DISCURSO DE UM DOIDO
Jacob Fortes
Quando, numa manhã aprilina, década de 70, transitava pela Rodoviária (que, naquela época, “valia por todas as esquinas que Brasília
não tem”), deparei-me com um homem falastrão que fazia uma pregação
desconexa. Valia-se de vocábulos e expressões que lhe emprestavam qualidades intelectuais.
Evidentemente, não me foi possível memorizar tudo o que ele dizia, mas pude
intuir o sentido da sua fala; retive a ideia central da sua elocução. Esquálido
e com esgar de louco, dizia o homem imprimindo fervor à sua verdade; que lhe
parecia redentora.
“— Sou o guardião desta cidade. Só
tenho dez minutos para apresentar o relatório sobre o paradeiro da mala. Cadê a
mala que se perdeu neste canteiro de obras? Juscelino não trouxe a mala. Trouxe
candangos, com malas e matolões; também, os “malas-sem-alça”. Procurei a mala
no porta-malas do Aero Willys do Bernardo Sayão; ele engrossou o rol das vidas
ceifadas, mas ficou o seu Aero Willis na garagem. Reconheço o meu lugar;
mantenho-me em vigília. O adversário de Juscelino não sou eu, é o Carlos
Lacerda, que não confessa, mas anseia que um buraco de construção sirva de
túmulo para JK. Agora caio em mim e percebo a loucura dos migrantes chegando
com suas malas na cabeça, apressados, desatinados. Enquanto a cidade brota
deste chão vermelho eu procuro a mala e não acho. Se eu não achar a mala irei
denunciar à oficialidade. Não interrompa minha conversa sem pedir licença. Sou
o historiador oficial desta cidade. Falo em nome do Presidente. Segundo a
unanimidade dos relatos o que fez acender o estopim da insurreição foram as
condições do acampamento....”.
Há
sobre a terra tipos de pessoas a quem não se deve reptar. Os mais conhecidos
são os acometidos de “delírium tremens”,
(beberrões) e os loucos. Da boca de
ambos brota a insânia, o furor, o desvario, o estúrdio. Mas doido, unicamente, são apenas os que,
pelas vias ou logradouros, se detém em solilóquios ou cada um de nós é
legatário do gene que afeta o controle da razão? Vamos pesquisar.
— Qual
sua opinião, Freud?
—
Guardada as devidas proporções todos somos loucos, inclusive eu, Sigmund Freud.
Não foi sem razão que prescrevi o brocardo: de
médico e louco todo mundo tem um pouco.
Sendo
assim, e já que os loucos gozam do excludente de criminalidade, deixemo-los que
se comprazam nos efeitos das suas loucuras. Afinal, tudo tem o seu sentido, inclusive
a insensatez para tonificar o discernimento.
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