20 de abril Diário Incontínuo
QUASE UM CONTO
Elmar Carvalho
Uma pessoa falou para minha mulher que a polícia militar foi executar uma blitz em determinado local da periferia de Teresina, onde costumam se reunir viciados em substâncias tóxicas, inclusive o famigerado e terrível crack. Ao flagrarem um usuário desta última droga, não se sabe ao certo por que motivo, ou mesmo se sem motivo específico, um policial começou a espancar violentamente o rapaz, que já estava rendido, e sem esboçar qualquer gesto de resistência.
O policial deu-lhe vários socos e pontapés. Uma mulher da vizinhança, conhecida do rapaz espancado, condoeu-se de seu sofrimento. Foi buscar o seu bebê, de poucos dias de nascido, botou os seios para fora, fingindo amamentar a criança, e começou a gritar, como se estivesse desesperada, com os cabelos desgrenhados. Pediu ao soldado não matasse o seu marido, afirmando que ele podia ser um viciado em droga, mas que não era um bandido, e que não fazia mal a ninguém, a não ser somente a ele mesmo.
Ante o clamor e o desespero da mulher, o policial parou de espancar o dependente químico, como se diz hoje, na linguagem considerada como politicamente correta. Aquela mulher não era atriz e nem era parente daquele homem; arriscou-se até ao incômodo de ser conduzida a uma Delegacia de Polícia, quando ainda estava de resguardo. O que a teria levado a agir daquela maneira? Decerto o amor ao próximo, o repúdio à violência desnecessária contra o próximo. Com certeza tinha um bom coração, e com sua inteligência e astúcia feminina armou aquela encenação que fez cessar a arbitrariedade, que poderia ter levado à morte o infeliz viciado.
Poderia ter ido dormir, sem remorso ou peso na consciência, sob o argumento de que não tinha nada com aquilo, de que não fora causa do espancamento, e de que precisava cuidar de seu tenro bebê. Talvez ao engendrar o seu plano para livrar o rapaz da sanha brutal do soldado, foi possuída por forte emoção, quem sabe a pensar que no futuro aquela cena de murros e coices poderia acontecer com seu filho, e tornou-se convincente como atriz improvisada, ao sentir como sua realidade o que poderia ser a realidade de uma outra mulher, de uma outra mãe – a mulher ou a mãe daquele pobre e infeliz ser humano.
elmar a instituição mãe se impõe em qualquer lugar.jonas fontenele
ResponderExcluirCaro Jonas,
ResponderExcluirNão resta dúvida. Mãe é mãe e estamos conversados. Disse um poeta que a mãe de Cristo e a de Judas se irmanavam na mesma dor; uma pelo filho justo, outra pelo pecador.