estampado, que gostaria de vê-lo na APL.


Octogenário. Embora lúcido, vem padecendo dos achaques da vida: visão curta, ouve com dificuldade. O seu aparelho auditivo só vive no prego. Tem provisão de paciência bastante para esperar a publicação de sua preciosa obra musical através da Fundação José Elias Tjara. 


Quanto à sua prosa, não se ilude. Não dispõe mais de força física para coletar os seus escritos. Nem de recursos financeiros para tanto. Em verdade, nunca atinou para isto. Aliás, com a morte do literato Bugyja Britto (03.12.1992), seu admirado amigo, perguntei-lhe se já tinha passado telegrama de pêsames a D. Olívia, viúva. Com a natural dignidade ponderou: — Jovem, estou desfalcado. Fiquei inerte, um nó apertou minha garganta.


Quando de sua aposentadoria, os diligentes edis, num rasgo de compaixão, concederam-lhe, a partir de então, proventos na base de um salário mínimo. Ao passar para o quadro inativo, dito cargo já foi ocupado por duas senhoras inteligentes. A atual vem percebendo do erário público mais, muito mais do que um salário mínimo. Quanto a isto, nada tenho a acrescentar. Deve ser legítimo. O que me deixa intrigado, revoltado até, é saber que o modesto servidor continua recebendo aquela aviltante importância. 


Isto faz a gente lembrar, traçando um paralelo, as inúmeras sinecuras que existem por este Piauí afora, mormente na Assembleia Legislativa. Eita Brasil velho sem jeito!


Em razão destas garatujas, torço para que não aconteça com o Prof. Possidônio — mestre de todos nós — o que ocorreu com o José do Patrocínio, outro negro de alma pura. Com a derrocada do Império, “veio de queda em queda, até a miséria feroz”. Certa vez, Coelho Neto foi visitá-lo. Impressionou-se. Lançou um artigo descrevendo as privações do “Tigre da Abolição”. Resultado prático: o padeiro de Patrocínio cortou-lhe o crédito.


Vejamos, no dia me que o Prof. Possidônio Queiroz falecer haverá políticos e pessoas outras, com a sua fúria tribunícia, à beira da sepultura. Irão discursar exaltando as qualidades do grande sábio. Se Deus quiser, estarei presente. E direi entredentes: – Falsos! 


“O DIA” - 1º de setembro de 1993


Possidônio Queiroz - 17.05.1904 - 01.01.1996)

segunda-feira, 18 de abril de 2022

QUEM DERA ESTIVESSEM AS PESQUISAS EQUIVOCADAS

 

O culto a si mesma   Fonte: Google

QUEM DERA ESTIVESSEM AS PESQUISAS EQUIVOCADAS


Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

 

                Isto não foi Sandoval que me contou: eu vi. Ao chegar, naquela mesa do restaurante, já lá estava um jovem casal. Pareceu-me que o moço queria fazer um pedido ao garçom; como a lhe pedir vênia, olhou, em vão, para a companheira, que não tirava o olho nem os dedos do aparelho - que, um dia, teve como principal função, fazer e receber ligações telefônicas -, ao qual, vez ou outra, colocava, horizontalmente, à altura do ouvido do lado contrário ao companheiro, quem sabe para que ele não ouvisse o que falavam do outro lado da linha. Fez o pedido, por conta própria.

                Minutos depois viria o garçom com um frasco de vinho e duas taças; colocou um pouco na sua para que o cidadão degustasse e, uma vez aprovado, completou-a; porém, não a da senhora, que continuava entretida na sua silenciosa atividade de comunicação. O moço fez sinal ao profissional para que levasse a garrafa, mas deixasse a taça vazia na mesa.

                Ao fundo dois violonistas e uma cantora alegravam o ambiente. Cruzando os braços, o cidadão virou-se o mais que pôde para melhor visualizar os músicos, quase em diagonal com sua acompanhante que, tudo indicava, sequer percebera a manobra e o reposicionamento do moço.

