Anita e sua fiel escudeira Belinha |
10
de janeiro Diário Incontínuo
A
MORTE DE ANITA
Elmar Carvalho
Elmar Carvalho
O
ano que passou foi para mim de muitas perdas. Em abril, mês de meu
aniversário, perdi a minha mãe. Aproximadamente um mês depois,
falecia nossa tímida e meiga cachorra Belinha. Sobre essas duas
mortes me reportei neste diário. Posteriormente, ao longo de 2013,
outras pessoas de minha amizade, de meu bem-querer e admiração,
foram convocadas pela velha ceifeira. Sobre isso falarei em próxima
oportunidade, até mesmo no intuito de espantar e exorcizar esse
velho fantasma, que nos estigmatiza com a ausência e a saudade.
Na
madrugada do dia 30 de dezembro, antevéspera de um novo ano, que
espero me seja menos carrasco, faleceu a nossa cadelinha Anita. Foi o
coroamento de espinhos de um ano de muitas perdas e infaustas
notícias.
Essa
linda e fofa cachorrinha nos acompanhou por mais de doze anos. Veio
para nosso poder ainda em tenra idade, a pedido de Elmara Cristina,
que era a sua dona. Encheu a nossa vida e a nossa casa com a sua
presença marcante, com a sua companhia, um tanto voluntariosa e
possessiva, porquanto ela era nossa e nós éramos dela. Sobre seu
temperamento, hábitos e manias já escrevi vários textos,
publicados na grande rede, aos quais remeto o leitor eventualmente
interessado.
Em
sua juventude era portadora de uma exuberante beleza, e chamava a
atenção de todos que a viam, adultos e crianças. Certa feita uma
menina, encantada com a sua fofa e magnética formosura, tentou
acariciá-la, não sem antes perguntar se ela mordia. Advertimos que
ela era algo zangada com os estranhos, e não gostava de muitas
efusões e intimidades. Mesmo assim a garota tentou afagar a Anita,
que rosnou, tentando mordê-la. A menina puxou a mão com incrível
rapidez, reconhecendo o óbvio que já lhe fora prevenido: - Ah, ela
morde!...
Anita
envelheceu sob nossos cuidados. Acompanhamos-lhe a decadência vital,
as suas doenças e achaques. Foi levada regularmente às clínicas
para consultas, tratamentos, exames, banhos e tosa. Era o mínimo que
lhe poderíamos dar, em troca da alegria e ensinamentos que ela nos
propiciou, ao longo de nossa convivência. Em sua velhice, tornou-se
cardíaca e passou a ter problemas pulmonares, que lhe causavam uma
espécie de tosse ou pigarro. Às vezes latia, de forma incisiva, no
silêncio das madrugadas. Suponho que sentisse algumas dores ou
incômodos, apesar dos medicamentos que lhe ministrávamos, por
recomendação da medicina veterinária.
No
dia 23 de dezembro, seguimos para Parnaíba, levando-a em nossa
companhia. Por ocasião do natal, ela adoeceu, tendo apresentado uma
supuração vaginal. Foi levada ao veterinário, que após exame e
indagações aos donos, disse que ela apresentava sério problema
nos ovários, pelo fato de nunca haver cruzado. De fato a nossa
Anita, ao contrário da ninfeta da minissérie global de igual nome,
era virgem, e nunca manifestou interesse pelos cães que encontrou em
raras circunstâncias. Nossa família, da qual a considerávamos
parte, lhe era o bastante, e de nada ela aparentava sentir falta, a
não ser de nossos cuidados e de nossa companhia.
Anita
teve alta no dia 28, e nesse mesmo dia a levamos para casa, pela
manhã. Contudo, na tarde do dia seguinte, domingo, como ela gemesse
e demonstrasse estar muito debilitada, a levamos novamente à
clínica. Os atendentes acharam que era melhor ela voltar a ser
internada, porquanto poderia precisar de aparelhos e medicamentos que
não teria em casa. A cadelinha, encontrando uma porta de consultório
aberta, para lá se dirigiu, como se precisasse de repouso e
isolamento. Diante disso, embora com alguma relutância, tomamos a
decisão de entregá-la aos cuidados da casa de saúde.
Para
nossa imensa consternação, cedo da manhã da segunda-feira, véspera
do final do ano, recebemos, por telefone, a informação de que Anita
falecera na madrugada. Segundo nos disseram, sofrera uma parada
cardíaca. Ainda lhe aplicaram oxigênio, mas sem sucesso. Espero que
ela tenha tido uma boa morte, sem sofrimento, mas disso jamais
teremos certeza.
Eu
e a Fátima já havíamos tomado a deliberação, alguns anos antes,
de que ela seria enterrada perto do memorial a meu cunhado e amigo Zé
Henrique, no local onde ele sofrera o acidente motociclístico do
qual veio a falecer, e onde já se encontrava sepultada a nossa
cadela Belinha, na periferia de Altos, na saída para Campo Maior (1
Km após a linha férrea). Entretanto, eu já antevendo a
possibilidade de a sua morte ocorrer em Parnaíba, imaginei que ela
deveria repousar para sempre à sombra de verdejante e frondoso
pau-d' água, existente no quintal da velha casa da Várzea do Simão,
na qual moraram e morreram João Simão e dona Filomena, pais de
Fátima, que imediatamente concordou com essa sugestão.
Recebemos
na clínica o corpo de Anita, e seguimos para o local do
sepultamento. Ao meio dia, bem junto ao tronco do centenário pau-d'
água, para ela melhor ficar resguardada, o Reginaldo cavou a sua
pequena cova. Pedi que fosse um tanto funda, para que nenhum bicho
incomodasse o repouso eterno do pequenino cadáver. Retiramo-lo da
caixa e do invólucro de plástico.
Envolvemo-lo
em tecido de algodão, para que ele mais eficazmente se integrasse ao
pó da terra, de que somos todos constituídos, e para que melhor a
matéria orgânica fertilizasse a terra, e se tornasse seiva que
alimentasse a bela e sobranceira árvore que lhe daria abrigo e
sombra. Cuidadosa mas firmemente, cobri o corpo de Anita com a terra
retirada. Não mais a verei, porém sempre a estou revendo em minhas
lembranças, em meu pensamento, em minha saudade. Agradeço a Deus
por nos tê-la dado, por mais de doze anos de enriquecedora
convivência.
Não
sei se os animais têm alma. Se tiverem, sei que a de Anita estará
em uma bela e aconchegante morada, porque ela, a seu modo, nos amou e
cuidou de nós, em sua fidelidade e bravura canina. Afinal, fomos a
única família que ela conheceu e teve. E todas as vezes em que eu
vislumbrar o sol reverberando intensamente nas verdes e esmaltadas
folhas do imponente pau-d' água, de suntuosa e acolhedora copa, sob
a qual, tantas vezes, costumamos ficar, lembrar-me-ei da mimosa e
fofa cachorrinha, que nos deu alegria e amor sem jaça, escoimado de
qualquer interesse espúrio.
Que lindo!!! Elmara, querida, também tive minha Dedéia por quase doze anos. Amei e fui muito amada por ela. Só nós, que temos a sorte de ter uma cachorrinha, sabemos o quanto somos capazes de amar estes pequeninos seres e o quanto dói quando eles se vão. A minha se foi em 2005!!! Força e paz para vocês! bjuuu DaNi
ResponderExcluirCaro amigo Elmar.
ResponderExcluirAcabo de receber o e-mail que me transportou para o seu blog onde li a sua crônica, "A morte de Anita". Ao término da leitura, bastante emocionado e estava derramando lágrimas e com os dedos trêmulos e titubeantes, fiz o remanejamento da mensagem para enviá-la para os meus contatos, imaginando a dor da perda para você e sua família.
Temos em nosso lar uma cadela maltês, a Nicole que é muito querida por todos de nossa família. Não quero nem pensar no dia de sua inevitável partida a que todos os seres viventes estão destinados.
Com as condolências fraternais.
Orlando Martins Pinheiro
Caro Dr. Orlando,
ResponderExcluirAs suas palavras me comoveram.
Obrigado por sua compreensão humana, e mais do que humana, fraterna.
O nobre amigo tem sensibilidade, e tem a grandeza de reconhecer o mérito dos outros.
Talvez o dom e a virtude da empatia lhe tenham advindo do exercício correto da magistratura...
