A TRAGÉDIA DA GALINHA MAROCA
Elmar Carvalho
Com diferença de dois ou três dias, começaram a chocar seus ovos a galinha Maroca e a pata Bilu. Como esta estivesse chocando apenas seis ovos, Josefa, a dona da casa, resolveu completar a ninhada, uns nove ou dez dias depois, com quatro ovos de galinha, de modo que os patinhos e os pintos pudessem eclodir dos ovos ao mesmo tempo. Com efeito, o cálculo da mulher foi preciso; os pintos e os patinhos rebentaram a casca quase ao mesmo tempo. Bilu aceitou os filhotes de galinha do mesmo modo como aceitou os seus próprios; com o mesmo zelo, com o mesmo cuidado, com a mesma atenção.
Era bonito de se ver, no terreiro da casa de taipa, por sobre o tapete de capim e babugens, a galinha rodeada de seus doze filhotes e a pata arrastando atrás de si os seis patinhos e os quatro pintinhos, em perfeita integração filial e materna. Por esse tempo, João, um filho de Josefa e de Doca, que estava trabalhando no corte de cana em São Paulo, veio passar as férias com os pais. Trouxe a namorada e um amigo. A moça, natural de São Paulo, ficou extasiada ao ver os pintos e os patinhos, catando milho ou ciscando no terreiro, posto que nunca tivera contato com a vida campestre, embora seu namorado fosse um trabalhador rural, uma vez que o conhecera na cidade, onde ele passava os fins de semana, em companhia de seus colegas.
Um dia a pata Bilu viu a cancela aberta, e resolveu, seguida de seus filhotes, aventurar-se por lugares mais distantes. A sensação de liberdade a fazia mais lépida e mais leda. Com muita alegria avistou a lagoa. Logo seu instinto de animal e de mãe, lhe fez sentir o desejo de ensinar os filhotes a nadar. Assim, aproximou-se da margem da lagoa. Lentamente, entrou na água, incentivando-os a fazerem o mesmo. Um dos patinhos, o mais afoito, começou a entrar na água; sentiu que podia flutuar, e cheio de regozijo descobriu que sabia nadar. E nadou, para cá e para lá, a voltear e em linha reta.
Não demorou muito, os outros patinhos, um a um, foram imitando a mãe e o irmão pioneiro. Por último, entraram os pintinhos, e aí aconteceu a desgraça. Os quatro descobriram, da pior maneira possível, que não eram patos e que não sabiam nadar. Terminaram por morrer afogados. Bilu, quando descobriu o que acontecera, esforçou-se em retirar os pintos da água, segurando-os pelo bico ou os empurrando com a titela e as patas. Quando os colocou fora da lagoa, sacudia-os, como se desejasse reanimá-los, mas em vão. Vendo que o seu esforço era inútil, e temerosa de que o mesmo pudesse acontecer aos seus outros filhotes, tratou de retornar para casa, onde eles teriam maior segurança.
Horas mais tarde, João e seu amigo, que foram tomar banho na lagoa, retornaram com a notícia de que encontraram os quatro pintinhos mortos. Então, Josefa verificou que a pata Bilu estava acompanhada somente dos seis pequeninos patos. Pode imaginar o que havia acontecido. Poucos dias depois, por motivo de doença, três patinhos vieram a morrer, de modo que Bilu agora só se fazia acompanhar de três filhotes. Foi então que o filho de Josefa, incentivado por seu amigo e pela namorada, programou uma comemoração para o domingo, uma vez que na quarta-feira teriam que retornar a São Paulo, tomando um ônibus na cidade mais próxima. Convenceu Josefa a matar a pata, para servir de tira-gosto. A princípio a mulher foi contra, com pena da pata e dos filhotes, mas os dois rapazes insistiram, sob o argumento de que era a festa de despedida e de que os três patinhos restantes seriam acolhidos pela galinha. Josefa disse que se Maroca aceitasse os patinhos, mataria a mãe deles. Os rapazes, mais do que depressa, esconderam a Bilu, e colocaram os patinhos no meio dos pintos. No começo houve certa rejeição, mas logo os patinhos já se sentiam à vontade e acompanhavam Maroca, como se ela fosse mãe deles. Dessa forma, mataram e comeram a pata. Os visitantes foram embora e a casa retornou à normalidade rotineira e sossegada da zona rural, em que nada de extraordinário acontece.