                Algum tempo depois, ele se levantou e foi à bancada de frios; no percurso, cruzou com o garçom, a quem pediu água mineral; em seguida, voltaria com sua tábua à mesa, onde chegaria ao mesmo tempo que o garçom com a água solicitada. O funcionário supriu-lhe a taça e decidiu conversar alguns minutos com o cliente, talvez, fazendo-lhe companhia, haja vista a cidadã continuar ensimesmada com seu smartphone, vagueando e zapeando por suas redes sociais.

                Mais ou menos uma hora após nossa chegada - minha com a patroa e um dos filhos -, o cidadão decidiu ir embora; já havia consumido a quantidade de vinho que pretendia e degustado os frios escolhidos. Pediu, com um gesto ao garçom, a conta, que ele trouxe rapidamente; conferida, aprovada e paga, levantou-se, deu um toque na patroa que parece haver se assustado com a inesperada ação. E saíram.

                Não sei se ela já teria chegado ao restaurante após jantar e tomar os drinques prediletos, fato é que eles não se falaram durante aquela mais de uma hora em que os vi. Se tal modo de agir era comum entre eles, ou não; se o pau comeria quando chegassem ao carro, em casa ou qualquer outro lugar, somente os jornais do dia seguinte diriam, ou não.

                A este episódio, também testemunhei, em outro restaurante. Na grande mesa à frente da nossa, estavam um casal mais idoso, duas mocinhas e três garotões. Todos, à exceção da matriarca e do marido, já armados e disparando seus smartphones rumo às redes sociais preferidas. Cabeças baixas, apenas a madame dava conta do que acontecia ao redor.

                Já que ninguém da mencionada mesa parecia manifestar qualquer interesse em ser atendido, os garçons passavam ao largo, indo ocupar-se de outros clientes. Lá pelas tantas, o senhor, como que assustado, virou-se para sua senhora e perguntou pelo garçom, ao que ela respondeu: “deve estar por aí”. Vendo um deles, chamou-o, sendo avisado pelo mesmo que outro é que atendia sua área. E este chegou. Pelo que pude perceber, o cidadão perguntou à patroa o que deveria pedir para a “meninada”. Ela lhe disse para ele pedir o que quisesse, pois a moçada se virava. Uma cerveja, um refrigerante e alguns copos traria o garçom, logo em seguida. E a rapaziada, literalmente, seguia cada um na sua: teclando, sorrindo, autofotografando-se, interagindo, se fosse o caso, com algo ou alguém do outro lado das telas.

                Um dos rapazes, mais tarde, sem largar seu aparelho, pediu ao pai – levantando o copo – cerveja. Brindou com ele, deu uma bicada e retornou à sua atividade solitária.

                Algum tempo depois, talvez já cansados com a falta de papo, ou do pessoal da mesa, dois jovens casais levantaram-se, acenaram, mecanicamente, despedindo-se dos que ficaram, e saíram, abalroando mesas e cadeiras, pois não conseguiam tirar o aparelho da frente dos olhos, nem os dedos dos viciantes teclados, onde digitavam, desvairadamente.

                Diante do que acabara de presenciar, quedei-me em indagações. Não consegui deixar de considerar inexplicável ou, no mínimo, desrespeitoso para com as demais pessoas da mesa, que, certamente, convidaram-nos para conversar, rirem, falar alto; bater papo, jogar conversa fora, discutir sobre política, futebol, religião, a violência das ruas, a incompetência dos governantes e parlamentares e, quem sabe, almoçar, tomar uns drinques, os que saíram terem se postado tanto tempo, silenciosamente conectados, comunicando-se, virtualmente, com alguém que talvez estivesse ao lado, em frente, ou a quilômetros de distância. Por que teriam aceitado o convite se não havia qualquer interesse em conversar, pessoalmente?

                Quiçá não venhamos reclamar do que pesquisas mais sérias, mesmo científicas, já andam anunciando: que estamos emburrecendo, ficando menos inteligentes, mais idiotas nestes tempos de permanente conexão à rede mundial de computadores e às redes sociais. Não é mesmo, Sandoval?            

domingo, 17 de abril de 2022

GRAN FINALE

 

Fonte: Google

GRAN FINALE


Elmar Carvalho

 

Desmanchei

com minhas mãos

que os criara

os deuses em que cria.

Desfiz

a imagem que fizera

da mulher amada.

Perdi a fé em tudo

como quem nada perde.

