6 de junho Diário Incontínuo
QUANTIDADE VERSUS QUALIDADE
Elmar Carvalho
No último sábado, na reunião da APL, o professor
Paulo Nunes discorreu sobre a situação da Educação Pública no
Piauí e no Brasil. Nessa discussão, que teve intervenções de
outros confrades, feriu-se o aspecto da qualidade e da quantidade. O
professor Jônathas Nunes, que foi reitor da Universidade do Estado
do Piauí, em aparte, afirmou que através da quantidade podemos
chegar à qualidade. E exemplificou com os milhões de
espermatozoides na corrida desenfreada para a fecundação do óvulo,
em que apenas um deles, um verdadeiro atleta dessa maratona, atinge o
desiderato de fecundá-lo. Essa corrida seria seletiva, pois vence o
melhor, ou pelo menos um dos que estavam mais bem posicionados.
Embora não seja eu um cientista, nem nunca tenha tido
vocação para tal, ouso dizer que não concordo inteiramente com a
assertiva do douto confrade. Ao menos em certas áreas e
circunstâncias da atividade humana. Talvez na biologia a afirmativa
possa não comportar exceção. No exemplo da fecundação, venceria
o minúsculo “cabeça de prego” mais forte e mais veloz. Na
teoria de Darwin, na sucessividade das gerações, com o aumento da
população das diversas espécies, vão sobrevivendo os mais fortes,
os mais inteligentes, os mais capazes.
Mas note-se que os sobreviventes são os que têm mais
qualidades. Todavia, alguém objetará que essa qualidade foi obtida
por meio da quantidade. Pode ser que, em alguns casos, a quantidade
possa ser uma finalidade em si mesma, mas sempre seria melhor que a
quantidade, qualquer que seja ela, tivesse excelente qualidade. Creio
que sempre devemos buscar a qualidade, mesmo quando também buscamos
a quantidade. Muitas vezes a expansão desmedida de algo termina por
levar exatamente à perda da qualidade. A preocupação com o
crescimento, não raras vezes, prejudica a qualidade, mormente quando
isso ocorre de forma artificial e forçada.
De qualquer maneira, direi, pensando na Teoria da
Relatividade do grande Einstein, que tudo é relativo, até mesmo,
talvez, a própria relatividade. Se tomarmos um exemplo tirado de uma
sala de aula, poderemos perceber facilmente que a quantidade muitas
vezes prejudica a qualidade. Assim, na alfabetização uma professora
será tanto mais eficiente quanto menos aluno ela tiver. Quanto mais
ela concentrar a sua dedicação e acompanhamento a um grupo menor de
discípulos, mais ela alcançará a sua meta e ideal, uma vez que a
sua dedicação a cada um deles seria mais efetiva, mais constante e
íntegra.
No aperfeiçoamento de raças bovinas isso também pode
ser percebido. Conta-se que um fazendeiro, que tinha em torno de 300
reses, arrebatou os primeiros prêmios em certo concurso para
criadores. Perguntado sobre o que teria acontecido se tivesse alguns
milhares de cabeça de gado vacum, respondeu que provavelmente não
teria recebido nenhuma premiação, porquanto não poderia ter
cuidado bem de seu rebanho.
Em certa comarca, o escrivão me disse que admirava
certo magistrado, pois as suas sentenças eram bem feitas,
minuciosas, bem diagramadas, com enfeites, cabeçalhos, transcrições
com recuo. Nesse tempo, a Justiça ainda não havia implantado o
sistema Themis Web, e eu, no intuito de agilizar os processos que
cresciam em número, por causa de vários fatores, que não pretendo
aqui arrolar, prolatava algumas decisões e sentenças à mão, às
vezes na folha de rosto da petição inicial.
Humildemente, ponderei-lhe que as partes não precisavam
de decisão muito “bonita”, muito rebuscada, mas, quase sempre,
desejavam apenas uma resposta rápida e justa. Nesse caso, a
perfeição não estaria na beleza e nem numa fundamentação
prolixa, mas na celeridade em si mesma. Quero com isso dizer que cada
caso é um caso e que tudo neste mundo é relativo, e depende dos
objetivos, das prioridades e das circunstâncias. Alguns anos depois,
quando eu deixava a comarca em virtude de promoção, numa prova de
humildade, o nobre serventuário me disse que eu tinha razão, e que
a celeridade na marcha processual era de fato muito importante.
Em obra de arte, por exemplo, o que o autor busca é o
seu ideal de beleza ou de perfeição, na concepção e no estilo que
adotou. Nesse mister, adequa-se o ditado popular que diz ser a pressa
inimiga da perfeição. A pressa, vale lembrar, aplica-se muito bem à
busca da quantidade. Portanto, o grande artista trabalha sem
açodamento, em busca da perfeição e da beleza. Conta-se que um
artesão fazia a sua escultura com muito vagar e com muita atenção.
Após quase concluí-la, lixava-a com cuidado; soprava o pó, e
novamente lixava, cada vez com mais atenção e demora, retirando
quase inexistentes imperfeições.
Um cliente, agastado com a lentidão, indagou sobre o
motivo da morosidade, tendo o artista respondido:
- Se não é para fazer bem feito, para que fazer?
É que nas obras de arte não se busca a quantidade, mas
a qualidade, e esta só é obtida sem a pressa, através de um
trabalho metódico, detalhista, caprichoso. Atento a essas exigências
para a criação de uma boa obra de arte, o grande poeta espanhol
Antonio Machado asseverou que fazer bem feito as coisas importava
mais que simplesmente fazê-las. Não tendo a menor pretensão de ser
o “dono da verdade”, com essa citação parafraseada encerro este
registro, deixando que o leitor tire as suas próprias conclusões.
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