Poucos dias após a morte de Bilu, em que ela se transformou em delicioso repasto, quando tudo seguia a bitola da rotina mais rotineira, Maroca encontrou a cancela aberta, e decidiu seguir pelo caminho em que via bichos e homens passarem. De longe avistou a água da lagoa, reverberando aos raios daquela manhã calma e agradável, em que uma aragem fria agitava levemente as ervas e as folhas. Viu que a beira da lagoa era mais verdejante. Seguiu para lá, procurando apressar os filhotes e os três patinhos, que considerava seus filhos. Procurou um lugar em que havia uma pequena barranca, e que lhe pareceu mais agradável, por ter pastagem mais verde e mais tenra, e por ter a sombra de uma ingazeira. Quando menos esperava, um dos patinhos saltou na água, pulando da barranca em que se encontrava. Era o mesmo patinho que primeiro nadara, acompanhando sua mãe, a pata Bilu. Maroca, se pensava, não pensou duas vezes; mãe extremosa, com o seu instinto de mãe superando o da conservação, achando que o patinho corria risco de vida ao cair na água, que sabia traiçoeira e perigosa, saltou atrás.
Josefa, ao sentir falta da galinha, foi procurá-la. Lembrando-se do que acontecera com a pata Bilu, com a consequente morte dos pintinhos, seguiu apressada para a lagoa. Sem muita dificuldade, encontrou três patinhos nadando esplendidamente na lagoa, e a galinha e seus pintinhos mortos por afogamento. Josefa, ante a tragédia da Maroca e de seus filhotes, ficou a ruminar que, assim como pau é pau e pedra é pedra, galinha é galinha e pato é pato; que o que Deus faz é bem feito. E que ela, ao interferir nas regras da natureza, provocara a morte daqueles seres inocentes. Fez uma cova debaixo da ingazeira, e nela colocou Maroca e seus filhotes. Mesmo achando pudesse ser uma heresia, com uma faca fez uma cruz no tronco da árvore. Com os olhos úmidos, pôs no regaço os três patinhos, e seguiu para casa.
COMENTÁRIO
Elmar Carvalho:
Você está mesmo me surpreendendo. Parece uma máquina de contar histórias. A imagnação está fértil. A diversidade de situações se acumula e vamos tendo, ante os nosso olhos, relatos que saltam da imaginação para a vida ou vice-versa (só você tem a chave desses mistérios!). Por isso, o parabenizo e faço votos que, sem também cair no estresse do cansaço da escrita pois esta cansa mesmo a nossa cabeça e exige esforço intelectual de organização das ideias em alguma forma/fôrma (Massaud Moisés) literária que seja ao mesmo tempo conhecimento e experiência da vida e arte transformada em objeto, que é a crônica ou outro gênero de ficção, poesia, texto teatral etc.
A história, ou melhor, o conto, "Tragédia da galinha Maroca" bem ilustra o que venho tentando insinuar sobre o seu processo de criação literária.
Os grandes actantes do relato não é Josefa, nem seu filho, nem os outros personagens que compõem o texto. Os grandes personagens, elevados mesmo à condição de humanos, são Maroca, Bilu, os patinhos e os pintinhos. Neles se concentra o núcleo da trama. Sem eles, a história não anda nem cumpre seus papéis.
Há algo de alegoria sobrepairando a trama.
Desta se tira ilações que se transferem para a conduta dos chamados seres humanos. Os erros dos humanos existem e podem causar muitos males, até tragédias. No entanto, há algo que o próprio texto flagra: é arriscado que as ações e decisões humanas sejam tomadas para satisfazer uma vontade que não se compatibiliza com a lógica dos mortais. Não adianta forçarmos a barra.
Por outro lado, o texto descortina um outro aspecto na relação entre pessoas e aves (galinhas e patos), que, embora sejam animais diferentes, têm suas limitações que, na ordem da naureza, não executam as mesmas ações, nem têm as mesmas habilidades físicas. Não se respeitando a ordem natural das coisas, causam-se tragédias. O sentimento das aves em questão, da galinha Maroca e da pata Bilu, embora digno de nossa admiração, se equipara no conto aos bons sentimentos maternais.
Josefa se faz uma ação má, ao mesmo tempo se redime pensando que os patinhos e pintinhos se integrariam em tudo, inclusive na habilidade de nadar. Ao fim do relato, o sentido trágico dos destinos de Maroca e de Bilu se iluminam aos olhos pesarosos de Josefa. A tragédia se consuma toda vez que se instala o caos entre a ordem normal entre os mortais e suas ações contraditórias, impensadas ou más, não importa que atinjam animais desprotegidos.
Cunha e Silva Filho
Você está mesmo me surpreendendo. Parece uma máquina de contar histórias. A imagnação está fértil. A diversidade de situações se acumula e vamos tendo, ante os nosso olhos, relatos que saltam da imaginação para a vida ou vice-versa (só você tem a chave desses mistérios!). Por isso, o parabenizo e faço votos que, sem também cair no estresse do cansaço da escrita pois esta cansa mesmo a nossa cabeça e exige esforço intelectual de organização das ideias em alguma forma/fôrma (Massaud Moisés) literária que seja ao mesmo tempo conhecimento e experiência da vida e arte transformada em objeto, que é a crônica ou outro gênero de ficção, poesia, texto teatral etc.
A história, ou melhor, o conto, "Tragédia da galinha Maroca" bem ilustra o que venho tentando insinuar sobre o seu processo de criação literária.
Os grandes actantes do relato não é Josefa, nem seu filho, nem os outros personagens que compõem o texto. Os grandes personagens, elevados mesmo à condição de humanos, são Maroca, Bilu, os patinhos e os pintinhos. Neles se concentra o núcleo da trama. Sem eles, a história não anda nem cumpre seus papéis.
Há algo de alegoria sobrepairando a trama.
Desta se tira ilações que se transferem para a conduta dos chamados seres humanos. Os erros dos humanos existem e podem causar muitos males, até tragédias. No entanto, há algo que o próprio texto flagra: é arriscado que as ações e decisões humanas sejam tomadas para satisfazer uma vontade que não se compatibiliza com a lógica dos mortais. Não adianta forçarmos a barra.
Por outro lado, o texto descortina um outro aspecto na relação entre pessoas e aves (galinhas e patos), que, embora sejam animais diferentes, têm suas limitações que, na ordem da naureza, não executam as mesmas ações, nem têm as mesmas habilidades físicas. Não se respeitando a ordem natural das coisas, causam-se tragédias. O sentimento das aves em questão, da galinha Maroca e da pata Bilu, embora digno de nossa admiração, se equipara no conto aos bons sentimentos maternais.
Josefa se faz uma ação má, ao mesmo tempo se redime pensando que os patinhos e pintinhos se integrariam em tudo, inclusive na habilidade de nadar. Ao fim do relato, o sentido trágico dos destinos de Maroca e de Bilu se iluminam aos olhos pesarosos de Josefa. A tragédia se consuma toda vez que se instala o caos entre a ordem normal entre os mortais e suas ações contraditórias, impensadas ou más, não importa que atinjam animais desprotegidos.
