terça-feira, 19 de abril de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO



19 de abril

DES. JOSÉ LUÍS – UMA JUSTA LOUVAÇÃO

Elmar Carvalho

Nesta sexta-feira, fui ao cemitério da Ressurreição, em virtude do sepultamento do desembargador José Luís Martins de Carvalho, que havia falecido por volta das quatro horas da tarde do dia anterior. Tive a oportunidade de conhecê-lo em 1997, em cujo mês de dezembro, dia 19, ingressei na magistratura, tomando posse perante ele, em seu gabinete de presidente do Tribunal de Justiça do Piauí. Fiz um breve discurso de saudação e de regozijo, em meu nome e no nome de mais doze colegas, que tomaram posse juntamente comigo. Sabia de suas virtudes de homem de bem e de magistrado íntegro, honrado, imparcial, contra o qual nunca se ouvia o mais leve murmúrio, por mais leve e por mais murmúrio que fosse. Não quero neste texto arrolar atos e fatos de sua vida pública, nem inventariar datas e dados de seu curriculum vitae, pois a sua mais refulgente biografia é o seu caráter e as suas ações, revestidas sempre de honradez e probidade.

De muitos falsos grandes homens, se diz que a estátua é maior que o modelo. De muitos falsos Catões, se nota logo que a capa dourada de verniz é muito frágil, muito tênue, muito precária, e que basta um leve passar de unha para que a pátina e a ferrugem apareçam, para mostrar a nua e feia realidade. Mas o desembargador José Luís, não; ele, em sua humildade altiva, era maior que a estátua, até porque não a tinha e nem precisava dessas fátuas ostentações. Também não tinha o áureo verniz da hipocrisia, pois era verdadeiro em suas posturas de homem e de magistrado digno e correto, conquanto devesse ter os seus defeitos, inerentes à condição humana, como todos nós.

Devia-lhe um favor pessoal. Favor republicano, legítimo, legal, que mais o engrandeceria se eu o revelasse, mas prefiro guardá-lo no recôndito de meu coração. Quando o saudoso magistrado foi inaugurar a reforma do fórum de Oeiras, terra a que sou ligado por laços afetivos, sentimentais e de amizades, eu ainda estava no início de minha carreira, como juiz substituto. Ao visitá-lo em seu gabinete, disse-lhe que havia escrito, tempos atrás, o poema Noturno de Oeiras, que caíra no agrado dos oeirenses, e que esse texto se prestaria a uma encenação por parte de um ator que o interpretasse, dando-lhe alma e emoção. Conversei com os seus assessores, e o certo é que o poema foi interpretado pelo ator Bonifácio, na solenidade de inauguração da reforma do fórum Des. Cândido Martins, ocorrida no Cine-Teatro Oeiras. A encenação foi calorosamente aplaudida por todos os meus colegas e por todos os presentes, em momento para mim inesquecível.


Amigo de vários parentes seus, filhos do des. Antônio Santana Ferreira de Carvalho, de antigas estirpes oeirenses, tive o ensejo de degustar três cálices de vinho tinto, em sua companhia e na do historiador e cronista Antônio Reinaldo Soares Filho, casado com sua prima Maria Eulália. Pude, então, mais uma vez, apreciar a sua conversa agradável, inteligente, em que ele desfiava episódios interessantes, pitorescos ou mesmos jocosos, de que fora observador privilegiado e arguto. Às vezes, em meio aos casos engraçados que contava, emitia sua gargalhada, de timbre e modulação bem característicos, que realmente lhe denotavam uma alegria sincera.

Um ou dois meses antes de seu falecimento, conquanto já o soubesse doente, fui entregar o meu livro Noturno de Oeiras e Outras Evocações, lançado recentemente na velha capital, com o apoio do Instituto Barros de Ensino, com desvanecedora apresentação do advogado e escritor Moisés Reis, em magnífica noite lítero-musical, ao seu filho Godofredo, para que este lhe fizesse chegar às mãos. A obra contém meus principais textos velhacapianos, em verso e em prosa, entre os quais dois poemas, crônicas, ensaios e discursos. Não sei se o des. José Luís ainda o conseguiu ler, se ainda susteve o meu livro em suas mãos. Nunca perguntarei sobre isso. Prefiro imaginar, que ele lhe repassou as folhas, lhe fitou as gravuras, lhe leu um ou outro verso, e tenha se comovido com uma ou duas frases mais felizes...

No cemitério, conversei brevemente com sua filha Madalena. Ouvi-a contar ao des. José James e sua esposa que seu pai a consolou sobre sua morte, pedindo-lhe que aceitasse essa provação, que se resignasse com o término de seus dias. Ante esse depoimento filial, me é lícito imaginar que ele, não obstante os sofrimentos por que passou em sua doença, morreu em paz, sem medo, sem terrores diante do inelutável, graças a sua consciência tranquila de homem bom, honrado e digno. E sei que ele subiu a outros páramos, onde a Justiça brilha com mais intensidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário