Preste
atenção nesta história...
Sabina,
Severo, Januário, Gaudêncio, Pia e Doroteia: o que têm em comum
tais nomes e tais pessoas históricas? Todos santos mártires
venerados na tradição cristã-católica. O que mais dizer? Parte de
seus corpos, como relíquias, jazem na igreja de São Benedito, no
centro velho de Teresina, desde o dia da sagração desse templo pelo
bispo de São Luís do Maranhão, 3 de junho de 1886.
Pois na
noite deste sábado, 21 de dezembro, até essas relíquias, de seu
silêncio solene – além da colunata real e aparente da bela matriz
–, ergueram-se para aplaudir a Orquestra Sinfônica de Teresina e o
Madrigal Vox Populi cantando a Missa de São Benedito, composição e
regência do maestro Aurélio Melo. Sem dúvida nenhuma, o mais
relevante acontecimento musical de Teresina neste ano de 2013. Toda
missa do rito latino tem idêntica estrutura textual, e realização
litúrgica, há muitos séculos. Aurélio capturou a essência de
tudo e compôs uma obra de arte para o Benedito que está em
Teresina.
Kyrie,
eleison. “Senhor, tende piedade de nós”. Vozes, violinos,
trompas, rogam aos céus piedade aos filhos da atroz escravidão;
cantam a redenção sobre o túmulo-mor. dos excluídos de Teresina.
Mártir Santa Sabina, aqui presente: cantai, rogai, intercedei.
Gloria in
excelsis Deo. “Glória a Deus nas alturas”. Violas, trompas,
clarinetes, glorificam o Deus de múltiplos continentes; enaltecem o
Deus dos desesperados que, retirantes e famintos, ergueram este
templo face a face com o sol poente teresino, de intensa calidez.
Mártir São Severo, presente: intercedei.
Credo in
unum Deum, Patrem omnipotentem. “Creio em Deus, Pai todo poderoso”.
Cielos, flautas, solistas, proclamam a fé da negritude no Pai
onipotente; na terra dos capatazes, há de ser do Justo o único
poder. Mártir São Januário, presente: tocai e cantai junto;
intercedei.
Sanctus,
Sanctus, Sanctus. Hosanna in excelsis. “Santo, Santo, Santo. Hosana
nas alturas”. Baixos, trombones, clarinetes, clamam uma terra e um
céu glorificados; fim aos cativeiros ao redor da cidade e do mundo.
Mártir São Gaudêncio: intercedei.
Benedictus.
Benedictus qui venit in nomine Domini. “Bendito o que vem em nome
do Senhor”. Fagotes, bombos, trompetes, bendizem os que vêm clamar
a liberdade no reino dos cativos neste Alto da Jurubeba; Benedito,
fizeste-te franciscano da cor da África que está do outro lado do
Mediterrâneo, do Atlântico; vieste a cá proteger e inspirar o
artista, orquestrador de teu adro-terreiro. Agora entendi: Aurélio
veio de Oeiras e do Alto do Rosário veio junto o Benedito congo.
Doroteia intercedeu.
Agnus Dei.
Qui tollis peccata mundi, miserere nobis. (Cordeiro de Deus, que
tirais os pecados do mundo, tende piedade de nós). Oboés, tímpanos,
violinos, invocam altíssimas forças para a lavagem dos pecados do
mundo; piedade Sebastião, de coração dilacerado, florando com o
cinzel as portas desta casa de negros rezantes. Santa Pia, Mártir,
aqui presente. Piedade.
Música é
louvor. “Quem canta bem, reza duas vezes”. Diz o maestro Aurélio
sobre essa criação, sacra de nascença, que, invocando-o, sempre
foi ajudado por frei santo Benedito: este o contempla em imagem do
alto da torre sineira e de outras sacadas.
Para essa
igreja-monumento sonhada como lugar de liberdade dos negros de
Teresina do tempo do cativeiro, de fato, foi um dia de santa magia
gloriosa. Nos louvores a Benedito, fundiram-se os talentos de dois
entre os maiores mestres artistas desta terra chamada Piauí,
Sebastião Mendes e Aurélio Melo. Claro que essa noite tinha que ser
luminosa, depois da tarde em que renasceu o Sol, deificando o verão.
Luciano
Klaus, regente do coral, a tudo dirigiu. Inclusive a edição em DVD,
então lançada. Obra coletiva de real valor. Estrelas? A tudo
assistiu Maristela Gruber. E na primeira fila, entre os presentes, a
infanta Maria Clara, uma assistente muito especial, se disse leitora
de textos meus e observou que têm palavras difíceis. Pedi-lhe tenha
paciência; logo entenderá tudo. Agora fico imaginando esse latim,
acima. Mas digo-lhe que muita gente grande não sabe, e precisa
saber, o que é o verso “glória in excelsis Deo”, que barítonos
e sopranos, trompas e trompetes entoaram na vodúnica e seráfica
colina.
Missa
benedita, aureliana. Amém.
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