13 de outubro
AS CAPAS CARDINALÍCIAS
Elmar Carvalho
Recebi recentemente o livro titulado Contos, de José de Ribamar Freitas, do qual fui aluno na UFPI. Tenho procurado cultivar a sua amizade, talvez um pouco por egoísmo, pois com isso tenho desfrutado de sua conversa agradável e tenho procurado sorver sua erudição. As ficções, como não poderiam deixar de ser, são escritas no estilo elevado e austero do mestre, naquela linguagem clássica, que nada fica a dever a Antônio Vieira ou Manuel Bernardes. Dizia Mário de Andrade que conto é o que se chama conto. Com essa resposta, talvez, pretendesse dizer que um conto deve contar algo; ou que um texto que narrasse alguma coisa teria que ser considerado um conto. Com efeito, os textos da obra de Ribamar Freitas, nessa interpretação, são legítimos contos, porque são narrativas, porque contam uma história, porque descrevem acontecimentos e fatos imaginários. O mestre tem uma imaginação fértil, poderosa, e sabe criar o suspense, ao prender a atenção do leitor, com a descrição do ambiente, com a intercalação de episódios menores, porém importantes, com a caracterização psicológica e física da personagem, com diálogos atraentes, em que as suas criaturas revelam o seu espírito e a sua cultura. Ribamar Freitas teve a ousadia intelectual de cometer um longo conto histórico, quase uma novela, cuja personagem principal é nada mais nada menos que o célebre rei Dom Sebastião, desaparecido na Batalha de Alcácer-Kebir, em terras africanas, cujo cadáver nunca foi encontrado, o que fez surgir a lenda e o misticismo do Sebastianismo, em que os portugueses sonhavam com o retorno dele à governança de sua pátria. O mestre fez um belo trabalho de pesquisa, e soube urdir a ambientação e a linguagem da época, sem descurar do contexto histórico em que o texto está inserido. A capa não poderia ser mais atraente em sua singeleza: em letras brancas, encimando-a, vê-se o nome completo do autor, José de Ribamar Freitas, e no meio, em letras maiores, e também níveas, o título CONTOS, tudo vazado sobre um fundo vermelho.
Essa capa vermelha me fez recordar o tratamento gentil que o mestre Ribamar Freitas dedicou a meus humildes livros, que lhe autografei em sua portentosa biblioteca. Entreguei-lhe a segunda edição de Rosa dos Ventos Gerais, que tem um belo estudo dele sobre figuras de linguagem que tenho usado em meus poemas, e conversamos um pouco. Quando eu já me preparava para descer os degraus de sua cobertura, o mestre me fez voltar, e me chamou para ver onde ele iria colocar o exemplar. Acompanhei-o, entre apreensivo e curioso, até um dos compartimentos de sua avantajada biblioteca. O mestre, apontando para o alto de uma das estantes, exclamou: “É ali, entre os poetas ilustres do Piauí, que vai ficar o seu livro”. Não irei, nesta ocasião, ter o cabotinismo de declinar os nomes dos poetas que lá estavam. Depois, em novo critério de arrumação bibliotecária, ele houve por bem colocar meu livro entre outros que tinham textos seus. Não lhe disse, mas é claro que preferia que ele ficasse no lugar que lhe coubera anteriormente. Porém, tempos depois, como uma compensação de que não me acho merecedor, o professor Freitas mandou colocar capas duras, protetoras, vermelhas, sanguíneas, com letras e ornatos dourados, em meus livros. Pareciam vestes talares e cardinalícias, a cobrir a simplicidade de Rosa dos Ventos Gerais e Lira dos Cinqüentanos. Após essa nova indumentária, ele os depôs entre os seus aedos prediletos, em lugar de destaque. Fiquei com a leve desconfiança de que o Mestre, em lugar de me homenagear, queria me matar de emoção. Afinal, já não sou mais nenhum garoto. Devo acrescentar que um gesto espontâneo e sincero como esse tem para mim muito mais valor do que certas medalhas e comendas, que se azinhavram e desbotam ao longo de pouco tempo.
Caro Elmar, a sua humildade e a benévola afetiva do Sr. José de Ribamar Freitas, insígnia perfeita as chaves da união.
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