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Capitão Marcos Francisco de Araújo Costa
Reginaldo Miranda
Entre os integrantes do governo
interino do Piauí, figura o capitão Marcos Francisco de Araújo Costa, um
piauiense de grande valor.
Nasceu em 4 de outubro de 1743,
na fazenda Canavieira, situada na margem direita do rio Gurgueia, freguesia de
Santo Antônio, onde hoje viceja a cidade de Canavieira, desmembrada que fora do
antigo termo de Jerumenha. Era filho do capitão João Francisco de Paiva,
povoador daqueles sertões com diversas fazendas, falecido em 22 de fevereiro de
1768, e de sua esposa Antônia do Espírito Santo, natural da Bahia de São
Salvador (irmã do padre Domingos de Araújo Costa, natural e residente em
Salvador, com quem provavelmente estudou o sobrinho Marcos Francisco).
Pouco sabemos sobre as origens de
seu genitor, senão que povoara diversas fazendas no vale do rio Gurgueia,
inclusive a de mesmo nome do rio, onde se metia o riacho do Tapuio, hoje
fazenda Buriti Grande, que recebeu em sesmaria no ano de 1742.
Pelo lado materno, descendia de
uma das mais antigas famílias do Piauí, em cujo território entrara nas
primeiras bandeiras colonizadoras. Seu avô materno fora o desbravador Manuel de
Araújo Costa, nascido na vila de Ponte da Barca, extinta freguesia de São
Lourenço de Touvedo, arcebispado de Braga, no ano de 1665, filho de Gaspar da
Costa e sua mulher Serafina de Araújo, naturais do mesmo lugar, onde sempre
foram moradores. Com cerca de vinte anos de idade esse avoengo deixou sua terra
no Alto-Minho e depois de atravessar o oceano, fixou-se no Piauí, por volta de
1685, fundando a fazenda Sussuapara, no vale do rio Piauí, onde iniciou
criatório bovino, que logo prosperou vertiginosamente. Oito anos depois, já
abastado, com grande rebanho, recebeu em sua fazenda a importante visita do
padre Miguel de Carvalho, que ali esteve no ano de 1693, envidando esforços
para criar uma freguesia, que receberia o nome de Nossa Senhora da Vitória,
hoje cidade de Oeiras.
Continuou a apascentar seu
rebanho, comercializando suas boiadas nas feiras de Pernambuco e Bahia. Com os
recursos auferidos nesse comércio, tanto aumentara o rebanho, quanto investira
em imóveis na cidade da Bahia, para onde mudou-se definitivamente por volta de
1702, estabelecendo-se comercialmente. Em depoimento prestado em 2 de novembro
de 1705, fora qualificado como cristão velho, de 40 anos de idade, natural de
Ponte da Barca, arcebispado de Braga e residente na cidade da Bahia, onde vivia
de seu negócio. Faleceu nesta última cidade, em 19 de setembro de 1719, com
testamento, sendo o corpo sepultado na igreja de Nossa Senhora do Carmo. Deixou
entre os bens inventariados, duas moradas de casa de pedra e cal, sendo uma na
Rua do Passo, da parte do mar e outra na Rua Direita de Santo Antônio, defronte
do Convento do Carmo, além de seis moradas de taipa de mão nas terras foreiras
de Santo Antônio, defronte da fonte, todas na cidade da Bahia. De seu primeiro
casamento com dona Luzia Henriqueta da Conceição, não deixou geração. Porém, do
segundo consórcio com dona Ana de Oliveira, falecida antes do esposo, deixou
dois filhos, a saber: D. Antônia do Espírito Santo, mãe do biografado e o padre
Domingos de Araújo Costa, vigário na Bahia, tendo deixado em seu testamento ao
sobrinho e afilhado Marcos Francisco, a quantia de 400$00 (quatrocentos mil
reis). Por essa razão, a família Araújo Costa tem sequência apenas pelo neto
Marcos Francisco de Araújo Costa.
Marcos Francisco viveu sua
infância em Canavieira, brincando nas águas do Gurgueia e correndo pelas
veredas da fazenda. Entre um afago dos pais e um conselho ou outro recebido, ia
com estes iniciando nas primeiras letras. Tinha quatro anos quando ali esteve,
na fazenda vizinha, por sete meses o Bispo D. Frei Manoel da Cruz e sua
ilustrada comitiva. É provável que tenha sido um dos alunos por eles
alfabetizados.
