O Caso Pontes Visgueiro
Reginaldo Miranda
O desembargador José Cândido de Pontes Visgueiro, foi
juiz de direito da comarca de Parnaguá, no Piauí e desembargador da Relação do
Maranhão. Por motivo de paixão doentia comete crime que ficou célebre nos anais
da história criminal brasileira.
Um caso judicial que teve a mais funda repercussão nas
províncias do norte-nordeste do Brasil durante o Segundo Império, foi o
assassinato com requintes de crueldade de uma jovem e bela meretriz, mal saída
da adolescência, pelo sexagenário desembargador da Relação do Maranhão, José
Cândido de Pontes Visgueiro.
Foi cenário desse horrendo crime o solar do velho
magistrado, na Rua São João, 124, centro histórico da cidade de São Luiz do
Maranhão, em 14 de agosto de 1873. O Caso Pontes Visgueiro, é um clássico da
história criminal brasileira, seja pela honorabilidade do assassino, seja pelas
circunstâncias do homicídio.
José Cândido de Pontes Visgueiro, era natural de Alagoas,
onde cursou os primeiros estudos até os preparatórios, depois mudando-se para o
Recife, onde conquistou a láurea de bacharel pela Faculdade de Direito. De
retorno à terra natal, onde descendia de ilustrada estirpe, depois de breve
passagem pela magistratura, ingressou na política sendo eleito deputado
provincial e depois deputado geral em uma das legislaturas mais agitadas de
nosso Parlamento, distinguiu-se não só pela vivacidade das palavras como pela
coragem das atitudes. Era ardente e leal, corajoso e desassombrado, no dizer de
Humberto de Campos.
Depois dessa carreira parlamentar retornou a Alagoas, onde
retomou sua carreira na magistratura ao assumir o cargo de juiz de direito da
capital. Diz-se que era um magistrado íntegro, sabendo distribuir justiça com
equidade, independência e compostura. No entanto, um fato vai ligar
definitivamente seu nome ao Piauí. Por decreto de 16 de setembro de 1847,
Pontes Visgueiro foi removido do lugar de juiz de direito da comarca de
Alagoas, para a de Parnaguá, no Piauí (Publicador Maranhense, 21.10.1847).
Segundo um periódico da época, “em Parnaguá tinha chegado o Juiz de Direito Dr.
José Cândido Pontes Visgueiro, ex-deputado pelas Alagoas, e talvez o primeiro
Juiz de Direito que se atreveu a ir habitar aquele sertão” (O Observador, São
Luiz, 18.8.1848). E ali se demorou por alguns anos, gozando os ares puros de
nosso sertão longínquo, alimentando-se com carne de boi cevado nas campinas
verdejantes do vale do rio Paraim e pescados colhidos na lendária lagoa de
Parnaguá. Fez amizades para a vida toda. Em 1850, ainda estava provido nesse
cargo (O Echo Liberal, 18.7.1850).
Mais tarde, removido para o Maranhão ali continuou a exercer
a magistratura com idoneidade, altivez e coragem. Como recompensa pelo desvelo
profissional, foi nomeado para desembargador da Relação do Maranhão, por
decreto 15 de outubro de 1857. Três anos depois, foi removido da Relação do
Maranhão para a de Pernambuco, pelo decreto de 11 de setembro de 1860, porém,
esse ato não se efetivou porque o decreto de 20 de outubro do mesmo ano, tornou
sem efeito esta remoção. Queria a mão trágica do destino que ele continuasse na
capital maranhense. Enfim, pelo decreto de 2 de novembro de 1861, foi o
desembargador Pontes Visgueiro nomeado para o lugar de fiscal do tribunal do
comércio da província do Maranhão. Era, pois, uma autoridade de relevo, figura
respeitável da sociedade maranhense, onde gozava de largo prestígio
profissional e social (Publicador Maranhense, 15.11.1860; 21.12.1861; O
Expectador, 26.10.1860; Oitenta e Nove, 30.6.1874).
No entanto, o velho e respeitado magistrado vivia
solitariamente, quase completamente surdo, nunca tendo convolado núpcias. Uma
filha havida de amores dos tempos estudantis, por ele reconhecida, também
morava naquela cidade, mas tinha vida própria, sendo casada com um magistrado
em início de carreira.
E ali na velha cidade de São Luiz, levava ele sua vida de
forma respeitável e tranquila, embora um pouco solitária, vivendo entre seu
confortável sobrado e os salões e plenário do tribunal de justiça. No entanto,
certo dia da janela de seu sobrado avistou uma formosa rapariga, de apenas 15 anos
de idade, por nome Maria da Conceição, chamada Mariquinhas, que na calçada
passava em companhia de sua genitora, que a explorava. A forma graciosa, corpo
bem formado, porte airoso, pele banca com cabelos negros e lisos, era um tipo
que a todos os amantes do belo sexo agradava. Então, Pontes Visgueiro desceu as
escadas e com ela, à calçada, travou os primeiros contatos, assim descobrindo a
sua condição. E caiu de amores pela mesma, sucumbindo à paixão fulminante.