Depois

gritei, berrei,

chorei gargalhando

e resolvi ficar louco.

Depois de doido,

resolvi tentar a sorte

            sal –

                        tan-

                                    do de cabeça

do alto do arranha-céu.

 

           Parnaíba, 15.06.78  

sábado, 16 de abril de 2022

O HOMEM QUE DAVA LEITE

Foto meramente ilustrativa    Fonte: Google


O HOMEM QUE DAVA LEITE

Possidônio Queiroz (1904 - 1996)

Parece que ainda estou a ver. Estatura mediana, gordo, por isso mesmo parecendo mais baixo, xingador, amante de uma boa pinga, palavroso, quase valente, festeiro, vaqueiro hábil e corajoso. 

Há quarenta anos atrás, todo mundo o conhecia em Oeiras. Residente no interior do município, no lugar Malhada Real, a poucas léguas da sede, vinha constantemente à cidade. Aqui privava com as pessoas mais categorizadas. Muitos gostavam de ouví-lo, porque a conversa entremeada de palavras menos doces, de constantes invocações ao Diabo e de pilhérias salgadas, despertavam gargalhadas estrepitosas.

Raimundo Figueiredo nunca vinha à cidade sem paletó. A camisa, porém, lhe aparecia por baixo do paletó, na frente e atrás, porque a trazia sempre por fora das calças. Isto lhe dava um  aspecto bizarro.

Quando moço foi acometido de pertinaz moléstia, que, por pouco o não levou à sepultura. Permaneceu em estado de coma por vários dias. Restabelecido, contava, grave, sentencioso, que estivera no inferno e que lá vira muita gente conhecida, cujos nomes declinava. Desde então, tornou-se famigerado praguejador, vomitando injúrias, a cada momento.

O que vai dito bastava par a definição do homem que veio do “outro mundo”, sobremodo amigo do Tinhoso, amigo de tal forma que não lhe podia nunca tirar o nome da boca. Entretanto, não é sob este aspecto, que lhe queremos focalizar a personalidade. O que vamos dizer de Raimundo Figueiredo, é que ele era um homem que dava leite, e dava muito leite. 

Gostava de dizer, de afirmar essa faculdade que possuía, que, de certa forma, o colocava acima dos outros homens, que não sabiam dar leite. E não admitia que ninguém lhe duvidasse da assertiva. A mais de uma pessoa, por duvidar do que ele dizia, sujou a cara e a roupa de leite. Era desacreditá-lo, e ele, num movimento rápido, sacava de sob as vestes um peito enorme, referto do líquido branco, e, sem mais demora, mandava contra o incrédulo um forte esguicho que o molhava todo.

Raimundo Figueiredo amamentou a mais de um filho. Não gostava de ouvir choro de criança. Por isso, quando a mulher saía para lavar roupa e a criança tinha fome, ele acalentava o filho pequeno, dando-lhe o peito a mamar. Daí lhe adveio o criar leite, e muito leite. Cabra macho, não ajeitava contenda.
Ginecomasto, na expressão da palavra, possuía mamas enormes. Neste particular poucas mulheres lhe levam a palma.  Podia tirar, dos grandes peitos, sempre refertos, como costumava afirmar, copos de leite. Isso, eu o ouvi dizer de mais de uma vez.

Gostava muito de sambar, de comandar as danças nos folguedos roceiros. Nas festas de casamento, nunca deixava de pronunciar discursos bombásticos, geralmente muito aplaudido.

Era perdido por mulheres. Casado, tinha cinco ou seis filhos do matrimônio e vários de contrabando. Se fosse vivo estaria escandalizado por ver tantos homens operando-se, no desejo insólito de se transformarem em mulheres. Não fez nenhuma operação. E, no entanto, tinha seios enormes e amamentou crianças. Cousas da vida!

Oeiras - 1976

quinta-feira, 14 de abril de 2022

NO BAR DO ZÉ LIRA

 

Fonte: Google/Campo Maior em Foco

Foto meramente ilustrativa   Fonte: Google/SESC-RS


NO BAR DO ZÉ LIRA


Elmar Carvalho


Estive ontem, no que eu chamo de “rápida circulação etílico-cultural periférica”, no bar do Zé Lira. Gosto de ir para lá porque fica perto da linha férrea, onde outrora passaram trens e locomotivas diversas, inclusive velha, negra e enfumaçada maria-fumaça, que passava bufando, resfolegando, enfeitada com o seu penacho de fuligem, a apitar saudosamente, como a dizer adeus a um tempo que não perduraria muito, e nas proximidades da casa grande da Fazenda Estrela, que ainda está de pé, embora quase em ruínas.

Mas vou, principalmente, porque de lá tenho uma bela visão da pequenina Serra Grande, na verdade morros isolados de Santo Antônio do Surubim, além de que, na ida e na volta, contemplo o pequeno, porém grande em beleza, Açude Grande. Ali perto, existiu um campo de futebol, chamado de rabo-da-gata, onde eu me transformava em verdadeiro gato, a fazer belas, elásticas e acrobáticas defesas, segundo dizem alguns amigos “pebolistas”.

Zé Lira é um cidadão sério e trabalhador, e que imprime respeito ao ambiente. Ontem, admirado com a qualidade das músicas que estavam sendo tocadas em seu aparelho de som, perguntei sobre quem as pedira. Com um sorriso traquina, respondeu-me que fora ele mesmo que as pedira. Tornou a repetir que gostava de pescarias e caçadas. Acredito que a afirmativa não é história de caçador e nem de pescador porque ele teve a humildade de dizer que era caçador de mocós, preás e outros pequenos animais, e não de onça.

Falou que é natural do município de Barras, de uma localidade situada entre Cabeceiras e a sede daquele município, porém depois foi residir num local perto do cruzamento da estrada que vai para Boqueirão com a BR.

Quando estava já quase de saída, em companhia do Zé Francisco Marques, chegaram o Sílvio Andrade e o Leni, meus velhos conhecidos. Sílvio é irmão de meu saudoso cunhado Zé Henrique, filho de dona Conceição e senhor Antônio Almeida, ambos falecidos. Fomos vizinhos na adolescência, quando nossos pais moraram perto, em casas que ficavam na rua do Estádio, a Capitão Félix.

Quando morei nessa rua, costumava jogar bola no campinho que ficava na beira do açude, numa praia de alvas e finas areias, em que perpetrei algumas “pontes” ornamentais, verdadeiras pontes estaiadas, na posição de goleiro. Esse campo ficava detrás da casa do tenente Jaime da Paz, ex-prefeito de Campo Maior, em cujo quintal verdejavam e se requebravam vários coqueiros, que me lembravam o mar que eu ainda não conhecia, a não ser por fotografias e pelos filmes exibidos no inesquecível Cine Nazareth.

Esse campo depois foi soterrado pela avenida de contorno da laguna, mas teima em existir na minha saudade. Nesse tempo ditoso, o açude praticamente não era poluído, e após o jogo tomávamos gostoso banho nas suas águas tépidas e de pequeninas ondas.

Depois, passei a jogar no campo do Grupo Escolar Leopoldo Pacheco, que era ingrato, áspero e intratável, como o cacto do poeta Bandeira, por causa da piçarra do terreno, que era uma verdadeira lixa a esfolar a pele dos atletas, principalmente goleiro, como era o meu caso. O imperador da época e do pedaço era o Otaviano, que até tem mesmo nome de imperador romano; era o dono da bola e do time.

Como não poderia deixar de ser, falamos do Zé Henrique, que, além de irmão do Sílvio, era amigo de nós três. Lembramos que, algumas vezes, quando tocado de leve pelo álcool, ele chegava a dar a própria camisa, quando se comovia com a pobreza de algum pedinte que o abordava. Foi bom rever esses amigos, e com eles ter confraternizado e conversado.

15 de março de 2010   

quarta-feira, 13 de abril de 2022

A CIDADELA DO ESPÍRITO



A CIDADELA DO ESPÍRITO


José Expedito Rêgo (1928 - 2000)


As más línguas costumam parolar que determinados escritores têm por hábito rasgar seda entre si, toda vez que uma obra nova é publicada. Não é bem assim. Não me considero crítico literário, mas a leitura de certos livros me deixa uma coceira mental, um impulso irreprimível de comentário. Assim aconteceu com A CIDADELA DO ESPÍRITO – um estudo sobre a arte sacra na obra de Eça de Queiroz – de autoria do oeirense, DAGOBERTO CARVALHO JR.


Desde que li Notre-Dame de Paris, ainda no tempo de ginásio, achei simplesmente paulificante a descrição interminável que Victor Hugo faz da esplêndida catedral. Há quem diga que se, por desgraça, o famoso templo, algum dia, ruísse e por terra, poderia ser refeito, igualzinho, graças ao relato do mestre francês. Pode ser. Mais que eu achei maçante, achei. Fiquei, então, prevenido contra estudos descritivos de igrejas ou qualquer outra estrutura arquitetônica. 


Comecei a mudar de opinião ao conhecer a dissertação de mestrado de Dagoberto, A TALHA DE RETÁBULOS NO PIAUÍ. E agora confesso que tive um prazer muito grande na leitura do novo ensaio eciano. O autor conhece a fundo a arquitetura sacra de Portugal, em todos os tempos, e, sem cansar o leitor, vai mostrando, com muita erudição, sem contudo abusar de terminologia técnica, toda a beleza desse maravilhoso mundo artístico. Descobrindo que a obra de Eça encontra-se impregnada pela arte sacra portuguesa, com edificações dum estilo jesuítico... imagens de Cristo cheio de chagas roxas sobre a sua cruz de pau-preto... fachada de igrejas negra e muda... a castíssima Senhora do Patrocínio e todas suas estrelas... E não só Portugal, também Nápoles de rugas escuras, quentes, com retábulos da Virgem, e cheirando a mulher... Mais ainda o Cairo e suas quatrocentas mesquitas, onde floresce a graça do minarete esbelto.


Quando um crítico não aprecia o modo de escrever de algum autor, mas deseja elogiá-lo, por cortesia ou bajulação, diz que o tal fulano tem um estilo escorreito e enxuto. Enxuto coisa nenhuma! Secura não à boa qualidade na arte literária. O estilo de Dagoberto é rorejado de tenro orvalho, a humidade necessária para aumentar o brilho a graça das observações oportunas e inteligentes.


Todo o contexto do livro é um vasto campo perolado, do mais fino lavor da prata antiga, onde se incrustam, realçando como pedras preciosas, as gemas coloridas das citações ecianas.   

terça-feira, 12 de abril de 2022

El mar

 

Boneco criado por minha irmã Maria José, em que sou representado como membro da Academia Piauiense de Letras (manto) e como juiz (martelo).

El mar

 

 Sousa Filho

 

A Elmar Carvalho, uma singela homenagem pela passagem do seu aniversário

 

O  mar, o sol

El mar, el sol

Eres el mar, Elmar.

Eres el sol

Eres sol y mar

És Carvalho: longevo, imponente.

Feliz cumpleaños, nobre Elmar Carvalho.

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Elmar Carvalho em três presentes

 

Presente produzido por minha irmã Maria José e por seu filho Almeida Neto
Charge elaborada pelo amigo e grande chargista Fernando di Castro
Boneco confeccionado por minha irmã Maria José, em que sou homenageado como juiz (martelo) e como membro da Academia Piauiense de Letras (manto).  


sexta-feira, 8 de abril de 2022

A EXISTÊNCIA DE DEUS E OS SEUS PLANOS

Fonte: Google

 

A EXISTÊNCIA DE DEUS E OS SEUS PLANOS


Elmar Carvalho


Releio, pela enésima vez, este texto de Epicuro: “Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto, nem sequer é Deus. Se pode e quer, o que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então a existência dos males? Por que razão é que não os impede?”

Nunca me inquietei com essas indagações, e sempre tive resposta para elas. Apenas nunca externei o que sempre esteve em minhas convicções e fé. Enfrentarei a problematização da primeira parte da citação e tentarei encontrar uma resposta. Em momento algum Epicuro negou a existência de Deus. Portanto, a admitiu. Aliás, todas as perguntas partem do pressuposto de que Deus existe. Faz tempo venho adiando escrever uma crônica, que forceja em meu cérebro, louca para ser dada à luz da publicidade. Escrevê-la-ei agora, e com ela tentarei responder aos questionamentos epicurianos.

