sábado, 24 de agosto de 2013

“Melhor nem tivesse nascido!”


José Maria Vasconcelos

Agosto, desgosto, agouros, superstições. Teresina, habituada a violências no trânsito, assaltos e homicídios, pranteou mais que de costume. Perguntava por que sacerdote de notórias virtudes, jovem, popularidade em alta, automutilara-se.
A imprensa costuma comedir-se nas informações sobre esse tipo de fatalidade, para não estimular reações insanas na opinião pública. Bem que a mídia exercitasse, também, semelhante prudência ao abordar, exaustivamente, crimes contra a vida, a família, ao pudor, em novelas, filmes e jornalismo policialesco. 
Não me interessam fatos que envolveram a autoimolação do sacerdote. O que me angustia é a pergunta existencial, por quê? Por que um homem, experimentado na fé, desespera-se diante de Deus do impossível? Caim, atormentado pelo assassinato contra o irmão, Abel, fugiu à presença de Deus, que lhe jurou toda proteção, embora o crime praticado (Gênesis, 4). Apóstolo Pedro, falastrão, teimoso, covarde, envergonhado pelo gesto de traição, “chorou amargamente”, arrependido, evitou o suicídio, foi regenerado pelo batismo no Pentecostes, tornou-se líder da Igreja de Cristo. O companheiro Judas, tesoureiro desonesto (João, 12), ambicioso e traidor, desesperado, optou pela automutilação. Será que Jesus se compadeceu de Pedro e rejeitou Judas? Uma vez, o Mestre ameaçara a Pedro: “Retira-te de mim, satanás. Tu és um escândalo!”(Mateus, 16). Durante a Ceia, previu a fatalidade de Judas: “Um de vós há de me trair... Melhor nem tivesse nascido!” (Marcos, 14). Durante séculos, esta última frase de Cristo, perversamente mal interpretada, serviu de anátema aos que tentassem eliminar a própria vida. Negavam cerimônia fúnebre e sepultamento em cemitério cristão  aos suicidas.
A suprema misericórdia de Jesus nos ensina a não julgar qualquer pecado do próximo: “Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem!” (Lucas, 23). Não sabem por quê? Hoje, a ciência consegue decifrar mistérios da mente.
Questões culturais, psicológicas e religiosas levam milhões de pessoas a automutilarem, anualmente. Fanáticos membros da Igreja Peoples Temple, do pastor Jim Jones, cometeram suicídio coletivo (918), em 1978, na crença de um prêmio celestial. Suicídio é a décima causa de morte entre jovens no mundo. Em países onde se exige regime educacional extremamente competitivo, como no Japão, estudantes se isolam da família e de prazeres sadios, desolados, em consequência de estresse e perda de pontos na avaliação escolar e pela cobrança dos pais. Orientais, ao contrário dos ocidentais, exacerbam a valorização do espírito em detrimento do corpo, utilizando leis terríveis de mutilação e pena de morte, missões suicidas de kamikazes, autoimolação como fórmula de protesto ou prêmio celestial. A educação cristã medieval, baseada em perigosas interpretações bíblicas e autoritarismo herdado do império romano, causou muitos danos à sociedade, por utilizar princípios de santificação e perdão com pena de morte, tortura e penitências extremas. Até a higiene corporal era condenada, por servir de motivo ao pecado. A escravidão negra pagou caro, com açoites e suplícios, pela cor e origem pagã.
Drogas, esquizofrenia, alcoolismo, transtorno bipolar, em geral, são resultado de conflitos familiares, consciência perturbada por condutas criminosas, carência afetiva, reclusão social. Após glória passageira deste mundo, celebridades consumiram drogas, à exaustão, isoladas e desoladas. Em vez do prazeroso retiro com Deus e a família, da sublimação do silêncio, da caridade para com o próximo, certas celebridades recolhem-se no casulo da metamorfose doentia e mortal.
O exercício racional da fé e da sublimação da vida gera saúde mental e física. Pode vir agosto, mais desgosto. A casa está fechada e inviolável aos agouros e presságios.  

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