Cunha e Silva Filho
Elmar Carvalho:
ResponderExcluirVocê está mesmo me surpreendendo. Parece uma máquina de contar histórias. A imagnação está fértil. A diversidade de situações se acumula e vmos tendo, anate os nosso olhos, relatos que saltam da imaginação para a vida ou vice-versa (só você tem a chave desses mistérios!). Poor isso, o parabenizo e faço votos que, sem também cair no estresse do cansaço da escrita pois esta cansa mesmo a nossa cabeça e exige esforço intelectual de organização das ideias em alguma forma/fôrma (Massaud Moisés) literária que seja ao mesmo tempo conhecimento e experi~encia da vida e arte transformada em objeto, que é a crônica ou outro gênero de ficção, poesia, texto teatral etc.
a história, ou melhor, o conto, "Tragédia da galinha Maroca" bem ilustra o que venho tetando insinuar sobre o seu processo de criação literária.
Os grandes actantes do relato não é Josefa, em seu filho, nem os outros personagens que compõem o texto. Os grandes personagens, elevados mesmo à condição de humanos, são Maroca, Bilu, os patinhos e os pintinhos. Nele se concentra o núcleo da trama. Sem eles, a história não anda nem cumpre seus papéis.
Há lago de alegoria sobrepairando a trama.
Desta se tira ilaçoes que se transferem para a conduta dos chamados seres humanos. Os erros dos humanos existem e podem causar muitos males, até tragédias. No entanto, há algo que o próçprio texto flagra: é arriscado que as ações e decisões humanas sejam tomadas para satisfazer uma vontade que não se compatibiliza com o lógica dos mortais. Não adianta forçarmos a barra.
Por outro lado, o texto descortina um outro aspecto na relação entre pessoas e aves( galinhs e patos), que, embora sejam animais diferenes, têm suas limitações que, na ordem da naureza, não executam as mesmas ações, nem têm as mesmas habilidades físicas. Não se respeitando a ordem natural das coisas, causam-se tragédias. O sentimento das aves em questão, da galinha Maroca e da pata Bilu, embora digno de nossa admiração, se equipara no conto ao bons sentimentos maternais.
Josefa se faz uma ação má, ao mesmo tempo se redime pensando que os patinhos e pintinhos se integrarima em tudo, inclusive na habilidade de nadar. Ao fim do relato, o sentido trágico dos destinos de Maroca e de Bilu se iluminam aos olhos pesarosos de Josefa. A tragédia se consuma toda vez que se instala o caos entre a ordem normal entre os mortais e suas ações contraditórias, impensadas ou más, não importa que atinjam animais desprotegidos.
Cunha ae Silva filho
Caro Cunha,
ResponderExcluirMais uma vez suas ilações e conjecturas foram certeiras. De fato, os humanos, neste meu conto, são apenas um pano de fundo, vamos dizer assim; fazem parte da cena, mas apenas como figurantes. Os protagonistas, como você bem notou e anotou, são os animais. Não posso dizer que o meu texto seja um apólogo ou uma fábula porque não dei fala aos meus animais, mas de qualquer forma lhes dei inteligência, raciocínio, sentimentos, ainda que diminutos ou diferentes dos nossos. Creio que alguns animais têm uma espécie de inteligência, ainda que mitigada e diferente do que entendemos como tal. Tão percuciente você foi em sua breve análise, que lhe peço licença para transportar seu comentário para debaixo de meu conto, com cor de plano de fundo para lhe dar destaque. Também, no final, sutilmente, fiz uma espécie de “moral da história”, encontradiça nas fábulas, apólogos e parábolas. Não sei por quanto tempo ainda terei “energia” para construir esses contos de Artefatos oníricos e outros, que pretendo, se Deus quiser, publicar na forma impressa, como velho e bom livro. Era um projeto que eu vinha remetendo para o futuro, talvez para quando eu me aposentasse, mas que o meu blog me estimulou a concretizar, diante da perspectiva de publicação imediata, ainda que virtualmente.
Muito bonito e emocionante!!!
ResponderExcluirTácia Nunes