terça-feira, 28 de setembro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO



28 de setembro

NAQUELA MESA

Elmar Carvalho

Contou-me Neto Leal, outro dia, que embora seu pai não bebesse, nunca lhe recriminou as libações. Ao contrário, quando estava bebendo, seu velho se sentava a sua mesa, para conversar e lhe fazer companhia. Chegava mesmo a lhe trazer tira-gosto. Sem dúvida, amava o filho e procurava lhe ser útil, agradável e gentil. Certamente, o rebento fez por merecer essas dádivas e considerações paternas. Anos depois, creio que já na maturidade, Leal estava num barzinho, curtindo umas músicas de seresta, quando o trovador cantou a música elegíaca Naquela mesa, de Sérgio Bittencourt, que se celebrizou como jurado do programa de Flávio Cavalcante, por muitos proclamado como o Rei da Televisão. Sérgio imortalizou-se com essa música, sobretudo através do gogó de ouro de Nelson Gonçalves, na qual homenageou seu pai, Jacob do Bandolim, notável virtuose desse instrumento musical, de acordes quase celestiais. Ao ouvir essa melodia, os olhos de Neto Leal marejaram, e ele se retirou do recinto. Seu pai falecera fazia poucos meses. O seresteiro, ao perceber a “mancada”, lhe foi pedir desculpa por ter cantado tão sentida endecha, como diziam as belas letras das músicas de outrora, verdadeiros poemas, de rico conteúdo e de versos rítmicos e elegantes, que se harmonizavam com as bem elaboradas melodias da Velha Guarda.

Esse depoimento, me fez lembrar um episódio de que foi protagonista meu amigo Otaviano Furtado do Vale. Acredito que o fato se passou aproximadamente em 1973 ou 74, pois eu devia ter 17 ou 18 anos. Seu pai, o senhor João Capucho, também havia falecido fazia poucos meses. Havíamos tomado umas talagadas de serrana, para esquentar as turbinas, e seguíamos em direção à Praça Bona Primo, à cata de alguma lebre, como dizia célebre colunista social de então. De repente, o velho jovem Otaviano começou a cantar essa música de evocação saudosista ao pai falecido. Nunca esqueci essa cena simples, mas comovente em sua singeleza. Talvez seja uma das maiores homenagens que um adolescente poderia prestar a seu pai. Não foi apenas uma cena patética, sem nenhuma conotação pejorativa a essa palavra, porque sempre que ele vem de visita ao Piauí, posto que mora em Brasília há várias décadas, nunca deixou de rever o jazigo de seu pai, no cemitério São João de Campo Maior. Essa homenagem me faz recordar um belo poema do bardo Manuel Bandeira, em que ele pede ao leitor que fosse à cova de seu pai e rezasse, não pelo pai, mas pelo filho, pois este teria mais precisão. E arremata o poema se declarando “morto ali”.

2 comentários:

  1. Você, Elmar Carvlaho, vai, a seu modo, contando fatos sobre isso , sobre aquilo, formando um quadro agradável de historias que lhe ocorrem no presente ou são despertados pela sua memória. O observael é que, nas memórias, sente-se sempre um toque de saudade, de de desejo de reconstrução daquilo que, guardado, fica na memória, e, se não vem à tona pela mão do escritor, se perde para a delícia do leitor. A linguagaem, se não é clássica, tem um ressaibo de pureza e elegância clássica, mais conservadora pela correção, ainda que não pela ousadia, ao contrário dos seus cometimentos poéticos, que vão da simplicidade lírica (tão do agrado do vleho Bandeira e tão por isso admirada pelo fino crítico José Guilherme Merquior) a hermetismos discursivos, alinhando-se, assim, a outros hermetismos, europeus ou mesmo brasileiros.
    Os seus relatos vêm contribuir - não há dúvida - para essa faceta específica de seus textos em prosa, incorporando-se aos autores piauienses no que tange ao discurso diarista, ou quase diarista, pois me parece que seus diários se alternam com outros textos de outros autores inseridos ao seu blog, o qual já vem se firmando junto ao leitores amanntes da Internet, com uma possibilidade mauito maior de alcançar uma recepção mais vasta.
    Parabéns e continue no seu propósito.
    Cunha e Silva Filho

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  2. Caro Cunha,
    Não tenho nenhuma dúvida, vc é um dos melhores críticos do Piauí.
    Sagaz e sempre pertinente, observa o que deve ser observado, o que realmente tem importância.
    Com efeito, vc percebeu com exatidão o que persigo com afinco. Desejo unir as lições do passado e da modernidade, a tradição e a invenção, como diz mestre Paulo Nunes. Em minha prosa, tenho procurado observar, dentro dos meus limites, a correção de linguagem e a elegância, mas com fluência e clareza, sem certos rebuscamentos fossilizados, que dificultem o entendimento, ou que tenham que remeter o leitor constantemente ao dicionário. Induvidosamente, na crítica, vc é o cara e o Mestre.

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