Quando fiz minhas primeiras viagens aéreas, tinha muito medo, e sequer olhava para as belezas que poderia ver da janela, fosse uma bela e verdejante colina ou uma caprichosa enseada marinha, ou fosse o celestial alumbramento das nuvens, nas quais gostaria de deitar e rolar. Entendi que esse medo de nada adiantava, já que eu era forçado a enfrentar a viagem. E se houvesse algum acidente, de nada me valeria essa inquietação. Portanto, era inútil, e apenas me incomodaria durante o voo.

Além do mais, considerando que avião é o meio de transporte mais seguro, exceto elevador, eu apenas sofreria por algo que dificilmente iria acontecer. Por outra parte, raciocinei que o avião fora construído por quem sabia o que estava fazendo, por quem tinha conhecimento, ciência, experiência, e a mais avançada tecnologia e os mais adequados e sofisticados materiais.

Também pensei com os meus botões: quem o pilotava sabia o que estava fazendo, estudara, tinha um plano de voo e igualmente seria vítima de eventual erro que cometesse, pelo que agiria sempre com responsabilidade e prudência. Assim, decidi confiar, mesmo porque não poderia fazer outra coisa, uma vez que resolvi entrar na aeronave.

Da mesma forma, para responder às indagações do filósofo, direi que Deus, cuja existência ele admite no enunciado de seu silogismo, tinha e tem pleno conhecimento de sua obra e, certamente, tem um plano maravilhoso e perfeito, como só podem ser as obras divinas. O que sucede é que nossa inteligência e nossos conhecimentos são diminutos, para que possamos entender a mente e a inteligência infinita de Deus, como igualmente não conhecemos os pormenores de seu plano.

Ora, quanto mais o homem tenta perscrutar os umbrais do infinito, do infinitamente grande, mais novas grandezas ele descobre no espaço sideral. E, quanto mais se volta para o infinitamente pequeno das partículas e da mecânica quântica, mais se surpreende com subpartículas cada vez menores e cada vez mais sutis.

Até já disse, num de meus poemas, que atingi o infinito ao ficar infinitamente pequeno. Dessa forma, entendo que não devemos nos preocupar com as indagações do velho Epicuro. Confiemos no criador da aeronave, que é Deus, e confiemos no plano de voo do piloto, que também é Deus. Talvez Ele, que é perfeito, não tenha desejado criar uma obra pronta e acabada, mas uma em construção, em permanente marcha para a perfeição, apesar dos momentâneos e aparentes retrocessos.

E, no final dessa odisseia, que é a própria existência, chegaremos ao porto final, sãos e salvos, puros e redimidos, recolhidos ao corpo místico de Deus, como pequeninos agasalhados em colo aconchegante e protetor.

Para finalizar, considerando que Epicuro fez várias perguntas, seguindo as pegadas e as lições de Lavoisier, quero fazer apenas uma: será se algo ou alguém que obteve a existência poderia algum dia perdê-la, ou haverá apenas uma transformação existencial, uma nova dimensão do existir, do ser? Sem ansiedades, confiemos e esperemos. Em Deus.

10 de março de 2010

quarta-feira, 6 de abril de 2022

ALGUMA POESIA

Fonte: Google


ALGUMA POESIA


José Expedito Rêgo


Drummond, ainda em vida, dizia não se considerar o maior poeta do Brasil. Ele era modesto. Os grandes homens, de real valor, são, via de regra, humildes. Bernard Shaw não era, nem Voltaire, exceções por certo. Não acredito porém que fosse por falta modéstia que o poeta de Itabira não se julgava o maior. Era sinceridade. Explicava: “Não há maiores poetas, há poetas”. Citava outros que achava muito bons: Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Olavo Bilac, Augusto dos Anjos, Manoel Bandeira. Cada qual na sua época, em diversas escolas literárias, seguindo tendências diferentes, mas todos grandes. 


