Cunha
e Silva Filho
Volto à minha coluna. Ah, quanta
água não correu entre a ausência da
escrita dirigida a quem tem alguma estima
pelo que digo, comento, reclamo e me indigno
e este texto de hoje!Estar ausente no espaço
da coluna me deixa triste e pesado, sem falar
num estado de angústia , de carência, de
algo que, indefinido, me está faltando como
alento de viver, de poder respirar
e sentir que estou ainda com a lucidez
do filósofo René Descartes (1596-1650): “Penso,
logo existo,” e ainda com o sentimento de
que me omiti, de que me calei ou até de que
fui cúmplice. Escrever, o mais quanto seja possível de
nossas energias, me leva a esta conclusão: é algo
que me dá a certeza de que estou sendo
útil a alguém ou a alguma coisa. Escrever é dar
forma aos sentimentos, ideias e pensamentos. É
quase fisiológico, um ato que do viver se torna
uma rotina doce de executar, ainda que concorde
com Raquel de Queiroz(1910-2003) naquele ponto em
que ela declara ser desgastante escrever, que
eu entendo como algo equivalente
a afirmar ser difícil escrever.
O crítico Álvaro Lins (1912-1970) sempre
deu a maior atenção ao estilo de um autor. Sem estilo,
para ele, o escritor fica incompleto, sem
grandeza, sem força de convencimento da realidade
recriada, seja pela ficção, seja pela
poesia.É preciso que, no arranjo das frases, exista uma
equilíbrio tão íntimo e tão único entre as palavras
que constituam frases ou enunciados. ou, como ele
dizia, os “vocábulos tornados
seres-vivos”.(Literatura e vida literária. – diário
e confissões. 1º e 2º vols. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1963, p. 43-45). Ele liga a questão do
estilo a uma justaposição das palavras, cuja
combinação exata nos passa
uma “sensação existencial”. A palavra, então, para
ele não é apenas um signo arbitrário
de que falam os linguistas, está antes mais
relacionada ao cratilismo da concepção de Platão,
i.e., uma percepção de que entre as
coisas e as palavras, reportando Vítor Manuel
Aguiar e Silva (Teoria da literatura. 6 ed. Coimbra: Livraria
Almedina,1984, p. 664-669) o pensamento
de Platão, há “motivo” visto que ‘quem conhece as
palavras, também conhece as coisas.’ Eu me pergunto,
não haveria nisso uma analogia com o
que Lins define palavras em função de
enunciado como “seres-vivos?”
O que comento acima faz parte desta marcação
de fim de ano, que é um retorno a um diálogo om o
leitor e, num diálogo, os temas podem mudar, os
assuntos podem pular como borboletas
movimentando-se em várias direções.
Assim, sendo a notícia que mais me interessou
foi a morte de Mandela, este construtor, por assim
dizer, de uma nação, já que um país dividido pelo apartheid não é uma país
completo nem pode ser chamado de nação. Mandela pertence
à galeria dos grandes homens públicos da Humanidade,
como Lincoln, Gandhi, Martin
Luther King e poucos outros. Só não ficou bem
nas cerimônias e homenagens prestadas a
Mandela foi a comitiva de presidentes
brasileiros, verdadeira colcha de retalhos
ideológica.Não me cabe na cabeça a ideia de
alguém ter idealizado essa ida em
conjunto de presidentes da República
brasileira que nada representam, no plano doa
valores universais simbolizados
pela figura grandiosa de Mandela.Eu até
diria que é preciso ter fibra, ser querido
por um povo, ser amado como foi
Mandela, ser respeitado como foi Mandela
- e não creio que os presidentes
que lá foram representar o povo
brasileiro se enquadrem com rigor
nesses atributos. Nosso país é carecente
de homens de grande
envergadura cívica, de grandeza de
sentimentos, de amor à paz, de simplicidade
com o seu povo e de querer
verdadeiramente o bem-estar de toda uma nação.
Numa
crônica brilhante e corajosa a escritora
Heloísa Seixas (O Globo, 14/12/2013, p. 23), nos relata
que, na fase de manifestações nas
ruas reivindicando por melhoras condições
de vida em vários setores do pais, ouvira de
um motorista de táxi a frase seguinte: “No Brasil,
tudo vira moda. Até manifestações de rua” A
escritora conta que, ao ouvir o
que comentou o motorista, fez questão de
discordar dele, embora o motorista insistisse
que era verdade o que ele dizia. Dito e feito,
em algumas semanas a onda dos protestos se
esvaziou. Era mesmo uma moda entre as muitas que no país
se exibe.
A
frase do motorista não foi tampouco por ela
esquecida, ou melhor, antes fora relembrada
algumas semanas após voltar da Alemanha
onde passara “quase um mês”. Ao
desembarcar no Rio, a cronista fez algumas constatações.
Somos um “povo fútil.” Fútil por várias
razões: pouco valor damos à cultura, ao cuidado
com a nossa Biblioteca Nacional, não frequentamos
os museus, arquivos. Pouco valor
damos aos livros, ao que possuímos de bom
como patrimônio histórico-cultural. Ela enumera
uma série de futilidades que já criaram
raízes no país: a) morar em barracos e ter
uma parabólica;b) ter mais televisores do que
geladeiras; c) não frequentar bibliotecas mas
ter febre de ficar em lan houses;
d) temos “em massa” analfabetos funcionais que
se debandaram, diretamente para o Facebook;e) somos
uma classe média de compradores em Miami a tal
ponto que já nessa cidade há vendedores
falando português; f) somos campeões de botox no
rosto e silicone nos seios, até se tornando
exigências de menininhas de 14 e 15 anos para seus pais; g)
abrimos academias de ginástica em cada quarteirão de
São Paulo e Rio de Janeiro;h) somos a maior estatística
em cirurgias plásticas. E por aí vai a nossa vaidade.A
cronista, só pra concluir desabafa:
“Voltei
da viagem com essa sensação de que somos mesmo fúteis,
superficiais, e me lembrei do motorista do táxi.”
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