sexta-feira, 28 de outubro de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO




28 de outubro

SERTÕES DE BACHARÉIS

Elmar Carvalho


Foi lançado na quarta-feira, dia 26, à noite, o livro Sertões de Bacharéis – o poder no Piauí entre 1759 e 1889, de Jesualdo Cavalcanti Barros, no auditório do Tribunal de Contas do Estado do Piauí, do qual o autor foi presidente; em sua gestão foi construída a sede própria desse órgão fiscalizador e controlador de contas públicas. Em várias legislaturas, foi deputado estadual e federal, tendo sido constituinte do congresso nacional. Na presidência da Assembleia Legislativa, construiu-lhe um prédio anexo, consolidou o seu sistema de informática, além de haver imprimido melhorias no serviço administrativo da casa. Foi, ainda, dinâmico e realizador secretário da Cultura, Desportos e Turismo do Piauí, tendo, entre várias outras importantes obras, criado o Projeto Petrônio Portella, que editou notáveis obras inéditas e reeditou valiosas obras literárias e historiográficas, sempre através do crivo de um rigoroso Conselho Editorial. O Poemágigo – a nova alquimia,de que fiz parte, juntamente com os poetas Alcenor Candeira Filho, Paulo Véras, Jorge Carvalho e V. de Araújo, foi publicado através desse Projeto, em 1985. Na parte de incentivo ao turismo, construiu vários hotéis e pousadas em cidades que tinham potencial turístico. Em suma: como administrador público sempre se houve com zelo, dinamismo e criatividade, e, portanto, seguiu o princípio constitucional da eficiência.

Ainda faltando alguns anos para ser atingido pela aposentadoria compulsória, resolveu aposentar-se, quando a maioria dos detentores de cargos públicos de tal envergadura só saem no “cisco”, na chamada “expulsatória”, ou por doença, ou quando ceifados pela “indesejada das gentes” do poema bandeiriano. Passou a se dedicar, com afinco extraordinário a suas pesquisas historiográficas, em invejável e hercúleo trabalho de pesquisa, em disciplina quase espartana, a escarafunchar e farejar velhos documentos e carcomidos periódicos de épocas remotas, bem como numerosos livros, devidamente relacionados na bibliografia.

Essa garimpagem investigativa não se limitou aos arquivos piauienses, mas estendeu-se aos anais da Universidade de Coimbra, em Portugal, às Faculdades de Direito de Recife e de São Paulo, e às Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, assim como aos arquivos das demais academias oriundas do Império. Evidentemente, fez todo esse esforço, em que gastou tempo, dinheiro, trabalho e reflexões, para não ser um mero repetidor e condensador das obras básicas da historiografia piauiense. De posse das anotações de suas pesquisas, empreendeu um trabalho de interpretação, estribado em documentos e livros, pautado em raciocínio lógico e verossímil, e não fantasioso, como é comum nos dias de hoje, praticado sobretudo por aqueles que, a pretexto de serem adeptos de pretensa “história moderna”, não se querem dar ao trabalho de ir às fontes legítimas e legitimadoras da possível verdade histórica.

Suas afirmativas e ilações são fundamentadas no cotejo de livros e documentos, e muitas vezes lastreadas em breves intertextualizações e citações, não com o fito de arrotar balofa e enfatuada erudição, mas de provar o que afirma, o que, ademais, é comprovado em sintéticas notas de pé de página. Em algumas laudas, faz a contextualização do corte cronológico que se propôs abordar, registrando o panorama social e histórico do período tratado, bem como se reportando aos seus principais fatos e atos. O livro, fazendo jus ao título e subtítulo, traça o perfil biográfico dos mais notáveis administradores e políticos do Piauí, mormente o de “jovens bacharéis que a Coroa, em rotatividade surpreendente, enviou para governarem o Piauí durante o Segundo Reinado”.

Não se trata, apenas, de verbete biográfico, próprio para dicionários biográficos e enciclopédias, mas de pequenos ensaios, densos de conteúdo, lastreados pelas leituras de diversos documentos, livros e jornais, em que os principais fatos e atos da gestão governamental são referidos. Em relação à pesquisa em jornais, o autor faz grave denúncia, quando afirma que o “Arquivo Público do Piauí, abrigado na Casa Anísio Brito, não mais possibilita o acesso às coleções de jornais dos anos mil e oitocentos, nos quais poderiam ser esclarecidas dúvidas e supridas omissões”. Causa espécie essa situação vexatória, uma vez que com os recursos tecnológicos dos dias atuais, esses periódicos poderiam ser digitalizados (escaneados), e colocados à disposição do consulente, através de CD, com irrisório gasto financeiro e sem dano aos documentos originais. E com mais conforto e menos dispêndio de tempo e dinheiro para o pesquisador, que poderia executar o seu trabalho em casa ou em qualquer outro lugar. Em alguns dos estudos biográficos enfeixados no livro, dá para se perceber as principais características da personalidade e do estilo do biografado. A obra traz importantes anexos, entre os quais destaco o de número III, que relaciona os governantes do Piauí com curso superior, com a indicação do curso e do ano de diplomação.

Ressalto que no período abordado por Jesualdo (1759 – 1889), 61 desses administradores eram formados em Direito, com exceção de 3 médicos, 1 engenheiro, 1 padre e 1 militar. Portanto, fazendo a dedução, 55 eram bacharéis. Daí a razão do título: os Sertões de Dentro, formados pelo atual território do Piauí, em contraposição aos Sertões de Fora, que compreendiam o estado da Bahia, no corte cronológico objeto da obra, foi governado predominantemente por bacharéis, entre os quais avultam as figuras de Zacarias de Góis, Saraiva, Franklin Dória e José Manuel de Freitas.

Curiosamente, a Coroa enviou para a administração do Piauí provincial, ao longo de 46 anos, 8 maranhenses, 7 baianos, 5 pernambucanos, 4 mineiros, 3 cariocas, 3 cearenses “e outros adventícios menos votados”, com a finalidade de impedir o reflorescimento de ciclos oligárquicos, que retornaria no alvorecer do regime republicano. Todas essas interessantes e curiosas informações, além de muitas outras a que não pude fazer referência, foram vertidas em límpida, concisa e direta linguagem, em admirável trabalho de revisão gramatical e de dados e datas, entremeadas por diversas e elucidativas ilustrações e legendas, e sem redundantes circunlóquios e afetados e desnecessários ornatos. 

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