Cunha
e Silva Filho
Novamente
o telefone toca em minha casa. Meu filho Alexandre atende. Alguém do
outro lado da linha, lhe passa um recado: “O poeta Jurandir
Bezerra, natural do Pará, faleceu ontem, dia 29 de maio, aos
oitenta e cinco anos.” Jurandir nasceu em 13 de março de 1928.
Sinto-me
abalado, sem rumo, amargurado. Nossa cultura ocidental não se alegra
com os mortos, como o fazem algumas culturas orientais.O que
poderemos fazer senão chorar no silêncio de nossa dor profunda,
incomensurável.
Não
foi um falecimento de um desconhecido que nunca vimos nem com quem
nunca tivemos qualquer contato pessoal. Foi a morte de um poeta, um
grande poeta não só paraense, mas brasileiro.
Jurandir
só teve um livro editado, com este título que parece vir dos
eleitos de Deus, de um lugar encantado onde só a pureza tem seu
assento.: Os limites do pássaro (Belém: Editora CEJUP, 67
p.,1993), com orelhas de Leonam Cruz e introdução de Fagundes de
Menezes.
Esta
obra foi lançada na VI Bienal Internacional do Livro, Rio de Janeiro
(1993) e na II Feira do Livro do Pará, em novembro (1993). Os
limites do pássaro, ainda na condição de inédito, recebeu 3
prêmios nacionais: “Prêmio Guararapes”, da União Brasileira de
Escritores, Rio de Janeiro como o melhor livro inédito de autor
inédito em livro(1986), Comissão Julgadora: Fagundes de Menezes,
Stella Leonardos e Reynaldo Valinho; 2º lugar do “Prêmio Carlos
Drummond de Andrade (1991, Conselho Estadual de Cultura, Rio de
Janeiro; 2º lugar no Concurso Nacional de Poesia Ruth Scott, do
Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro(1993).
Muito
bem recebido pela crítica, não só em Belém, mas também no Rio de
Janeiro. Recebeu elogios de Antonio Olinto (1919-2009) do crítico
Antonio Carlos Secchim, ambos membros da Academia Brasileira de
Letras.
Algumas
de suas poesias foram premiadas em concurso nacional e nternacional,
como o da Revista “Leitura”, Rio de Janeiro(1957) ainda quando
residia em Belém; “Pastorela, quase cantiga”, 3º lugar entre
486 candidatos, tendo na comissão julgadora nomes do quilate
intelectual de Carlos Drummond de Andrade, Adonias Filho e Antônio
Olinto; 2º lugar, entre centenas de candidatos, no I Concurso
Nacional de Poesia de Uberlândia, Minas Gerais, com o poema”Criação
do Mito”(1984); 2º lugar em Concurso Nacional da Hebraica, Rio de
Janeiro, com o poema “A espuma” (1991); menção honrosa, entre
1.047 inscritos, n o VII Concurso Nacional de Poesia Aríete Vilela
(2000), do jornal Letras Literárias, Maceió, Alagoas, com os poemas
“Plenitude”, “Noturno”, “Poesia quase de solidão”; em
2005, em concurso internacional, na Itália (Premio letterario “Il
Molinello”) teve escolhida seu poema “Infância”. Alem disso, 3
poemas seus foram selecionados e publicados em “Poesia Sepre, da
Fundação Biblioteca Nacional (2002). Com o seu poema “infância”
participou de uma antologia de Rapolao Terem, província de Siena,
Itália.
Juradir
Bezerra teve alguns poemas traduzidos para o inglês por Cunha e
Silva Filho e Yacilton Almeida, e para o italiano pelos professores
Guido Alberto Bonomini e Marines Lima Cardoso.
Precoce,
Jurandir Bezerra ingressou na Academia Paraense de Letras aos 18
anos.Pertenceu a uma geração de grandes intelectuais paraenses,
muitos dos quais alcançaram renome nacional, como Benedito Nunes,
Max Martins, Haroldo Maranhão e tantos outros que, junto com ele, e
tendo Jurandir apenas 14 anos, fundaram a Academia dos Novos.
