Jornalista Toni Rodrigues, juiz Anchieta Mendes e o autor |
Senhores e
senhoras,
O livro
que hoje se torna público traduz principalmente uma cidade, naquilo
que ela tem de mais característico como elemento de identidade –
sua linguagem, materializada no sentido das palavras de sua gente; o
léxico comum de ruas, bares, casas, fazendas, o léxico empregado
sobretudo em situações de comunicação informal ou na
espontaneidade das conversas não monitoradas pelos falantes.
Enfileiram-se em Dicionários de expressões do Piauí algumas
centenas de vocábulos do Norte piauiense, grande parte delas
genuinamente utilizada na cidade natal do autor.
Por isso,
quero aqui, antes de apresentar breve visão geral deste livro, fazer
longa digressão, a fim de remeter-me à representação
historicamente construída sobre Barras do Marathaoan. Torna-se
quase impossível falar em Barras sem evocar sua natureza e a
história de um passado oficialmente marcado, até a década de 1950,
por conquistas e “heróis”.
Barras é
principalmente um rio – o Marathaoan, tão grandioso que um dia,
registra o historiador Moisés Castello Branco, chegou-se a acreditar
que o curso d’água a alguns quilômetros do perímetro urbano
dessa urbe, o Longá, juntamente com o Marathaoan, tratava-se de um
único rio. Acreditava-se, pois, segundo o historiador, que tudo era
Marathaoan. Barras é principalmente um rio – o curso de águas que
evoca de muitos dos aqui presentes, barrenses de nascimento ou
coração, alguns dos mais memoráveis instantes de felicidade.
Quanta alegria olhar para o espelho d’água serpenteando olhos e
casas, e suas histórias de tempos idos de forte convivência
comunitária e respeito mútuo. O rio que é a própria cidade.
Torna-se
quase impossível falar em Barras sem evocar sua história até
meados do século XX, sem evocar seu pioneirismo, bravura e
vocação para a liderança. Sem evocar o pioneirismo de Estevão
Lopes Castello Branco, que fundou a primeira associação com o fito
de libertar escravos, marcando o compromisso dos homens de bem desta
terra com a liberdade e a dignidade humana. Sem evocar a
bravura dos que corajosamente se enveredaram pela guerra e, como
recompensa, aquilataram postos de destaque na política nacional
durante a República Velha. Sem evocar a liderança de políticos,
militares, médicos, advogados, escritores, jornalistas e
professores que se projetaram para além das fronteiras geográficas
de suas origens. É uma visão bairrista – ás vezes, até
ingênua – mas dela nos orgulhamos.
Evocar
Barras é reverenciar a memória de Taumaturgo de Azevedo, Joaquim
Pires, Teodoro Castello Branco, João Pinheiro, A. Tito Filho e
tantos e tantos homens, de ontem e de hoje, apaixonados pelo
trabalho, pela arte, pela vocação para servir e principalmente,
movidos por um afeto que não cabe no peito, devotados à elevação
do berço em que ao mundo vieram . Aludir a esse chão é,
pois, evocar a sua história. A história que é a própria cidade.
Torna-se
quase impossível falar em Barras sem mencionar a religiosidade de
sua gente, traço definidor da povoação dessas terras
situadas entre as seis barras de rios e riachos que formam cidade de
paisagem física tão exuberante. Vibra nas ruas e no adro do templo
católico, templo cuja história se iniciou em fins do século XVIII,
o templo de ontem e o de hoje, a esperança e a fé de que a força
da oração suplanta os mais árduos e dolorosos desafios.
Vibra nos corações barrenses a certeza de que Nossa Senhora da
Conceição está ao seu lado, para ampará-los e protegê-los, como
o faz a generosidade de toda mãe. Nossa senhora da Conceição e sua
igreja. A cidade é Nossa Senhora da Conceição e sua igreja.
“Aí,
que saudade eu tenho de lá”, cantou um dia a sua dor o poeta
Franci Monte. Cantam os barrenses distantes, nas reminiscências que
o tempo não cansa de repetir: “Ai que saudade eu tenho de lá, às
vezes me dá vontade até de chorar, de chorar”.
Senhores e
senhoras,
Se evoco
uma cidade é porque se torna quase impossível a ela
aludir, a seus valores e a suas tradições, hoje, sem
citar este nome: Antenor de Castro Rêgo Filho, para os mais
próximos, afetuosamente, Tena Filho. Antenor, desde muito jovem,
apaixonado pela cidade em que nasceu, organizou seus objetivos de
existência para elevar o lugar de sua origem. Graças a ele, um
pedaço significativo da memória de Barras do Marathaoan é
conservado. Graças a seus livros, assim como aos de Wilson Carvalho
Gonçalves, Afonso Ligório Pires de carvalho, Edgardo Pires Ferreira
e Gilberto de Abreu Sodré de Carvalho, Barras tem o que recordar e,
infelizmente, também, o que lamentar.
