domingo, 29 de dezembro de 2024

MÍSTICA

 



MÍSTICA


Elmar Carvalho

 

           I

 

Arrebatado por um carro de fogo

eu próprio em fogo transformado

os céus galguei

as fúrias todas como louco aplaquei

e a escada cintilante de Jacó

passo a passo subi.

Devassei as vísceras mecânicas

da baleia do profeta

e a gênese do primeiro

átomo desvendei.

Penetrei o caos primacial

e o primeiro vagido

da vida escutei.

E Deus estava lá

por trás de tudo:

logo após em regressão

a explosão do átomo primordial.

 

           II

 

Meu anjo da guarda

em sete anjos transmudado

minha guarda de honra revistava

e com sua espada de fogo

ou raio laser

franqueava-me a entrada

da gruta dos leões

enquanto Daniel dormia

à minha sombra.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Inaugurado o Cantinho da Leitura Poeta Elmar Carvalho


 

Inaugurado o Cantinho da Leitura Poeta Elmar Carvalho

 

No povoado Várzea do Simão, município de Buriti dos Lopes (PI), nesta quarta-feira, dia 25, às 17 horas, foi realizado o evento de inauguração do Cantinho da Leitura Poeta Elmar Carvalho.

Inicialmente, Fátima Carvalho, sua idealizadora, falou sobre a importância e objetivo desse projeto, e da necessidade de sua continuidade, em outros eventos similares.

Em seguida o poeta Elmar Carvalho falou sobre a importância da leitura e da necessidade de que essa atividade seja estimulada a partir da primeira infância, com os pais e os mestres lendo ou contando histórias para as crianças, para que estas criem o hábito saudável de ler. Aduziu que a leitura é um passatempo prazeroso, além de útil para um melhor rendimento escolar.

Acrescentou que com o gosto da leitura a pessoa desenvolve sua criatividade, seu senso crítico e de análise e sua cultura, bem como o aprimoramento da arte de bem escrever. Disse que com essa habilidade a pessoa poderá ter sucesso em sua vida profissional e conseguir bons ou melhores empregos, através de concurso público.

Quem ler bem, pensa melhor, tem mais informações e escreve de forma mais eficiente, clara e correta.

O belo painel ornamental do evento foi elaborado por Constância Vieira.

Foram homenageadas as primeiras professoras do Grupo Escolar João [Simão] Rodrigues, hoje inativo e deteriorado, Remédios [Simão] Rodrigues e Amparo Rodrigues, que falou sobre sua vida e sobre sua experiência profissional na referida escola.

A jovem estudante Maria Clara leu um texto sobre o nascimento de Jesus e a professora Audiceia fez a leitura da história dos Três Porquinhos, o que encantou as crianças e os adultos presentes.

Depois, houve brincadeiras, dança e distribuição de presentes, sob a animação e apresentação de Elmara Cristina.

O evento aconteceu no recinto da igreja de N. S. Aparecida, ainda em construção, por falta de outro espaço público.

Assim, a comunidade de Várzea do Simão tem o desejo de que o antigo Grupo Escolar João Simão (hoje inativo) seja restaurado e transformado em um Centro Comunitário, para instalação de uma biblioteca infanto-juvenil, e onde eventos de leitura e contação de histórias possam ser realizados, assim como realização de palestras, reuniões, festa do Dia das Mães e do Dia das Criança, aulas de reforço escolar, e para prestação de serviços públicos, como aplicação de vacina, consulta médica, atendimento odontológico e outras atividades da comunidade e do Poder Público.  

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

É NATAL!!!!


Arte: Elmara Cristina


É NATAL!!!!


Joames


É Natal! Há nas mesas da nobreza

Suculentos manjares e licores,

Lisonjeiros afagos, luzes, cores,

Dando sim, ao evento mais beleza.


Tudo é pompa, com ares de riqueza,

Na cozinha, na sala e corredores,

Em um jarro de prata, muitas flores

Perfumando o local e redondeza.


A cem metros, em uma rua esquálida 

Um mendigo faminto, tez pálida,

Jaz, com roto lençol envolto em si.


Na pomposa mansão folga a plateia,

Do mendigo, sequer faz uma ideia,

Pode até ser Jesus que esteja ali.

(Joames).

O Ocioterapeuta

 


O Ocioterapeuta


Fabrício Carvalho Amorim Leite*


Hoje, discute-se sobre o que significa ser rico e feliz uma conversa que, não raramente, acaba no instante em que a canseira toma conta. Acumular bens materiais? Trabalhar duas, oito ou quatorze horas por dia? Ou será que a fortuna é algo além do tangível, um estado de espírito que escapa à ampulheta e aos extratos bancários?

Confesso que, desde sempre, fui fascinado por aquela figura (perdoem- me os que tem feroz ojeriza pelos ociosos e pela ociosidade) que, em plena segunda-feira, repousa com calma em sua rede de fibra da palmeira tucum, estendida na sacada de uma casinha singela de tijolos carcomidos, à beira de uma estrada poeirenta no sertão.

