segunda-feira, 30 de julho de 2012

Síria: Bashar al-Assad num beco sem saída




Cunha e Silva Filho


O ditador sírio, genocida, está com a vida por um triz. Do cargo que ocupa nem se fala. Vai ter que deixá-lo, seja pela deposição, seja por meios até violentos, ou seja, com os meios que sempre usou contra os seus compatriotas.

Ministros dele, oficiais de alta patente, diplomatas já o abandonaram e vários militares desertores se passaram para o lado dos opositores, o que cada vez mais fragilizando o regime de terror implantando contra a Síria desde o período em que seu pai, Hafez al--Assad Assad, havia assumido o poder pelo partido Ba’ath, de orientação socialista (é o cúmulo!)) e se tornara também ditador. Tal pai, tal filho, diz bem o brocardo. Creio, porém, que Bashar al-Assad foi mais longe em sua carnificina e em sua violência contra os sírios, com exceção do grupo que lhe deu sustentação, constituído pelos aulitas, adversários dos sunitas.Em resumo, a ditadura síria, desde o pai de Bashar, tem sido palco de enriquecimento ilícito, de riquezas faraônicas conseguidas fraudulentamente por Bashar, um homem riquíssimo, com muito dinheiro em vários paraísos fiscais, inclusive na Rússia. É esse o tal socialismo do partido Ba’ath. Que barafunda!

A História realmente se repete em alguns aspectos em relação a ditadores: todos quase sempre terminam seus governos tragicamente. Os grandes monstros da Humanidade estão aí para confirmarem a assertiva.

Não consigo nunca atinar com a posição que truculentos ditadores tomam quando assumem, seja por eleição fraudulenta, seja pelo golpe militar, seja por quaisquer meios discricionários. Os ditadores são iguais na sua essência e nas suas maldades. Há algo de loucura que nele vislumbro, mas uma espécie de loucura difícil de classificar porque são homens que gostam do poder com ambição desmedida e que se julgam donos de uma nação como os antigos monarcas , ou seja, por direito divino, quando, na realidade, não passam de tiranos com pés de barro, sujeitos ao trágico destino dos covardes e sanguinários inimigos da Humanidade. Se têm carisma, espírito de liderança isso tudo só é canalizado para o mal, pra a prepotência que, nos seus palácios se instalam. São sempre cercados de áulicos, de uma elite política e econômica, de exércitos bem treinados para fins que se dirigem aos fracos, i.e., a população despojada dos direitos mais inalienáveis da pessoa humana. Assim, se impuseram todos os ditadores da esquerda ou da direita e assim tragicamente irão, um a um a, caindo do seu pedestal também feito de barro.

Não foi por falta de avisos, advertências e tentativas de negociação para um cessar-fogo por parte da ONU e da Liga Árabe que o tirano al-Assad não se conscientizou de seus erros e de seus atos de terror e horror. Um país destroçado, em chamas, até na capital , Damasco, as fumaças de edifícios incendiados e explodidos são sinais da da dimensão de ruínas em que se transformou o país, sem contar o pior de tudo isso: a matança indiscriminada de inocentes de todas as idades. Quase me é possível crer que, a esta altura da do século XXI, ainda se possa assistir, perplexo, a todo esse quadro macabro, guernequiano, assombroso.Como é possível, me pergunto atônito que o ser humano seja capaz de causar tanta miséria aos outros, tantos prejuízos, tantos gastos com armas dispendiosas que custaram a infelicidade de uma nação cujo desejo era ter paz e liberdade, viver a sua existência normal no planeta Terra, a salvo de desnecessárias calamidades produzidas pelas mãos de ambiciosos do poder a todo custo e o seu fausto às expensas da ausência da liberdade, dos direitos de cidadania, de escolha de seus governantes e da prática da democracia autêntica e sempre pronta na defesa dos mais fracos e desprotegidos.

Mal consigo entender a contumácia de países como a China e a Rússia que, pelo direito ao veto, não aderiram à maioria dos países-membros que aprovaram sanções mais rígidas contra o ditador sírio. Será que esses dois países não têm a mínima consciência de humanidade para com os mortos aos milhares na Síria? Será que para eles valem mais as bases militares ( e interesses econômicos, por que não?) que mantêm em territórios da Síria e do Irã sob o argumento de que elas os protegem contra as grandes potências mundiais em caso de conflagrações internacionais do que as perdas de inocentes sírios massacrados covardemente e sem justificativa para tais atos de selvageria ? Somos ou não seres civilizados ? Seria difícil para mim responder a esta pergunta de maneira otimista.Não são suficientes os crimes do passado contra os seres humanos para agora pensarmos em encontrar caminhos que nos conduzam à paz na Terra? Isso não é impossível nem tampouco um desejo utópico de uma sonhador num mundo de lobos ferozes e de degenerados.A lógica mais fria e calculista jamais, creio, seria capaz de compactuar com os novos holocaustos do mundo contemporâneo.

Esforço-me por ser otimista e por isso espero que o que aguarda o ditador sírio seja o exílio e o julgamento pela Tribunal Internacional de Haia já que , de acordo com representantes da Cruz Vermelha, o estado de violência na Síria já se transformou em guerra civil. As leis e sanções agora já passam ao âmbito dos crimes de guerra e não mais de combates pontuais em território sírio. Que os sobreviventes da paz agora tenham um pouco de paciência. Torço pela vitória do Bem, dos inocentes e humilhados e daqui expresso o meu pesar imenso pelos seus mortos.

domingo, 29 de julho de 2012

Seleta Piauiense - Hermínio Castelo Branco



O VAQUEIRO DO PIAUÍ

Hermínio Castelo Branco (1851 – 1889)

Eu sou rude sertanejo:
Só falo a língua das selvas
Onde impera a natureza.
Não sei fazer epopeias,
Não entendo de poemas,
Nem choramingo pobreza.

Não canto glórias da Pátria,
Nem os feitos dos heróis,
Nem os perdidos amores.
Nem sei se o mundo se alonga
Além das raias que vejo,
Nestas campinas de flores.

Porém quero, em tosca frase,
Com singela liberdade,
Sem floreios, nem mentira,
Entoar selvagem canto,
Inspirado na viola,
Em vez de dourada lira.

