sexta-feira, 19 de março de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO


19 de março – UM PESCADOR E SEUS AMORES

No sábado passado, tivemos uma bela festa cultural na APL, em comemoração ao Dia das Mulheres. O presidente Reginaldo Miranda passou o comando da solenidade à acadêmica Nerina Castelo Branco, decana da entidade, que proferiu belas e emocionantes palavras em memória de três mulheres, que foram ligadas à cultura, à educação e à Academia. Foram elas: Lourdinha Brandão, professora, que muito se empenhou na construção do auditório da entidade, na gestão de seu marido, o deputado estadual e professor Wilson Andrade Brandão, cuja família estava representada pelo filho da homenageada, o também deputado Wilson Nunes Brandão; Maria Helena, esposa do acadêmico Jônathas Nunes, cuja beleza espiritual e física, especialmente de seus olhos azuis, foi reconhecida por Nerina; e Magnólia Santana, cuja bondade e espiritualidade foram enaltecidas pela oradora. Era casada com o confrade Raimundo Nonato Monteiro de Santana, que, embora seja eminentemente um prosador, leu um belo e comovente soneto, que fez em sua homenagem. Mesmo já idosa, quando vim a conhecê-la, ostentava uma clássica e serena beleza. O poeta Altevir Alencar, célebre declamador de estilo clássico e sóbrio, recitou poemas em homenagens às mulheres. Como parte integrante da homenagem solene, foi lançado o romance Pedra do Sal – um Pescador e seus Amores, da autoria da escritora Rita de Cássia Amorim Andrade. Fui por ela escolhido para ser o apresentador. Obviamente, não discorri sobre a narrativa, posto que isso seria semelhante a contar a história de um filme a quem iria assisti-lo. Falei de seu estilo claro, objetivo, escorreito, sem presumidos hermetismos dos que se dizem da vanguarda. Assinalei os seus diálogos verossímeis, condizentes com a personagem, com a sua cultura e perfil psicológico, mas sem abusos caricaturais de supostos regionalismos e quase dialetos. A narrativa foi quase sempre conduzida em discurso indireto, com o narrador onisciente a perscrutar os pensamentos mais secretos e as intimidades mais recônditas das personagens. Embora a própria autora tenha afirmado que adotou a narrativa linear, observo que ela, em alguns momentos, cometeu o recurso de flashback, quando o narrador interrompia o momento presente e se voltava para fase do passado da personagem. O romance é ambientado no litoral piauiense, sobretudo em Pedra do Sal e sua colônia de pescadores, mas com incursões à bela cidade de Parnaíba. Em certas descrições, verdadeiras passagens de prosa poética, a gente fica com a impressão de estar ouvindo o marulho das ondas, de sentir as narinas impregnadas de maresia e como que sentimos o vento a nos acariciar a pele. Seu livro foi como um búzio, que colocássemos no ouvido, para ouvir o simulacro do ruído marítimo. O romance tem como protagonista um pescador de poucas letras, com a sua cultura machista, com as suas contradições e recalques, que se apaixonou, em períodos sucessivos, por duas mulheres elegantes, de nível cultural e social mais elevado, e oriundas de um meio diferente. Trata desses encontros e desencontros, de paixão e ódio, de amor e desamor. De forma discreta, como é o correto, por ser uma obra de arte, e não um mero panfleto, denuncia as mazelas ambientais. Acolhe as lendas, o lado mítico do lugar, que ainda estão no imaginário das pessoas simples, tanto em relação aos índios Tremembés, que outrora perlongaram o litoral piauiense, como no tocante aos Fenícios, que supostamente teriam estabelecido uma estação portuária em Pedra do Sal, cujos indícios seriam as pedras que dão nome ao lugar. Até há quem acredite que existiria um túnel a ligar o encantamento de Pedra do Sal ao misticismo de Sete Cidades, que também teriam sido reduto desses célebres navegadores da antiguidade. Foi uma festa notável, tanto na celebração da mulher piauiense, como por ter sido um grande encontro cultural.

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