Embora não tenha ficado registro
de sua vida escolar, é quase certo que morou na juventude com o tio e padrinho,
o padre Domingos de Araújo Costa, em Salvador. Sob seus cuidados e orientação
educacional frequentou as aulas existentes naquela cidade, adquirindo sólida
cultura, daí tendo levado alguns escritores a dizer ser ele nascido no reino e
ter recebido o grau de bacharel, o que não é verdade.
De retorno ao Piauí, ingressou na
carreira militar ascendendo desde os postos de menor escalão hierárquico até
ser provido no de capitão do regimento de cavalaria ordenança da capitania, por
ato de 31 de agosto de 1784. Depois, com a reorganização das forças militares e
criação do regimento de milícias, em 1798, manteve sua patente militar no novo
regimento.
Em 8 de setembro de 1772, na
fazenda Paulista, hoje cidade de Paulistana, situada na ribeira do Canindé,
sudeste do Piauí, convolou núpcias com a senhorita Maria Rodrigues de Santana,
filha do abastado fazendeiro Valério Coelho Rodrigues, português ali radicado,
senhor da referida fazenda e de dona Domiciana Vieira de Carvalho, esta filha
dos fazendeiros José Vieira de Carvalho e Maria Freire da Silva, bandeirantes
paulistas que entraram no Piauí integrando uma bandeira, em 1719.
Depois do consórcio fixou-se o
jovem casal na fazenda Boa Esperança, termo de Oeiras, que depois de 1832
passaria ao de Jaicós, onde hoje viceja a cidade de Padre Marcos, em homenagem
ao seu ilustre filho homônimo.
Portador de cultura acima da
média, cedo projetou-se entre seus contemporâneos. Como consequência dessa
liderança natural, foi eleito por diversas vezes para compor o senado da câmara
de Oeiras, então capital do Piauí, sendo um dos mais assíduos membros de sua
governança. Como juiz ordinário conduziu os destinos da municipalidade em
vários mandatos. E como consequência, entre 2 de janeiro e 19 de fevereiro de
1780, ocupou o cargo de ouvidor interino, na ausência de ouvidor letrado, e
nestas circunstâncias integrou a junta trina de governo do Piauí. Nesse ano foi
sucedido por Antônio Teixeira de Novaes (20 de fevereiro a 14 de julho) e,
posteriormente, por Domingos Gomes Caminha, que assume a partir de 7 de agosto
daquele ano.
Nesse último ano, um fato
marcante na biografia de Marcos Francisco de Araújo Costa, na qualidade de juiz
ordinário de Oeiras, foi ter presidido a histórica Devassa da morte dos índios
guegués, instaurada em 2 de agosto de 1780. Visava apurar as responsabilidades
pela morte e decapitação de quatro indígenas, cujas cabeças foram expostas em
postes na aldeia de São Gonçalo, hoje cidade de Regeneração. Ouviu trinta
testemunhas, fez exame, vistoria e corpo de delito indireto, em tudo agindo com
a maior prudência, comedimento e coragem, para, afinal, depois de dez dias de
trabalho enviar os autos para o juiz da auditoria geral de guerra, que deveria
pronunciar os culpados, em virtude de serem militares. Foi muito elogiado o seu
trabalho pelos contemporâneos, tendo sido por nós resgatado e publicado em
forma de livro, para a posteridade.
Marcos Francisco de Araújo Costa,
retorna à ouvidoria-geral do Piauí e, como consequência, à presidência do
governo interino da capitania, em 1º de janeiro de 1784, em cujo exercício
permanece até 31 de dezembro do mesmo ano, com breve interregno, por poucos
dias, durante o mês de junho, quando foi substituído pelo capitão Ignácio
Rodrigues de Miranda. É que naquele período o Piauí estava, de fato, sem
ouvidor letrado e sem governador titular, sendo, assim, administrado na forma
do alvará de perpétua sucessão. Durante essa gestão tudo fez para bem
desincumbir-se, assim demonstrando amor à terra que lhe viu nascer. Entre outros
pleitos, expõe ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo
e Castro, as necessidades mais prementes da capitania e pede a nomeação de
sacerdotes, construção de cadeias e aumento da tropa paga. Também, solicita uma
visita do capitão-general do Estado, José Teles da Silva, ao Piauí, para melhor
se inteirar da situação da capitania subalterna (AHU. ACL. CU 06. Cx. 14. D.
