UM
MESTRE DA HISTORIOGRAFIA INDÍGENA
Elmar
Carvalho
Não
bastasse ser Reginaldo Miranda, sobretudo na temática indígena, um
competente e consciencioso historiador, é também um escritor hábil
no manejo do vernáculo, exprimindo suas ideias de forma elegante,
fluida e clara, contudo sem rebuscamentos e torcicolos estilísticos.
Não
é ele um mero divulgador e repetidor dos fatos históricos, uma vez
que vem estudando e pesquisando a história dos índios no Piauí ao
longo de mais de duas décadas. Dessa forma, não se conteve apenas
em consultar e cotejar a bibliografia disponível, mas também foi
aos documentos, compulsando-os diretamente ou através de livros que
os transcrevem.
Sendo
ele um jurista e historiador experimentado e de longo curso,
conseguiu dar correta interpretação aos autos de devassa em que se
tentou apurar a matança de indígenas, tanto no contexto das leis da
época como também no modus operandi da máquina judiciária de
então. Analisou os atos e os fatos sem perder de vista a conjuntura
do espaço/tempo em que eles aconteceram, considerando as
circunstâncias da realidade, as leis, os costumes, as crenças e
crendices, sem jamais descambar para o anacronismo e muito menos para
maniqueísmos ideológicos ou de posturas preconcebidas.
Quando
fez eventuais interpretações, não se baseou apenas em vagos e
genéricos “achismos”, mas se fundamentou no cotejo de
documentos, relatórios e livros, todavia sem ideias mirabolantes e
iconoclásticas, no afã de provocar polêmicas e discussões; aliás,
quem assim procede, talvez o faça para atrair os holofotes, muitas
vezes ofuscantes, da mídia. Reginaldo Miranda alinhavou suas
conclusões interpretativas de forma plausível, verossímil, em que
a lógica e a dialética são facilmente assimiladas.
Procurou
ver os fatos como eles efetivamente se passaram, buscando-lhes as
causas e as consequências, com justiça, sem tomar partido de
grandes ou pequenos, de brancos ou índios. Buscou a verdade, porque
a História para realmente ser História deve se fundamentar na
verdade, e não em meras suposições tendenciosas. Em suas
parcimoniosas ilações, não descurou dos velhos papéis, em que se
fundamentou, e nem dos ensinamentos dos grandes mestres de nossa
historiografia, que são grandes exatamente porque buscaram a
verdade, mormente nas fontes primárias.
No
seu livro, além das narrativas dos principais fatos, com a indicação
dos documentos em que se alicerçou, muitas vezes transcrevendo-os,
também lançou luzes sobre como se desenvolveram as relações entre
brancos e índios, desde o início da chamada Conquista, até a saga
dos aldeamentos de São João de Sende e de São Gonçalo de
Amarante, com ênfase a este último e aos Acoroás, com as
consequentes deserções, capturas e indiocídio.
Vislumbramos,
também, aspectos de história do cotidiano, tais como administração
da aldeia, salário, alimentação, educação, religiosidade, modo
de vida, cultura etc. Nas páginas de Aldeamento dos Acoroás, de
Reginaldo Miranda, perpassa a grandeza e miséria de uma época
importante de nossa História, que não podemos esquecer, para que
ela nos sirva de lição e advertência. Como já tive ocasião de
dizer, “somos o que somos; somos o amálgama de três raças, e a
nossa civilização é o cadinho do que elas construíram ao longo
dos séculos”.
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