quinta-feira, 7 de outubro de 2010

TORRE DE BABEL

PÁDUA SANTOS
APAL – Cadeira 01

Fernando Castro

“Por isso foi chamada Babel, porque ali o Senhor confundiu
a língua de todo o mundo. Dali o Senhor os espalhou por toda a
terra.” (Gn 11.9)

A PRAÇA DA GRAÇA - local mais conhecido, mais visitado e mais lembrado do centro da cidade de Parnaíba, sempre teve, tem, e terá suas histórias, suas lendas e suas memoráveis mentiras. Ali, segundo informação dos mais velhos, existiu uma frondosa e famosa mangueira que por muito tempo teria emprestado sua larga e bondosa sombra às mais diversas conversas e fuxicos de gerações passadas.

Tempos depois, e também tempo passado, em uma de suas esquinas, o saudoso Cine Teatro Éden abriu e fechou suas portas – portas de paraíso, como insinua o nome; portas fechadas para sempre, ou melhor: portas lacradas por força da televisão e engolidas pelas bodegas de vender balangandãs.

Ali naquela praça, e na hora que terminava a sessão das 18h e 30min do velho Éden, iniciavam-se os rodeios humanos mais famosos da história parnaibana. Os homens volteavam em uma direção e as mulheres em sentido oposto. Em cada encontro, um piscar de olhos ou outra frescura qualquer. As mulheres andavam sempre em bando de três ou quatro, ou do tanto permitido pelas pistas circulares. Sempre de mãos dadas e sorridentes, iam se mostrando aos homens que preferiam não circular e optavam em ficar parados, usando os postes de iluminação como escora, mas obrigatoriamente fumaçando – quem não fumava era considerado “baitola”, e as propagandas de tabaco eram sempre bonitas e convidativas, constantemente estampadas em todos os meios de comunicação.

Estas caminhadas em círculo, repetidas em todos os finais de semana, terminavam na hora em que as famigeradas tertúlias da AABB tinham início, ou impreterivelmente às 22 horas, quando as mulheres, obrigatoriamente acompanhadas de um parente mais velho, geralmente um irmão, os “comedores de cocadas”, dirigiam-se às suas residências deixando que os homens, aqueles que tinham algum dinheiro, procurassem o rumo de um cabaré geralmente localizado na Coroa, hoje Bairro do Carmo, ou então na Nova Parnaíba, que nesta época era quase toda desprovida de calçamento. Os mais “lascados”, era assim que se chamavam aqueles sem posses, rumavam à Guarita, atualmente Bairro São Francisco. Ali, além das mundanas baratas, geralmente se deparavam com a polícia ou com a ponta de uma peixeira afiada. Os finais de noites destes namoradores da praça nunca foi um saudável lazer para um jovem sexualmente enamorado, mas era esta a lição que recebiam por herança e como demonstração de machismo dos seus antepassados.
Dentre tantas outras coisas que se abriram e se fecharam ao longo daquele quadrilátero, ou mais precisamente nas suas esquinas, uma não será facilmente esquecida, pelo menos enquanto permanecer vivo o último pinguço que um dia sentou-se, conversou e embriagou-se nas mesas de um inesquecível e simpático bar que imperou, nas décadas de 60 e 70, e que se localizava bem ali, sob o número 723, na esquina formada pela dita praça e pelo início da Rua Riachuelo.

Ali acontecia tudo aquilo que informa o primeiro livro do Pentateuco, no que diz respeito ao excerto citado à epígrafe, ou seja: ali, dado ao excessivo consumo de rum, acontecia a Babel, muitos falavam de uma só vez e poucos ou ninguém entendia o que era dito. Com o passar do tempo e por tê-los “espalhado o Senhor”, muitos partiram para lugares distantes e raramente nos visitam. Outros partiram para lugar mais distante ainda e não nos visitarão nunca mais. E quanto “à torre”, esta sempre se fazia presente, principalmente na mesa do Gervásio, que por coincidência é também artista do desenho, tal qual seu irmão Fernando, que por sua vez, é parceiro na feitura deste livro*, como autor das ilustrações que acompanham as crônicas.

Gervásio, por ser o mais inteligente e o mais hábil no manejo do copo, me parece que melhor sabia dosar sua cuba libre colocando mais coca, mais limão e menos rum. Não ficava facilmente embriagado e, à moda da época, ia amontoando, equilibradamente, os copos vazios um dentro do outro para que, ao final, o garçom fizesse a contagem. E assim, quem passava nas proximidades do saudoso botequim, que tinha o sugestivo nome de Bar Fortaleza, podia facilmente visualizar, em aparência vitrificada, aquela histórica e contrabalançada Torre de Babel.

* O livro aqui referido terá o título de “Crônicas Ilustradas”, conta com a parceria do artista plástico Fernando de Castro e, salvo novo entendimento, será lançado por ocasião do próximo SALIPA.

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