EVANDRO CUNHA, UM INTELECTUAL DA PALAVRA
Elmar Carvalho
No blog As ideias no Tempo, colhi a informação de que
Evandro da Cunha e Silva havia falecido, através de emocionante
crônica, quase uma elegia em prosa, da lavra de seu irmão Francisco
da Cunha e Silva Filho. Pertenciam eles a uma estirpe amarantina de
intelectuais e artistas. O pai deles, o velho Cunha e Silva, falecido
há alguns anos, foi professor, fundador de colégio, escritor,
jornalista atuante e respeitado, e membro da Academia Piauiense de
Letras.
Um de seus irmãos, é um grande escultor, que produz
obras de admirável fidelidade ao modelo. A Sônia Setúbal, também
irmã, trabalhou na Secretaria de Cultura e na Fundação Cultural do
Piauí por muitos anos. E o Cunha e Silva Filho é, como todos
sabemos, um intelectual de muito valor, proficiente professor
universitário, mestre e doutor em literatura brasileira, crítico
literário de escol, cronista arguto, atento, antenado, articulista
de invulgar capacidade argumentativa, em tudo imprimindo o seu
estilo castiço e esmerado, mormente quando na condição de cronista
e ensaísta.
Conheci o Evandro em Parnaíba, mais precisamente no bar
Acadêmico, que ficava na Praça da Graça, perto da agência do
Banco do Nordeste, no final da década de 70. Estava ele em companhia
do Canindé Correia, que se encarregou de nossa apresentação, ao pé
do balcão, a degustar um espumante e gelado copo de dourada cerveja.
Se não estou enganado, conduzia ele o romance Conversa na Catedral,
de Mario Vargas Llosa.
Embora minha demora tenha sido rápida, logo vi
tratar-se de um brilhante conversador, desses que podemos qualificar
de causeur. Tinha um bom timbre de voz, de entonação ritmada. Era
fiscal do trabalho, e fora lotado na sub-delegacia do Trabalho de
Parnaíba, na gestão do delegado Pedro Lemos. Nessa época, era
sub-delegado em parnaíba o fiscal Marcondes Cavalcante, que também
era amigo do Canindé. Do Marcondes, quando eu estava prestes a
assumir o cargo de fiscal da extinta Sunab, ouvi este conselho:
– Tenha cuidado com aquele que possa ser seu
concorrente...
Uma advertência desse tipo deveria me ter causado muita
tristeza, pela perspectiva do que eu poderia esperar no novo emprego.
Mas, na minha juventude, cheia de sonhos e esperanças de então,
causou-me apenas uma minúscula preocupação, que logo esqueci.
Todavia, não era uma recomendação despicienda, fora de propósito.
A inveja e a ganância por cargos e gratificações sempre existiram,
hoje talvez mais do que então. O Marcondes sabia do que estava
falando, na sua velha experiência de funcionário público federal.
Na época, o Evandro morava perto da casa do Francisco
Rodrigues, o Diá, meu cunhado, onde morava minha mulher Fátima, que
lhe conhecia os filhos, ainda bem pequenos, e a sua mulher Aparecida.
Pouco depois, ele conseguiu sua remoção para Teresina, onde sua
esposa formou-se em Direito, e foi aprovada em concurso público para
o mesmo Ministério do Trabalho, Delegacia do Piauí. Os filhos se
formaram em Direito e em Medicina, exercendo o bacharel Glécio as
altas funções de Promotor de Justiça.
Não nos visitávamos, cada um com as suas preocupações
e afazeres, mas de vez em quando nos cruzávamos em algum ponto de
Teresina, fosse uma esquina ou uma praça, geralmente a João Luís
Ferreira, perto da banca do Tomaz. Entabulávamos uma rápida
conversa, geralmente sobre livros e literatura, mas algumas vezes
sobre política. Ele era, sem dúvida, ideologicamente um
progressista, como se dizia no jargão da época, o que era coerente
com a sua visão de intelectual e de leitor compulsivo, admirador da
boa vanguarda, das obras que traziam algo de novo, embora também
admirasse a boa tradição literária, afeito que era aos clássicos.
Como bem reconhece seu irmão Cunha e Silva Filho, o
Evandro era um crítico rigoroso, por vezes mordaz, que não fazia
concessões aos medíocres, sobretudo aos sem assunto, aos sem
talento e sem estilo. Em suma, repudiava os escrevinhadores, mormente
os que não apuravam a linguagem, e apenas queriam derramar na
escrita o que julgavam ter a dizer. Devido ao seu rigor e apurado
gosto literário, poucos eram os escritores e poetas que lhe caíam
na graça e na leitura.
Era um erudito, sem dúvida. Mas creio que dedicou o
melhor de seu tempo e de seu esforço à criação dos filhos e às
suas leituras e meditações. Poderia ter sido um excelente professor
de literatura ou de outra disciplina da área de humanidades, porém
preferiu cultivar o saudável hábito da leitura. Seria um grande
cronista e articulista, por sua cultura, senso crítico e poder de
argumentação, mas pouco se dedicou a escrever.
Não foi um egoísta, pois socializava a sua cultura e o
seu saber através das conversas, em que foi um mestre. Entretanto,
poderia ter publicado livros de crônicas e ensaios. Por isso mesmo é
que eu digo: poderia ter pontificado nas tribunas da cátedra e do
jornalismo, pois tinha muito o que dizer, e sabia bem dizer. E também
maldizer, através de afiadas ironias, com que destruía vaidades e
mediocridades empavonadas.
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