Antônio José, José Francisco, Diogo, Edson e Elmar |
3
de abril Diário Incontínuo
VIAGEM
AO SAPUCAIAL
Elmar Carvalho
Desde
que o meu cunhado Zé Henrique ainda era vivo que eu pretendia
visitar o nosso amigo comum Edson Paz em sua fazenda Sapucaial.
Portanto, já lá se vai quase uma década. Por motivos diversos fui
adiando essa viagem durante esse tempo. Ao me encontrar com o seu
parente e amigo Alfredo da Paz Neto falei-lhe desse meu projeto há
muito acalentado. Manifestou-me ele o desejo de fazer parte dessa
excursão ao Sapucaial. Fez ele os contatos telefônicos e pessoais
com o seu primo Edson, e finalmente executamos esse desiderato no
domingo passado.
Seguimos
eu, meu irmão Antônio José, José Francisco Marques, Alfredo e
Diogo Paz. Quando chegamos à bela sede do aprazível sítio, o
Senhor de Sapucaial já nos esperava com um delicioso churrasco de
carne bovina, caprina e suína, sem embargo de uma cerveja
lucidamente gelada e outras iguarias. O Zé Francisco preferiu a
companhia do velho pirata Gran Montilla, com o seu indefectível olho
vendado e o inseparável papagaio empoleirado no ombro.
A
alegria dos expedicionários foi contagiante, durante todo o tempo em
que estivemos no Sapucaial, que se prolongou das onze horas até a
boca da noite. O nosso piloto manteve-se briosamente afastado das
libações etílicas, conforme previamente acertado. Conversamos
sobre passagens engraçadas de nossas vidas, posto que não víamos o
Edson Paz há muitos anos, sem prejuízo de outros assuntos
anedóticos, jocosos e aleatórios.
Diogo, Zé Francisco, Elmar, Alfredo e Edson |
Em
minha adolescência estive na fazenda São José, pertencente ao
saudoso Júlio Paz, patriarca da família do Edson, onde passei
alguns dias. Fui em companhia do amigo José Wilson de Oliveira Paz,
sobrinho de dona Marica, esposa do senhor Júlio. Cedo da manhã nos
dirigíamos ao curral, onde sorvíamos um grande copo de leite
“mungido”, tirado na hora dos fartos úberes bovinos, espumante,
forte, saboroso e saudável. Quando dava perto das dez horas íamos
ao povoado Lagoinha, que ficava perto, deitar conversa fora e
tomarmos algumas talagadas de pura calibrina serrana ou mesmo alguns
copos de cerveja, que também havia.
Numa
das noites fomos a um forró, que aconteceria na latada de uma casa
um tanto afastada do povoado. Tivemos que ir a cavalo, em vereda que
passava por dentro da caatinga. Contou-me o Edson Paz um episódio
hilário que eu já havia esquecido: quando eu tentava montar o
cavalo que me fora destinado a minha calça descosturou-se de forma
vexatória e humilhante, diria, não fora a cueca que eu usava. Vesti
uma outra calça, e fui enfrentar bravamente o forró interiorano, a
que eu não era habituado. Tentei namorar uma cabrocha, mas as
rurícolas daquele tempo eram muito desconfiadas e ariscas com
relação aos rapazes da cidade.
Em
nossa adolescência, eu e o Edson fomos tomar umas carraspanas em um
boteco mais ou menos próximo da estação ferroviária de Campo
Maior. Quando adentramos o barzinho, um rapaz que eu não conhecia,
pediu-nos uma dose de pinga, acrescentando que em paga nos ensinaria a
bebermos e a continuarmos “bonzinhos”, sem nenhuma alteração. O
Edson, com a sua fleugma e humor britânicos, pediu ao rapaz que não
lhe desse esse bizu ou dica, pois estaria jogando dinheiro fora, uma
vez que se bebia era para exatamente não ficar “bonzinho”. Mesmo
assim creio que pagamos uma dose para o “bem intencionado” e
bisonho jovem.
Em
outra ocasião, ainda em nossa juventude, presenciei o Edson evitar
uma tragédia. Estávamos em um bar, iniciando as lides etílicas,
quando um rapaz começou uma discussão com o proprietário do
comércio, por causa de uma “desfeita” que este lhe teria feito
há algum tempo. De maneira inesperada o suposto freguês sacou de um
canivete e o encostou no pescoço do comerciante, na região de sua
jugular.
O
velho Edson, com a sua costumeira calma e presença de espírito,
aproximou-se dos dois desafetos, que eram seus conhecidos, e passou a
elogiar a pretensa beleza da pequena arma branca, dispondo-se a
comprá-la, de modo a desviar a atenção do jovem de sua finalidade
belicosa. Em frações de segundo, como num gesto de prestidigitação
de hábil mágico, o Edson Paz conseguiu arrebatar o canivete, dando
um final feliz a uma possível tragédia.
