sexta-feira, 8 de julho de 2011

Despachos e Catimbós de Frei Junípero


José Maria Vasconcelos

Na década de 1950, Teresina, de uns 100 mil habitantes, praticamente acabava no Aeroporto, Buenos Aires, Iate Clube, final da Avenida Frei Serafim com o Rio Poti, Vermelha, Piçarra. Aos domingos, a partir das 4 da madrugada, a cidade, tocada pelos românticos sinos da Igreja S. Benedito, quebrava o gélido silêncio para a missa das cinco. Meu pai, Martinho, montava a criança na garupa da bicicleta, partíamos da distante Piçarra para o dever dominical. Bundinha penava no trépido calçamento da Avenida Frei Serafim.

Eu me sentava próximo ao altar. Encantavam-me os lampadários acesos, as dezenas de figuras pintadas na abóbada do templo, o coreto elevado no fundo da igreja, ao som do teclado e muitas vozes. Ao lado do altar, Frei Junípero, baixinho, gordo, barbicha, olhos asiáticos e agitados, irmão leigo, sem letras, sem sacerdócio, batina surrada, terço nas mãos, ajoelhado, extremamente ingênuo e atabalhoado, sempre atento às coisas e criaturas estranhas por perto. Ai de quem se ajoelhasse por trás do frade, ele mirava o malvado, sentia agourentos presságios: “Sai daqui, seu catimbó!” Naquela época, empurrão de padre ou de gente velha valia como lição de vida. Todo mundo suportava.

Os sacerdotes do Convento S. Benedito divertiam-se com as catimbas de Frei Junípero. Bastava um guarda-chuva escancarado, no tablado de madeira do andar superior do convento, para Frei junípero desesperar-se, acender velas, espalhar sal, detonar a fúria paranoica. Certo dia, quase lincha Frei Virgílio, que lhe colocara um pano preto à porta da cela. Frei Junípero enfureceu-se, bateu-lhe com as sandálias e enterrou um feitiço na horta.

Nesta semana, Frei Hermínio, residindo em Roma, contou-me por email, que o esquizofrênico frade, uma vez, no Convento de S. Sebastião, em Parnaíba, danara-se com sacerdote que cultivava uma trepadeira mui florida. De madrugada, Frei Junípero dirigiu-se ao pomar, cortou as raízes da planta, enterrando a ponta do caule com algum feitiço. A coitada murchou, espantando catimbó, aliviando pobre frade.

Se você pensa que mosteiros só abrigam santinhos e angelicais figuras de carne e osso, engana-se. As clausuras também se iluminam de luzes infernais. Se o demônio tentou Eva, em jardim paradisíaco, e Jesus, na gruta do jejum, imagine frades, freiras e pastores. Nós, emplumados de hipocrisia farisaica, especialmente apontando escândalos do clero, esquecemos safadezas e corrupções, no território familiar e profissional.

Quando abordo trapalhadas e catimbozeiras em redor do altar, não tento tripudiar a fragilidade humana, seja padre ou freira, personagens da minha estimação literária, pela convivência feliz com essa gente, que me abriu veredas do bem, mesmo me apavorando com velas pretas.

Frei Junípero faleceu em 1986, em Juazeiro do Norte, terra de seu apaixonado Padim Ciço, a quem invocava despachos e catimbós, fonte de tantas superstições. E chamam isso de fé.

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