Reginaldo Miranda da Silva
Presidente da APL
Presidente da APL
Ouvi
falar no nome de William Palha Dias, desde cedo, nas conversas de
família. É que ficando viúvo, seu pai convolou novas núpcias com
uma irmã de minha avó. Mais tarde, também uma sua irmã casou-se
com um outro parente. Radicados na povoação de Nova Lapa,
hoje cidade de Cristino Castro, então termo de Bom Jesus
do Gurguéia, para onde vieram de Caracol, eram hóspedes de meus
avós quando vinham a Bertolínia. Era o velho Claudionor Dias, pai
do romancista, respeitado rábula, tendo muitas vezes, no exercício
profissional, ido à minha Bertolínia natal, a chamado de meu avô,
então chefe político de expressão.
Mais
tarde, conheci W. Palha Dias em Teresina. Magistrado,
romancista, contista, conversador admirável. Membro da Academia
Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.
Dia desses li seu romance Vila de Jurema. Livro admirável,
retrata o ciclo da maniçoba e do cangaço no Piauí. À visão
aguçada de W. Palha Dias não escapa nenhum pormenor: extração do
látex, crescimento da povoação de Bom Sucesso e sua emancipação
política com o nome de Jurema, invasão de maniçobeiros e jagunços,
crendices populares, estórias de lobisomem, feitiços, querelas
políticas, adultério, casos de honra, festas do padroeiro com as
tradicionais rezas e os forrós tocados pelos violeiros Antão
Guaxinim e Domingos Bibiano; nesse mesmo período, apareciam
as novidades comerciais trazidas pelo mascate
Xanane-Pirrita, principal contato entre aquela população
catingueira, como é conhecida, e o mundo exterior, mas não
extraordinárias como as que o cigano Melquíades levava para
Macondo, em Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marques. No
entanto, é ponto alto da narrativa o duelo travado entre o vaqueiro
Adriano e o cangaceiro/barraconista Herculano, que caíra de amores
não correspondidos pela mulher daquele, cercando a casa e matando o
casal. W. Palha Dias, acompanha esse embate dramático deixando à
mostra toda uma pujança narrativa que prende a atenção
do leitor do começo ao fim, com as reflexões, démarches e
lances do confronto com rifles “papo-amarelo” e depois com
punhais. Era desejo do cangaceiro matar toda a família e até as
galinhas do terreiro de sua vítima, felizmente escapando estas e os
três filhos menores do indigitado casal, que, por estratégia do
vaqueiro conseguiram escapar em meio ao cerrado tiroteio, para a
distante casa de um parente.
Não
falta a disputa pelo mando político-administrativo da nascente vila,
entre os coronéis Veridiano Bernardes e Antero Gomes, aquele natural
do lugar, este forasteiro chegado com o surto econômico da maniçoba.
Nesse aspecto, W. Palha Dias retrata o passado de sua terra natal, a
longínqua cidade de Caracol, plantada no alto da Serra Dois Irmãos.
Fácil é se perceber que Vila de Jurema é Caracol, desmembrada do
antigo termo de São Romão, nome fictício da serrana cidade de São
Raimundo Nonato. O coronel Veridiano Bernardes é seu avô Aureliano
Dias, baluarte da fundação de Caracol, ao passo que Antero Gomes é
Ângelo Gomes Lima, assim como vários outros personagens secundários
são facilmente identificados ao se comparar o romance em referência
com o seu livro de estréia, Caracol na História do
Piauí (1959). O autor se utilizou desse recurso, e fez muito
bem, para ter liberdade na análise de fatos históricos doloridos de
relembrar sem ferir suscetibilidades, assim como transitar por
lacunas históricas insondáveis, analisando fatos e personagens as
mais diversas.
Nessa
bela narrativa, W. Palha Dias consegue retratar de forma fiel a vida
rude do sertanejo e traçar um grande painel do ciclo da maniçoba no
Piauí. Se a Paraíba teve com José Lins do Rego, o seu retratista
do ciclo canavieiro e do cangaço, a Bahia com Jorge Amado, o ciclo
do cacau, W. Palha Dias resgatou para as letras piauienses o efêmero
ciclo da maniçoba e do cangaço. Em sua obra, aparece em toda a sua
rudeza a vida do jagunço, a lida da maniçoba e os dias de glória
de um curto ciclo econômico que trouxe à evidência a caatinga
piauiense. Os catingueiros do Piauí, recebem a sua homenagem, justa
e definitiva, na obra de W. Palha Dias, consagrado romancista, cuja
obra Vila de Jurema é a continuidade de Endoema,
romance de fundo histórico lançado em 1965. E com sua pena
prodigiosa, criadora de quase duas dezenas de livros – que se
impõem pelo conjunto –, retoma, de certa forma, esse fio narrativo
com Marcas do Destino, romance de cunho histórico-biográfico
lançado em 2003, cujo personagem narrador sai de Vila de
Jurema.
Conforme
se disse, Vila de Jurema é o romance-resgate do ciclo da
maniçoba e do cangaço, retratando uma importante fase da vida
econômica da árida caatinga piauiense, quando a extração e
comercialização do látex deu-lhe ares de progresso, fazendo
circular a moeda e originando diversas povoações com populações
mescladas de maniçobeiros e jagunços, vindos de todos os cantos do
sertão nordestino. Por esse tempo, primeiras décadas do século XX,
houve uma verdadeira corrida para a caatinga. É quando nascem
cidades como Caracol, terra natal do autor, Canto do Buriti, e
algumas outras. É, pois, essa corrida, esse frenesi, a extração e
venda do látex, a difícil convivência entre os heterogêneos
grupos sociais, que retrata W. Palha Dias em sua obra. Estão aí,
pululando nas páginas de seus livros os catingueiros do Piauí, com
seu jeito de ser, sua maneira de pensar e agir, seus ajustes de honra
baseados na “lei do sertão, que é imutável. Não admite
crime sem vingança e nem honra cuja mancha não seja lavada com
sangue daquele que a desrespeitou, daquele que a maculou” (p.
208).
Porém,
todo esse mundo mítico vem abaixo com a queda do preço da maniçoba,
em face do desinteresse da indústria automobilística européia.
Sobrevém a decadência. E restam apenas as povoações desertas, as
cidades mortas, e a saudosa lembrança de um tempo que se foi. Ficam
as conversas tecidas nas rodadas de boca-da-noite, entre um gole e
outro de café, por aqueles que não puderam sair, que tinham ali as
suas propriedades, as suas parcas economias. Pois, é nesse ambiente
que nasce W. Palha Dias, criado ouvindo essas estórias dos parentes
e amigos, e guardando-as em sua mente prodigiosa, para mais tarde
revelar-nos com o talento que lhe é peculiar. As letras piauienses
só têm a agradecer a contribuição desse rebento das costaneiras
serranas doisirmãonenses, das reentrâncias e caracóis das serras
das capivaras e confusões sertanejas de outrora. Que continue esse
belo trabalho de cunho sociológico, trazendo à literatura os
costumes de sua gente, áspera, machista, destemida, passional,
vingativa, mas profundamente humana. O leitor agradece.
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