(Trecho do poema Um Vaqueiro)

Fonte: Antologia dos Poetas Piauienses, de Wilson Carvalho Gonçalves

sábado, 28 de julho de 2012

Vaticano em dores de parto




José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com



A Bíblia é uma fonte inesgotável de inspiração, inclusive artística. Olhe só a bela metáfora extraída da epístola de Paulo (capítulo 8) dirigida aos cristãos de Corinto:"...a criação fica sujeita a vaidades e ambições, porém alimenta-se da esperança de ser libertada do cativeiro da corrupção, para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Nesta busca, toda a criação geme, em dores de parto..."
No Vaticano, trava-se uma guerra surda, imunda, cujos petardos envolvem corrupção, disputa de poder, fraudes, sigilos revelados, traição, crise de autoridade. Não se trata de uma guerra de adversários da Igreja. É Igreja dentro da Igreja.
Frade capuchinho, dono de imensa cultura, fala vários idiomas, reside em Roma. Frequentemente, envia notícias, desta vez não muito frescas: "Vejo, preocupante, a situação hodierna da Igreja. Por isso, me sentiria omisso, se nada dissesse, pelo simples fato de responsabilidade cristã na ação eclesiástica... Frise-se, eu não sou um contestador dissidente." O frade pede que envie as informações, bastante divulgadas na Europa, a amigos sacerdotes, bispos, sem alarde. Afinal, qual a instituição humana livre de escândalos e embaraços? Ademais, naturais conflitos não alteram o fervor do rebanho de Cristo, um gigantesco exército de herois a serviço do bem, nas paróquias e dioceses mundo afora. Inimigos da fé se aproveitam de vexames para tripudiar nas fragilidades humanas.
As dores de parto a que apóstolo Paulo se refere é a eterna luta das pessoas de bem contra a influência má do maligno, na forma de soberba, desunião, corrupção, fuxicaria, ambição, disputa desenfreada de poder, especialmente quando rola dinheiro e prestígio. Nem na comunidade de doze apóstolos, houve unanimidade moral. "Satanás tomou posse de Judas" (João, 13, 27), ladrão das ofertas e traidor (João, cap. 12).
O Vaticano é um mini país do tamanho do Maracanã, estrutura rígida e conservadora, dirigida por 43 autoridades e o Papa. Fácil imaginar o tamanho das tensões entre cardeais, ao ponto de o Papa, em fevereiro de 2010, pedir-lhes, em público, que evitem dissensões. Ainda se referiu à "sporcizia"(imundície) dentro da Igreja. Na época, o cardeal D. Tarcísio Bertoni, secretário de Estado, por não ser carreirista diplomata, sofreu perseguição até ser afastado. Acrescentem-se à crise do Vaticano outros escândalos e milionárias indenizações, em vários países, bem como o avanço dos evangélicos.
O Banco do Vaticano associou-se, na década de 70, ao Banco Ambrosiano de Milão, onde pipocaram escândalos. Cardeais e ordens religiosas são acusados de operações fraudulentas, "por enquanto, não falo para não entristecer o Papa", segundo o diretor do Banco, Gothi Tedeschi, afastado e respondendo a inquérito.
Cartas particulares do Vaticano, entre cardeais e o Papa, foram surrupiadas e publicadas na imprensa. Um bispo e um cardeal já estão presos em domicílio familiar.
Nas finanças, é difícil o controle do Papa. Devido a rombos, ele nomeou o arcebispo D. Carlo, que enxugou as finanças e denunciou culpados. Demorou pouco, criando ferozes inimigos, que lhe ofereceram um "prêmio": nomearam-no núncio apostólico nos EUA.
Da imagem dura de cardeal alemão, o Papa Bento XVI transformou-se em cordeiro amável ao peso dos anos e das fadigas do cargo, uma missão exigente e dolorosa como as dores de parto. As dores de parto, na história humana, são acompanhadas de esperança no sorriso de um novo e robusto rebento.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Lançamento de A face oculta da literatura piauiense



A Fundação Raul Furtado Bacellar e o impresso O Piagüy Culturalista convidam os interessados em cultura e literatura para o lançamento do livro "A face oculta da literatura piauiense", de autoria do parnaibano Daniel C. B. Ciarlini.

Dia: 4 de agosto de 2012
Horário: 19 horas
Local: Fundação Raul Furtado Bacellar
Rua Vera Cruz, 744 - Bairro São José
Parnaíba - PI

quinta-feira, 26 de julho de 2012

A TIM, TINTIM POR TINTIM E SEM TLIM, TLIM




26 de julho   Diário Incontínuo

A TIM, TINTIM POR TINTIM E SEM TLIM, TLIM

Elmar Carvalho

Faz muitos anos sou cliente da Tim. Desde o tempo em que o seu serviço era ao menos razoável. Tenho um celular, e minha mulher tem outro. Depois, quando minha filha Elmara me criou um blog, que venho tentando manter, apesar de minhas ocupações, com postagens e atualizações diárias, tive que adquirir um modem móvel. Esse aparelho praticamente só é usado em Regeneração, para duas ou três postagens no máximo.

E é aí que a coisa pega. Ou melhor, não pega, pois em Regeneração o sinal é fraco, e uma única postagem torna-se uma mão de obra tormentosa e demorada, com muitos insucessos e desligamentos. Depois de uma luta renhida, com quedas frequentes da conexão, após uma ou duas horas de tentativas e “broxadas”, a publicação é feita, de forma programada ou não. Para a publicação de imagens, o trabalho torna-se mais demorado e mais extenuante ainda.

Fui passar este final de semana em Parnaíba. Como temia o pior, programei as postagens em Teresina, através de linha física, e não do modem móvel. Aliás, a maioria das publicações é feita em Teresina, através de conexão de linha fixa, em postagens programadas, com dois ou três dias de antecedência. Até parece que eu estava adivinhando... Acontece que não sou não sou profeta; sequer tenho barba, e todo profeta que se preza ostenta uma, frondosa. É que eu já tentara usar o aparelho de internet em Parnaíba, e verifiquei que, apesar de ela ser uma cidade turística, não foi aquinhoada com um bom serviço prestado pela dita telefônica.

Só para que o leitor tenha uma pequena ideia do que estou querendo dizer, basta que eu informe que na sexta-feira à noite, quando lá cheguei, até o dia de domingo, fiz várias tentativas de captar a internet, em diferentes horários, tanto alta noite, como de madrugada, e não consegui fazer uma única conexão. Impotente, sem ter a quem reclamar, meti a viola no saco; ou seja, enfiei o computador em sua bolsa, e tirei o sentido dessa modernidade e conforto, recorrendo ao bom e velho livro de papel, mas ficando privado de outras opções internéticas, como era um direito meu, já que pago em dia a minha fatura.

Como o leitor deve ter percebido, não carreguei nos adjetivos. Antes, procurei ser objetivo e conciso. Por isso mesmo, devo dizer que a senhora do Anel, ou melhor, a dona Ana Tel tomou as providências tardiamente, e de forma moderada. Espero que as medidas surtam algum efeito. Senão, quem vai surtar é o massacrado consumidor.

Reservo-me, contudo, o direito de perguntar à Tim, como Cícero, o grande tribuno romano, perguntou a Catilina: Até quando, ó Tim, abusarás de nossa paciência? Para quem não entendeu o título deste registro, devo dizer que não contei tudo Tim-Tim por Tim-Tim porque não desejei ser prolixo, para não cansar o amigo leitor. Por fim, sou um consumidor insatisfeito, e por isso não brindarei; assim, nada de tlim, tlim.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

AS MENSAGENS DE HOMERO




25 de julho   Diário Incontínuo

AS MENSAGENS DE HOMERO

Elmar Carvalho

O amigo e ex-deputado Homero Castelo Branco, por determinação própria, ainda não sucumbiu inteiramente ao fascínio da internet e das redes sociais. Cultiva ainda o hábito de mandar cartas e cartões, com belas mensagens, especialmente na época do Natal e por ocasião do Dia do Amigo. Cultiva, cativa e cultua o apreço de seus amigos, e sobretudo é um mestre na arte da amizade. Além da mensagem afetiva e espiritual, às vezes ele manda junto um texto de caráter utilitário, prático.

Além dessa virtude, a do cultivo da amizade, é ele um escritor de mérito, com livros que se sustentam pelo conteúdo e pelo estilo. Sua linguagem é escorreita e clara, porém fluida e solta. Disseca os seus assuntos em profundidade, analisando as causas e consequências dos atos e fatos que interpreta. Não adota postura sectária, porque procura abordar as várias vertentes e nuanças de sua temática.

Com isso, escapa do convencional e do pueril. Muita vezes destila um fino humor, que é, aliás, uma das caraterísticas de sua rica personalidade. Já tive a oportunidade de me pronunciar sobre o seu livro Ecos de Amarante, que é um excelente amálgama de história, de romance, de sociologia e de antropologia, além de história da cultura e da literatura amarantinas. Amarante é a sua amada terra natal. Barras é o berço de seus ancestrais e é a sua pátria afetiva. Ambas, terras de políticos, poetas e artistas.

Quando retornei de Parnaíba, encontrei o seu belo cartão, postado no dia 16 deste. Traz uma ilustração alegre, festiva, em que um palhaço ou um mago abre os braços, como que nos dando um abraço, ao lado da qual lemos: “Quem encontra um amigo, encontra um tesouro”. Isto bem atesta a alta conta em que ele coloca o valor de uma amizade verdadeira, já que, internamente, ratifica: “Ter um amigo como você vale mais que possuir todos os tesouros do mundo. Deus o abençoe hoje e sempre”. Na mesma intensidade, retribuo o caro Homero com as suas mesmas e sábias palavras.

Na parte prática, de caráter utilitário a que me referi, lembra ele que ao completarmos 60 anos, ficamos apenas com pouco mais de 50 % de água, e que isso faz parte do processo do envelhecimento. Para piorar as coisas, já que as desgraças muitas vezes não vêm em dose única, a nossa capacidade de percepção da necessidade de água diminui, de modo que o idoso passa a ingerir menos líquido, o que gera um verdadeiro círculo vicioso.

O bom Homero nos alerta para que criemos o hábito de, mesmo sem sede, passarmos a ingerir mais líquido, a cada duas horas. Por líquido devemos entender não apenas a velha, boa, insípida e inodora água, mas também suco, chá, água de coco, leite, sopa, gelatina, e frutas ricas em água, tais como melão, melancia, abacaxi, laranja, tangerina etc. A seguir adverte os familiares para que ofereçam líquidos aos seus idosos, estimulando-os a tomarem líquido com mais frequência, mesmo sem o sintoma benéfico da sede. Valeu, mestre Homero Castelo Branco. Que Deus o cubra com suas bênçãos e proteção!

terça-feira, 24 de julho de 2012

Cadê o autor piauiense?




José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com



Minha esposa aproximou-se com CD de músicas piauienses, ligou o som e desafiou: "Zé, advinha quem é o autor dessa música!" Ouvi atentamente, pedi para repetir. Logo me amarrei no ritmo frenético e na bonita letra. Tentava decifrar a autoria. Só me chegava nome de bandas de fora. "Não é Zé!!"
Eu, como tantos da terrinha, sofremos a praga de nos benzermos aos mitos de outras plagas, e de nenhum "pelo sinal" aos valores locais. Refiro-me, especialmente, à nossa música. Os daqui só merecem cruz credo como espantalhos de mau-gosto. Música piauiense só se destaca nas emissoras estatais.
Repare a letra da música "SUPER STAR", motivo do desafio: "Meu sonho foi sempre ser artista de cinema / Ter fama em Hollywood, Timon e Ipanema / Andar pela cidade, todo mundo gritar: / Super, super, super star(bis) / Andar de Cadillac / Ter um motorista Jarbas / Ser capa da Manchete, do Times e do Pasquim / Andar pelas colunas da Elvira e do Ibrahim / Super, super, super star(bis) / Meu sonho sempre foi o de madame Salomé / Ser assim com os homens, com Nicinha e Pelé / Ter casa com piscina e morar no Itararé."
Não sei quando o poema foi composto. Se se trata de um texto recente, melhor, porquanto alude às quimeras do sonho e da divagação do espírito, montadas com elementos e personagens do passado:Ipanema, bairro carioca, recanto antigo dos artistas da Bossa Nova e do Cinema Novo; Cadillac, automóvel chique dos anos 50, 60; Revista Manchete, em que desfilavam celebridades; Pasquim, tabloide dos tempos de chumbo militar; colunistas sociais, Elvira Raulino e Ibrahim Sued; Madame Salomé, personagem vivida por Chico Anísio, exibindo a histérica vaidade de conversar, por telefone, com o presidente da República, dando pitacos; Nicinha, alienada mentalmente, costumava se enfeitar de adereços jovens e acompanhar blocos carnavalescos na Avenida Frei Serafim, anos 60 e 70. Saborosas evocações com magistral inspiração poética e ritmo quente para dançar.
Senhores radialistas e diretores de emissoras, em geral, desculpem ousado desabafo: tomem vergonha na cara: botem a música para tocar, esta e as de outros artistas. Promovam-nos. Eles não merecem apenas privilégio de emissoras estatais. Vocês não os apoiam, porque "outros valores mais altos se alevantam", não no nacionalismo camoniano, mas no de fora, que oferece ou rateia cachê em promoção de festivais, de muita farofa e pouca linguiça. Imitem o bairrismo cearense e baiano, onde muitos medíocres desfilam como celebridades, ocas de qualidade; aqui, aplaudidos pelo faro do jabá.
Músicos piauienses, especialmente letristas, em geral, precisam malhar a criatividade, livrarem-se de frases surradas, elogiosas à cajuína, Teresina menina, fanatismo romântico, que saco! Ou recorrerem a construções sintáticas obtusas e de abstrações mentais vazias, em meloso ritmo.
Finalmente, quem é o autor dessa primorosa música e letra? Você também é de curiar? Vá atrás. Telefone para as rádios Assembleia, Cultura e Universitária, únicas que soltam a música piauiense. Exija-lhes nomes dos autores. É lei indicar a autoria de qualquer criatividade. Neste momento, balanço a cabeça e costas lembrando-me de SUPER STAR. Deixa estar: hoje pego minha mulher noutra ginga. Ela sabe de cor e salteado.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Sombras hamletianas




Cunha e Silva Filho

A entrevista concedida pela ex-mulher de Fernando Collor de Melo, Rosane Collor, a uma repórter da Rede Globo, Renata Celibelli, durante o Programa Fantástico, veio reabrir antigas feridas no lusco-fusco da política brasileira, principalmente dos bastidores da vida privada daquele que, após a ditadura, foi o primeiro a assumir o comando do governo do Brasil. País fantástico, de eleitorado fantástico, enfeitiçado pela juventude de um homem de quarenta anos que, pela sua retórica algo caricata mas insinuante e carismática, cheio de bravatas,  logo conquistou o coração dos eleitores, em geral, como sempre pouco informados sobre quem lhes possa dirigir  o  destino, seja, na vereança, seja no legislativo, seja no executivo estadual ou federal.

Collor encantou as matronas brasileiras com a sua pinta de galã e sua figura atlética, sua simpatia e seu desejo de mudanças radicais, sobretudo tendo como uma das bandeiras varrer do Palácio do Planalto (aqui tomado metonimicamente) todos os por ele chamados de marajás, ou seja, indivíduos que auferiam grandes salários, verdadeiros paxás sustentados pelo Erário Público, enquanto a massa ignorante brasileira se afundava na miséria extrema, inclusive no próprio Estado de origem do candidato “caçador de marajás”, Alagoas. Com esses tributos ganhou trinta e cinco milhões de votos da população brasileira!

Collor era uma espécie de Pacheco, personagem eciano da políticalha brasileira. Tudo que afirmava era regra de ouro. Com o apoio e a confiança dos milhões de votos, o jovem presidente pensou que iria impor tudo que quisesse em termos de mudanças nos rumos da administração pública. A economia brasileira sob o comando da Zélia Cardoso, lançou um novo plano econômico, o Plano Collor, a que se seguiu o Plano Collor II. Cortou benefícios de pensões de dependentes de militares, até no setor dos militares, mexeu drasticamente na economia brasileira, confiscando o dinheiro da poupança dos investidores, sobretudo dos que mais tinham dinheiro investido. Confiscou também o dinheiro de médios investidores. Enfim, revirou de ponta cabeça a economia e as finanças do país. Ora, essa mudança repentina na economia teve consequências graves: empresas de menor porte se arruinaram, investidores, da noite para o dia, se viram falidos e houve até notícia de que alguém cometeu suicídio apoios saber que lhe haviam confiscado o dinheiro investido na poupança. Seu suposto plano de mudanças radicais na governança do país era abrir o país à onda neoliberal, implantar as condições aqui do capitalismo globalizado, tendo como carro-chefe o livre mercado. Ao mesmo tempo, instituiu o processo de privatização das empresas do governo, com vistas a diminuir o gigantismo da máquina do Estado Brasileiro.

Por outro lado, outros componentes vieram à baila no curtíssimo mandato de Collor: as notícias de corrupção tendo como pivô o tesoureiro da campanha dele para a presidência, o P.C. Farias, imbróglio no governo do “caçador de marajás” que terminou, mais tarde, em tragédias, com a notícia do assassinato de P.C Farias acompanhado de sua amante, crimes, até hoje, não completamente desvendados quanto à autoria dos criminosos ou mandantes. Em seguida, houve a morte do irmão de Fernando Collor provocada por um câncer no cérebro. O irmão de Collor, Pedro Collor de Mello, por sua vez, foi quem havia feito as primeiras denúncias de corrupção no governo, nelas envolvendo o mencionado P.C. Farias, mas também outros desmandos do governo, inclusive comprometendo a gestão financeira da ex-primeira dama quando dirigia a Legião Brasileira de Assistência.

Juntando a situação difícil da política econômico-financeira do presidente com as notícias de que, na Casa de Dinda, mansão particular do da família Collor, havia práticas de ritual macabro, com magia negra e sacrifício de animais, do qual, segundo se noticiou e mesmo foi confirmado agora pela ex-primeira dama Rosane Collor, participava o próprio presidente, o quadro da situação do Chefe da nação se complicou cada vez mais, ao ponto de a Câmara federal e o Senado chegarem a um impasse que nenhum presidente eleito desejaria para sua carreira país: o pedido de impeachment de Collor.

Collor ainda tentou reunir forças que, segundo ele, poderiam impedir a sua renúncia: o povo que o elegeu. A este pediu que saíssem à rua e desfraldasse algo que simbolizasse as cores da bandeira brasileira. Isso não aconteceu: o que se deu foi o inverso. A população foi às ruas não para apoiá-lo, mas para pedir a sua saída do poder.Era a resposta do movimento denominado “caras-pintadas” exigindo a saída de Collor, com mensagens do tipo “Fora, Collor.”
Acuado por todos os lados, o presidente se viu derrotado por ambas as partes: das instituições políticas e da sociedade civil. Não teve tampouco o apoio das Forças Armadas, com as quais, em alguns momentos pôde exibir-se, usando de uniforme militar, mostrando sua coragem e sua disposição de fazer voos com oficiais da Força Aérea. Queria dar o exemplo de um presidente identificado com a liderança de seu cargo e sua posição de Comandante-Chefe das Forças Armadas. Ficou sozinho, teve que capitular. Assinou o documento oficial de sua renúncia. Saiu do Palácio acompanhado da primeira dama do país. Seu andar firme, esbelto, marcial parecia exteriormente estar certo de que saía do alta função pela injustiça dos homens e das estruturas que formam o Poder numa democracia.
 Anos mais tarde, ou seja, agora, está cumprindo, pelo voto popular, um mandato de senador da República. As decepções de seu governo, de sua vida particular, seu futuro parecem ainda acenar para as sombras hamletianas do passado, por muitas formas sinistro, misterioso e trágico.
 Só Deus sabe o que, com as declarações da ex-dama e com a publicação futura de um livro sobre o seu relacionamento com o ex-presidente, poderá sobrevir. Entretanto, não são nada confortáveis para a biografia do ex-presidente as afirmações da entrevista, sobretudo quando Rosana Collor fala em ameaça de que algo possa de ruim lhe acontecer. Ela já declarou que, caso isso ocorra, o maior responsável será o “grande amor de sua vida.”

domingo, 22 de julho de 2012

Seleta Piauiense - Licurgo de Paiva



SONETO

Licurgo José Henrique de Paiva (1842 – 1887)

Olhai, donzelas, o futuro é longe,
Da Terra ao Céu, a imensidade vai;
Tomai cuidado, que o prazer do baile
É como a dor que se desfaz num ai!

Dançai, folgai que a mocidade é como
A flor do prado que bafeja a brisa;
Não só de orvalho, de calor, de sombra,
Mas de cultivo na solidão precisa!

Vede este quadro! Não sou moça e bela?
E todavia me definho em vida!...
É que me falta dum cultor o esmero,

Neste desterro a divagar perdida!
Virgens ditosas, que folgais no baile,
Aves mimosas que adejais aí...

Fonte: Antologia da Academia Piauiense de Letras, de Wilson Carvalho Gonçalves

sexta-feira, 20 de julho de 2012

NOITE DE AUTÓGRAFOS


O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Ministério da Cultura
convida para o lançamento de suas mais recentes publicações.


NOITE DE AUTÓGRAFOS
Terça-feira, 24 de julho, às 19hs
Sede do Iphan em Brasília
SEPS 713/913, Bloco D, Ed. Iphan, térreo.

Serão lançados os seguintes livros:

Igrejas e Conventos da Bahia, de Maria Helena Flexor;
Arqueologia no Pelourinho, 
de Rosana Najjar (org.);
A Matriz de Santo Antônio em Tiradentes, 
de Olinto Rodrigues dos Santos Filho;
Intervenções Urbanas em Centros Históricos, 
de Nabil Bonduki;
Política Nacional de Preservação Cultural, 
de Paula Porta;
Varandas de São Luís – gradis e azulejos, de Olavo Pereira da Silva f.;
Barroco e Rococó em São João del-Rei e Tiradentes,
Barroco e Rococó em Ouro Preto e Mariana e
Os Passos de Congonhas e suas Restaurações, 
de Myriam Ribeiro de Oliveira.
Mestres Artífices de Pernambuco, Minas Gerais e Santa Catarina.

CONFIRME SUA PRESENÇA POR MEIO DO EMAIL DAF@IPHAN.GOV.BR

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Lançamento de Ramon e Juliana



CONVITE

A Academia de Letras e Belas-Artes de Floriano e Vale do Parnaíba (ALBEARTES) tem o prazer de convidar V. Sª. e distinta família para a solenidade de lançamento do livro RAMON e JULIANA, de autoria do dicionarista biográfico, historiador, poeta e romancista Adrião Neto.
O livro será apresentado pela acadêmica Maria de Carvalho Gonçalves.

A diretoria


Programação:
Data: 21 de julho de 2012
Horário: 19:30 horas
Local: Sede da ALBEARTES
Rua Padre Reis, 950 – Bairro Sambaíba - Floriano-PI

A MORTE E OS ANIMAIS




19 de julho   Diário Incontínuo

A MORTE E OS ANIMAIS

Elmar Carvalho



Quando a urna mortuária do cardeal Dom Eugênio Sales foi exposta na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, uma pomba, completamente branca e perfeita, pousou sobre ela, em meio a várias pessoas, e ali permaneceu por mais de quarenta minutos. O fato foi visto nacionalmente, através das várias redes de televisão. Certamente, alguns dirão que foi mero acaso ou simples capricho da natureza, enquanto outros lhe darão algum sentido místico, e interpretarão o caso como algum sinal enviado por Deus. Aproveitarei o ensejo para contar alguns outros fatos similares, de que tenho conhecimento.

A irmã do saudoso Abdoral Paz, colega e amigo de meu pai, criava uma curica, na zona rural em que morava, com todo mimo, cuidado e amor. A moça lhe dedicava a atenção digna de uma mãe. Já não me recordo se o episódio me foi contado pelo senhor Abdoral ou se por sua mãe, dona Cipriana, que conheci no conjunto do IPASE, em Campo Maior, em minha adolescência.

Já essa senhora era viúva e bastante idosa, quando eu soube do acontecimento que passo a relatar. A dona da curiquinha morreu ainda muito jovem, e foi sepultada no cemitério da localidade rural em que morava. Se não estou enganado, no sétimo dia de seu falecimento, a ave, que era domesticada e mansa, e nunca ansiara pela liberdade dos grandes voos, sobrevoou a casa, pronunciando o nome de sua dona, e depois partiu para nunca mais retornar.

Li, já não me recordo onde, que o grande jurista Clóvis Beviláqua, nascido em Viçosa do Ceará, era um homem de bom coração, e gostava de dar comida às aves que se acercavam de sua residência. Consta que os passarinhos adentravam suas janelas, e adejavam em seu interior. Talvez, instintivamente, tenham percebido que o grande civilista lhes queria bem, e lhes protegia, e por isso mesmo seria incapaz de lhes fazer qualquer mal.

Soube que um grande comerciante de uma cidade do interior do Piauí, salvo engano Floriano, era um homem muito bom e caridoso. Quando foram levá-lo ao cemitério, para o sepultamento, em grande cortejo fúnebre, um bando de pássaros acompanhou o féretro até o cemitério, como se estivessem a lhe prestar uma homenagem ou como se anunciassem algum prodígio, ou talvez como se estivessem a proclamar que, com a morte daquele homem, nascera um novo santo.

Gonçalo Furtado de Carvalho, primo de meu pai, nasceu em Piripiri, mas radicou-se em Esperantina, onde constituiu família e foi dentista prático, como se dizia, numa época em que os odontólogos eram avis rara. Foi ele poeta e exerceu a vereança em sua terra adotiva, da qual tornou-se cidadão honorário. Criava ele, com todo amor e dedicação, um lindo gato de raça, que lhe retribuía com esses mesmos sentimento e predicado. Para surpresa de todos, quando o cortejo fúnebre estava prestes a deixar o local do velório, o felino, subitamente, saltou para cima do colo de seu falecido dono, e começou a lhe beijar, como se estivesse se despedindo, como se pressentisse que nunca mais o veria.

Tempos atrás, assisti a uma reportagem televisiva, em que se contava que um cão, em uma grande cidade, conseguiu encontrar o mausoléu de seu dono, tendo passado a morar em sua capela memorial. A matéria trazia a opinião de supostos “entendidos”, e levantou várias hipóteses, entre as quais a do faro apurado do animal, para explicar sobre como o cachorro conseguira encontrar a última morada de seu dono. Pelo que estou lembrado, não foi dado muita relevância ao que o cão deveria sentir pelo morto, a ponto de passar a viver no local em que ele fora sepultado.

Hoje se discute sobre alguns atributos dos chamados animais irracionais. Vários estudiosos levantam a possibilidade de que certos mamíferos teriam consciência de seu próprio ser, e de que alguns animais se reconheceriam em um espelho. De qualquer sorte não tenho notícia de que algum animal tenha ficado, narcisisticamente, se contemplando, em verdadeira auto-idolatria, frente a um espelho ou lâmina d' água.

