13
de setembro Diário Incontínuo
A
TRISTEZA DO PALHAÇO
Elmar Carvalho
Na
manhã do dia 11, assisti a uma entrevista concedida pelo palhaço
russo Slava Polunin, de 63 anos de idade. Não lhe pude prestar muita
atenção, pois estava nos preparativos de me arrumar para ir para o
trabalho. A matéria foi veiculada, ao que parece, inicialmente pela
Globo News, e depois retransmitida pela TV Globo, para os televisores
que a captam através de antena parabólica. Apesar do meu interesse,
só pude ler trechos das legendas, impedido pelos movimentos de
vestir a roupa, de colocar cinto, de calçar meias e sapatos, e de
mais alguns outros afazeres matinais.
Alguns
anos atrás, li, com muito encantamento, o excelente poema de Heine
sobre um velho palhaço, cuja história tentarei sintetizar, mas sem
deixar de remeter os meus escassos leitores ao texto poético do
excelso mestre da poemática. Um homem, imerso na mais profunda
tristeza, que na verdade deveria ser uma brutal depressão, procurou
o mais famoso médico e psicanalista da cidade.
Este,
depois de ouvi-lo atentamente, recomendou ele fosse a famoso circo,
que fazia uma temporada na localidade; aduziu que nessa casa de
espetáculo trabalhava o mais competente palhaço de então, um
mestre consumado das pantomimas, das gargalhadas e da alegria, e que
não havia quem não desse boas risadas em suas apresentações. Para
espanto do esculápio, o paciente disse que, diante disso, chegava à
conclusão de que o seu mal não tinha cura, que para ele não havia
remédio, porquanto era ele o palhaço a que o facultativo se
referia.
Um
soneto famoso, da lavra do padre Antônio Tomás, um dos príncipes
da poesia cearense, descreve a dor de um palhaço, cuja filhinha
morrera. Mesmo assim, o proprietário do circo o obrigou a apresentar
os seus números humorísticos. O poema narra que, enquanto o pobre
artista circense gargalhava e fazia suas graças, mímicas e
pantomimas, o seu coração soluçava internamente. O soneto era
declamado nos saraus; todos se emocionavam, e todas as mocinhas iam
às lágrimas e soluçavam convulsivamente. Muitos o sabiam de cor.
Faz
mais de quinze anos, o falecido deputado Humberto Reis da Silveira,
que me tinha muita amizade e consideração, que eu procurava
retribuir na mesma intensidade, contou-me que um palhaço eslavo,
acho que nascido na atual Rússia, assim como Slava Polunin, fora
morrer na sua cidade de Jaicós, em cujo cemitério se encontrava
sepultado. Não me forneceu maiores detalhes sobre sua biografia e
personalidade.
Tentei
imaginar o que fizera esse clown deixar a sua distante pátria, de
clima frio, para vir perambular num país tropical, como membro da
trupe de esfarrapado circo mambembe. Teria fugido de um amor não
correspondido, da prosaica falta de emprego ou simplesmente fora
movido pelo desejo de aventura? Não sei, e jamais alguém saberá.
Cada ser humano guarda mistérios no mais recôndito de sua alma.
Escrevi um poema em lembrança desse desterrado e esquecido palhaço,
cujo nome desconheço.
Voltando
a Slava Polunin, o meu palhaço de hoje, acrescento que a entrevista
foi feita em um sítio bucólico, um verdadeiro horto florestal, onde
havia vários cenários, esculturas, artefatos lúdicos, estátuas,
mesas e cadeiras que podiam ser movimentadas pelas pessoas que as
estavam utilizando etc. O sítio tinha recantos aconchegantes para
degustações e libações. Tinha até um lago, onde havia um grande
palco aquático, destinado a bandas musicais, e uma cama, na qual o
palhaço navegou suavemente, impulsionado por um silencioso motor
elétrico, para não produzir poluição, nem mesmo sonora. Soube
depois, através da internet, que o seu público-alvo não são
crianças, mas adultos. Naturalmente, ele considera que os adultos
necessitam mais de “tomar alegria”.
Não
sei quem banca o luxo e o conforto do extraordinário truão, que ele
certamente merece, assim como todos os demais mestres do riso e da
alegria. Por muitos, é considerado o melhor palhaço do mundo. Além
de atuar em vários shows de palhaçadas (no bom sentido da palavra),
criou alguns números para o Cirque du Soleil. Perguntado sobre se
era alegre, ao contrário dos palhaços de Heine e do padre Antônio
Tomás, respondeu que era radiante. Todavia, depois, em outro trecho
da entrevista, quando a apresentadora lhe perguntou se tinha algum
momento de tristeza, disse que sim.
Claro,
como em todo ser humano, em sua alma deve haver alguma hora sombria,
por onde se infiltra o fio insidioso de sutil melancolia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário