21 de março Diário Incontínuo
PERDIDOS & ACHADOS – TEMPOS RECIFENSES – PARTE
II
Elmar Carvalho
No período em que fiz o curso de Monitor Postal no
Recife, fiquei hospedado numa pensão, que ficava há poucos
quarteirões do Centro de Treinamento Correio Paulo Bregaro, por
recomendação de meu pai, que fizera no ano anterior o curso de
Técnico Postal, de mais longa duração. Eram meus colegas de curso
os piauienses Paulo Carneiro, Alcides Ananias Ibiapina, Bernardo
Candeira do Val, chamado Doval, e Chaguinhas. Os dois últimos já
são falecidos. Na mesma época, faziam o curso de Técnico Postal os
conterrâneos Afonso Sandes, Jaime Medina e Euclides.
Doval estava sempre a falar em Parnaíba, onde morava, e
em Buriti dos Lopes, sua terra natal, com muito entusiasmo e até
mesmo com certo bairrismo eufórico e nostálgico. Mostrava-nos
fotos e postais dessas cidades. Não sabia eu que, ainda em junho
desse ano (1975), iria morar na primeira, a graciosa Princesa do
Igaraçu, onde trabalharia na ECT e me formaria em Administração de
Empresas, e onde faria algumas de minhas mais estimadas amizades.
Talvez por isso, mantidas as proporções e consideradas as
diferenças, Parnaíba sempre me fez evocar a bela Veneza Brasileira,
que não mais revi, a não ser em fotografias e nos poemas evocativos
do recifense Bandeira.
Aos sábados e domingos, fazíamos o nosso turismo, em
locais diferentes de Recife e Olinda. Uma vez, fomos de ônibus
elétrico conhecer, salvo engano, o parque zoobotânico de Recife. O
veículo tinha uma haste ligada ao fio de energia, porém tinha pneus
de borracha, como um ônibus qualquer, e não rodas de ferro, como
bondes ferroviários. Nesses passeios, vimos o centro histórico
recifense, com suas inúmeras pontes e seus vetustos prédios e
igrejas, e a paisagem bucólica e marítima da linda cidade de
Olinda. Fomos a Boa Viagem, e viajamos na formosura das ninfas em
flor que perlongavam essa praia.
Num final de semana prolongado, fomos com colegas de
Maceió conhecer as lagoas da capital de Alagoas e a beleza de suas
praias. Fiquei hospedado na casa de um colega cujo nome já não
recordo, e o Paulo foi hóspede dos pais do Rivadávia. Na casa
destes saboreei uns frutos do mar; até então só conhecia quase
exclusivamente peixes de água doce.
No meio dos velhos papéis garimpados por minha irmã,
havia um cartão, datado de 11/07/1975, quando o curso já terminara,
remetido por Ednelson, também alagoano, que contagiava todos com sua
simpatia espontânea, certamente nascida de sua boa alma. Nesse
postal dizia ele: “Vai esta vista para você de uma das praias mais
belas que temos em Maceió”. A praia era Pajuçara, que conheci
nessa viagem, e que a névoa do tempo já esvanece em minha memória.
Também era de Maceió a moça que mais nos encantava no
centro de treinamento, com sua beleza quase rechonchuda, de muitas e
arredondadas curvas, quando desfilava, sem ostensivos requebros e
rebolados, pelo hall e pelos corredores da instituição. Ela não
aparentava ser orgulhosa ou indiferente, mas não se exibia e nem
flertava com ninguém. Seu semblante parecia satisfeito com os
olhares que lhe eram endereçados, embora fingisse não notar. Corria
rumores de que tinha um noivo em Alagoas.
Como disse na nota anterior, fui eleito orador de minha
turma. Conhecia trechos de discursos de Rui Barbosa e de outros
mestres da retórica. Lera sobre o romano Cícero e sobre o ateniense
Demóstenes. Na minha meninice, ouvi, pessoalmente ou através do
rádio, grandes oradores sacros e políticos do Piauí, entre os
quais cito: Dom Avelar Brandão Vilela, Pe. Mateus Cortez Rufino, Pe.
Solon Correia de Aragão, Severo Maria Eulálio, Celso Barros Coelho
e Francisco Figueiredo de Mesquita. Já então tinha certo pendor
para a oratória, não obstante fosse um tanto tímido e reservado.
Resolvi caprichar, e tratei de escrever o texto, que haveria de ler
na solenidade de formatura. Dei-lhe alguns contornos condoreiros e
certo tom declamatório.
Um dos instrutores do centro, de temperamento expansivo
e um tanto afogueado, de origem argentina, e ao que comentavam ainda
parente de Peron, de vasto bigode, quase à Dalí, embora sem as
pontas viradas para cima, disse, em retumbante hipérbole, que recebi
com modéstia e discrição, que meu discurso merecia ter sido
proferido em certo sodalício, cujo nome acho recomendável não
declinar. De qualquer sorte, devo confessar que, intimamente, fiquei
feliz com o bombástico elogio, e agradeci o mestre por suas
palavras, mas esquivei-me da insidiosa picada da mosca azul, que tem
levado ao ridículo tanta gente.
Quando eu fazia o estágio, etapa final do curso, numa
das agências do centro do Recife, recebi o recado da diretora do
centro de treinamento, dona Cecília, que era casada com o então
diretor da ECT no Estado de Pernambuco, para que fosse a uma
solenidade, que estava acontecendo, recitar o meu poema Recife, que
naturalmente havia sido divulgado entre alguns poucos colegas, e que
havia, não sei como, chegado ao seu conhecimento. Talvez o tenha
declamado em outro evento anterior ou mesmo em sala de aula, mas não
tenho certeza quanto a isso.
Passadas tantas décadas, já não recordo os detalhes.
Certamente fui aplaudido, mas tudo está envolto em brumas em minha
retentiva. Se tivesse sido vaiado, com certeza jamais teria
esquecido. A lembrança permaneceria vívida e dolorida para sempre.
Foi esse poema, que tanta alegria e tantas emoções me causou em
minha adolescência, que por muitos anos considerei perdido; e agora
foi encontrado por minha irmã Joserita. E eu o acolho, como se
acolhesse um filho pródigo. Pródigo e perdido; perdido, mas nunca
esquecido.
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