quinta-feira, 12 de julho de 2012

CONTRASTES DA VIDA



12 de julho   Diário Incontínuo

CONTRASTES DA VIDA

Elmar Carvalho

Contou-me um amigo que o seu pai gostava de comprar frango assado em determinado comércio de sua cidade. O proprietário, que era ainda bem jovem e entusiasmado com a vida e com as suas promessas e acenos, apreciava essa preferência e distinção. E para agradar o pai de meu amigo, que fora considerado um belo tipo de homem, pelo seu porte altivo, elegante, e pela cor da pele e de seus olhos claros, ressaltava esse fato com muita graça, no chiste alegre, que se transformara em bordão:
– Que homem bonito! Se eu fosse uma mulher, já tinha me perdido com ele...
E sorria de seu próprio gracejo ingênuo, feito apenas na tentativa de agradar.

O velho pai de meu amigo, com certa indulgência, sorria da brincadeira do rapaz, mas murmurava para o filho, dentro do automóvel:
– Para você ver como é a vida. Esse rapaz tão jovem, tão feliz, e eu tão triste, tão amargurado...
Já ele praticamente não movimentava as pernas, ele que outrora fora dinâmico, vigoroso, e que, em sua mocidade, pilotara ariscas motocicletas e cavalgara árdegos e vistosos corcéis.

Por coincidência, neste exato momento, acabo de ler a nota do dia 27 de outubro de 1931 do Diário Secreto de Humberto de Campos, quando este escritor viajava, bastante adoentado, a bordo do Astúrias, famoso navio da época, em viagem cultural a Montevidéu e Buenos Aires, quando já começava a descambar para o termo de seus dias.

O passeio, que em outras circunstâncias poderia ter sido alegre, foi melancólico e sofrido, tendo ele consignado na referida anotação: “Onze horas da noite. Ouço barulho, palmas, alegria, no convés que fica acima do meu. Dança-se, grita-se, aplaude-se. Informam-me que há, a bordo, dança e cinema. Mas eu continuo deitado, lendo, dormindo, ou gemendo, sem indagar se é dia ou se é noite, se o sol brilha lá fora ou se brilha no céu a lua. Não posso dar dois passos sem uma dor dilacerante”. Não prosseguirei com a transcrição dos gemidos do notável cronista.

Em poema evocativo de sua infância, o velho bardo Manuel Bandeira relembra que, em certa noite de São João, quando foi dormir, tudo ainda era festa, alegria, risadas, tiros de foguete, luzes, música e conversas, e quando acordou, alta madrugada, tudo era silêncio e solidão e tristeza. O poeta lembrou-se de outra noite, a noite maior, a noite absoluta da morte. Passados tantos anos daquela noite tão animada de sua infância, o velho menestrel indagou, referindo-se aos que participaram dos folguedos: “Onde estão todos eles? / — Estão todos dormindo / Estão todos deitados / Dormindo /Profundamente”.

Mas o mesmo Manuel Bandeira, em outro poema, nos exorta a aceitarmos as nossas tristezas. Nos aconselha a aceitarmos as nossas melancolias, e até mesmo a aprendermos a amá-las, que um dia a amaríamos. Tenho procurado seguir a recomendação do velho poeta, mas jamais bimbalhando os falsos guizos da alegria, como diz a letra da canção popular. Deixo isso aos palhaços das perdidas ilusões, para continuar com a letra da mesma canção melancólica. 

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Caro vate,
    Até mesmo o mais triste dos sentimentos pode ser um combústivel para o artista.
    Não sei construir um monumento mas posso fazer uma "lista".
    Afirmo que timidamente tenho usufruído dessa válvula de escape, sobretudo, em momentos extremos,
    sejam de alegria ou de melancolia.
    Agora posso dizer que na escrita encontrei a minha liberdade.
    Posso vomitar o sofrimento e ejacular a felicidade.
    Obrigado por ter aberto as portas desse universo pra mim,
    Pois um bom exemplo pode significar um SIM.

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  3. Acabo de conceber este:

    Culpa do Passado

    Ele já foi?
    Pensei que sim.
    Mas ele insiste em dizer: OI!
    Me persegue
    Não quer se afastar de mim.

    O enterrei e sobre ele coloquei uma pá de cal,
    Mas ele está aqui, tentando me fazer mal.
    Há um confito.
    Passado e Presente juntos.
    Parece mito.

    O Presente está doente.
    Culpa do Passado que insiste em querer ser Presente.
    Estou em cima do muro.
    Desta forma, o que será do Futuro?

    Preciso mudar mudar minha realidade
    Investir no Presente
    Para que o Passado fique apenas na saudade.

    ( Nelson Rios)

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    Respostas
    1. É por certo realidade quando falas que escrever liberta a alma,e lhes mais acrescento:o poeta porta a chave de sua prisão ao mesmo tempo em que abre as celas dos demais enclausurados na realidade sem graça.

      (Felisardo Santana)

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