815).
Novamente, no ano de 1800,
retorna ao exercício da ouvidoria-geral do Piauí, porém, sem exercício do
governo interino porque o Piauí já contava com a presença de governador
nomeado. Em todas essas oportunidades, acumulou a esses cargos a provedoria de
real fazenda e a provedoria da fazenda dos defuntos e ausentes, capela e
resíduos e mais cargos anexos.
Em 27 de setembro de 1802, o
capitão Marcos Francisco de Araújo Costa, era diretor do aldeamento Cajueiro,
dos índios Jaicós, data em que enviou ao governo um inventário dos acessórios e
ferramentas ali existentes. Permaneceu no exercício desse cargo até 14 de abril
de 1803, quando foi autorizado a entregar a direção do lugar a Francisco
Antônio Mendes, que havia exercido o mesmo cargo anteriormente (APP. Códice
159. P. 3v e 47).
Outro aspecto relevante de sua
vida foi o trabalho benemérito que realizou em sua fazenda da Boa Esperança,
alfabetizando diversas gerações de piauienses. Nesse aspecto, seu trabalho
ficou ofuscado pelo do ilustre filho homônimo, o padre Marcos, da Boa
Esperança. No entanto, também o pai, Marcos Francisco ali educou muitos jovens,
dando-lhes aulas de gramática e ensinando as operações aritméticas, inclusive
aos próprios filhos. Foi Esmaragdo de Freitas e Sousa, num trabalho
revisionista sobre Manoel de Sousa Martins, o visconde da Parnaíba, quem
primeiro anotou que ele fora educado pelo tio-afim Marcos Francisco de Araújo
Costa, de quem recebera aulas de latim. Portanto, é esta a maior prova de que o
biografado ali exercera esse trabalho benemérito, instruindo uma geração de
piauienses que iria se projetar nos últimos anos da colônia e primeiros do
império.
Consta que como recompensa por
todos esses serviços prestados, recebeu a comenda da ordem de Cristo.
Prestando depoimento em 22 de
novembro de 1785, em devassa que apurava denúncias contra o padre Dionísio José
de Aguiar, vigário de Oeiras, foi qualificado como cidadão daquela cidade de
Oeiras e da governança da mesma, capitão da cavalaria ordenança, natural desta
capitania, morador e casado na freguesia de Oeiras, de idade que disse ser de
41 anos, pouco mais ou menos, e vivendo de seus bens. Em outra devassa,
declarou ser parente em quarto grau do ajudante Antônio do Rego Castelo Branco,
o que nos induz a pensar num parentesco mais provável de dona Antônia Gomes
Travassos, avó materna daquele com dona Ana de Oliveira, avó materna deste, ambas
naturais da Bahia e descendentes dos primeiros colonizadores do Brasil (AHU. ACL. CU 016. Cx. 15. D. 829).
Deixou o capitão Marcos Francisco
de Araújo Costa, sete filhos de seu consórcio, sendo quatro mulheres e três
homens. Estes últimos participaram ativamente da Guerra da Independência e da
repressão à Balaiada, sendo eles Ignácio Francisco e Francisco Manuel de Araújo
Costa, além do padre Marcos de Araújo Costa, importante clérigo e educador
piauiense.
Com essas notas resgatamos a
memória desse ilustre piauiense, visando, assim, recompor a trajetória de
vultos notáveis de nossa terra, que se destacaram por algum relevo de
personalidade.
__________________
* REGINALDO MIRANDA, autor de
diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do
Instituto Histórico e Geográfico Piauiense e do Tribunal de Ética e Disciplina
da OAB-PI. Contato: reginaldomiranda2005@ig.com.br
** A fotografia que ilustra a
matéria, é da cidade de Padre Marcos, situada em parte da fazenda Boa
Esperança, colhida livremente na Internet.
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