Ivanildo Di Deus, Assis Brasil, Elmar Carvalho e João Pinto |
24 de novembro
NO I FESTIVAL LITERÁRIO DAS ÁGUAS
Elmar Carvalho
No sábado, estivemos em Luzilândia, eu e o romancista Assis Brasil, onde falamos sobre literatura contemporânea e entretenimento. Em virtude de que o ilustre escritor morou fora do Piauí desde os seus tempos juvenis, e que somente há uns três anos fixou residência em Teresina, aproveitei a viagem de ida para lhe comentar algumas coisas sobre as paragens que íamos vendo, bem como sobre a história das cidades pelas quais passamos, mormente José de Freitas e Barras. Perguntou-me sobre a origem da denominação da primeira. Falei-lhe sobre o homem que lhe deu o nome, o português José Rodrigues de Almendra Freitas, e fiz uma rápida síntese de seus principais descendentes. Fiz referência ao chalé, onde residiu José de Freitas, ao morro de Fidié, que tantas vezes escalei em minha meninice, ao açude Pitombeira, tão prenhe de beleza bucólica, com a parede repleta de criolis, e a antiga fazenda Ininga, fonte de lendas e mistérios, onde nasceram figuras históricas do Piauí, como o engenheiro Antônio José Sampaio e o seu irmão padre Sampaio, confessor da princesa Isabel. Essa vetusta casa-grande foi adquirida pelo ator e professor universitário Paulo Libório, que a restaurou, e pretende transformá-la em espaço cultural e museu.
A respeito de Barras disse o que quase todo mundo sabe: ser ela terra de governadores e intelectuais, que importantes personalidades legou à história de nosso estado. Ao passarmos pelo seu memorial, contei a Assis Brasil a tragédia da finada Alda, que teve o busto esmagado pelo pneu de um ônibus, no dia de seu casamento, quando se dirigia em seu cavalo para o local das bodas. Em razão de atravessarmos as pontes do Longá e do Marataoã, não pude deixar de falar das barras que lhe originaram o nome, e que cantei no meu poema Barras das Sete Barras. Falei de outras coisas de caráter pessoal, em referência a minha ligação com essas duas mimosas cidades, que não desejo agora relatar.
As nossas palestras foram de improviso. Abrilhantaram a mesa, o Ivanildo Di Deus, coordenador do evento, que fez a apresentação dos palestrantes, e o escritor João Pinto, notável contista, que fez importantes intervenções, como mediador. Como chegamos com um pequeno atraso, procurei resumir o que tinha a dizer, pois preferi que a estrela maior de nossa literatura atual tivesse mais tempo e não pegasse a assistência cansada e entediada com a minha peroração, o que felizmente não ocorreu, porquanto os ouvintes e estudantes se mantiveram atentos durante as duas locuções, inclusive com participação no momento dos debates. Não fiz citações de nomes; apenas procurei demonstrar que a literatura, assim como ocorre na ciência, nas invenções, nas descobertas e nas demais manifestações artísticas e culturais, é uma transmissão de conhecimentos e experiências por intermédio da sucessividade das gerações, que deixam seus legados para os pósteros.
Por conseguinte, invocando Eclesiastes, onde está a advertência de que nada há de novo sob o sol, deixei claro que muitos modismos literários já existiram no passado, ainda que sob outra denominação, ainda que sob outra roupagem. O chamado poema visual não é absolutamente novo, porquanto num passado não tão distante tivemos o concretismo, em que a disposição das palavras no branco da página buscavam o aspecto plástico. Por outro lado, o carmem figuratum, que foi praticado pelo nosso Da Costa e Silva, na sua vertente experimental, remonta aos antigos poetas do classicismo. A meu ver, o recurso visual não pode olvidar o componente discursivo, pois se chegasse ao exagero, ao paroxismo, certamente deixaria de ser poema, para ser um artefato qualquer das artes plásticas, e não mais da literatura, uma vez que esta se faz com palavras, com linguagem. Ousei dizer, nominando as exemplificações que dei, que os próprios super-herois das recentes histórias em quadrinhos muito bem devem ter sido inspirados em deuses e semideuses da mitologia grega. Mostrei as evidências e similitudes.
Acrescentei que apenas Deus cria do nada. Entretanto, como advertência e conselho, expliquei que todo artista, inclusive o da palavra, deve buscar com todas as forças a possível originalidade, sem contudo esquecer a “contribuição milionária” de todas as escolas, de todas as correntes, de todos os “ismos”. Até porque mesmo a mais radical vanguarda poderá chegar a um impasse, e tornar-se repetitiva e esgotar-se, se não buscar a renovação em outras fontes e vertentes, pois é certo que todo novo envelhece, que toda a novidade, com o tempo, deixa de sê-lo. Citei o escritor português Correia Garção, que não negava imitar Horácio e Virgílio, além de outros, mas que, no entanto, ressalvava que quem imitasse devia procurar fazer suas as imitações. Contudo, digo eu, devemos procurar o nosso próprio caminho, devemos nos manter fiéis a nós mesmos, à nossa individualidade, às nossas idiossincrasias.
Assis Brasil, embora seja contido na conversação, como já tive ocasião de observar, talvez porque sabiamente prefira mais escutar que ser ouvido, a recolher material para seus contos e romances, nas estórias e experiências que escuta, é um mestre da conferência. Falou sem titubeios e vacilos, sem nenhuma anotação, sem nenhuma consulta a livros. Embora homem de seu tempo, conhecedor dos grandes escritores da modernidade e da contemporaneidade, e ele próprio seja cultor do que existe de mais atual, afirmou que suas pesquisas apontam no sentido de que o romance nasceu na Grécia antiga, e não apenas no século XVIII, como alguns teóricos afirmam. Foi uma bela lição, que muito me enriqueceu, e que bem mereceu o caloroso aplauso da plateia.
Após sua palestra, observei-lhe que a Odisseia e a Ilíada, ambas do velho Homero, eram verdadeiros romances em versos, posto que são narrativas ficcionais de longa extensão, com muitas peripécias, cenários e entrechos, com o que ele concordou. Ainda mais quando a tradução é vertida em prosa. De tudo isso recolho a lição de que nada é inteiramente novo nem inteiramente velho; que tudo está em permanente mudança e renovação; que a tradição deve ser reinventada, e que a invenção deve ser conservada, e algum dia será tradição. Nada há de novo sob o sol, exceto o próprio sol, que a cada dia se renova, se transforma e permanece.
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