Fonseca
Neto
Tempos
interessantes para revisitarmos estes versos duros e instrutivos do
poeta alemão Bertold Brecht:
“O pior
analfabeto é o analfabeto político.
Ele não
ouve, não fala,
nem
participa dos acontecimentos políticos.
Ele não
sabe que o custo de vida,
o preço
do feijão, do peixe,
da
farinha, do aluguel,
do sapato
e dos remédios,
dependem
das decisões políticas.
O
analfabeto político é tão burro
que se
orgulha e estufa o peito
dizendo
que odeia política.
Não sabe
o imbecil que,
da sua
ignorância política,
nasce a
prostituta, o menor abandonado,
e o pior
de todos os bandidos,
que é o
político vigarista,
pilantra,corrupto
e lacaio
dos exploradores do povo”.
Esse doce
libelo de Brecht, vem junto com este outro pensamento famoso dele, em
“Vida de Galileu”: "Aquele que não conhece a verdade é
simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é
mentira, este é um criminoso."
No
rescaldo das manifestações de rua e ainda lendo através do
embaçamento da própria fumaça que geram, já se pode dizer que
elas traduzem um repúdio às práticas políticas medianamente em
curso no Brasil. Com a novidade, muito significativa, de que a
juventude não considera mais “políticos” somente os
carreiristas “profissionais” conhecidos; outros atores já são
também reconhecidos como “políticos” – e por que
manifestantes estariam quebrando também microfones e emissoras?Tanto
isso é verdadeiro, que esses “políticos”,ligeirões,
defendendo-se, agiram e já faturam algumas vitórias no abafamento
das vozes e intenções manifestas.
Atente-se
para o esforço de tais “políticos” tentando fazer com que o
grande público acredite que não tem nada a ver com políticaas
reivindicações sobre transportes nas cidades caóticas, serviços
de educação e saúde praticados pela esfera estatal e a corrupção
de cabo a rabo na sociedade, entre outras questões.
Ora, no
conceito mais amplo, os humanos que se organizam para viver sobre a
Terra fazem política o tempo todo. A atividade política é inerente
à vida social e ainda não se descobriu um jeito de viver sem
política. Até o papa, anteontem, no RJ, clamou pela reabilitação
da Política.São, pois, de má fé,“criminosos”, os que sabem
que política é essencial e tentam enganar (e enganam mesmo) a
maioria do povo sobre o assunto.
É o que
está acontecendo neste momento: quando “políticos” perceberam
que as manifestações radicalizavam-se contra eles, uniram-se (há
exceções), para dar um jeito de retirar os manifestantes das ruas e
simularam fazer o que nunca quiseram fazer antes. Isto é, agiram com
relação à rua como se a ela tivessem ido os “idiotas” dos
analfabetos políticos brechtanos – e, no contexto, não o seriam,
não?
Veja-se a
mediada das coisas: das ruas protestando aos “políticos”
unindo-se para blefar contra os próprios manifestantes, fez–se o
percurso que vai das paixões pela política à patifaria de
“políticos”.
Um grande
exemplo das manipulações em curso está na chamada “reforma
política” e começa pela ideia de que, nem manifestantes e nem a
própria sociedade estariam interessados que ela venha a ocorrer,
usando cinicamente o argumento de que “o povo quer é educação,
saúde etc.” e não mudanças na forma de “fazer a política”.
O maior
flagelo da democracia – experiência Brasil – é esse déficit de
compreensão sobre o processo político e muita gente idiotamente
repudiando a política, a pretexto de não fazê-la.
Por tudo
isso, essas manifestações de rua, atos políticos com sinais de
desejável radicalidade, o primeiro e eficaz efeito que produziram
foi contra elas próprias, pois tiveram roubado o encanto radical no
nascedouro. Como? Quandoforam prontamente enquadradas e controladas
pela esperteza da patifaria “política”.
Desejável
que a constatação dessa esperteza cínica, politize no sentido
maior da expressão de Brecht, e evidenciea requalificação da
atividade política como tarefa para as dignas paixões e não campo
de danação dos patifes contumazes.
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