Já ouvi falar de reses bovinas, que, ao por-do-sol, se dirigem ao local onde jaz a carcaça de seu semelhante, e mugem saudosamente, como se estivessem num ritual, a entoarem o seu canto de saudade. Com essas considerações e essas várias narrativas, deixo que os meus dois ou três leitores encontrem a sua própria explicação e interpretação para o caso da pomba que pousou sobre o esquife de dom Eugênio Sales.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

ALEGORIAS DE “PARA ROMA COM AMOR”



18 de julho   Diário Incontínuo

ALEGORIAS DE “PARA ROMA COM AMOR”

Elmar Carvalho

O nosso compatriota Afonso Arinos de Melo Franco escreveu o livro Amor a Roma, cujo título, composto por dois anagramas perfeitos, uma vez que, lidos de trás para a frente, designam o outro, já revela a sua admiração e estima pela Cidade Eterna. Parece ser o caso do filme Para Roma com Amor, cujo roteiro e direção é do cineasta Woody Allen. Nele atuam célebres atores, como Alec Baldwin e Roberto Benigni. Devo esclarecer que fui assisti-lo por falta de outra opção, pois não gosto de comédias, e raramente as assisto, muitas vezes entre o tédio e o bocejo. Também fui motivado a enfrentar a película por admirar a história, a cultura e o patrimônio da velha urbe, embora não a conheça pessoalmente, mas apenas através de fotografias, filmes, músicas e livros. Fiz, pois, um turismo cinematográfico.

Deixando de lado os méritos e deméritos do filme, os célebres atores que nele atuaram, o valor do roteiro e da direção, abordarei somente as alegorias, que julgo haver encontrado nele. Além disso, sei que a obra cinematográfica fugiu da inclinação comercial das produções americanas, com excesso de efeitos especiais, ações em demasia, pancadarias espetaculares, retumbantes explosões e outros “atrativos” similares, tomando o caminho inusitado de velhas vanguardas, para usar uma expressão antitética, e talvez mesmo paradoxal.

Uma das alegorias que penso haver encontrado foi a do cantor de banheiro, que era um excelente tenor. Afastado do chuveiro, o diletante revelou-se um “cantador” medíocre. O empresário inventou uma astúcia para lhe revelar o talento inato, que não fora lapidado por conservatórios e maestros. Fez colocar no cenário da ópera um banheiro, em que o tenor cantou de forma prodigiosa, arrancando delirantes aplausos da plateia, que o ovacionou de pé. Creio que o sentido desse enredo foi mostrar que existem muitos talentos, em qualquer ramo artístico, que por falta de oportunidade ou de ambição, ou ainda por timidez, nunca serão revelados ao grande público.

Aliás, temos alguns casos em que esses artistas só são descobertos postumamente, através de trabalhos de críticos, que se convencionou chamar de “revisão”. Ou melhor seria chamar ressurreição? Entretanto, contrariamente, existem artistas bafejados pela fama, quando vivos, e que após poucos anos de mortos caem em completo esquecimento, deles não sendo mais reeditadas ou publicadas nenhuma obra, nem mesmo algumas poucas linhas em dicionários biográficos e enciclopédias.

Em alguns casos a mudança de gosto contribuiu para o sepultamento artístico; em outros, o fator determinante foi a autopromoção que deixou de existir. Ou seja, com a extinção do marketing pessoal, a glória do artista sucumbiu. Daí alguns considerarem o tempo como sendo o maior crítico, embora eu considere que ele possa também cometer algumas injustiças, com o império exacerbado dos modismos.

A outra parábola de Para Roma com Amor foi quando um dos personagens tornou-se subitamente famoso. Nem mesmo ele entendeu como ou por que lhe adveio a celebridade instantânea. De repente, passou a ser acossado por hordas de repórteres televisivos, que desejavam saber a sua opinião a respeito de tudo e de nada. Do sexo enigmático dos anjos ao “glamour” de uma simples meia desfiada. Tudo que ele fazia ou deixava de fazer passou a ter uma importância descomunal.

Porém, da mesma forma como veio a sua fama se foi, como num passe de mágica. Repentinamente, sem a mínima explicação, o personagem voltou ao anonimato de onde surgira. A princípio, ele teve um grande alívio, e comemorou esse fato em família. Depois, ao andar pela rua, sem ser cumprimentado por ninguém, sem ser incomodado por nenhum paparazzi, sentiu falta do antigo assédio, e surtou, chegando a ficar de cueca em plena avenida, sem que ninguém lhe desse a menor atenção, quando antes o tipo dessa veste íntima chegara a ser notícia. Sem dúvida, foi uma crítica, fundamentada no nonsense, aos minguados minutos de fama, que todos teríamos, a que se referia o comunicólogo McLuhan, um dos profetas da aldeia global.

Por fim, abordarei a outra nuança, de caráter alegórico, que julgo haver encontrado na peça cinematográfica. Seria o adultério, cometido tanto pelo marido como por sua mulher. O homem foi envolvido por uma situação que não procurou, até porque não a desejou, que foi num crescendo, o qual não seria nada interessante descrever aqui, até culminar nas vias de fato da traição. Era ele uma pessoa simplória, ingênua, que se casara virgem.

E achou de cometer a sua infidelidade conjugal com uma exímia profissional do sexo, que lhe ministrou algumas notáveis lições, que depois ele se arvorou em transmiti-la à mulher, que também o traíra em situação algo semelhante à sua; ou seja, quase meio sem querer, querendo. Sem entrar em detalhes, conheceu a professorinha um canastrão italiano, cujas interpretações admirara. Um tanto ingênua, foi se deixando envolver pelo ator, e foi perdendo as forças de resistência, também conhecidas como freios inibitórios.

A “coisa” estava para acontecer, quando entrou em cena um ladrão. Assalto consumado, repentinamente a porta do apartamento do hotel foi sacudida pela mulher do canastrão e seus acompanhantes, que ameavam entrar à força no recinto íntimo. Por sugestão do larápio, o conquistador de incautas donzelas foi se refugiar no banheiro, enquanto o gatuno fingiu abraçar a semi-adúltera.

Com a saída da mulher do ator, e deste, um pouco depois, o ladrão, como para coroar o “serviço” que já fizera, ao limpar a vítima de suas moedas e metais, terminou roubando a mulher da próximo, ao matreiramente lhe dizer o velho adágio de que a ocasião faz o ladrão. Vale dizer, faz também o adultério. Acho que foi esta a mensagem alegórica. Mas tudo terminou bem, em perfeita paz conjugal, com os cônjuges arrependidos, e resolvidos a retornar ao local de origem.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Sobre intelectuais, quem são, por que são?



Cunha e Silva Filho

Tema por demais controverso, o conceito de intelectual  formado por leitores, acadêmicos pertencentes às academias de letras, de ciências, ou as duas juntas, e ainda a grande parcela oriunda do meio universitário e dos grandes centros de estudos avançados nas sociedades de elevada complexidade intelectual, bem como pela mídia, por grupos culturais diversos, pela sua própria natureza , pelos seus inúmeros e intrincados componentes implicados na escala de conhecimentos, de erudição, de experiência, de produção científica ou artística, torna-se uma questão difícil de resolver-se no simples espaço de um artigo.

O que pretendo discutir sobre o tema diz respeito a duas situações reais que dividem opiniões diferentes e sobretudo polêmicas:

1) Em que nível de conhecimento se pode considerar alguém, novo ou velho, um intelectual?;
2) Pode-se definir um jovem como sendo um intelectual? A estas duas indagações, tentarei responder nas linhas seguintes.

