quarta-feira, 25 de agosto de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO



25 de agosto

A MORTE DA BARATA

Elmar Carvalho

Ontem uma barata, por várias vezes, tentou tocar-me os pés. Eu os batia, enxotando-a, mas logo ela investia novamente. A insistência desse inseto, pavor das mulheres em geral, acabou por me torrar a paciência. Devo dizer que faz alguns anos não gosto de eliminar nenhum tipo de ser vivo, nem mesmo baratas, moscas e grilos. Aliás, já fiz uma crônica em que tratei de um grilo. Godofredo Rangel, antes de mim, escreveu um texto sobre o caso de um grilo, em que ele, para dar liberdade a esse impertinente e enfadonho cantor, o conduziu para o quintal. Seu gesto caridoso, porém, foi fatal ao inseto, porquanto ele terminou indo parar no papo de uma faminta e gulosa galinha. As cigarras foram cantadas em verso e prosa; em fábulas, e em sonetos de Olegário Mariano. Um dos personagens de Kafka, como é sabido por todos, acabou por se metamorfosear num inseto. Tornou-se página antológica, recolhida em muitas seletas, o capítulo XXXI de Memórias Póstumas de Brás Cubas, no qual a personagem ficou incomodada com a presença de uma grande borboleta, pelo simples fato de ela ser negra. Um golpe de toalha encerrou sua vida. A personagem, em irônica autocomplacência, ainda se perguntou, como atenuante, por que não era ela azul. Recentemente, ao vivo e em cores, como se dizia outrora, ou em tempo real, como se fala agora, viu-se o presidente Barack Obama, em piparote certeiro e fulminante, abater uma mosca que lhe importunava durante uma filmagem de televisão.

Mas, como eu dizia, faz muitos anos que não gosto de tirar a vida de nenhum ser, por menor que ele seja, mesmo nocivo, como aranhas e caranguejeiras. Não me sinto bem em fazê-lo. Contudo, como a personagem machadiana, terminei ficando aborrecido com a insistência da barata em querer lamber-me os pés. Resolvi fulminá-la com leve golpe de chinela japonesa. Brandi a arma sem raiva e a contragosto, sem muita vontade de eliminá-la. O inseto ficou completamente imóvel, de forma que o dei como morto. Em seguida, o afastei para um canto do compartimento, onde ficou de patas e papo para o ar. Para minha surpresa, hoje à tarde, não mais vi o menor vestígio dele. Dizem que é um dos animais mais resistentes, e talvez seja o único espécime que sobreviveria à radiação de uma guerra nuclear. Sendo assim, é bem possível que tenha mesmo resistido ao golpe de minha alpargata. Melhor assim. Mas se assim não foi, que descanse em paz.

3 comentários:

  1. A borboleta azul possui alguns significados, mas vou retringir-me ao Houaiss: "borboleta-azul" design. comum a algumas borboletas neotropicais e florestais do gên.Morpho, da fam. dos ninfalídeos, sbfam. dos morfíneos; são grandes, e os machos apresentam colorido azul-metálico brilhante nas asas, com reflexo de seda; azul-seda, borboleta-azul-seda. A história da barata é sua, mas você deu um toque com a borboleta-azul. Assim, preferi a borboleta-azul-macho, que também foi citada em um conto meu, ainda inédito. Abraços, Rita de Cássia Amorim Andrade.

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  2. No livro O Consolador, Emmanuel esclarece quanto à missão que os humanos têm com relação aos nossos irmãos menores, que são os animais: “Sem dúvida, também a zoologia merece o zelo da esfera invisível, mas é indispensável considerarmos a utilidade de uma advertência aos homens, convidando-os a examinar detidamente seus laços de parentesco com os animais dentro das linhas evolutivas, sendo justo que procurem colocar os seres inferiores da vida planetária sob seu cuidado amigo. Os reinos da natureza, aliás, são o campo de operação e trabalho dos homens, sendo razoável considerá-los mais sob a sua responsabilidade direta que propriamente dos espíritos, razão porque responderão perante as leis divinas pelo que fizerem em consciência com os patrimônios da natureza terrestre”.

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  3. Não faz muito, eu fiz o download do seu vídeo "Amarante", achei interessante ter sido gravado e declamado na própria cidade. Mas enquanto eu assistia o vídeo, uma reflexão surgiu espontaneamente, costumamos fazer aceitações sem nenhuma criticidade de coisas ou situações que chegaram antes de nós, até que um dia ouvimos um "estalo" e pensamos: "Ops! Mas por que isso é assim? ou como surgiu essa palavra?".
    Foi enquanto assistia o seu vídeo que pensei: O que significa a palavra Amarante? Durante muito tempo, inconscientemente, aceitava-a como sendo uma variação do verbo AMAR, mas depois de olhar mais de perto, só se fosse do verbo "amarar", verbete ou neologismo?
    Como imagino que durante a edição do vídeo essa reflexão possa ter passado por sua cabeça, fico aguardando a sua visão a respeito.

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