Abraço,
Elmar
Caro Elmar,
ResponderExcluirEngraçado como a gente se apega a esses animais, trata-os com amor, carinho e respeito. Difícil ter alguém que não goste desses pequeninos seres. Meses atrás, vindo de Tutóia, ao nos aproximarmos do entroncamento para alcançar a BR 343 nas proximidades do posto da PRF um vira-latas cruzou a frente de nosso automóvel. Como eu já vinha em marcha lenta, diminuí mais ainda a velocidade, coloquei minha cabeça fora na janela, e, imitando um artista de um programa de humor da televisão gritei: nojeennnto! A Zaira Maria, minha netinha de apenas três anos repreendeu-me dizendo: "Vô, a professora disse que não se pode maltratar os animais. Eles são criaturas de Deus. Aprendí a lição.
Um abração amigo e feliz 2014.
Caro Gallas,
ResponderExcluirEssa lição dada por sua pequenina neta é uma demonstração cabal de que a escola pode contribuir e muito para a formação moral dos jovens, em apoio à família, mormente se houvesse uma vontade política firme dos governantes e o comprometimento dos educadores, que não deveriam ser apenas transmissores de conhecimentos.
Abraço,
Elmar
Meu amigo Elmar. Fui trabalhar no sábado imaginando que não teria nada de excepcional, até porque os sábados geralmente são dias da semana sem graça nenhuma quando se trabalha em televisão. Quando abri o site propanaiba e comecei a ler seu artigo A Morte de Anita, me veio de repente um acesso de choro incontido. Tive que parar e sair da sala e somente depois já refeito da emoção pude retomar meu trabalho.
ResponderExcluirAgora refeito daquela emoção toda, que me inundou a face de lágrimas, posso lhe dizer que a maior das homenagens já escritas por um homem a um animal estão naquele artigo. E me lembro de outro piauiense assim igual nós, filho de Piracuruca, o juiz Magalhães da Costa, em uma entrevista pra revista De Repente, do também nosso amigo comum Pedro Costa, quando certa vez se referiu aos animais como "nossos irmãos menores".
Sinceramente não me surpreende esta sua sensibilidade. Fico por aqui, agora refeito da forte emoção, agradecido por ter me proporcionado uma leitura tão linda. Somente quem teve um cão é que sabe o que é fidelidade.
Recomendações à familia.
Seu amigo e colega de academia, Antonio de Pádua Marques Silva.
Caro amigo Pádua Marques,
ResponderExcluirTomei a liberdade de publicar o seu belo e estimulante comentário em meu blog, no lugar destinado a essa finalidade.
Por sinal hoje, no consultório do radioncologista José Andrade Carvalho Melo encontrei a viúva e o filho (Jomali) do saudoso escritor Des. Magalhães da Costa, de quem tive a honra de ser amigo. Conheci-o ainda no tempo em que ele exerceu a judicatura em Parnaíba
Abraço,
Elmar
Amigo Elmar,
ResponderExcluirLi, consternado, a crônica de Anita e Belinha.
Foi uma pena o passamento delas.
Saudades do amigo.
Precisamos sentar em uma tertúlia literária em um bar das Parnaíba.
Abraços,
Roberto
Amigo Roberto Veloso,
ResponderExcluirSeria uma satisfação estar com o nobre amigo em Parnaíba, para termos uma boa conversa, em que certamente falaríamos de literatura e das demais coisas boas da vida.
Ainda agora e sempre sentiremos falta das cadelinhas Anita e Belinha, que foram importantes para mim e minha família.
Abraço,
Elmar
Achei muito lindo sua homenagem prestada a sua cadelinha Anita, fiquei bastante comovida com o que li, pois também passei por tudo isso que passou, com dois cachorrinhos que amava bastante e ainda hoje os amo. Meu sofrimento foi parecido com o de sua família, pois o meu primeiro cachorrinho "Botafogo", que adquiri na transição da adolescência viveu 19 anos e a minha segunda cachorrinha Nina que já adquiri quando comecei a cursar medicina veterinária também viveu 19 anos.
ResponderExcluirInfelizmente tiveram uma velhice com muitas doenças. As noites eram triste s e dolorosas. Eles latiam e choravam muito, apesar de todo zelo, amor e das medicações administradas.
Bom, sempre tive muito amor pelos animais e foi por esse motivo que me formei em veterinária. No decorrer do curso me encantei mais ainda pelo universo dos animais. A cada cirurgia, doença, necropsia ou morte dos animais era muita dor para mim.
Pode até parecer "clichê," mas, verdadeiramente, o melhor e mais fiel amigo do homem é o animal, pois este dá amor, carinho e companhia ao próximo sem exigir nada em troca.
karla Oliveira.