A história
de Antenor é marcada, desde sempre, pela permanente contribuição
com sua Terra-berço. Escrevendo sobre fatos do folclore de
Barras-PI, sobre sua história e mais recentemente sobre a linguagem,
o escritor, que presidiu com destaque a Academia de Letras do Vale do
Longá, vem evitando que a ausência de arquivo público ou de
quaisquer iniciativas para preservação da história de seu torrão
impeçam que as novas gerações desconheçam o processo histórico e
social de formação de Barras.
Resgatando
fatos curiosos ou folclóricos da memória oral de uma Barras
ainda constituída em torno das antigas fazendas e seus coronéis, ou
da religiosidade peculiar, elemento definidor da povoação desse
rincão, Antenor construiu obra ímpar da literatura de tradição
oral no Piauí, o consagrado livro Jacurutu. Nele, desfilam alguns
dos personagens vivos do imaginário coletivo de Barras. O inventor
Zeca Velho, que sonhava com a arte de voar e um dia construiu seu
rústico aeroplano. O valentão Lima Verde, que pagou com crueldade
as maldades que assombraram seu tempo. Os risos e os risos dos fatos
pitorescos que a memória oral difundiu e Jacurutu arquivou.
Escrevendo
sobre a História de Barras, Antenor lega para a posterioridade o
indispensável “Barras – histórias e saudades”. Antes de ser
trabalho de afinado memorialismo, com descrição de traços do
cotidiano da Terra de José Carvalho de Almeida, o livro é pioneiro
na sistematização de informações sobre a educação, a saúde, a
comunicação, os serviços públicos e, principalmente, sobre o
processo de colonização de Barras, com documento até então
inédito: o testamento de Miguel Carvalho de Aguiar, o fundador da
Fazenda Buritizinho, hoje Barras do Marathaoan.
Senhores e
senhoras,
A
inquietação em registrar seu tempo e os costumes da Terra-berço
levaram Antenor Rego, agora, a presentear os conterrâneos com o
Dicionário de Expressões do Piauí, livro que, como bem escreveu o
professor e jornalista Carlos Said, revela a primorosa habilidade do
autor para a pesquisa em filologia.
Este livro
permite conhecer, por meio de expressões e frases feitas, típicas
de contextos específicos, aspectos inerentes ao falar piauiense.
Lúdico por natureza, este Dicionário de Expressões do Piauí
cumpre o firme propósito de evitar que termos comuns da linguagem
piauiense sejam suplantados pelas rápidas transformações, oriundas
dos processos de aculturação que as modernas tecnologias
possibilitam hoje, interferindo até mesmo sobre a linguagem pela
inserção nela de termos e significados que deformam a cultura.
Pesquisas
dessa natureza encerram uma função clara: além de divertirem,
asseguram o sentido da língua enquanto manifestação cultural. A
linguagem reproduz, pelo vocabulário, os símbolos e sinais da
realidade e, desse modo, constrói significados que transcendem o
aqui e o agora. Desse modo, como explicam Peter Berger e Thomas
Luckmann, esclarecendo sobre a construção social da realidade:
“A
linguagem tipifica as experiencias, permitindo-me agrupá-las em
amplas categorias em termos dos quais tem sentido não somente para
mim, mas também para meus semelhantes. Ao mesmo tempo em que
tipifica, também torna anonimas as experiências, pois as
experiencias tipificadas podem ser repetidas por qualquer pessoa.”
(p.57)
Nesse
sentido, Termos e orações feitas, como símbolos que são conservam
dada realidade social. Assim, os verbetes de Dicionário de
expressões do Piauí, como registro da oralidade ou símbolos,
conserva, pela linguagem oral, componentes da vida cotidiana da
região de Barras do Marathaoan.
Não me
estenderei sobre o significado de nenhum vocábulo, porque a
curiosidade de vocês para passear pelos sentidos das palavras bem
nossas é grande – não cabe na ansiedade de cada um comprar logo o
livro e aproveitar do tempo de que aqui dispõem para o bom
bate-papo, neste que é um dos espaços de sociabilidade mais sadios
de Teresina. Divirtam-se com os termos aqui catalogados. Tenho
certeza de que revisitarão este livro muitas vezes, de que farão
dele um precioso manual de consultas.
Divirtam-se!
Obrigado pela paciência. Boa Noite.
Dílson
Lages Monteiro
Editor de
Entretextos
Discurso
proferido em 02.08.2013, em apresentação ao livro Dicionário de
Expressões do Piauí, de autoria de Antenor Rego Filho, editado pela
Nova Aliança Editora e Portal Entretextos.
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