Ali, ela se balança devagar, ora puxando uma cordinha com as mãos, ora empurrando a mureta com as pontas dos pés, enquanto sua maior ansiedade é verificar, de tempos em tempos, se o benefício do “guverno” caiu na conta no dia certo.

De longe, sei bem, a outra margem do rio (ou estrada) parece sempre mais bela, mais verdejante, com serras vivas e ruivas, como se tivessem sido pinceladas pela pródiga mão da natureza. Porém, ao atravessá-la, sem a romantização da miséria, a realidade logo se impõe, desvelando nuances menos sedutoras. E não demora muito para desejarmos voltar ao nosso lado. Ainda assim, é bom imaginar e bulir de invejar...

As histórias de quem cai durinho no local de trabalho, consumido pelo abuso, sempre me causaram uma perturbação profunda. No Japão, esse fenômeno tem até um nome, que soa quase como um grito gutural: karōshi

— a morte por excesso de trabalho. E, nessa hora, eu só consigo imaginar São José Operário entrando em cena, diligente, intercedendo pela alma da criatura cujo único propósito na vida parecia ser conquistar, a qualquer custo, o quase póstumo título de “funcionário do mês”.

Mas há quem escolha o oposto. Tomemos João Lindo como exemplo. Um quase mito na cidade, João ostenta uma pele alva e imaculada, sempre protegida pela sombra das centenárias árvores da pracinha e pela mistura de cajuína com cachaça ou, como ele prefere chamá-la em seus lampejos poéticos, “a bebida dos deuses e da juventude”. Aos sessenta anos, ele se


gaba de não ostentar um grisalho, o peito estufado como o de um mustang em seus melhores dias.

Ao contrário daqueles que se consomem até o limite, como no Japão, João Lindo segue um credo extremado. Orgulha-se de jamais ter trabalhado um único dia. Nunca segurou um martelo, muito menos uma barra de sabão, e suas mãos, livres de calos, são um testemunho vivo de seu destino, mesmo sob os olhares reprovativos da cidadezinha apinhada de operários.

“Sou o legítimo herdeiro do fidalgo Visconde das Caravelas”, proclama, com a fiança de quem construiu sua genealogia inteiramente no botequim da praça, baseada em causos de um amigo íntimo. Esse amigo, cujo destino foi tragicamente selado por uma cirrose etílica, parece ter legado a João, junto com suas histórias, a aura quase mítica de um ócio aristocrático, como se o inesgotável repouso, ornado de dissimulação, graça, irreverência, galanteios, fosse uma arte, reservada apenas a poucos eleitos.

João Lindo é, na prática, o monumento vivo da Ocioterapia Extrema, uma curiosa fusão de pseudo-psico-ciência e misticismo, baseada em métodos que dispensam qualquer resquício de esforço ou dedicação. Ele se orgulha, e muito, de ter conquistado sua posição nessa peculiar seita ou seja lá como se possa titular tal coisa — sem jamais recorrer ao mérito, ao trabalho ou ao empenho genuíno.

Por outro lado, sua sobrinha, Teodora aquela menininha que passava horas na pracinha, fascinada pelos causos do argonauta tio — parecia, por uma dessas ironias do destino, ter transformado as histórias que ouvia dele em divisa para romper com a indolência que marcava a tradição familiar. Certa vez, confidenciou, com um brilho de orgulho que desafiava a apatia do tio, que havia conseguido um emprego como menor aprendiz em uma biblioteca.

— Tio, serei um Machado, uma Clarice, um Rosa ou, quem sabe, um Da Costa e Silva! — Declarou, com a convicção de quem já sentia, nos ombros magros, o peso e o prazer de construir histórias.

“Minha sobrinha, estou decepcionado com você”, disse ele, com a voz grave e um olhar preto-fosco, firme como uma sentença. Ela abaixou a cabeça, resignada, já precipitando a preguiça hereditária do tio. Sem outra palavra, ele se virou com lentura calculada, caminhou até a praça em frente à casa e, com a fleuma de quem nunca foi amigo da pressa, içou sua suntuosa rede sol a sol entre duas mangueiras.


Ao se deitar, ainda sob o peso da discussão, João Lindo suspirou, como quem reafirma um credo ancestral: Repousar é resistir. Mas, depois de seu sono medonho, à boca da noite, um súbito pensamento cruzou sua mente: “Será que Teodora algum dia vai me perdoar por ser quem sou? ”.

(*) Contista e cronista.

domingo, 22 de dezembro de 2024

(IN)DEFINIÇÃO

 


(IN)DEFINIÇÃO


Elmar Carvalho

 

Eu sou aquele

que vacila absorto

nos umbrais que permeiam

e medeiam o que foi

e o que poderia ter sido.

Sou aquele

que oscila perplexo

entre o sono e a vigília

e inventa sonhos nunca sonhados

e pesadelos jamais inventados.

Eu sou aquele

que ateia fogo

e dança sobre as brasas

e sobre as cinzas do caos

e sonha em não ser

o ser que é

e não é.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

O GOLEIRO E O POETA



O GOLEIRO E O POETA


Elmar Carvalho

 

Neste domingo, falei ao telefone com Roberto Veloso. Foi meu colega no curso de Direito, na UFPI. Fiz parte de sua chapa, que concorria ao Diretório Central dos Estudantes. Embora bem votados, perdemos a eleição. Após o término da faculdade, foi ser promotor de Justiça no Maranhão. Atuou na Comarca de São Bernardo, onde conheceu meu amigo Antônio Gallas Pimentel, jornalista e escritor, então empregado do Banco do Brasil naquele município.

 

Posteriormente, logrou êxito no concurso para juiz federal. Pediu remoção para o Piauí, onde esteve pelo período de poucos anos, porquanto resolveu retornar ao Maranhão. Nessa sua temporada piauiense, voltamos a nos reencontrar algumas vezes, em eventos maçônicos, solenidades do Poder Judiciário e em atividades futebolísticas.

 

No esporte, atuava predominantemente como goleiro, no time da AMAPI, tendo eu sido seu reserva na curta temporada em que retornei às práticas pebolísticas, tanto porque ele treinava mais, como pelo fato de que é bem mais novo do que eu, sem descartar a justificativa de que antiguidade é posto, e ele era mais antigo na equipe.

 

Certa feita, ao contar esse fato a uma pessoa, cujo nome já não recordo, esse amigo, revelando ter um legítimo espírito sarcástico, disse-me que dava por visto a minha qualidade de golquíper, uma vez que eu era reserva do Roberto, que não era nenhum “aranha negra”. Contudo, contesto: eu e o Roberto Veloso éramos bons goleiros, e não tenho notícia de termos tido alguma indigestão em virtude de termos engolido algum “frango” escandaloso. Ao telefone, revelou-me estar abandonando o esporte.

 

Algumas vezes conversei com ele sobre cultura e literatura. Quando eu dizia alguma irreverência ou ironia, Roberto soltava uma retumbante gargalhada, em sua maneira simpática, espontânea e expansiva de ser. Na viagem que fez para conhecer as nascentes do Parnaíba, na campanha de preservação do Velho Monge, contaram-me que ele, dentro do barco, ao passar pela ribeirinha Comarca de Ribeiro Gonçalves, em que fui juiz, teria recitado uns versos de minha autoria.

 

Se não estou enganado, isso foi à noite, e os versos eram do meu poema Noturno de Oeiras; ele, com a sua voz grave e profunda, empostando-a para um timbre quase fantasmagórico, dizia que era meia noite, e metade era silêncio, metade, solidão.

 

Por outras pessoas, inclusive pelo Dr. Ivanovick Pinheiro, defensor público desta minha atual Comarca de Regeneração, tenho conhecimento de que ele sabe de cor trechos de poemas meus. Devo dizer que numa época em que poucos leem, mormente poesia, que se queda como a mais tímida e a mais esquecida das artes, isso termina sendo um grande elogio, sobretudo por não ser de corpo presente, em obediência aos hipócritas salamaleques das convenções sociais.

 

Mandei-lhe um e-mail, com o endereço de meu blog. Respondeu-me que o visitaria, e que me considerava um grande poeta. O “grande” fica por conta de sua bondade e estima. Como prova do que acabo de contar, ao telefone recitou-me vários versos de meu poema  Auto-Apresentação, no qual digo que joguei roleta russa com o tambor cheio de balas e que apostei contra a sorte.

 

Contou-me que, ao recitar esses versos em sala de aula, um aluno, em aparte irreverente, retrucou que o revólver batera catolé. É uma grande alma, e sabe apreciar e reconhecer os dons e os méritos dos outros.

5 de outubro de 2010

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

TRÊS DATAS JUBILARES (*)


Da esquerda para a direita: Elmar Carvalho, Francisco Miguel de Moura, Valdeci Cavalcante, presidente Fides Angélica, Fonseca Neto e Nelson Nery.


Foto: Josemar Lopes


TRÊS DATAS JUBILARES (*)

 

Elmar Carvalho

 

PREÂMBULO

Meus pais, eu e meus irmãos fomos morar em Parnaíba em junho de 1975. Residimos durante alguns anos no apartamento dos Correios e Telégrafos, situado na bela Praça da Graça. No final dos anos 1970, a praça foi desfigurada por uma reforma, mas ainda assim permaneceu cheia de graça. Nela e no seu entorno ficavam as principais empresas da cidade e várias repartições públicas, inclusive a Prefeitura.

Ao seu redor, podíamos encontrar os bancos do Nordeste, do Brasil e do Estado do Piauí; a catedral de Nossa Senhora da Graça e a igreja de Nossa Senhora do Rosário, ambas mais do que centenárias; as firmas comerciais Marc Jacob, o Bar Acadêmico, o Salão Pimpão, o Palácio dos Móveis, a casa de material esportivo do senhor Pedro Alelaf, o Cine-Teatro Éden e a farmácia do Dr. Raul Furtado Bacelar, que não relaxava a sua elegante gravata borboleta, e o posto de saúde do INPS. Nas cercanias, ficavam a Casa Inglesa (já de portas fechadas), Poncion Rodrigues, Pedro Machado, Franklin Veras, a casa comercial dos Neves, Moraes Souza e Moraes S. A. Muitas dessas firmas tiveram seu apogeu na época do extrativismo econômico e tinham filiais em Teresina e em outras cidades.

O transporte de cargas e passageiros era feito por trem, por ônibus da empresa Marimbá, por caminhões e por via fluvial, através do Delta do Parnaíba. No Porto Salgado ou Porto das Barcas ainda atracavam grandes embarcações, graças à abertura do Canal São José, feita algumas décadas antes. Parnaíba já entrara em decadência econômica, mas começava a se reinventar, mormente com a prestação de serviço nas áreas de saúde, de educação, de turismo e de grandes empresas comerciais. Já existia o Campus Ministro Reis Velloso (UFPI), que viria a se transformar na Universidade Federal Delta do Parnaíba – UFDPar.

Todas as empresas que citei pertenciam às mais ilustres e tradicionais famílias de Parnaíba, e já foram extintas. À família Moraes Correia (**) pertencem dois de nossos homenageados.


JONAS DE MORAES CORREIA

Jonas de Moraes Correia era filho de Francisco Severiano de Moraes Correia Filho (*Açu-RN, 31/07/1845 - +21/01/1917)  e sua esposa Maria Cleofas de Moraes Correia. Francisco é o patriarca dessa família no Piauí, quando se estabeleceu no litoral piauiense a partir de 1860/1863. O nosso homenageado nasceu em Parnaíba, em 15 de janeiro de 1874 e faleceu nessa mesma cidade em 27 de setembro de 1915. Portanto, estamos a comemorar o seu sesquicentenário. É o patrono da cadeira 24 de nossa Academia.   

Com apenas 16 anos de idade iniciou sua vida profissional no comércio, quando passou a fazer parte de uma sociedade mercantil, atividade em que se destacou e se tornou respeitável. Foi colaborador da imprensa parnaibana, na qual publicou importantes artigos sobre assuntos de interesse do Piauí. Foi deputado estadual, tendo exercido a presidência de nossa Assembleia Legislativa. Durante vários anos foi conselheiro municipal em sua terra natal. De 1901 a 1904, foi intendente municipal de Parnaíba.

A mais importante biógrafa de vultos da história parnaibana, a professora e escritora Aldenora Mendes Moreira, em seu notável livro “Personalidades Atuantes da História de Parnaíba – Ontem e Hoje”, relata que Jonas de Moraes Correia sempre teve uma inteligência lúcida, uma lealdade e um grande amor devotados à sua terra natal e aos seus conterrâneos. Dele ela traça este perfil, que bem poderia estar em sua lápide: “As qualidades predominantes do notável Jonas Correia, foram sem dúvida: a bondade aliada ao desinteresse; a nobreza ao altruísmo; a inteligência à atividade; e a lealdade aliada à altivez, todas postas em destaque, respectivamente, nas diversas fases de sua gloriosa vida, quando podemos admirá-lo como o grande e respeitável cidadão.”

Para demonstrar a sua bondade e filantropia, basta que se diga que, quando chegaram a Parnaíba vários flagelados ou retirantes, sobretudo cearenses, vítimas da seca de 1900, ele organizou uma comissão de socorro, que arrecadou importantes donativos, mormente gêneros de primeira necessidade e dinheiro, que foram distribuídos com probidade e correção.

Era pai dos generais Jonas de Moraes Correia Filho, Secretário de Educação do Rio de Janeiro, Deputado Federal, membro da Academia Carioca de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e de Jônathas de Moraes Correia, sobre o qual discorrerei adiante, e era avô de Jonas de Moraes Correia Neto, também General e igualmente sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que ocupou o elevado cargo de Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. E era irmão do intendente Constantino de Moraes Correia, considerado o urbanizador de Parnaíba, por ter idealizado e projetado o elegante bairro Nova Parnaíba, na área conhecida como Caatinga de Cima, com suas ruas e avenidas largas e arborizadas, muitas quase formando bulevares ou alamedas.

 

JÔNATHAS DE MORAES CORREIA

Para bem desempenhar minha missão de prestar esta homenagem jubilar ao segundo ocupante da cadeira 24 de nossa Academia, pesquisei em seus arquivos, em livros e dicionários biográficos, mas pouca coisa encontrei, a não ser sintéticas notas, que sequer faziam referência a seus pais e a sua data de nascimento. A informação sobre a data de sua morte era equivocada. Recorri a pesquisadores amigos e a parentes do homenageado, mas pouco ou nenhum êxito obtive. Recorri à internet e consegui encontrar a sua certidão de óbito, com a qual preenchi algumas lacunas. Pedi ao escritor Frederico Rebelo Torres, que vem se revelando um lídimo escafandrista de abissais e intrincados entrelaçamentos genealógicos, e ele me confirmou alguns dados, que eu conseguira encontrar.

