terça-feira, 10 de maio de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO

10 de março

AS HISTÓRIAS DO CACHEADO

Elmar Carvalho

Estive no bar do Cacheado. Ao lhe perguntar o nome, disse chamar-se Francisco Barbosa. Aduziu que ninguém o conhecia por esse nome, mas apenas pelo apelido, que já declinei. Vendo-lhe os escassos e lisos cabelos, perguntei-lhe a razão da alcunha. Respondeu-me que quando mais moço ostentara vasta e ondulada cabeleira. Estava ele a eviscerar pacientemente uns pequenos mandis, carros-de-boi, bicos-de-pato e outros peixes miúdos, que depois enfiava numa embira de carnaúba. Em seguida, juntava as pontas da fibra vegetal e as atava, formando uma espécie de grande e belo colar, que me lembrou adereços indígenas.

Seu estabelecimento é simples e rústico. Trata-se de uma latada ou galpão, com um compartimento fechado, ao fundo, onde são guardados os produtos e equipamentos. Contudo, vê-se uma bela vegetação ao seu redor, porquanto não existem muros, nem cercas e nem paredes. Disse não admitir os “malas” em seu comércio. Revelou-me não vender bebida para jovens tatuados e com pírcingues, que para ele são tipos suspeitos e sem bom comportamento. Contou-me que, certa feita, ao se recusar a vender cerveja para alguns desses rapazes, em torno de sete ou nove, foi cercado por eles. Pôs a mão no cós da calça, simulando estar acariciando o cabo de uma peixeira, e se manteve firme na negativa. Os moços desistiram de insistir na compra da bebida, e foram embora. Perguntei-lhe se não temia alguma vingança. Retrucou que formiga conhece a folha que rói.

Falou que nasceu em outras plagas, mas que há muitas décadas viera morar em Campo Maior, quando seu pai ali fixou residência. Seu pai era um tipo boêmio, um tanto aventureiro, e que, além de sua mãe, tinha uma outra mulher. Não era alto, contudo era forte, um tanto entroncado. Não caçava conversa, mas não fugia de uma justa peleia, como dizem os gaúchos. Em certa ocasião, lutou contra nove homens, todos armados de facas. Bom no jogo de pernas, verdadeiro capoeirista naqueles idos, conseguiu vencer a luta desigual. Com destreza no uso das pernas, jogava o adversário contra a arma que ele próprio empunhava. Acabou, desse modo, fazendo com que quatro contendores estripassem a si mesmos. No final da peleja, tendo que segurar com as mãos as próprias vísceras, foi levado a um hospital ou posto de saúde da cidadezinha maranhense onde então morava, e o certo é que escapou. Não contente com esse feito extraordinário, ainda veio a matar um prefeito maranhense, além de mais alguns desafetos.

Creio que por causa dessas brigas e para se livrar de possível vingança, foi morar na terra dos carnaubais. Tinha, na época, aproximadamente 40 e poucos anos de idade. Percebeu que pessoas estranhas, talvez a mando da família do prefeito, passaram a rondá-lo. Teve certeza de que seria morto traiçoeiramente por esses pistoleiros de aluguel. Orgulhoso, destemido e não querendo ser morto à traição, em alguma tocaia, preferiu seguir para a pequena cidade do Maranhão onde matara o alcaide. E lá, com as próprias mãos, matou-se. Só para não dar o gosto de ser abatido covardemente pelos capangas, a soldo da família em busca de vindita.

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