6
de setembro Diário Incontínuo
A
ELEGÂNCIA DOS FELINOS
Elmar Carvalho
Dias
atrás, não querendo minha mulher ir sozinha, fui com ela buscar um
vestido que sua costureira teria terminado. O local do ateliê ficava
perto do dique do Poty, no Bairro Mocambinho. Ao chegarmos, foi-nos
dito que ainda faltava ser concluído o embainhado. Preparei-me para
uma longa espera, e achei melhor ficar do lado de fora, onde estavam
uma filha e umas netas da modista.
A
temperatura era mais amena do que a de outros locais de Teresina,
talvez por causa das casas baixas, da presença do rio, de brejos e
da vegetação que havia nos arredores. A noite estava muito bonita,
com uma enorme lua cheia prateando as árvores e os telhados do
casario. Senti-me afagado por uma brisa muito suave, que mal fazia
oscilar as folhas e os ramos. Outrora esse vento suave da boca da
noite era chamado de parnaibano. Ainda o chamo assim.
Como
a demora se estendesse além do que eu esperara, talvez porque a
costureira fosse conterrânea e velha conhecida da Fátima, resolvi
ir até o paredão do dique, para melhor contemplar o luar e uma
nesga de floresta, que havia nas imediações. Após fixar a lua, em
todo o seu esplendor, no céu límpido, despojado de nuvens, em que o
satélite pudesse se esconder, espiei-a por entre os ramos de uma
árvore, como se estivesse portando uma máquina fotográfica, para
lhe tirar uma foto artística. Até senti certa volúpia, como se
fosse um voyeur, que pudesse ser flagrado a qualquer momento.
Voltei
ao local da oficina, onde me sentei novamente na cadeira, posta sobre
a calçada, uma vez que o arremate do vestido ainda não terminara.
Ante o inelutável, procurei descobrir algo que fugisse do trivial,
como passatempo. Observei os telhados das casas em frente, vendo-as
como uma pintura. Não é raro pintores usarem telhados como
inspiração para suas telas. Já me imaginara um fotógrafo sem
câmara; passei a pintor sem pincéis e sem tinta.
De
repente, sobre o telhado da casa em frente, vi um belo gato preto, de
patas brancas, como se fossem botas, caminhar felinamente, como se
desfilasse, quase levitando, do alto da cumeeira até o beiral. O
bichano empreendeu essa marcha de forma firme, decidida, como se
tivesse um plano. Ficou por alguns momentos na beira do telhado, a
sondar alguma coisa, que apenas ele pressentia. Se eu fosse
botafoguense, e não flamenguista, diria que a esse gato só faltava
uma estrela solitária, no peito ou na testa.
Após
alguns segundos, foi para a parte lateral do telhado, de onde, sem
nenhum vacilo ou receio, pulou para a parte superior do muro, de
pequena espessura. A seguir, em salto certeiro, exato, como mestre
acrobata que o é, lançou-se para a extremidade de uma estaca; daí,
com a elegância de sempre, saltou para o chão.
Mas
aquela parecia ser a noite dos felinos, e não de lobos, lobisomens
ou vampiros, pois logo um velho gato, um tanto gordo e de pelo
amarfanhado e sem brilho, cometeu uma acrobacia ainda mais
surpreendente, que o seu antecessor, porquanto fez o percurso
inverso, atuando dessa forma contra a lei da gravidade, que
favorecera seu semelhante alvinegro.
Do
chão, saltou até acima da metade da estaca, a partir de onde, em
impressionante agilidade e rapidez, escalou-a até o topo, fino e
irregular, onde se firmou em perfeito equilíbrio, para imediatamente
saltar para cima do estreito muro, de onde pulou para a beira do
telhado, que ficava acima mais de metro e meio. Se atentarmos para o
tamanho de um gato doméstico, temos de considerar que foi um
admirável feito acrobático, que ele fez sem aparente esforço, sem
treinamento, sem exercício, como se fosse a coisa mais natural e
simples do mundo.
Finalmente,
o bendito embainhado terminara, e eu posso pingar um ponto final
nesta desembainhada crônica.
A sabedoria de um homem se mede pela capacidade que ele tem de observar as coisas simples,a natureza é sábia, nos ensina muito. Mas,a lição que tiro da crônica, é a da paciência.Muitos iriam reclamar da espera,você,como não perde tempo,aproveitou bem esse momento.
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