Gilberto
de Abreu Sodré Carvalho
O
trabalho de pesquisa genealógica de Edgardo Pires Ferreira, “Os
Castello Branco e seus entrelaçamentos familiares no Piauí e
Maranhão”, 2013, em edição revista e, digo, imensamente
ampliada, é obra indispensável de ser lida e consultada. Dentre as
inúmeras novidades ou achados novos que contém, principalmente
confirma quem foram os protagonistas da chamada conquista do Piauí.
No livro, juntam-se, não por coincidência simplória, genealogia e
história ao cuidar-se das pessoas e famílias que se reportam a
Francisco da Cunha Castello Branco, fidalgo português que veio ao
Maranhão no final do século XVII.
Ora,
a conquista do Piauí? Atos de guerra, muita morte e mesmo genocídio?
Talvez sim, ou bem assim. No entanto, sem isso não haveria o Piauí
que temos hoje. Nenhum de nós, hoje viventes, teria existido. A
história muda a dinâmica dos fatos, cria possibilidades novas e
frustra o que vinha sendo e foi podado. Por certo, os episódios da
tomada de terras dos índios corresponderam à sua morte ou
afastamento para a Amazônia; ou à assimilação de muito da cultura
indígena e do DNA nativo pelos filhos dos portugueses brasílicos. E
o mais intrincado: a dificuldade para se ter uma argumentação
histórica comum a todos os piauienses. Eles se veem divididos entre
serem descendentes de índios degolados ou de o serem de portugueses
assassinos. De fato, descendem de ambos.
A
mesma tensão ocorre no Brasil inteiro. Uma vez que se evoque a nossa
negritude de cultura e DNA, teremos dúvidas na mente dos pardos ou
morenos. Os filhos e netos dos novos emigrantes dos séculos XIX e XX
– como dos espanhóis, dos alemães, dos italianos, dos japoneses,
dos árabes - mais ainda se dividem, porque, ao mesmo tempo, querem e
rejeitam uma história não vivida mas adotada, em parte ou no todo,
conforme a sua porção de sangue estrangeiro em disputa com o lado
brasileiro. Confio que a crescente miscigenação resolva todos esses
conflitos de identidade e se chegue a uma história politicamente
correta, de verdade, que não escolha estar do lado de nenhuma das
nossas etnias. Uma história revista em sua argumentação ufanista
dos portugueses, mas não a ponto de nos voltarmos contra os fatos
vistos nos seus contextos e época em que foram encenados.
Escrevo
tudo isso para dizer que não devemos ter vergonha irrestrita e
apressada dos nossos antepassados portugueses.
Nessa linha de pensar, é muito valiosa a saga dos cinco
irmãos Carvalho, a saber: capitão-mor Manuel Carvalho de Almeida,
capitão-mor Antônio Carvalho de Almeida, padre Miguel de Carvalho,
padre Thomé de Carvalho e Silva e padre Inocêncio Carvalho de
Almeida. Todos eles nasceram em Portugal e foram filhos de Belchior
Gomes de Cunha e de Isabel Rodrigues. O sobrenome Carvalho, que
adotaram de forma variada, com ou sem o “de” Carvalho, ou o “de
Almeida” ou o “e Silva”, é resultado de a tomada de apelido
ser livre para aqueles que chegavam à idade adulta. Não se impunha
o sobrenome ao se nascer, como ocorre agora, desde os anos 30 do
século XX. O apelido Carvalho deve ter sido decorrente da
afiliação espiritual dos irmãos frente a seu tio Bernardo Carvalho
de Aguiar, comandante da Conquista. De relevante se tem que os cinco
irmãos foram protagonistas das campanhas de dizimação do chamado
gentio. Manuel e Antônio como militares e, sem dúvida, matadores de
índios, abrem espaços larguíssimos para a pecuária e para a Cruz.
Os dois se casam; o primeiro, Manuel, com uma filha de Francisco da
Cunha Castello Branco; o segundo, Antônio, com uma neta do mesmo
Francisco e filha de João do Rêgo Barros, outro conquistador. Os
três sacerdotes são o famoso padre Miguel, pároco muito influente
e o primeiro cronista do Piauí, e os dois outros menos conhecidos,
padre Thomé e padre Inocêncio, também esses vigários e hábeis na
geração e uso do poder secular.
Tudo
faz concluir que os irmãos Carvalho agiram em conjunto, a combinar o
poder militar com o da Igreja, para o engrandecimento do seu
prestígio político e da propriedade de terras e gados. Percebe-se a
importância da ajuda fraterna que tiveram Manuel e Antônio, tanto
para a obtenção de enormes sesmarias como de suporte de retaguarda
na submissão das almas nas suas novas terras. O início do século
XVIII presenciou grande poder da Igreja e da Inquisição.
O
livro de Edgardo Pires Ferreira é abundante em dados sobre essa era
remota, aos quais ele nos faz presentes pela liga com o povo de carne
e osso que hoje vive no Piauí e no Maranhão. Essa gente precisa
saber que é a história viva e miscigenada de uma epopeia que começa
noutros tempos e contextos.
Fonte: Portal Entretextos
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