Poeta, contista, cronista, romancista, memorialista e diarista. Membro da Academia Piauiense de Letras. Juiz de Direito aposentado. *AS MATÉRIAS ASSINADAS SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES, E NÃO TRADUZEM OBRIGATORIAMENTE A OPINIÃO DO TITULAR DESTE BLOG.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
ARTE-FATOS ONÍRICOS
OS GRANDES URUBUS
Eles eram grandes, de corpo ereto como pinguins, talvez mais empertigados ainda. Entretanto, com suas pernas longas, não tinham a ginga destas simpáticas aves, e caminhavam de forma hierática, sem oscilações e meneios. A plumagem, completamente negra, tinha o aspecto de uma longa casaca, ou de vestes talares e sacerdotais. Com o nariz adunco, tinham o semblante fechado, sisudo, como antigos hierofantes. Geralmente, caminhavam em dupla, conversando entre si. Atraíam o respeito, mas ao mesmo tempo pareciam manter uma longa e fria distância dos demais seres, inclusive os humanos. Pareciam não ter emoções, nem alegria nem tristeza, nem lágrimas nem sorrisos. Viviam num local pantanoso, da cor de chumbo. Andavam sobre o charco, como se levitassem, e sem que a lama lhes atingisse. Aliás, nada parecia lhes atingir, em sua postura sempre sóbria, quase compungida. Não eram malévolos, mas não permitiam nenhuma aproximação, restritos a seu mundo pantanoso. De frente, pareciam envergar uma casaca, com as asas recobrindo parcialmente o corpo e as pernas. Vistos de costas, pareciam velhos sacerdotes, levemente corcundas, com suas batinas negras. Não sei o que eles comiam. Sei que no charco não havia carniça. Não voavam, posto que eram aves que não eram aves, e também não eram anjos nem demônios. Creio que tivessem alma, uma alma quase humana, ou que transcendia o humano. O pântano parecia um mundo à parte, feito de silêncio, distância e insulamento, em que os grandes urubus viviam reclusos como ermitões em herméticos monastérios, imersos em esotéricos e indevassáveis rituais, que só eles compreendiam e professavam.
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