A
casa do sítio Sapucaial fica no cimo de suave outeiro, de
onde nos deslumbrávamos com bela e verdejante paisagem a perder de
vista. Inicialmente ficamos
à sombra de enorme mangueira. Depois, quando fomos abençoados por
uma chuva mansa, nos abrigamos num dos alpendres do aconchegante
solar.
A
tarde transcorreu de forma agradabilíssima, recheada de outras
lembranças interessantes, enquanto ouvíamos melodias que nos
encantaram em nossa adolescência e juventude; que certamente
embalaram as nossas danças e namoros, e que ainda hoje nos comovem.
Além da música mecânica, tivemos também uma apresentação ao
vivo do Zé Francisco, que, tendo esquecido seu amigo violão,
enfrentou com galhardia um cavaquinho de nosso anfitrião, que lhe
acompanhou com uma competente percussão pandeirística.
Embora
o imóvel tenha sido adquirido por herança, o Edson Paz contou-nos
que teve de trabalhar com afinco e muita determinação, ficando ali
quase isolado, por vários meses ou mesmo anos, para lhe conseguir
dar uma finalidade econômica, sobretudo com a instalação de uma
granja, que sabidamente requer muito esforço e dedicação. Nessa
brava luta teve a companhia e o apoio de Rosália, sua mulher. Seu
mercado é a cidade de Castelo e as urbes circunvizinhas. Com o
surgimento de concorrência, ele passou a achar mais viável adquirir
frangos já prontos para o abate, e posteriormente para a venda.
No
decorrer da conversa e dos discursos, ele nos revelou que também
tinha como atividade econômica a venda de lenha, extraída de sua
fazenda. Imediatamente, perguntei-lhe se essa atividade não iria
devastar o imóvel. Todos sorriram, e me foi perguntado se eu
pretendia denunciar o meu velho amigo ao IBAMA. Respondi que se
tratava de mera curiosidade, claro. Entretanto, fiquei feliz e
totalmente à vontade quando o Edson respondeu que produzia a
extração da lenha de acordo com as recomendações desse órgão de
defesa ambiental e com a sua devida autorização.
Ou
seja, a sua atividade comercial era autossustentável, inclusive
merecendo o elogio de ambientalistas. Em seguida, apontou para
determinada parte da fazenda e disse que as árvores ali existentes
já eram as restauradas ou replantadas. Sendo ele inteligente e um
bom cidadão jamais iria degradar o seu terreno, matando dessa forma
a sua “galinha dos ovos de ouro”.
Para
concluir este registro, que já vai se alongando, direi que foi uma
tarde memorável, inesquecível, em que degustamos um saboroso
churrasco, ouvimos lindas canções, mantivemos alegre e interessante
palestra, e tomamos um agradável banho em sua excelente piscina,
mormente quando fomos saudados por uma chuva, que abençoava a
encantadora paisagem florestal que da colina descortinávamos.
Como
se tudo isso ainda fosse pouco, fomos aquinhoados, à boca da noite,
com um lauto jantar, propiciado pela Rosália, esposa de nosso
pródigo anfitrião, o insigne Barão de Sapucaial.
Só você mesmo, Mestre Elmar Carvalho com sua probidade literária para conseguir retratar com tamanha fidelidade esse dia tão auspicioso.
ResponderExcluirFoi o que podemos chamar de um dia perfeito em que pude constatar a verdadeira acepção da palavra amizade. O nosso anfitrião Edson e a sua esposa não mediram esforços para que nos sentíssemos ainda mais confortáveis do que naturalmente já nos sentíamos.
Não bastassem todos esses atributos, tivemos as companhias do nosso Dr. Alfredo Paz, cuja educação transcende as raias do limite, o nosso Diogo Paz e o seu reconhecido carisma e com o nosso Antônio Carvalho, como sempre nos brindando com a sua contumaz presteza.
Lugar perfeito de gente perfeita e uma paisagem que nos brindou como premio maior de uma argentária loteria.
Mestre,
ResponderExcluirfoi um dia tão maravilhoso, num local tão excelente que eu tomarei a liberdade de considerar o Sapucaial como uma verdadeira Pasárgada do poema de Manuel Bandeira, ainda mais com a companhia que tivemos, às quais você se referiu.
Edson... Estudamos na mesma época do início dos anos 70 no inesquecível Colégio Estadual de Campo Maior...Diogo, Afredo... Zé Francisco ainda não fazia seresta por aí neste tempo não... O cenário me confirmando o bom inverno que está tendo a bonita região.
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