Assim, posso dizer, com fundamento na sua certidão de óbito, que o general Jônathas de Moraes Correia nasceu no Piauí (certamente em Parnaíba), no ano de 1898 e faleceu na cidade do Rio de Janeiro, em 20 de dezembro de 1952, onde se encontra sepultado no Cemitério de São Francisco Xavier. Era filho de Jonas de Moraes Correia e de sua esposa Maria Firmina Ramos Correia. Por conseguinte, memoramos hoje 126 anos de seu nascimento, 72 de seu silêncio e, quiçá, 75 anos de sua eleição, já que ele não tomou posse de sua cadeira, não obstante seja reconhecido pela APL como efetivamente empossado, pelo que não existem discurso e nem termo de posse.   

General do Exército Brasileiro. Exímio pesquisador na área da Geodésia. Foi importante a sua participação na comissão que retificou os limites do Brasil com o Peru. Na notável Antologia da Academia Piauiense de Letras, da autoria de Wilson Carvalho Gonçalves, que tive a honra de prefaciar, cuja segunda edição, integrante da Coleção 100 Anos, foi publicada na gestão do presidente Nelson Nery Costa, encontra-se o seguinte comentário do acadêmico e professor Álvaro Ferreira: “Assim foi que estivera na retificação de nossas fronteiras, destacando-se como um dos mais entendidos. A ele coube a missão difícil de encontrar o ponto ocidental do Brasil, na serra de Contamana, exatamente, nos limites com o Peru. Saiu-se vitorioso da missão.” Foi deputado estadual do Piauí (1934), tendo em sua legislatura sido também constituinte. Portanto, foi signatário de nossa segunda Constituição Estadual.

O jovem tenente Jônathas de Moraes Correia tomou parte ativa na Revolta de 1924 em São Paulo, também conhecida como Revolta Paulista de 1924, que foi um levante militar ocorrido entre 5 de julho e 28 de setembro de 1924, durante o governo de Artur Bernardes, que é considerada como um dos principais eventos ou influência do Tenentismo, que foi fortalecido por esse levante. Portanto, bem pode ser considerado um herói dessa revolta paulista e, em consequência, do Movimento Tenentista. Segundo a tese de doutorado (2022) de Maria Clara Spada de Castro, ele foi indiciado e condenado a 5 anos de reclusão, como coautor, e esteve preso em Ilha Grande. Entretanto, progrediu em sua carreira, até atingir o generalato.       

Além de ocupante da cadeira 24 de nossa Academia, cujo patrono é seu pai, Jônathas de Moraes Correia foi sócio fundador do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, do qual ocupou a cadeira 23, cujo patrono é o marechal Gregório Taumaturgo de Azevedo, primeiro governador republicano do Piauí, natural de Barras. Foi diretor desse Instituto, no cargo de Bibliotecário.

O Des. Paulo Freitas, em seu discurso de posse, disse que Jônathas fora um mestre acatado, que deixara inúmeros trabalhos sobre questões de linguagem. Transcreveu o seguinte trecho escrito pelo Des. Robert Wall de Carvalho: “...possuidor de personalidade forte, de trato cavalheiresco, amigo sincero, chefe de família exemplar e amava o seu torrão natal com amor inexcedível. Escolheu e seguiu a carreira das armas, atingindo, merecidamente, no glorioso Exército Nacional, o último posto, mercê de sua cultura profissional. No Piauí, onde nasceu e é radicada sua ilustre e digna família, envolveu-se na política partidária, elegendo-se deputado à Assembleia Legislativa. E nos anais daquela augusta Casa se encontram registrados fluentes discursos, vasados em linguagem escorreita, e pelos quais se constata seu ardor cívico e quão altos eram os seus propósitos, quão valiosas e influentes as pugnas que, através da oratória brilhante, sustentou pelo bem da coletividade que representava.”  

Belas e lapidares palavras, que bem refletem a nobreza de caráter, os méritos profissionais, o brilho intelectual e a inteligência fulgurante de nosso homenageado.  

 

DARCY FONTENELE DE ARAÚJO

Darcy Fontenele de Araújo, ou apenas “Professor Darcy”, como era conhecido, nasceu em Parnaíba, no dia 10 de janeiro de 1916 e faleceu em Teresina, no dia 26 de março de 1974. Foi casado com Maria da Glória Santos Araújo; deles descendem empresários e profissionais liberais, como engenheiros, advogados e médicos.

Estudou no Ginásio Parnaibano, em que fez curso preparatório. Formou-se em Direito pela velha Faculdade de Direito do Recife, depois integrada à Universidade Federal de Pernambuco. Foi  advogado, promotor de Justiça, professor universitário e político.

Eleito deputado estadual em 1950, foi nomeado advogado-geral do Estado, em 1951. Dedicou-se ao magistério, sendo nomeado professor de Geografia do Liceu Piauiense, em 1957, e de Direito Comercial da Faculdade de Direito do Piauí (1958), uma das entidades de ensino superior que veio a formar a Universidade Federal do Piauí, instalada em 1971.

Membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, em que ocupou a cadeira 36, cujo patrono é o jornalista, cronista e contista Vicente de Paula Fontenele Araújo, seu irmão. Em 1961, assumiu o cargo de procurador-geral do Estado. Foi presidente da Junta Comercial do Piauí e da OAB-PI. É o patrono da cadeira 16 da Academia Parnaibana de Letras. Em Parnaíba, no centro comercial e histórico, existe rua com seu nome.

Foi secretário de Estado no governo do major José Vitorino Correia. Ao falecer, exercia o cargo de secretário de Governo, na primeira gestão do governador Alberto Silva.

A Medalha do Mérito do Ministério Público do Piauí, que é a mais importante honraria conferida pela instituição, tem como patrono o procurador de Justiça Darcy Fontenele de Araújo. Essa distinção honorífica foi instituída pelo Ato PGJ nº 123, de 1997, e regulamentada pela Resolução nº 04 de 2016, do Colégio de Procuradores de Justiça.

Escreveu e publicou os seguintes livros: Duplicata Mercantil (tese), Inflação Monetária e sua Influência nos Salários e Desertificação do Nordeste e o Vale do Parnaíba.

No último livro, editado numa época em que ainda não era moda se falar em problemas ambientais ou ecológicos, em linguagem escorreita, objetiva, concisa e clara, discorreu sobre as mazelas que fustigavam o rio Parnaíba e os fatores que concorriam para a desertificação do Nordeste. Cabe lembrar que o engenheiro alemão Gustavo Luís Guilherme Dodt (1831-1903), em seu livro Descrição dos Rios Parnaíba e Gurupi, cuja primeira edição data de 1873, já falava dos problemas de nosso Rio Grande dos Tapuias. O poeta Da Costa e Silva, que o alcunhou de Velho Monge, já denunciava em dois poemas os malefícios dos desmatamentos e das queimadas. E meu pai, em 1939 ou 1940, no Colégio Diocesano, ouviu o professor Álvaro Ferreira, advertir que, se providências não fossem tomadas, o Parnaíba poderia morrer em 50 anos, o que felizmente ainda não aconteceu, embora a sua degradação seja muito grave.

Amante da literatura, foi um escritor competente e um leitor inveterado e voraz. Segundo o historiador Caio Passos, era um “vibrante orador” e participou, em sua cidade natal, de “memoráveis campanhas, quando arrebatava a massa popular, em praça pública”.

Não obstante ser um profissional com um vasto currículo, seu  maior orgulho era ser Professor. E o foi, com toda honra, mérito e desvelo.

 

CONCLUSÃO

Portanto, aqui discorri sobre três egrégios varões plutarquianos, naturais de Parnaíba, que merecem todas as nossas homenagens, respeito e reverência. E que seus nomes, para sempre, permaneçam lançados na imortalidade do panteão de nosso Sodalício e do Estado do Piauí.


(*) Palestra pronunciada no dia 14/12/2024, na Academia Piauiense de Letras, fazendo parte da solenidade comemorativa de jubileus acadêmicos, em que foram homenageados Maria Nerina Pessoa Castelo Branco, Cromwell Carvalho, Odilo Costa Filho, Celso Pinheiro Filho, Jonas de Moraes Correia, Jônathas de Moreia Correia e Darcy Fontenele de Araújo.  

(**) Pertencentes à família Moraes Correia foram intendentes/prefeitos de Parnaíba: Francisco Severiano de Moraes Correia Filho, Luiz Antônio de Moraes Correia, Jonas de Moraes Correia, Constantino de Moraes Correia, João Orlando de Moraes Correia, Lauro Andrade Correia, Francisco de Assis Moraes Souza (3 mandatos) e Antônio José de Moraes Souza Filho.

 

REFERÊNCIAS:

Personalidades Atuantes da História de Parnaíba – Ontem e Hoje, de Aldenora Mendes Moreira.

Antologia da Academia Piauiense de Letras, de Wilson Carvalho Gonçalves.

Livro do Centenário da Academia Piauiense de Letras, org. Nildomar da Silveira Soares.

Cada Rua – Sua História, de Caio Passos.

Descrição dos Rios Parnaíba e Gurupi, de Gustavo Dodt.

A Revolta de 1924 em São Paulo: para além dos tenentes, tese de doutorado (2022) de Maria Clara Spada de Castro.

Acervo da Academia Piauiense de Letras.

Informações fornecidas por familiares e amigos.