Jurandir
Bezerra foi ainda professor de português, jornalista e exerceu
atividades sindicais na área do jornalismo, como delegado por várias
vezes de Congressos Nacionais de Jornalistas representando o estado
do Pará. Alem disso, foi funcionário público federal do Ministério
da Saúde atingindo altas funções na área administrativa
O
poeta deixou inéditos 8 livros de poesia: As águas de Mara ,
que recebeu menção honrosa no citado Concurso do Sindicato dos
Escritores do Estado do Rio de Janeiro; A lâmina convexa,
menção especial do Prêmio Ribeiro Couto, da União Brasileira de
Escritores, Rio de Janeiro (1997); Configurações, Superfície, O
Rio de minha Aldeia ( em conclusão); O signo convexo (em
elaboração), Sombra submersa, recordações da Amazônia (em
elaboração); O verbo não conjugado, uma antologia de poemas
dos livros supracitados.
Jurandir
era muito criterioso com a sua poesia e, por isso, me falou que havia
feito consideráveis modificações na ordem da antologia O
verbo não conjugado, retirando e colocando poemas, além de refundir
mesmo partes da estrutura de alguns poemas. Não lhe pude acompanhar
os últimos tempos de sua existência a fim de saber como tinha
ficado o livro a ser editado pela Litteris Editora.. A demora desta
publicação levará, deste modo, a um lançamento póstumo,
infelizmente.
Após
esses dados biobibliográficos, me permita o leitor algumas palavras
de amigo do poeta para finalizar esta coluna de saudade. Não posso
deixar de fazer referência a uma circunstância que me levou a
conhecer Jurandir Bezerra. Foi através de um dos filhos do poeta, o
Walter Ivan, hoje advogado e professor, que vim a conhecer o grande
poeta. Meu filho sempre me falava que o pai de um amigo dele era
poeta. Nunca atinava que esse poeta fosse de tão alto nível. e um
poeta premiado. Jurandir residia no subúrbio do Rio de Janeiro, no
conhecido bairro da Vila da Penha, bairro onde morei também durante
muito temo. Daí o contato e conseqüente aproximação.Eu, porém,
nunca fui apresentado a ele, nem por meu filho, nem pelo Walter.
Quando fazia o meu mestrado, um dia, saindo da Faculdade de Letras da
UFRJ, no campus do Fundão. em direção ao ponto de ônibus, vi um
senhor de estatura mediana, franzinho, de cor clara e já calvo, mas
ainda cheio de saúde. Suas feições me lembravam as do poeta
Drummond. Sempre bem vestido, usando camisa de mangas compridas por
dentro da calça, mas com os punhos fechados, isso lhe dava um ar de
refinamento, de aristocracia de gestos mas ao mesmo tempo de um
finura, de uma delicadeza que me surpreendia ainda poder ver em
alguém. Já disse para muita gente que Jurandir foi a pessoa mais
educada que conheci nesta vida. Jurandir tinha ido assistir a um
Congresso ou a uma palestra na Faculdade.
Não
sei por que, um de nós falou alguma coisa e daí se encetou uma
breve conversa que o levou a me dizer das razões de sua ida à
Faculdade. Com o continuar da conversa, e com a troca de dados
pessoais que nos demos, viemos a ser que os nossos filhos, o
Francisco Neto e o filho dele, o Walter, eram amigos e colegas,
estudantes de Direito da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Foi
esse o início de nossa grande amizade, que data do início dos anos
de 1990. A amizade se estreitou e durou até esta data de seu
falecimento.
Nossa
amizade não se fez com muita frequência na casa de um ou de outro.
Sempre que havia alguma data comemorando aniversário meu, o casal
Bezerra lá estava no playground do meu prédio. Trazia-me sempre um
presente, que, com o passar do tempo, eu já sabia qual era: uma obra
de poesia, e sempre de grande poesia: Cristal, de Paul
Celan, Um Escrito sobre Jade, poesia clássica chinesa
reimaginada por Haroldo de Campos, uma coletânea composta de de
quatro volumes respectivamente de poesia catalã, galega, espanhola,
e basca traduzidas e organizadas por Fábio Aristimunha, Vargas.