A questão de classificar o indivíduo como intelectual não depende, a meu ver, da faixa etária, pois esta não é a medida ideal pela qual se há de avaliar o nível intelectual de uma pessoa.. O que pesa na definição é o amadurecimento, a capacidade de reflexão crítica, a operosidade e o nível de conhecimento revelado por ela. E isso vale tanto para o jovem quanto para o mais velho. A prática tem provado que , no exemplo da vida cultural brasileira, grande parte de jovens intelectuais iniciaram suas vida escrevendo obras que de imediato se fizeram respeitadas no cenário da intelectualidade do país. Daria alguns exemplos - e estou me limitando apenas ao campo da ensaio, da história, da crítica, da filologia, da Linguística, - Ronald de Carvalho,  Graça Aranha, Alceu Amoroso Lima, Álvaro Lins, Afrânio, Coutinho, Nelson Werneck Sodré ,Augusto Meyer, Antonio Candido, Gilberto Freyre, Eduardo Portella, José Guilherme Merquior, Roberto Schwarz, Sílvio Elia, Serafim da Silva Neto, Mattoso Câmara, Mário Faustino, entre tantos outros. São autores, são intelectuais que, bem cedo, demonstraram a que vieram e todos eles desenvolveram seus estudos posteriores cada vez mais reafirmando maior profundidade e qualidade ao longo dos anos. Ainda que, em alguns caso, tenham sido interrompidos por morte precoce.

A história cultural tem acentuado que a precocidade é um dos sinais mais indicativos do intelectual. Sua pouca idade é compensada pela formação contínua na incorporação e assimilação de conhecimentos e saberes, de realizações que se devem ao talento e a uma disciplina rigorosa no que concerne aos seus estudos, às horas e anos gastos dedicados às investigações e pesquisas . Tudo feito em pouco tempo, porém com produção intensa e extensa em alguns casos. Por outro lado, a condição de ser um jovem intelectual não se limita apenas a contribuições que deram às suas áreas de estudos, mas ao seu poder de influir sobre a vida social de seu país, seja pela irradiação de seu pensamento, seja pelo respeito e consideração que conseguiu de seu pares e de parte considerável da sociedade.

Estou tomando o conceito de intelectual aqui não apenas considerando-o pela faixa etária, mas pelo seu desempenho e importância que foram naturalmente conquistados pelo seu poder de debater, em sua atuação principal, aquilo que é relevante ao desenvolvimento da sociedade. Estou falando da força saudável que provém do papel do intelectual em ser um elemento ativo , dinamizador, catalizador de ideias que se podem transformar em ações concretas não somente no âmbito de suas investigações como também na debate nacional que se dirigem às mais prementes questões de interesse da nação e de sua vida cultural n o sentido mais vasto do termo.

É claro que um jovem intelectual é um ser em processo de formação contínuo, mas isso não o impede de atuar fortemente em defesa de grandes causas, seja no terreno das letras, seja no das ciências, das artes e do pensamento social. Por conseguinte, não me parece correto negar levianamente o conceito de intelectual só pela faixa etária. A formação do conhecimento a que já me referi, é uma ação contínua da inteligência. O mais acertado, na discussão do tema, seria a combinação do novo com o mais antigo, desde que exista a indispensabilidade do talento, da seriedade nos estudos e da capacidade de trabalho , enfim, da produção intelectual. Dissociar os valores novos dos valores mais experientes me parece um erro grave e um lamentável preconceito, tendo em conta que nem sempre o passar do anos é bem aproveitado pelo indivíduo na obrigação que ele tem diante do aperfeiçoamento e de sua continuidade de estudos e pesquisas. Quando o indivíduo lamenta o tempo perdido que, se fosse aproveitado em anos anteriores de sua formação cultural, essa atitude põe por terra a hipótese de que os anos vividos são, por si sós, atestados de desenvolvimento de melhor qualidade de conhecimento. A condição do status de intelectual não será, repito, mensurada pela idade, e sim pela dedicação plena da intensidade e extensão do cultivo do saber e de sua transformação em obras de bom ou excelente nível. Não é uma questão meramente de anos de vida.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

O presente do corregedor



Marcos Mairton *

Consta que, em uma pequena comarca do interior do Nordeste brasileiro, o comando do que havia ali de Poder Judiciário estava sob os cuidados do doutor Bernardino. Aos cinquenta e três anos de idade, Bernardino era um dos muitos juízes cujos casamentos foram se desfazendo à medida que a carreira se construía. Mudanças frequentes de uma comarca para outra, dedicação demasiada ao trabalho, estresse, várias foram as causas que fizeram com que houvesse passado por três casamentos, todos encerrados prematuramente, até que desistira da vida conjugal.

Já havia quase cinco anos que vivia sozinho. Sozinho – entenda-se – não que tenha se tornado celibatário. Afinal, embora muitos digam que a magistratura é um sacerdócio, Bernardino era juiz, e não padre. Esquivava-se, portanto, de toda e qualquer possibilidade de relacionamento estável ou compromissos de exclusividade, mas não abria mão de suas experiências com mulheres dos mais variados perfis. O que ele não queria mesmo era casar de novo. Assim, tratava de encerrar qualquer namoro que durasse mais de dois meses ou quatro encontros, o que ocorresse primeiro.

Mesmo assim, uma jovem senhora acabou achando um furo nessa defesa. Aos trinta e nove anos, Maria do Carmo, chamada Carminha, viúva, mãe de dois filhos adolescentes, era uma bela mulher, e demonstrava, através de palavras, atos e omissões, que também não tinha interesse em casar novamente. Gostava de estar com Bernardino, de passear com ele, de ir com ele à capital, mas deixava bem claro que homem para dividir o teto com ela, só os dois filhos, e somente enquanto não casassem.

E foi assim, com esse compromisso de não ter compromisso, que o romance entre Bernardino e Carminha se foi prolongando. Já durava mais de seis meses, o que para ele era um recorde, desde a última vez que se separara.

Mas havia outro segredo para esse romance estar se tornando tão duradouro: era o sexo. Talvez fosse mais elegante dizer que o tal segredo estava na alcova, mas isto seria limitar a criatividade de Carminha, que adorava inovações quanto ao lugar onde se entregar aos prazeres carnais. Já haviam frequentado todos os motéis e hotéis da região, além de se aventurarem em lugares ermos, às vezes dentro do carro, às vezes sobre ele. Aliás, bastava que os filhos de Carminha viajassem à casa da avó - que morava na capital - para que a sala, a cozinha e até o jardim de sua casa virassem cenário para seus jogos sensuais.