Informações colhidas na Internet.   

domingo, 15 de dezembro de 2024

UM LANCE DE BÚZIOS

Fonte: Google

 

UM LANCE DE BÚZIOS


Elmar Carvalho

 

O grande búzio

soltava seu super sopro

feito de sonho e ilusão

e soprava suas conchas multicores

seus búzios bizarros e bizantinos

que saíam se iam e se esvaíam

transformados em flores

borboletas e besouros

que entravam em outra dimensão

pelo portal – pórtico triunfal –

de outro grande búzio

e voltavam a ser conchas e búzios

do além-mar da morte.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

QUATRO MINICONTOS

 



QUATRO MINICONTOS

Elmar Carvalho

Os quatro contos abaixo foram publicados na Revista da Academia, ano XXII, 3ª edição, dezembro de 2024, publicada pela Academia de Letras da Magistratura Piauiense, presidida pelo Des. Brandão de Carvalho. A revista foi organizada e coordenada pelo cantor, comediante e apresentador de TV Octavio César, assessor da presidência da ALMAPI.

                MARECHAL


            Vi-o muitas vezes a percorrer as ruas e praças de Évora. Metido em velhas fardas que lhe davam, algumas vezes esfarrapadas e amarrotadas, não andava, marchava. Com um velho quepe na cabeça, parecia participar de um desfile na caserna. Certa feita, em meados de 1980, entrou em minha repartição. Os colegas mais brincalhões foram logo tirando lorotas com ele, chamando-o de soldado, que para ele tinha uma conotação pejorativa e de menoscabo. Vendo que eu não sorria, veio até onde eu estava e disse baixinho: “Eles não sabem quem eu sou... Sou alta autoridade do planalto”. Pedi-lhe, então, que lhes perdoasse, tendo ele assentido. Perdi-o de vista; achei que tivesse ido para outra cidade. Muitos anos depois soube que passara a morar no abrigo para idosos. Fui visitá-lo. Recebi a informação de que fugira, dois dias antes. Como certos animais que voltam para morrer no lugar em que nasceram, o velho Marechal fora morrer em seu pago, no meio dos seus.


            Roberto Carlos 



            Seu nome era Raimundo, mas desde que enlouquecera, dizem que por causa de uma paixão não correspondida, adotara o “nome artístico” de Roberto Carlos. Um dia, em minha adolescência, vi-o nas calçadas altas da Zona Planetária, bem na esquina de Júpiter, o principal “planeta”. Fazia mímicas para ninguém ou talvez para o vento ou para espíritos que só ele via. Simulava segurar um microfone; acenava para a turma do gargarejo e para “ouvintes” do fundo da inexistente plateia. Fazia meneios, trejeitos e requebros dignos de um pop star.

Julguei fosse mais feliz do que eu, imerso na ilusão de sua loucura. Muitos anos depois perguntei ao acadêmico e psiquiatra Humberto Guimarães se o Raimundo, o nosso popular Roberto Carlos, não seria mais feliz do que qualquer um de nós, porquanto ele viveria na melhor realidade que imaginara para si. Humberto disse-me que não, pois quando um louco melhora de sua doença e volta a piorar, e sente que vai perder a consciência de si mesmo, sofre muito. Em minhas palavras e interpretação: é como se ele sentisse o aniquilamento de seu mais profundo eu; é como se fosse a morte da consciência de seu verdadeiro eu.


Tobago 



A primeira vez que o vi, ele se encontrava no Bar Carnaúba. Fazia gestos e esgares. Acenava e fazia reverências, como se estivesse cumprimentando alguma pessoa no recinto. Não o conhecia e jamais ouvira falar dele. De repente, olhou em minha direção, e acenou. Respondi-lhe, mas notei que ele não me via. Com efeito, seus olhos vagos fitavam o vazio, talvez o infinito de algum ponto imaginário. Informei-me a seu respeito, e soube que, de segunda a sexta-feira, era um funcionário exemplar do Banco do Brasil, rigorosamente pontual e que nunca faltava, sempre monossilábico, introvertido, ensimesmado. Mas no final de semana se transformava naquele excêntrico e sociável boêmio, a cumprimentar espíritos ou, talvez, os fantasmas de si mesmo. Ou talvez fosse apenas um esquizofrênico dos finais de semana, a evadir-se da rotina e do tédio.


Paru



Quando o ricaço Roland Jacob se deslocava para a capital ou de lá retornava, estacionava seu Land Rover na frente de sua filial da velha urbe. Paru, então, doido manso, ia limpar o carro. Quando indagado a respeito, invariável e laconicamente respondia: "Estou lavando meu carro." Tinha o sonho de ser o prefeito da cidade. A principal meta de sua plataforma eleitoral consistia em levar o riacho Pintadas para Parnaíba e em recompensa trazer o "mar da Parnaíba", como ele dizia com ênfase, a abarcar o mundo com os braços bem abertos. Sem se despedir de ninguém, desapareceu da cidade, como por encanto. Filho da estrada e do vento, nunca se soube de onde vi/era, nunca se soube para onde foi. Ou talvez tenha ficado - encantado. 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Moisés Reis sobre Oeiras em Mosaicos

 


Sobre o documentário acima e a sua projeção em Oeiras, em evento em homenagem ao amigo e escritor Ferrer Freitas, recebi o seguinte comentário do estimado amigo e confrade Dr. Moisés Reis:

"Caríssimo confrade Elmar, boa noite! 

Através da Valdira, esposa do meu querido amigo e conterrâneo e parente/irmão Ferrer Freitas, tomei conhecimento da homenagem que ele recebeu através do seu bem elaborado documentário “Oeiras em Mosaicos”. Lamento muito não ter tomado conhecimento, a tempo e hora, da realização do evento cultural, posto que, certamente, teria acompanhado o prezado confrade à minha terra.  Parabenizo-o pelo documentário, sem dúvida, uma homenagem à invicta e vetusta cidade e aos conterrâneos ali citados, entre os quais, por bondade sua, fui lembrado. De fato, se o meu irmão Ferrer, com quem convivo há mais de 50 anos, (agora alcançado por deterioração cognitiva da memória), é a cara de Oeiras, pelo muito que cantou  e exaltou a velha urbe, Vc, Elmar, oeirense por legitima e formal  adoção, também já figura como oeirense de escol, pelo que já fez, no campo cultural, a bem da terra mafrensina."

Em outra postagem, ele acrescentou:

"...Assisti ao esmerado documentário em que realçou personagens oeirenses. Vi o destaque à minha pessoa.  Obrigado! Mais uma vez manifesto-lhe minha admiração e apreço por vc, que tem feito muito pela terra oeirense. Grande abraço"

Não preciso dizer o quanto fiquei grato pelas belas e boníssimas palavras de Moisés Reis, que já exerceu elevados cargos no Piauí, entre os quais o de secretário estadual da Fazenda e o de deputado estadual.

domingo, 8 de dezembro de 2024

A ERO MOÇA

Fonte: Google


A  ERO  MOÇA


Elmar Carvalho

 

A aeromoça

abre os braços

e mostra as saídas

de emergência ...

 

E eu a sonhar

que ela abrisse

as pernas e mostrasse

as entradas de quintessência. 

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

ENCONTRO DOS RIOS


 

ENCONTRO DOS RIOS


Elmar Carvalho

 

Desejando comer uma piaba frita, fui ao Encontro dos Rios, no local onde o Poti, vindo das ribas do Ceará, depois de passar pelo cânion de Castelo, vai afogar suas águas nas águas do Parnaíba, rebento da longínqua Chapada das Mangabeiras, na região de Santa Filomena. Fui para o restaurante flutuante. Procurei ficar na lateral do recinto, para melhor contemplar as águas e a paisagem.

 

Dali, eu via, na ribanceira da outra margem do Poti, um orgulhoso e solitário buritizeiro acenar suas palmas no alto e para o alto, tendo como pano de fundo a toalha azul do céu. Perto dele, uma mangueira, como rotunda matrona vegetal, espargia sua sombra acolhedora. Numa ilhota, estreita e comprida, os urubus contrastavam o seu negrume solene com o branco absoluto das garças.

 

Contudo, não se misturavam; cada espécime ficava em seu reduto, porém convivendo de forma pacífica, cada qual senhor de seu território. Uma gaivota passou a planar, livre, soberana do espaço, sem nada desejar, sem nada invejar. Tinha o bico, arpão certeiro para fisgar os peixes de que precisasse, e tinha as asas e o espaço para voar e talvez sonhar.

 

Um pescador passou placidamente numa canoa, a conduzir sua bicicleta; ao aportar, já teria à disposição seu outro meio de transporte. Envergava uma camisa do glorioso Flamengo. Senti certa inveja do canoeiro. Talvez de sua canoa ele me invejasse, a degustar minha piaba entre lentos goles de cerveja.

 

Lembrei um poema de Fernando Pessoa, em que o bardo dizia que, ao seguir para Sintra, no seu automóvel Chevrolet, sentiu inveja de um rurícola em sua casinha de pau a pique, em sua vida simples e bucólica; mas que o campônio, da janela, talvez também lhe invejasse o fato de dirigir aquele veículo que tomara de empréstimo. Tudo pelo simples motivo de um não ser o outro.

 

Como já questionou alguém, a outra margem do rio sempre nos parece a mais bela. Quando chegamos ao outro lado, a margem em que estávamos passa a ser a que mais nos encanta. É a eterna inquietação do homem, o desejo de possuir o que não possui, e de não valorizar o que é seu. Disso advém a insatisfação, os desejos espúrios e a ganância.

 

Contam que célebre figura histórica admoestou seu desafeto de que este era muito mais rico do que ele, mas ao mesmo tempo muito mais pobre, muito mais miserável; porque toda a riqueza que o outro tinha não lhe era o bastante, ao passo que ele nada desejava, nada queria, e por isso mesmo era muito mais rico, conquanto tivesse muito menos cabedal.

 

No Encontro dos Rios ainda rascunhei estes versos, que jamais integrarão um poema: “o encontro das águas é um ponto de encontro, mas nesse ponto, muitas vezes, as pessoas se desencontram”. E seguem sozinhas, por estradas diferentes, e não juntas, como as águas do Poti e do Velho Monge. Uma chalana singrava as águas dos rios, no deleite da paisagem, talvez a promover encontros e desencontros, ocasos e acasos.

29 de setembro de 2010