Era
assim Jurandir, um amigo onde a poesia estava sempre presente, seja
pelos presentes de livros que me deu com lindas dedicatórias, seja
pelas nossas conversas sobre o tema central de sua vida, a poesia,
seja pelas nossas conversas pelo telefone, na maior parte falando
sobre poesia, autores, temas ligados à técnica poética, `
criação literária, aos planos dele com respeito à sua produção
e publicação, aos seus poetas preferidos, Cecília Meireles, Carlos
Drummond, Manuel Bandeira, entre outros, à sua mudança de jovem
poeta provinciano ainda preso ao cânone tradicional da poesia
metrificada e rimada para a sua adesão consciente e progressiva às
formas livres da poesia brasileira, do Modernismo até à
contemporaneidade, à sua admiração por poetas como
Saint—John Perse (1887-1975) Paul Celan (1920-1970), Trakl
(1887-1914) Mário Faustino (1930-1962, ) que conheceu em Belém e
com quem falou algumas vezes, o crítico e ensaísta Benedito
Nunes, já faleicdo, o seu conterrâneo poeta, para
ele, um dos maiores do Pará, Max Nunes, também
falecido. Além disso, Jurandir Bezerra tinha profundo
interesse por tudo que se relacionava com a teoria poética, com a
crítica literária, com o ensaio. Lia sempre e continuamente
poesia, combinada com ficção e ensaios, com traduções de poesia
do que de melhor fez a humanidade. Era muito seletivo nas
suas leituras e, nos últimos tempos, me falava que a poesia, a
grande poesia, está impregnada de musicalidade, de ritmos e
sonoridades.
Sua
poesia era formal, hermética, ambígua, quase inabordável. Fora
este, segundo ele, o caminho por que enveredou na sua composição
poética influenciada pelos grandes poemas universais da
modernidade.A confissão a frustração, os problemas pessoais,
quando transmudados em poesia, são figurados sobremodo pela
metaforização, pela opacidade. O poeta, assim, se esconde do
confessional, da poesia realista, mimética. Seu caminho deve ser o
da imagem, do símbolo, do mito, da formalização de estofo
estético, daí o hermetismo e a sensação ao mesmo tempo da fruição
do poema pelo poema em si e pelo que ele desperta no leitor tantas
realidades imaginadas, imaginárias, inconscientes, subconscientes,
em que os sentidos procurados escapam das vistas do leitor e se
ocultam numa concha onde poderia estar tanto o mistério da poesia
quanto o significado da vida e do universo.
Dá-me
a sua poesia a sensação, guardadas as proporções de diferenças e
de estilos literários, da evanescência dos simbolistas, do
sofrimento oculto, das dores sufocadas mas sempre presentes e de um
vigoroso por vezes sensualismo também mascarado pelo formalismo
esteticista de aristocraticante elaboração dos versos e por um
imagismo multifacetado quer da natureza física, quer de natureza
humana, do corpo, da beleza feminina , do sentimento cristão, da
cadência bíblica de alguns poemas evidentes pela sua formação
católica, mas sem exageros eclesiais.Poesia “mentada”,
reflexiva, trabalhada com a pertinácia de cada vez mais exprimir-se
pelas indefinições, pelos ocultamentos e admirável discrição no
trato dos temas e dos recursos poéticos de que lançou mão
com a avidez do conhecimento técnico necessário e contínuo no seu
ofício de poeta. Julgo, por fim, que a poesia de Jurandir Bezerra
bem se poderia alinhar àquela forma de construção artística
contemporânea que se realiza não contra a história, a vida social,
mas se configura e se forma desse veio poético voltado mais para o
conteúdo material e formal da linguagem (Terry Eagleton) que é o
próprio ato poético como tema mais caro de transmitir sentidos.
Para
terminar este depoimento no momento em que seu corpo desce à
sepultura, no Cemitério de Irajá, no Rio de Janeiro, quero
registrar ao leitor este pequeno poema, “Encantamento” (p.32) que
se encontra na contracapa do seu livro Os limites do Pássaro:
ENCANTAMENTO
Os
pássaros entenderam
Tua
mensagem
como
pássaros.
E
vieram dizer-me que eras sempre.
Abri
os olhos como se houvesse
noite
e não destroços.
Já
não estavas mais
nem
andorinha
nem
relva
nem
pedra (preciosa).
Havias
amanhecido.
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