A PREGUIÇA E O POSTE ELÉTRICO
Elmar Carvalho
Da janela do apartamento em que moro, no condomínio Pingo d' Água, em Regeneração, acabo de ver a chuva caindo sobre as grandes árvores do quintal em frente. Agora, enquanto dedilho este teclado de computador, escuto a música da água a cair sobre o telhado e sobre as poças que se formaram. Sempre gostei de contemplar a natureza. Nas várias viagens que fiz, em minha juventude, no percurso Teresina – Parnaíba – Teresina, ficava a observar a paisagem da janela do ônibus da antiga empresa Marimbá. Devo dizer que essas contemplações me inspiraram vários textos literários, sobretudo poemas e crônicas. Em minhas funções de fiscal e magistrado, conheci várias paragens da hinterlândia piauiense. Quando estou dirigindo meu carro, procuro não atropelar os animais silvestres, seja freando ou desviando o veículo. Já ouvi falar de pessoas de bom coração, que chegam a estacionar o automóvel para retirar da pista de rolamento alguma preguiça, que anda sempre no compasso de sua lentidão metabólica, talvez a nos ensinar a sermos mais pacientes e menos açodados. O simpático bicho parece transmitir bonomia, em sua lentidão de quem não deseja competir com ninguém, muito menos contra alguém; até o piscar de seus olhos puxados parece visto em câmera lenta. De dentro de seus olhos a bondade parece nos espreitar.
Tenho visto nas revistas e nos noticiários da televisão, que, com o desmatamento desenfreado que o homem vem promovendo, grandes e pequenos animais estão a entrar nas cidades, ou pelo menos rondam as regiões periféricas das metrópoles, na luta pela sobrevivência, ante as florestas devastadas. Comoveu-me bastante a história de uma preguiça. Esse lentíssimo animal, por causa dessas mazelas contra o seu habitat, chegou a uma cidade. Não encontrando as ervas, os capins, os arbustos e as grandes árvores, que lhe servem de alimento, proteção e moradia, foi escalar um poste da rede elétrica. Sem dúvida, foi a coisa mais semelhante a uma árvore que encontrou, perto do local onde chegara. Estranha e desnuda árvore, feita somente de um rígido caule, sem casca e sem seiva, sem galhos, sem folhas, sem flores e sem frutos. A paciente e pachorrenta preguiça, em sua inocência animal, talvez procurasse pousada e proteção, ou mesmo algum fruto perdido nas alturas dos fios elétricos, que podem ter sido confundidos com esquisitos e esqueléticos ramos e galhos.
A preguiça, em sua inglória escalada, colheu apenas uma forte descarga elétrica, que lhe mutilou a pata e a garra, tão essenciais para a sua sobrevivência na floresta, para subir nas árvores, em busca de proteção, repouso ou alimentos. O pobre animal deve ter ficado perplexo, com árvore tão traiçoeira, mais intratável que o cacto do poema de Manuel Bandeira. O caso dessa preguiça deve ficar como uma emblemática e contundente denúncia do que o homem vem perpetrando contra a fauna e a flora de nosso espoliado planeta. Extintos os animais e extirpadas as florestas, de que o homem irá sobreviver?
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