Realmente, Bilac, dentro de sua maneira de encarar a arte poética, atingiu a perfeição. Sua poesia era inspirada, correta na forma, de inigualável beleza e sensibilidade.  Quem não recorda o Ouvir Estrelas?  Casimiro de Abreu, poeta da infância brasileira, nunca me esqueço dos Meus Oito Anos: “Oh! Que saudades que tenho...” E a Canção do Exílio: “Minha terra tem palmeiras, onde canta o Sabiá...”. São versos que caíram na boca do povo, todo mundo sabe de cor.  Manuel Bandeira teve também momentos de rara inspiração e realização estética.  Mas, no meu fraco entender, nenhum outro poeta brasileiro dominou tão bem a arte de fazer versos como o paraibano Augusto dos Anjos. Ele encontrava a palavra exata, para colocá-la no lugar certo, em versos de metrificação rigorosa e cadenciado ritmo, usando rimas do melhor efeito, tudo dentro de impecável harmonia: 


“É a meretriz que de cabelos ruivos, 

colérica, soltando hórridos uivos,

na mesma esteira pública recebe,

entre farraparias e esplendores,

o eretismo das classes superiores

e o orgasmo bastardíssimo da plebe.”


A poesia de Augusto nada tem de romântica. É realista, muitas vezes brutal: “Um urubu pousou na minha sorte!” Claro que não podia ser popular.  Seu linguajar é difícil, erudito, requer leitura atenta:


“... também das ditomáceas da lagoa

 a criptógama cápsula se esbroa...”


Na verdade, Drummond deve ser o maior de nosso tempo. Em cada época, dentro diferentes concepções da beleza, na arte poética, tivemos nomes tão grandes quanto o dele.   

terça-feira, 5 de abril de 2022

Um poema de Walter Lima

 

Fonte: Google

1705.01

 

Walter Lima

 

Maria, a concebida, renome de 14 gerações,

Atrás temos Davi, Abraão, Moisés, Noé, Adão.

Reunião de tantas gerações para se chegar no

Inexplicável feito inicial.

A história da Criação assim se deu:

 

Desde a Gênesis de tudo quando

Ele na sua infinita perfeição

Reformulou o que não era Nada,

Infinitamente calculou, mediu imensidões

Somou, multiplicou, pôs tudo e

Mais um tanto no nivelamento, ocorreu

As divisões entre Céus e Terra, firmamento,

Reuniu Sabedoria na criação das estrelas, astros.

 

Sim, na Terra dia a dia Fez criação de

Ilimitadas espécies, animais, peixes, insetos...

Lua, Sol, planetas, astros, tudo em seu lugar. Por último

Veio à lume o ser perfeito, Adam e da costela saída

A Madam, perfeição total, o ser “mulher”.

“Descansou Deus quando viu tudo que fez era bom.”

MD.

17/05/2019.   

domingo, 3 de abril de 2022

Seleta Piauiense - Hermes Vieira

Fonte: Google


Lamentos de Mãe-da-Lua


Hermes Vieira (1911 - 2000)


"No sertão, nos matagais,

Quando vai no céu a lua

E nas fontes cristalinas

O luar meigo flutua,

Um silêncio agreste e doce

Deixa tudo extasiado;

Pelo espaço enluarado.

 

E uma voz dolente ecoa

Essa voz que dissimula

Uma dor a gargalhar,

É notória no sertão

Pelas noites de luar.

 

É a voz da Mãe-da-Lua

A chorar o ausente esposo

Que, segundo afirma a lenda,

teve um fim misterioso.

 

Era um pobre lenhador;

Certa vez, indo lenhar,

Por motivo inexplicável,

Não voltou mais ao seu lar.

 

Mãe-da-Lua, em desespero,

Coração angustioso,

Atirou-se pelas brenhas

A procura do esposo.

 

Andou muito, mas, debalde:

O marido não encontrou,

E por isso nunca mais

A cabana ela voltou.

 

E depois, num ramo nu,

Sob um manto de luar,

Outras aves encontraram

Mãe-da-Lua a soluçar.

 

Não querendo a infeliz ave

Pelas outras ser zombada,

Logo o pranto simulou

Numa triste gargalhada.

 

E num galho, solitária,

Mergulhada no luar,

Ela ainda continua

Com seu triste gargalhar.

 

Como oculta a Mãe-da-Lua,

Gargalhando os seus tormentos,

Muitos riem, assim também,

Ocultando os sofrimentos". 


Fonte: Cecordel, acesso em 03/04/2022