8 de agosto Diário Incontínuo
MEMÓRIAS E DIÁRIOS
Elmar Carvalho
Tendo terminado de ler, no final da semana passada, o
Diário Secreto de Humberto de Campos, quero fazer algumas
considerações sobre esse gênero literário. Tinha conhecimento da
existência dessa obra através da biografia do autor, e de algumas
referências feitas pelo poeta e escritor Alcenor Candeira Filho.
Contudo, não lhe tive acesso, uma vez que era livro esgotado há
vários anos.
Meses atrás, através do historiador, professor e
confrade Fonseca Neto, tomei conhecimento de que esse diário fora
reeditado pelo Instituto Geia, sediado em São Luís – MA, que
magníficas obras da literatura maranhense vem reeditando. Embora
abusando do pouco tempo do amigo Fonseca Neto, que está fazendo seu
doutorado naquela velha capital, pedi-lhe que me trouxesse esse
diário, que aqui o reembolsaria. Pouco dias depois, numa das sessões
da APL, o Fonseca me disse haver cumprido a missão, e que os dois
volumes estavam em sua casa.
Ansioso, fui logo a sua casa. Lá, após instrutiva
prática, em que o mestre e amigo me falou sobre a cultura e a
história maranhenses, recebi os dois grossos tomos, cada um com mais
de quinhentas páginas. Para minha “decepção”, não houve jeito
de o Fonseca receber o valor correspondente ao preço da obra.
Imediatamente, mergulhei nessa instigante leitura, embora alternando
com outras, a que o excesso de informações da vida contemporânea
nos obriga ou nos atrai.
Ao longo de minha já alongada vida literária, fui
escrevendo meus textos, sem ter em mente o planejamento de um livro,
com título e assuntos previamente definidos. Todavia, já há
muitos anos tinha a meta de escrever minhas memórias e uns contos,
após os sessenta anos, mormente quando já estivesse aposentado.
Mas, diz o ditado popular que o homem propõe e Deus dispõe.
Eis senão quando, minha filha, Elmar Cristina, em
janeiro de 2010 criou o meu blog, que ela denominou de Poeta Elmar.
Essa página pessoal internética me estimulou a voltar a escrever,
pois passei a não depender de favores para publicar os meus textos.
A partir de 17 de janeiro de 2010, comecei a “construir” este
Diário Incontínuo, e praticamente já concluí o livro de contos
Arte-fatos Oníricos e Outros, que estavam previstos para depois de
quando eu me tornasse um sessentão.
Por causa desse meu desiderato de escrever minhas
memórias, desde algumas décadas para cá, incluí a leitura de
livros memorialísticos entre as minhas leituras preferenciais,
diminuindo, por conseguinte, a leitura de contos, romances e poemas.
Já havia lido, mais de 30 anos atrás, o livro Memórias, de
Humberto de Campos, que considero um dos melhores nesse tipo de
literatura. Talvez seja a obra que mais tenho relido. E pretendo
relê-lo, ainda. Por sinal, consegui um excelente exemplar de
Memórias e Memórias Inacabadas, também editado pelo Instituto
Geia, através do meu amigo Paulo César Lima, o Curicaca, que o
desembargador Lourival Serejo, membro da Academia Maranhense de
Letras, lhe havia enviado.
Entretanto, nunca havia lido um diário, e muito menos
havia pretendido escrever um. Contudo, instigado por artigos do
professor Paulo Nunes, e também pelo saudoso José Maria Medeiros,
que foi secretário da Mesa da Assembleia Legislativa por largos
anos, por sua vez também influenciado pelo confrade Paulo Nunes,
resolvi ler os Diários Completos de Josué Montello, em dois grossos
volumes em papel Bíblia, e posso dizer que foi uma de minhas mais
agradáveis e proveitosas leituras. Josué fazia os seus registros
com todo esmero, mesmo os pequenos, como um cultor da língua
portuguesa, como um estilista depurado, em seu agradável estilo
machadiano.
Igualmente, com uma ou outra exceção, Humberto de
Campos colocou em suas notas diarísticas todo o seu talento e
cuidado de estilista. Sua linguagem é sempre escorreita, fluida,
agradável e de atraente conteúdo. Os dois diaristas contam fatos da
Academia Brasileira de Letras, a que ambos pertenceram. Em muitas
notas, comentam os seus afazeres e projetos literários e
jornalísticos. Muitas vezes, produzem uma leve crítica literária.
Contam fatos importantes de sua vida, bem como de alguns colegas e de
figuras históricas.
No Brasil, o gênero diário parece que nunca “pegou”.
Sempre foi pouco cultivado e pouco lido. Já memórias tiveram alguns
autores de importância, entre os quais avultam Joaquim Nabuco,
Graciliano Ramos, Gilberto Amado e Pedro Nava, todos de boa fatura
literária, tanto pelo estilo como pelo conteúdo. Eram autores que
tinham o que contar, e principalmente sabiam contar. Sempre nutri
certa preconceito ou prevenção contra diário, porque achava que
eles seriam um mero depósito de vaidades pessoais e de “abobrinhas”,
e desabafos sem importância literária e vazios de conteúdo. E em
muitos casos eles são apenas isso mesmo.
Ao ler os Diários Completos de Josué Montello,
contudo, percebi que esse gênero pode constituir-se em trabalho do
mais alto significado, pois pode conter crítica literária, resenha
de livros, comentários a fatos históricos, experiências de vida,
assim como podem abrigar excelentes narrativas anedóticas ou
trágicas, sendo que certos registros valem por verdadeiros contos ou
crônicas.
Tanto Montello como Humberto de Campos fazem referências
a notáveis diaristas, mestres da literatura universal. E os diários
de ambos são belos exemplos de esmerada literatura, que nos
“agarram”, assim como nos atrai e segura um bom conto ou um bom
romance, para não falar em um excelente poema.
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