Passou a encher-lhe de beijos e presentes. Mesmo sabendo tratar-se de jovem
prostituta quis com ela fazer união duradoura, aventando levá-la para o seu
sobrado, pois a amava perdidamente. Porém, a indomável meretriz não desejava
ser mulher de um só homem, sobretudo daquele velho de 62 anos de idade. Embora
ficando com ele regularmente, procurava outros homens mais jovens para
satisfazerem à sua lascívia. Em vez de fortuna e conforto, buscava os prazeres
da carne, o que desesperava o velho amante. Com o tempo o ancião passou a
procurá-la pelos prostíbulos, onde a encontrava nos braços de outros. E
implorava por seu amor. Contudo, quanto mais a procurava mais ela se esquivava
com o importuno. E, com isto o desembargador foi perdendo o respeito da família
e de toda a sociedade ludovicense. A filha ainda o mandou para o Piauí, onde
ele deixara muitos amigos, para ver se com a distância arrefecia a paixão pela
meretriz. Porém, retornando depois de alguns meses voltou ao mesmo sistema
doentio.
Então, planejou o crime horrendo, atraindo-a para a sua casa.
Depois de recusar diversos convites, talvez por desconfiar de sua insistência,
ela ali compareceu, às 13 horas, na companhia de uma colega. Com a posterior
saída desta e ficando eles, contando com a ajuda de um criado, Guilhermino, que
a segurou, a fez desmaiar sobre o soalho de seu quarto colocando um frasco
aberto com clorofórmio sobre seu nariz. Em seguida, saiu o criado. E ele a
matou com punhaladas que lhe desferia entre um beijo e outro. Depois de
matá-la, com a ajuda do criado que retornou, colocou seu corpo dentro de um
caixão de zinco adredemente preparado, cobrindo-a de cal. No entanto, porque o
caixão era pequeno, teve de decepar a cabeça e uma das pernas para melhor
acomodá-lo. Depois de assim praticar, lavou-se cuidadosamente e foi a uma festa
na casa da filha. Alta hora da noite, ao retornar para casa foi admoestado pela
mãe da menor, que o esperava na calçada em procura da filha. Disse-lhe ele que,
de fato, ela ali estivera por cerca de uma hora e dando-lhe alguns presentes a
despachou. No entanto, ninguém a vira depois de entrar em sua casa. Passou o
velho magistrado três dias com aquele corpo ali na sala de jantar, sob seu
olhar. E já estando em adiantado estado de putrefação, chamou para soldar o
caixão de zinco, um profissional que lhe devia favores, o ourives Amâncio da
Paixão Cearense, seu compadre, pai do famoso poeta Catulo da Paixão Cearense,
que fizera o ataúde sem saber o destino. Este, embora horrorizado pagou o favor
devido. Depois de soldado foi o caixote colocado dentro de outro de madeira,
também sendo fechado (Pacotilha, 12.4.1950).
Pontes Visgueiro, poderia ter lançado aquele corpo ao mar,
que ficava próximo de seu sobrado, livrando-se do incômodo. Porém, desejava
mantê-lo consigo, sendo obrigado a sepultá-lo no quintal de casa quando as
investigações chegaram à sua pessoa. É que todas as informações sobre o
paradeiro da menor levavam ao seu sobrado. Então, sem outra saída, com a ajuda
de Guilhermino e de um seu escravo cavou um buraco no fundo do quintal e
enterrou a caixão com apenas dois palmos de profundidade. Parece que desejava
depois desenterrá-lo. Dessa forma foi fácil à polícia encontrá-lo e desvendar o
crime praticado pelo velho magistrado. O caso teve grande repercussão, com
tentativa de linchamento pela população. Porém, dadas as suas prerrogativas de
função, ninguém tinha poderes para prendê-lo no Maranhão. Por essa razão,
tiveram de requerer a ordem perante o supremo tribunal de justiça. Mais tarde,
ele ali também fora julgado em histórica sessão realizada em 13 de maio de
1874, no Rio de Janeiro. A defesa na tribuna foi feita pelo advogado Franklin
Américo de Meneses Dória, genro do marquês de Paranaguá, em virtude de
repentina viagem do senador Francisco Octaviano, um dos advogados de Pontes
Visgueiro. Eram as amizades feitas em Parnaguá, que agora mostravam-se úteis na
hora do aperreio (A opinião Conservadora, 18.8.1874; A imprensa, 16.1.1886; O
combate, 31.12.1945).
Foi o desembargador Pontes Visgueiro, condenado à prisão
perpétua e trabalhos e encarcerado na Casa de Correção, no Rio. Por decreto de
4 de julho de 1874, foi declarado vago, de conformidade com as leis do império,
o lugar de desembargador da Relação do Maranhão, que era exercido por José
Cândido de Pontes Visgueiro, condenado à prisão perpétua com trabalho em
virtude de sentença do supremo tribunal de justiça. Segundo Humberto de Campos,
um ano depois foi ele visto de cabeça raspada, como a dos galés, a barba
comprida e branca, vestido de zuarte, um número de metal pendente da cintura,
trabalhando na oficina de encadernação.
Faleceu na prisão, em 24 de março de 1875, com 64 anos de
idade. No entanto, porque o caixão não fora aberto durante o velório e
sepultamento, correm muitas lendas sobre o seu destino, muitos dizendo que
fugira para o exterior contando com a ajuda da Maçonaria, o que registramos a
título de informação. Para o criminalista Evaristo de Moraes, que analisou o
caso muitos anos depois, o julgamento foi eivado de erros, merecendo ele um
manicômio, por anomalia psíquica e não a casa de correção. Em suma, foi uma
vítima das paixões humanas, o homem sisudo da toga que perde-se de amores por
uma rapariguinha indomável e formosa.
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REGINALDO MIRANDA, advogado e escritor. Pertence à Academia
Piauiense de Letras, ao Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e ao Tribunal
de Ética e Disciplina da OAB-PI.
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