MALANDRO OCEÂNICO E ALCIÔNICAS
MÚSICAS
Elmar Carvalho
Outro dia, ouvindo a cantora
Alcione, lembrei-me de Renato de Paula. Num dia qualquer de 1977 ou 78, meu
pai, então gerente da ECT em Parnaíba, foi abordado por esse cidadão, durante o
expediente da agência, na parte da manhã. Vinha ele de Tutoia, onde fora
cumprir alguma missão da diretoria regional da empresa no Maranhão.
Aproveitara para conhecer o
litoral piauiense. Alegando que extrapolara as diárias que recebera, pediu a
meu pai que lhe emprestasse determinada importância. O velho disse não dispor
no momento daquele valor, e veio com o Renato me pedir que lhe arranjasse a
importância, asseverando que tão logo ele chegasse a São Luís me reembolsaria.
É óbvio que eu não gostei muito
da solicitação, uma vez que estava vendo aquela pessoa pela primeira vez. De
qualquer sorte, respondi que dispunha da quantia apenas em minha pequena
poupança, na agência da Caixa Econômica Federal. O Renato afiançou-me que não
me preocupasse, que tão logo chegasse à capital maranhense remeteria o
dinheiro. Um tanto contrafeito fui fazer a retirada e lhe entreguei. Era um dia
de sexta-feira, pois a Caixa não funcionava no sábado. Não lhe pedi para
assinar nenhum cheque, recibo ou promissória. Resolvi aceitar sua palavra.
No domingo seguinte, fomos à
praia de Atalaia, em Luís Correia. Tomamos umas cervejas e comemos tira-gosto
de camarão. A cantora Alcione, chamada a Marrom, estava na moda, com a sua voz
vibrante, metálica, quase de trompete, a cantar os seus sambas gostosos,
dengosos, românticos. A música mexeu com o saudosismo de Renato, e ele se
lembrou de sua ilha de Upaon-Açu. Ficou indócil, eufórico, e pedia para repetir
algumas músicas; ficava a cantarolar, acompanhando-as.
Era ele um mulato de seus
quarenta anos de idade, já um tanto gordo, com pinta e jeito de malandro
carioca, no bom e legítimo sentido da palavra. Algumas cervejas e alciônicas
músicas depois, ao entardecer, retornamos a Parnaíba. Confesso, temi pelo reembolso
de meu suado dinheirinho. Mas, para meu espanto e agradável surpresa, poucos
dias depois meu pai veio me entregar o dinheiro que Renato de Paula mandara.
Nunca mais o revi nem ouvi seu
nome. Contudo, fiquei com a alegre lembrança de um bon vivant, amante de música
e de cerveja, que sabia honrar sua palavra e seus compromissos.
23 de novembro de 2010
Considero que, o respeito pelo seu pai, como ter visto naquele cidadão um peixe fora d'água(ele não morava em Parnaíba), sensibilizou-o, o que fez com que você emprestasse sem documento assinado. Conhecendo-o, sei que você é um homem solidário e de compaixão.
ResponderExcluirOs Poetas possuem uma alma sensível e delicada. Não é à toa, que defendem nos seus poemas, os mais fracos e abandonados. Têm o amor na ponta dos dedos.
Wilton Porto
Você é uma pessoa bondosa e me vê com bons olhos, muito mais do que de fato mereço. Muito obrigado, caro amigo!
ResponderExcluirParabéns.
ResponderExcluirCerta vez, meu saudoso sogro precisou, com urgência, de dinheiro. Costumava dizer que é melhor ter um amigo do que dinheiro no bolso. E, como quem invoca a providência divina, apareceu um amigo verdadeiro e lhe emprestou.
Passada a tormenta, devolveu cada centavo — e, com isso, selou-se algo maior: a confiança, a amizade sincera, que o tempo não corrói, a ferrugem não alcança e a morte não destrói.
Que Deus os tenha.
Poeta maior
ResponderExcluirFrancisco Miguel: Confesso que eu não empretaria. Em matéria de dinheiro eu sou muito ranzinnza, depois de apanhar muito logo na minha juventude
ResponderExcluirMuito obrigado pelo acesso e comentários, caros amigos.
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