No começo, Bernardino estranhou um pouco. Preocupava-se que alguém os visse e que isso gerasse algum comentário na cidade. Mas, logo se acostumou com a disposição de Carminha e passou ele mesmo a apreciar a brincadeira de fazer sexo em lugares exóticos. Resistia, porém, à ideia de praticar suas aventuras sexuais em seu gabinete, no fórum, embora Carminha tocasse no assunto com certa frequência.
Não, Carminha. No fórum não. O prédio é muito pequeno, os servidores vão perceber e isso não ficaria bem. Além do mais, você conhece o ditado que diz: "Onde se ganha o pão não se come a carne".
Pode ser depois do expediente, Dino, quando todo mundo sair... Embora que, com todos lá, seria mais emocionante! Você ainda vai ver. Você diz que não quer, mas depois é o mais animado.

E assim o tempo foi passando, até que Bernardino recebeu um comunicado de que haveria correição em sua vara. Juiz experiente e responsável que era, não tinha grandes preocupações em relação aos seus processos, mesmo porque na comarca não havia lá muito movimento, mas cuidou de se preparar para a chegada do corregedor.
Como a estrutura do prédio onde a Justiça estava sediada não era das melhores, a única sala onde o corregedor poderia se instalar com algum conforto era o próprio gabinete do juiz. Pelo menos tinha banheiro e ar-condicionado. Bernardino retirou então todos os seus pertences particulares, mandou fazer uma faxina especial na sala e até trocou o espelho do banheiro, tudo para que o corregedor se sentisse o melhor possível nos dias em que permanecesse ali.

O esforço de Bernardino valeu a pena. O desembargador-corregedor, um juiz de carreira nas proximidades da aposentadoria compulsória, era um homem religioso, adepto da Ordem dos Franciscanos, e preferia os ambientes rústicos ao luxo e à ostentação. Assim, sentiu-se à vontade no lugar que lhe fora reservado.
O tempo passou depressa e logo se chegou ao último dia da correição sem quaisquer intercorrências ou sobressaltos.

Ocorreu que, por esse tempo, Carminha havia feito uma visita à mãe, na capital, demorando-se ali por vários dias e retornando exatamente quando Bernardino estava dedicado a cuidar para que tudo corresse bem nos momentos finais da correição. Depois de quase quinze dias de viagem, ela estava realmente saudosa de seus encontros amorosos com Bernardino. Mal chegou à casa, banhou-se, perfumou-se, arrumou-se toda e telefonou para o namorado, com a intenção de avisar que queria vê-lo.

Mas ninguém atendeu. Tentou mais uma, duas vezes, e nada. Não suportando esperar, desligou o telefone e precipitou-se em direção ao fórum. A distância não era de mais que três quadras. Como todos já a conheciam ali, Carminha foi dando boa tarde e entrando, até chegar ao gabinete do juiz. Deu duas batidas na porta e abriu. Ninguém. Entrou na sala, atravessou-a e alcançou o trinco da porta do banheiro. A porta estava fechada por dentro.

Foi então que Carminha teve a ideia de fazer uma surpresa inesquecível para Bernardino. Trancou a porta da sala por dentro, tirou toda a roupa, deitou-se sobre a mesa do juiz, em decúbito frontal, com as mãos sob a cabeça, e ficou de olhos fechados, esperando ouvir o ruído da porta do banheiro se abrindo.
Não precisou esperar muito. Ao ranger da porta, disse languidamente, sem abrir os olhos:
Amorzinho! Presentinho para você!
Ao ver a mulher deitada ali, nua, o corregedor, que saía do banheiro, quase desmaiou de susto. Ficou mudo por alguns instantes, até recuperar os sentidos e dizer vacilante:
Com… Com licença.
E saiu da sala o mais rápido que pôde, tropeçando nas cadeiras e tirando o lenço do bolso para enxugar o suor.

Na saída, encontrou-se com Bernardino, que vinha apressado, advertido que fora por um servidor, da presença de Carminha em seu gabinete. Antes que Bernardino dissesse alguma coisa, o corregedor falou nervosamente:
Doutor Bernardino, o senhor é um homem muito gentil, mas se era para exagerar no presente, que pelo menos mandasse entregar embrulhado. Boa tarde!
E foi embora para não voltar mais. O fato não foi mencionado no relatório da correição.
____________
* O autor é escritor, compositor e juiz Federal em Quixadá/CE.

domingo, 15 de julho de 2012

Seleta Piauiense - J. Coriolano





As Aves da Minha Terra

J. Coriolano José Coriolano de Sousa Lima (1829 - 1869)

As aves da minha terra,
Quer no sertão, quer na serra,
Sabem falar!
Esta seu fado carpindo,
Aquela a lira ferindo
No seu trovar!

Outras aos matos ensina
Doces nomes que amofinam
Seus corações;
Esses nomes tão queridos,
Sempre tristes – repetidos
Nas solidões.

Quando vai findando o dia,
E que, escondido, alumia
Ainda o sol,
A pomba no tronco antigo
Carpe saudades do amigo
Ao arrebol!

De outra parte saltitando
De galho em galho cantando
Gentil sofreu,
Toca na lira afinada
Uma canção modulada
Que o amor lhe deu!

E aquela que além se esconde,
Lá chama (ninguém responde)
“Ó Zabelê!”
Tão triste! Lá foi –se embora,
E a amada que tanto chora
Ninguém n’a vê!

E aquela que ali suspira,
Que sofre, que até delira
Num seco pão,
Em tom sentido e penoso
Lá chama o chorado esposo
“João-corta-pão!”

também a rola gemendo
o esposo que viu morrendo
se lastimou!
Seu fim co’o sol comparando
No ocaso, diz suspirando:
“Fogo-apagou!”

Da cegueira que não o deixa
O caboré já se queixa
Cantando ao sol,
Repetindo assim o nome
Da doença que o consome:
“Terçol-terçol!...”

Também da beira do rio
Quando tudo é já sombrio
De um mulungu,
A infeliz, a desgraçada
Chama com voz abafada:
“Jacurutu!”

Mas... que soldado tão belo
Faz com seu peito amarelo
A guarda ali?
É uma ave mui guerreira,
Que, pulando na aroeira
Diz: “Bem-te-vi!”

Também diz um, todo o dia,
Quando o sol põe-se ou radia,
E surge além;
Chamando pela esposinha,
Dia a saudosa avezinha,
“Vem vem!”

Vede lá também aquela,
Chama-se a tal bacharela
Pega ou cancão;
Ela sorri-se, ela fala,
Assobia, canta, estala...
Que compr’ensão!

Eis ali outra – tão bela!
Rompendo, qual sentinela,
O denso véu
Da mudez da noite escura,
Quando, vendo a criatura,
Grita: “tetéu!”

Dai, porém, ao papagaio
Da oratória o louro, daí-o,
Pois nisto estou:
No dizer, no estilo é uma,
É das aves na tribuna
O Mirabeau!

É terra que tem primores
A terra dos meus amores,
Onde nasci!
As aves de lá se falam,
Cantam, suspiros exalam
No Piauí! 

Fonte: Blog Poesias José Coriolano