Fonseca
Neto
Teresina,
161 anos: no encerramento das celebrações organizadas pelo governo
da municipalidade, enchemos o adro da igreja de São Benedito e vimos
um espetáculo bonito.
No papel
central, as orquestras Sinfônica e Sanfônica da cidade,
apresentando repertório esmerado, que variou do clássico-clássico
ao popular-erudito, de Gonzagão a Dominguinhos. Avultando em tudo, a
figura do maestro Aurélio Melo, mais um filho e uma arte da musical
Oeiras, presenteados à novacap. E a tudo presidindo, de seu nicho
externo, lá de cima, a figura de frei Benedito, o titular dessa
igreja-templo oitocentista, que os negros e pobres de Teresina
ergueram com muito suor e paixão.
Movem uma
forte simbólica esses grandes atos da vida coletiva local
acontecendo nesse adro, espécie de chão marcado pela sagração
derramada de porta fora da nave da própria igreja. Trata-se de um
espaço perfeitamente moldado tal um grande palco da cidade –
caracterizado por sua escadaria de ladrilhões – e propício a
celebrações apoteóticas.
Simbólica?
Note-se a ironia: a igreja de São Benedito é uma obra idealizada e
concluída entre os anos de 1861 e 1886, na então zona periférica
da nova capital do Piauí; templo erguido sobre um sítio
tumbeiro de desvalidos. Em que pese estar no perímetro “enxadrezado”
de Saraiva e Isidoro – na assentada do Alto da Jurubeba –, não
se conhece intenção manifesta nenhuma dos idealizadores da cidade
de fazê-la nesse ou noutro lugar. E muito menos que se tornasse a
especial referência cultural da cidade, que é, seja na dimensão
material ou imaterial. O grande e calculado palco de Teresina e das
celebrações religiosas e cívicas, em suas primeiras décadas, era
o adro ou Largo do Amparo, da igreja matriz da Padroeira, aberto até
a barranca do rio Parnaíba, hoje o Parque da Bandeira.
Tinha,
porém, esse sítio da Jurubeba, a vizinhança da “quinta” que
tocara no rateio dos quarteirões originais a um prócer dos Castelo
Branco, que, aliás, pusera-lhe a aristocrática denominação de
Karnak. A construção da igreja impõe a reinvenção dessa zona da
cidade, a qual estará integrada à chamada “mancha urbana”
quando Teresina completou 50 anos, em 1902. Todavia, mais algumas
décadas deveriam transcorrer, até que o adro da S. Benedito
furtasse ao Largo do Amparo a dita simbólica de chão comum da vida
coletiva celebrada. Foi decisiva para tanto a transferência da sede
do poder estadual do antigo Largo para a citada Quinta de Karnak.
Para o
adro-escadaria e aos pés de São Benedito conflui o povo em notáveis
jornadas caminheiras e celebrações da polis teresinense de hoje. Se
já não há mais quermesse a animar a festa do padroeiro, mas é ali
que as duas grandes procissões do ano se arrematam para os sermões
do preceito: da Sexta-Feira da Paixão e da Quinta de Corpus Christi.
É lugar de chegada e de partida de passeatas de protesto; comícios
ali houve outrora – é ponto de partida da grande caminhada junina
da fraternidade. Rufam tambores no 20 de novembro. Ante seu Cruzeiro
cantam/encantam as mil vozes do coral do Natal de todo ano. Do adro
para dentro da igreja, vê-se quase todo dia, pomposos cortejos
nupciais pisarem tapetes vermelhos – e tiram fino no floral das
portas esculpidas pelo gênio do mestre Sebastião, do qual ignoram a
história.
A festa
desta sexta passada, 30, na batuta de mestre Aurélio, mobilizou toda
essa carga de eventos reais e sensações memoriais da alma coletiva.
As orquestras, e seus mais de cem instrumentistas e cantores, tiraram
sons e tons para a aniversariante. Até Dominguinhos, já encantado,
cantou Teresina, enquanto as estrelas rapidamente fugiam e os fogos
artificiais iluminavam o campanário beneditino e a própria noite. E
chuviscava: um barrufo agostino. Os sinos sentiram ciúmes de tanta
trompa e tanto tímpano e não dobraram. Quê? Fogo e água para um
novo batismo da amorável cidade?
Sim. É de
se dizer que os bombos e taróis nessa noite trouxeram ao terreiro
das sagrações os rufos dos tambores da ancestralidade em pleno
coração da urbe do presente.
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