quarta-feira, 17 de novembro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO


17 de novembro

DANÇA E NAMORO EM TERREIRO DE MACUMBA

Elmar Carvalho

Contou-me o amigo e colega Edison Rogério, faz alguns dias, que rapazola, ainda adolescente, vinha de uma festa, alta madrugada, quando ouviu o bater longínquo de tambores. Tomara umas boas talagadas de pinga, em companhia de uns colegas, e se dirigia para sua residência, em Pedreiras – MA. Levemente tocado pelo álcool, o baticum dos tambores lhe caíram fundo na alma, quase como um chamado irresistível, que lhe despertou o imaginário e a curiosidade, talvez por força de alguma memória atávica longínqua, ou seja lá o que tenha sido. O fato é que o colega, com a audição e os demais sentidos aguçados, se dirigiu para o lugar distante de onde vinha o batuque. Descobriu que as batidas vinham de dentro de um terreiro ou salão de umbanda ou macumba. O nosso bravo Rogério adentrou o salão da dança ritualística; envolvido pelo som dos tambores, inebriado pela magia da dança e do incenso, e talvez pelos requebros de alguma cabocla que dançava, oxalá já cavalgada por algum espírito lascivo, entrou na dança. Tomou mais algumas doses da branquinha, e enfeitiçado pelo ritmo dos tambores, pelos giros e rodopios da dança e – quem sabe? – por algum espírito brincalhão e festeiro, Edison Rogério dançou como um mestre consumado, como um verdadeiro virtuose das danças ritualísticas, a ponto de impressionar o macumbeiro dono do salão. No dia seguinte, ao acordar, por volta das onze horas, foi abordado por seu pai, que lhe indagou sobre o que andara fazendo. Ele não se lembrava de tudo em detalhes, e tinha vagas lembranças de sua performance extraordinária no salão de dança umbandística. Seu pai, então, lhe contou que fora procurado bem cedo pelo macumbeiro, que lhe dissera nunca ter visto ninguém dançar tão bem como seu filho, e por isso tinha vindo lhe pedir para que o rapaz fizesse parte de seus seguidores. Edison Rogério nunca mais pôs os pés naquele terreiro de tambores e dança tão encantados; tudo fora apenas aventura e brincadeira de um adolescente, a desbravar a magia da vida e do mundo. Certamente o terecô perdeu um virtuose da dança ritualística, enfeitiçada, mas a magistratura piauiense ganhou um bom juiz.

Essa história do Edison Rogério me fez recordar os meus tempos de adolescente. Estava passando uns dias de férias em Barras, terra natal de meu pai, em companhia do Zé Moura, que foi um dos grandes atletas do futebol piauiense. Todas as noites atacávamos em diferentes pontos da cidade, em busca de alguma garota, para um namoro rápido e descompromissado. E quase toda noite conseguíamos uma menina diferente, para uns amassos, como na época se dizia. Certa vez, atraídos pelo bater de tambores, fomos sair em um salão de macumba ou umbanda, que ficava próximo à curva da estrada que seguia para a barragem. Vimos o interior do salão e o caboclo que tocava os tambores, em ritmo frenético, com tanta garra e energia, mas logo saímos para o terreiro, para conversarmos com umas moças, que logo soubemos ser filhas da dona do templo. Quando a conversa já estava bem adiantada, prometendo render bons frutos, a macumbeira, ou antes, a bruxa daquele terreiro apareceu com um cabo de vassoura, e furiosa nos botou para correr. Ainda bem que aquela velha bruxa não sabia voar em vassoura, e ficou apenas empunhando o cabo, a vociferar e a desferir imprecações contra uns jovens, que queriam apenas um ameno e inocente aconchego com suas belas filhas.

2 comentários:

  1. Elmar, lendo o texto, me fez lembrar num espaço de tempo na minha adolescência em que eu morava no bairro Matadouro em Campo Maior residência fixa dos meus pais até hoje, era comum à noite eu ouvir o rufar dos tambores vindos lá dos lados da Baixa do Cariri e varavam por altas horas onde meus ouvidos filtravam de formas arrepiantes. Indagando a minha mãe o que significava aquele batuque de linguagens não identificadas, mamãe respondeu: É o terecô da Maria Preta. O que é terecô mamãe? É macumba meu filho. Fiquei mais pirado, curioso e assustado, só imaginava coisa ruim. Com o passar dos tempos pude identificar o significado dos tambores, até hoje muito ainda se discute a origem etimológica da palavra Terecô, que determina o nome desta religião que seria um termo que faz referência ao barulho dos tambores utilizados no culto, que na verdade são religiões brasileiras com raízes africanas muito ativas em terras maranhenses. Pelos menos das últimas vezes que eu estive em Campo Maior, não identifiquei nenhum barulho de tambores vindo lá da Baixa, salvo os barulhos permanentes das muriçocas no meu ouvido, minhas velhas companheiras de leito, principalmente no período invernoso, essas já são familiarizadas, o que estou temeroso na próxima ida a Campo Maior em fevereiro é a batida sem aviso-prévio do temeroso mosquito da Dengue.

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  2. Segundo Edison Rogério, o protagonista da história, terecô é como chamam no Maranhão o ritmo da macumba. A Wikipédia informa que esse vocábulo designa a religião afro-brasileira praticada em Codó - MA. Por extensão, suponho que o termo possa ser aplicado ao sincretismo religioso brasileiro em que haja a dança ritualística e o bater de tambores e atabaques.

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