segunda-feira, 13 de setembro de 2010

ARTE-FATOS ONÍRICOS E OUTROS


AMOR E MORTE NA ESTRADA

Elmar Carvalho

Rodolfo seguia firme na direção da jamanta. Partira de São Paulo em direção ao Piauí. Dirigira no dia anterior. Resolveu tomar uns “arrebites”, pois tinha pressa em chegar; o contrato tinha cláusula de multa, caso não chegasse até o dia e horário assinalados. Além disso, desejava passar o sábado e o domingo em sua casa, em Teresina, fato que não acontecia há vários meses. Fazia quinze anos que dirigia carreta, e nunca sofrera nenhum acidente. Procurava dirigir com cuidado e atenção. Principalmente nesta viagem, em que estava em companhia da mulher e do filho de nove anos. Amava-os, e jamais os colocaria em risco. Só usava os comprimidos que lhe mantinham desperto em casos extremos, e assim mesmo com muita parcimônia, e desta vez não fora diferente. Tudo estava sob controle, e não cometeria nenhuma imprudência, sobretudo desta feita, em que conduzia a família, aproveitando as férias do filho. Realizara-lhe um sonho. Na verdade, fora o seu presente de aniversário.

Sabia que a ultrapassagem era proibida naquele trecho, mas a carreta que ia na frente estava em baixíssima velocidade, e a cabina alta lhe permitira enxergar que não vinha nenhum carro em sentido oposto a menos de trezentos metros. O relógio no painel marcava 17 horas e 27 minutos. Queria aproveitar o máximo de tempo de que dispunha, antes da luminosidade imprecisa do luscofusco. Dessa forma decidiu fazer a ultrapassagem, uma vez que vinha em boa velocidade, e sentia total segurança para fazer a operação. Quando já estava quase concluindo a manobra, e já sinalizava o retorno a sua faixa, um automóvel saiu repentinamente de uma estrada vicinal, que havia à esquerda. Tudo foi rápido demais. Tentou frear, puxar um pouco para a direita, mas a colisão foi inevitável. Quando sentiu que nada mais havia a fazer, fechou os olhos, mas manteve o pé calcando o pedal dos freios até o máximo que pôde. Quando teve coragem de abrir os olhos, o fez, embora sem noção do tempo. Chamou pelo nome da mulher e do filho, sem obter resposta. Sacudi-os, quando uns homens, evidentemente outros caminhoneiros, já assomavam à janela da porta da cabina. Pressentiu que eles estavam mortos. A parte direita da cabina fora atingida pela carreta que ele ultrapassava, fato que lhes provocara a morte. Ficou desesperado, perplexo, atônico, quase louco. Logo chegaram os agentes da Polícia Rodoviária Federal, que lhe abordaram. Os corpos da mulher e do filho foram logo colocados na ambulância, mas já constatada a morte. Os dois homens e as duas mulheres do automóvel atingido por sua carreta tiveram também morte instantânea. Ouviu alguém comentar que havia bebida com eles, e que deveriam estar vindo de um balneário que havia perto. Mesmo assim, sentiu-se perdido.

Perdera a mulher e o filho. Fizera a ultrapassagem em lugar proibido, e isso o acompanharia como um estigma denunciador. Ninguém iria dizer que a imprudência maior fora do motorista do automóvel, que entrara abruptamente na BR em alta velocidade, e talvez embriagado. Seria o bode expiatório da tragédia, sem direito a remissão. Já tinha 43 anos de idade, o que lhe dificultaria ainda mais a chance de manter o emprego ou de encontrar uma nova colocação. Achou que sua vida não teria mais nenhum sentido a partir de então. Estava perdido. Sequer tinha pais ou irmãos que lhe fossem visitar quando estivesse preso. Quando os patrulheiros lhe pediram para que os acompanhassem até o Posto da PRF, assentiu prontamente; apenas pediu licença para apanhar no porta-luvas alguns pertences, inclusive seus documentos e a carteira de cédulas. Demorou a retornar. Um dos patrulheiros, um tanto apreensivo, foi verificar o que ocorrera. Constatou que o motorista estava com os miolos esfacelados, com salpicos de sangue em vários locais da cabina. Notou que ele tivera o cuidado de envolver o revólver no vestido da mulher, para diminuir o barulho do estampido. Evidentemente, não haveria carta de suicida.

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